Não podendo me conter nem um minuto a mais, dou passadas largas através da sala. Desviando aos poucos da mesinha de centro de momento em momento, onde tenho meu notebook aberto, pelo qual trabalhava arduamente minutos antes. O som de meu telefone tocando, ressoou por todo o ambiente e antes que o rock pesado acordasse minha bebê que dormia faz pouco mais de vinte minutos, atendi sem ao menos olhar de quem se tratava. E claro que a notícia que recebi me teve quase explodindo em mim mesmo.
- Diga novamente! Acho que não ouvi com clareza! - a euforia que explodia em meu interior é contagiante, minha amiga e muitas vezes conselheira nos tempos vagos, gargalha alto do outro lado. Posso imaginar seu rosto redondo estampado por alegria e seus olhos castanhos claros quase se fechando mediante seu sorriso largo.
- Ouviu sim seu bobo! Mas como queira. - pigarreia levemente e já até sei o que vai fazer. Sua voz agora grossa ataca meus ouvidos. - Eduardo gostou de você. Quando foi entrevistado pelo técnico faltou pouco te colocar em um pedestal. O juiz analisou tudo e na semana que vem, poderá passar algumas horas com ele!
- Mentira!
- Verdade seu lindo! Dudu amou te conhecer.
- Nem sei o que dizer!
- Só concorde com o horário e dia, esteja lá para nosso menino!
Tentando conter meu sorriso, paro no centro da sala. Meu primeiro encontro com Dudu vindo em flashes em minha mente. O sorriso contido no início, a maneira que segurou firmemente a mão de Raquel como um bote salva vindas, suas bochechas coradas, o olhar afiado em minha direção, sua doce voz, nossa conversa leve mas ao mesmo tempo reveladora. Tudo vem sobre mim como uma onda forte, açoitando meu corpo com toda a força possível lançando - me contra as rochas.
A vulnerabilidade explícita em sua voz em alguns momentos durante nosso diálogo, seus traços ainda crus riscados sobre o papel branco, o ser solitário traçado naquele desenho, seus dedos magros mas firmes. Sua figura diminuta mas ainda assim forte me envolveu de um jeito. É como se ele tivesse sido feito exclusivamente para mim.
Para ama - lo, cuida - lo e instrui - lo com todo o meu amor no caminho da vida, que em muitos momentos não é fácil.
- Parece um sonho sabe? - digo distraidamente.
- Não é, acredite! Como vai a pequena?
- Oh, linda e saudável! Acha que Dudu ficaria com ciúmes dela? - exponho minha preocupação, a qual tem pulsado como uma ferida aberta tem dias.
- Não acho que isso aconteça! Sua intenção no início era de somente adotar uma criança na faixa etária concernente a de Dudu. Mas creio que Deus quis colocar essa pequena jóia em suas mãos também, só se permita viver o amor deles. Crianças tem muito amor a oferecer você sabe sim?
- Muito, são seres tão inocentes!
- Que precisam ser cuidadas e não feridas! Por isso amo meu trabalho e não me vejo fazendo outra coisa que não ser guardiã dessas crianças.
- Você tem razão! Ah, antes que me esqueça, como foi no dentista?
- Foi bom ter me lembrado. O dentista informou que ele tinha além das diversas cáries, também uma parte da gengiva inflamada.
- Meu Deus Raquel! Como não viram isso quando ele chegou no Lar de Luz?
- Ele não falava quando chegou aqui e muito menos comia. Então era certo que não reclamaria de dor.
- Cristo! - ela se cala por um momento. E sei que nesse silêncio tem mais. Pigarreio me preparando para o que virá.- Tem mais não é?
- Infelizmente. O levei também ao pediatra. Além do baixo peso, ele está com uma anemia forte, comprei os alimentos que ele teria de ingerir além da medicação.
- Eu vou pagar por tudo!
- Pedrinho, não precisa!
- Preciso! Me mande o quanto custou para o Lar!
- Pedrinho....- fecho meus olhos firmemente sabendo que não ganharei essa guerra.
- Vamos fazer assim: me manda o quanto custou tudo, desde o dentista aos medicamentos. Vou converter em uma doação o que acha?
- Tudo bem, seu teimoso! - disse com um suspiro alto.
- Te amo, você sabe sim?
- Eu sei! Não tem como não me amar!
- Não é para tanto! Agora quando virá aqui tomar um café comigo ou almoçar? Tem tempo que não vem aqui? - um longo silêncio se segue onde somente posso ouvir sua respiração ruidosa através do receptor do aparelho. - Raquel?
- Estou aqui. Pode marcar um dia. Será bom sair com pouco!
- Com certeza! - o chorinho de Antonella chega até meus ouvidos. - Bem, o dever me chama. Tenho que ir.
- Vai lá super pai! - ao desligar um corpo passa correndo por mim. Isso já está virando mania.
- Eu pego ela, deixa comigo!
- Tom, você vai mimar essa menina. E quando isso acontecer, virá morar comigo!
- Essa é a intenção mano! - me lança uma piscadela marota. Enquanto o observo brincar com Antonella, me lembro de meu irmão. Felippe. - Ainda não vi o Fe por aqui. Onde está aquele folgado?
Dou de ombros me sentindo pequeno de repente. Como havia dito na semana passada, ele realmente foi embora. Mamãe tenta não demostrar mas sei que está sofrendo assim como todos na família. Nunca se separou de nós, até nas férias em família. Estávamos juntos, mas agora foi de repente. Como um interruptor que é ligado ou desligado. Ele nem ao menos conheceu a sobrinha e sei o quão árduo isso seria para ele. Penso que o que aconteceu entre ele e Manu foi bem mais profundo do que nós possamos imaginar. Mesmo tendo acontecido em questão de semanas.
- Pedrinho? Estou falando com você!
- Viajando!
- Nossa, ele nem me levou! - sua características faciais se murcham diante da tristeza.
Mesmo que tenhamos famílias diferentes em alguns aspectos, desde o momento que ele aprendeu a falar e a decidir as coisas, sempre passava as férias, feriados e alguns fins de semana conosco. Tom é muito apegado a nós e não reclamo de nada disso, eu o amo. Assim como sua mãe que é bem louca e foi a única a colocar meu pai na linha. Bem a mulher tem porte legal de arma e bem durona.
- Não seria possível Tom. - entro e me coloco ao seu lado. Minha bebê não chora mais, ela ouve atentamente nossas vozes. Seus olhinhos cinzentos meio abertos, na certa voltará a dormir daqui há alguns minutos. Tento diminuir o tom de minha voz. Enlaço seu braço no meu. - Fe não está em um bom momento e creio que não seria boa companhia para ninguém.
- Mas...
- Nada de "mais"! Como andam suas notas? - levo - o para fora do quarto quando vejo que ela voltou a dormir. Nos jogamos em meio às almofadas coloridas do sofá. Ele se enrosca em mim como a um pouco. Beijo seus cabelos castanhos.
- Credo está parecendo minha mãe falando!
- Tia Suelen é louca eu sei. Mas te ama!
- Também a amo, mas nossa! - passa seus dedos através dos fios lisos. - Esses dias ela colocou uma amiga minha para correr do meu quarto, fingindo ser uma irmã super louca!
- Bem a cara dela! Era uma amiga mesmo?
- Talvez eu tenha beijado ela.
- Está explicado. É tão novo para namorar Tom! - amasso suas bochechas. Ele bufa, seu bico de peixe fofo.
- Oh, minhas bochechas! Largaaaaa!
- Diz que me ama!
- Te amo dando duas voltas na terra!
- O mesmo por você maninho! - beijo sua testa. - Mas não me respondeu.
- Estou mantendo elas, acredite.
- Isso é bom! Minha mãe foi ao mercado, vou mandar uma mensagem para ela pedindo algumas guloseimas. O que acha?
- Bem, se não chegamos na hora certa! - minha porta se abre. Por ela passam meus primos com sorrisos bestas no rosto.
- Pensei que não viriam me ver seus ingratos! - Tom vaia, pulando sobre os primos. Os gêmeos gargalham alto bagunçando seus cabelos. Arthur o coloca de cabeça para baixo. Sacudindo - o como um saco de batatas.
- Não chamei vocês aqui. Dêem meia volta!
- Ouvi guloseimas, estou certo Tom? - me ignora prontamente. Lanço uma almofada em seu rosto. O imbecil nem se move. Tom se agita, ainda de cabeça para baixo, achando o máximo a nova posição.
- Muito certo cara! Mano, mande a mensagem para tia Lua! Vai ser legal!
- Você quem manda Tom! - digo alegremente. Os gêmeos vaiam alto. Acerto outras duas almofadas, agora neles. Com bicos enormes, me enviaram de lado.
- O que eu fiz?
- Falem separados por favor e baixo! Temos uma criança em casa! - seus rostos se iluminam como árvores de natal. Acho que se esqueceram do meu novo status no momento. Pai de primeira viagem.
- Quero ver a princesa! - os três dizem juntos. Reviro meus olhos, Tom é jogado no sofá mais próximo, notadamente esquecido.
- Ei!
- Venham, mas como disse: silêncio!
Depois de babarem a sobrinha e tirarem muitas fotos das quais algumas enviaram para meus tios, voltamos para a sala. Tom passeava através dos canais entediado. Nos apertamos no sofá como fazíamos anos antes, como quando não éramos nada mais que um amontoado de ossos e hormônios em ebulição.
Vinte minutos depois, mamãe chega acompanhada de meu pai e minhas tias. Falam rapidamente conosco e logo somos esquecidos. Passamos parte da tarde e noite colocando séries em dia, Tom dormiu as onze contra a sua vontade. O menino lutou contra o sono bravamente. Os gêmeos tiveram que ir dizendo que tinham um encontro. Me despedi deles, pedindo para tomarem cuidado e se beberem para não dirigirem, depois de me chamarem de "mãe" debochadamente se foram. Somente Arthur ficou.
Ajudamos a limpar a cozinha, secando as louças, guardando - as em seguida. Peguei uma taça com vinho e ele se serviu de uma cerveja artesanal. Nos dirigimos até o quintal traseiro e nos sentamos lado a lado no sofá confeccionado por vó das Flores.
- O que se passa?
- Nada! - Arthur dá de ombros, o olhar em frente.
- Está vendo algum palhaço aqui? Você está muito quieto, inclusive depois de ter recebido uma mensagem duas horas antes. - alfineto me lembrando do episódio.
- Cibele voltou para o Brasil. - fico estático processando a informação.
Cibele é a sua ex noiva. Alta, pernas assassinas, olhar castanho claro fatal e um corpo de dar inveja a qualquer mulher nessa terra. Tão bonita por fora, mas mesquinha por dentro. Ela e meu primo namoravam desde o ensino médio. Eram inseparáveis mesmo que tia Lorena não fizesse questão de esconder sua opinião negativa acerca da garota. Estavam bem até um ano atrás quando ela recebeu uma proposta para modelar fora do Brasil. Como uma modelo bem famosa, não hesitou em ir. Deixando para trás meu primo com o coração aos pedaços. Ele dizia que estava bem mas nunca nos disse como foi a conversa deles. Penso que aconteceu algo mais sério, meu primo não lidou muito bem com o término e precisou passar por psicólogos.
- Bom para ela não? Que ela fique longe de você!
- Fico honrado que se preocupe tanto assim com minha honra! - floreia alegremente. Toma um gole de sua cerveja longamente, olha para longe e logo concentra sua atenção em meu rosto. - Há algo que nem minha mãe sabe. O motivo de realmente termos terminado nosso noivado.
- E o que foi? - digo lentamente, fazendo o máximo para não força - lo a falar.
- Quando ela me disse que iria embora para a Alemanha, estava grávida.
- Oh puta que pariu! - engasgo com o vinho que tomava. Depois de conseguir respirar normalmente, fico quieto pois sei que vem mais.
- É nessa vibe Pedrinho! Discutimos pelo fato de que não queria que meu filho nascesse em outro país, longe de mim que tinha uma vida estável aqui. A clínica onde trabalho me proporciona um nível de vida suficientemente bom para nos prover. Ela riu na minha cara, dizendo que estava sendo injusto com ela. Que ela assim como eu tinha uma carreira, que seria bom que a apoiasse como me apoiou. - uma risada gélida salta de seus lábios. - Dois dias antes de viajar, foi me ver e não havia mais bebê! - sinto o momento exato que meu coração pulsando velozmente segundos atrás para totalmente.
- Arthur...
- Ela simplesmente me matou naquele dia. Se não fosse o sonho dela ser mãe, eu tentaria entender. Juro que tentaria, éramos namorados por tanto tempo. E quando ela me disse que estava grávida, parecia tão feliz quanto eu. A oportunidade da vida dela surge e então nada.
- Por que não nos disse nada sobre isso?
- Não queria parecer um fracassado diante da minha família. Tenho uma carreira de sucesso como médico cardiologista, ainda estou estudando e me aperfeiçoando. E...
- Estaríamos aqui para você. Não iria parecer um fracassado, te amamos cara. E nossa, daria um rim meu para ver tia Lorena meter a mão na cara de Cibele.
- Briga de mulher é sexy!
- Ah seu ridículo! Mas como ela conseguiu seu número pessoal? Sei que tem o do trabalho que é o que normalmente é dado às pessoas. Poucos tem o seu pessoal.
- Não sei! Mas vou troca - lo amanhã mesmo. - deito minha cabeça em seu ombro largo. A lua reinando sobre nossas cabeças.
- Não deixa ela te desestabilizar ok?
- Não vou! - logo sinto a lambida em meu rosto. Lhe dou tapas em seu ombro e peito, nossas gargalhadas alcançando vôo entre nós.
- Argh, seu porco! - meu celular vibra em meu bolso. Sinto a ansiedade de saber que é André pois é o único que me liga ou me manda mensagens essa hora da noite.
Retiro o aparelho de meu bolso e leio o curto texto brilhando na tela.
- Bem, essa é minha deixa! Alguém vai tirar o atraso!
- Você não presta Arthur!
- Você me adora não? - com mais uma lambida, o acompanho até a porta. Ele sai deixando um tapa forte em minha bunda, cumprimentando ao meu convidado rapidamente. - Amanhã estarei aqui para ver minha sobrinha.
- Estaremos te esperando.
O silêncio após sua partida é quase sufocante. O enorme homem loiro, com roupas formais, rosto sereno e um ursinho de pelúcia em uma de suas mãos, aguarda que o convide a entrar. Lhe dou um sorriso largo dando um passo para o lado. Seu corpo emanando calor passa por mim.
- Me desculpe desde já! Deveria ter vindo mais cedo.
- E por que não veio? - digo simplesmente. Ele se cala por um momento. Os olhos perdendo o foco. Seu peito subindo e descendo mediante uma respiração dura.
- Não tenho razão aparente. Só me dá vontade de te ver, falar contigo e te...tocar, que me arrumo e quando vejo estou em frente a sua porta.
- Gosto de sua companhia. - digo após processar sua fala. Repetindo a oração parte por parte em minha mente.
- Eu também. - piscando algumas vezes como se tivesse se lembrado de algo, balança o ursinho azul no alto de seu rosto. - Para Antonella.
Pego o objeto respirando o aroma de novo, apertando contra meu peito. É macio e do tamanho da cabecinha dela. Vou ter que colocar ele em meio aos muitos na prateleira, assim não tem o perigo de sufoca - la. Suspirando pesadamente, entrelaço seus dedos aos meus, a firmeza dos seus me aquecendo um pouco.
- Vem vê - la!
DEPOIS DESSE VOU POSTAR MAIS DOIS, ESTAVA COM PROBLEMAS PARA POSTAR. E AI GENTE, GOSTARAM?
06/08/2019
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