• SEIS • PEDRO
Quase quatro horas.
Esse era o tempo que eu estava esperando, roendo minhas unhas tamanha minha ansiedade. Minha garganta estava seca e minhas pernas trêmulas desde o momento que encontrei a mulher banhada por seu próprio sangue em um beco escuro e fedendo. Meu pai estava juntamente com o médico que atendeu a moça sem indentidade que literalmente surgiu em minha vida, machucada, com medo e aparentemente sem ninguém ao lado dela. Outra enfermeira passa por mim e quase me levanto com a intenção de lhe pedir por informações. O aperto de ferro em minha mão, faz - me recuar no entanto. Mamãe me lança seu melhor olhar amoroso. Seus lábios alcançam minha testa e me acalmo por esse mínimo momento.
- Vai ficar tudo bem filho, você vai ver! - me contento com seu conforto por hora.
Mas meia hora se passam. Minhas mãos estão trêmulas assim como todo o meu corpo. Um pensamento horrível passa por minha cabeça: será a que moça morreu? Não resistiu? E o bebê que ela carregava? Sinto minha cabeça girar e a ânsia dominar meu ser. Eu preciso fumar, urgentemente. Eu prometi para meu pai que iria parar, mas a ansiedade é tanta que eu só preciso de um trago. Me coloco de pé, perdendo o calor do abraço de minha mãe.
- Preciso fumar!
- Filho, você disse que tinha parado! - faz beicinho e quero rir de sua imagem fofa agora mas não consigo.
- Eu parei... só estou nervoso.
Meio relutante ela concorda lentamente, se levanta também e me segue até a área onde há uma cafeteira perto do posto das enfermeiras. Eu beijo seu rosto aspirando seu cheiro de casa e sigo para a área dos fumantes. Acendo o cigarro tragando a fumaça calmamente. Merda, fazia tempo que não faço isso. Ali, no silêncio da sala e na brancura imaculada do recinto, me permito relaxar, me perdendo em meus pensamentos.
Assim que me aproximo da recepção, avisto meu pai juntamente com o médico que parece ser o que atendeu a mulher que encontrei no beco ao lado do museu. Corro a tempo de ouvir que ela passa bem assim como a criança mas que era necessário que ela passasse alguns dias em observação e enfim seria liberada. Soltei o ar que nem sabia estar preso em meus pulmões, eles ardem mediante o movimento.
- Você seria o jovem que a encontrou no beco? - o homem de baixa estatura indaga.
- S - sim...eu mesmo.
- Estamos fora do horário de visitas. Somente parentes podem entrar a qualquer momento mas a paciente mostrou certa ansiedade em lhe ver. Por favor me siga!
Com mais um abraço de minha mãe e um aperto no ombro de meu pai, sigo o médico com passadas ansiosas e faço de tudo para não sair correndo na frente dele. Ele me lança um sorriso de conforto, como se estivesse dizendo "eu entendo sua ansiedade". Algumas corredores depois chegamos a uma porta branca como é o esperado e o número 37 em alto relevo e da cor dourada surge na minha linha de visão.
Assim que a porta é aberta pelo médico, entro encontrando uma enfermeira de semblante simpático conferindo o monitor ao lado da cama. Ela nos vê e anotando algo em sua prancheta, nos deixa. O médico se vira para mim e posso sentir a curiosidade emanar de seu corpo.
- Ela precisa descansar, então será permitido que fique com ela somente cinco minutos.
- Obrigado!
O som da porta se fechando em um baque suave me fez suspirar baixinho. A mulher me encara fixamente, os olhos muito azuis estão avermelhados e um deles está gravemente roxo. Assim como o maxilar juntamente ao inchaço que o acompanha. Ela foi agredida, isso é nítido. Apertando minhas mãos em punhos, mordo minha língua para não xingar o desgraçado sem nome que ousou levantar a mão contra ela.
Sua estatura ainda que deitada é pequena, as unhas roídas e machucadas, os cabelos loiros curtos ao extremo. O corte parece sem nexo algum. Pisco algumas vezes e me concentro em seu muito inchado ventre. Tenho uma vontade absurda de toca - lo e com sorte sentir o bebê ali se mover. Balanço minha cabeça em negativa e respiro profundamente.
- Soube que queria me ver! O médico que lhe atendeu abriu uma excessão já que não somos parentes. - passo meus dedos por meus cabelos longos e lhe dou um sorriso nervoso. Ela retribui o sorriso ainda que esse lhe seja tão fraco quanto seu corpo deve estar nesse momento. - Me desculpe, quando estou nervoso eu falo demais.
- Não tem problema. - uma lágrima escorre por sua bochecha, lentamente ela a limpa estremecendo com o ato.
- Que fez isso com você? - digo quase em um grunhido. Ela pisca algumas vezes, desviando seus olhos do meu rosto. Olho para o lado buscando calma. Ela precisa descansar. As palavras do médico ecoando em meus ouvidos. - Esqueça, esse não é o momento. - me aproximo dela e aperto suavemente sua mão, ela retribui o gesto. - Há alguém que eu possa chamar? Alguém de sua família ou até uma amiga?
- Não. Eu não tenho ninguém. - suspira levemente. Massageia a garganta. - Poderia me dar um pouco de água?
- Oh, sim! Um momento. - vou até a jarra de tamanho médio que está sobre um pequeno armário branco localizado perto de sua cama e pego o copo descartável com água fresca até a metade dele. Adicionando o canudo em seguida. Em goles curtos ela suga a água e com um sorriso me agradece.
- Você mora por perto?
- Não. Eu...
- Com licença, ela precisa descansar. - a enfermeira que estava aqui antes diz a partir da porta. Aceno em concordância. A moça aperta meu braço com força fazendo - me olhar em seu rosto. Pânico é evidente nele.
- Você virá me visitar amanhã?
- Oh...
- Por favor! Eu não tenho ninguém e não quero ficar sozinha aqui. - seus olhos se enchem de lágrimas. Meu coração se aperta, solto um pigarro.
- Estarei aqui amanhã ok?
- Obrigada!
Deixo seu quarto ainda meio áreo. Olho para minhas roupas e vejo que ainda estão sujas mesmo sendo escuras. Encontro com minha mãe e meu pai ainda na recepção, meu pai tem seu braço envolto na cintura de minha mãe e um rosto sério. Típico dele. Mamãe me olha com expectativa.
- Então?
- Ela está bem. Muito machucada mas bem.
- Tudo bem. Vamos para casa, você precisa de um banho meu filho. Há sangue sob suas unhas. - estremece levemente.
Aceno afirmativamente, vamos em direção ao estacionamento onde meu pai com uma calma de dar nos nervos estacionou seu carro. A noite está escura agora e um um vento gélido me acerta em cheio. Abraço a mim mesmo, depois de colocar o cinto de segurança, meu pai dá partida. Seu silêncio extremo me incomodando. Meu pai é silencioso por natureza mas nesse momento chega a ser demais. Ele está pensando e muito.
- Ela pediu que a visitasse amanhã. - digo distraidamente. A paisagem lá fora passando de maneira disforme.
- Oh meu filho...- papai suspira. Vira uma curva. Minha atenção totalmente focada nele.
- Você está pensando demais pai.
- Tem razão. Você está muito ligado a essa moça. Não sabemos nada dela, de onde vem e muito menos se é de confiança. - diz simplesmente.
- Henrique!
- Deixa mãe. Eu quero ouvir. - o encaro seriamente.
- A circunstância com que esse encontro entre vocês aconteceu é um tanto traumática e tenho medo que se envolva demais e acabe machucado no final.
- Pai, eu já dou adulto. Sei me cuidar.
- Nunca disse o contrário filho! Mas e as intenções dela? Vou te apoiar em tudo o que decidir pois eu vi como sua mente estava trabalhando assim que saiu do quarto dela. Só tome cuidado!
- Eu vou pai! - mamãe aperta minha mão levemente do banco da frente, onde está.
O restante do caminho é feito em um silêncio cômodo. Mamãe me abraça longamente assim que chegamos em frente a minha casa. Ganho um abraço de meu pai e depois de dizer que os amava, fecho a porta de minha sala atrás de mim.
O peso de toda a situação cai sobre mim em forma de suspiros dolorosos. Meu corpo treme sem e quase perco o controle dele. Caio de joelhos e somente me permito respirar calmamente. Dentro e fora.
Tomo um longo banho. Esfrego com certa força sob minhas unhas e algumas delas sangram um pouco. Seco meus cabelos, procuro por uma cueca boxer e logo depois de coloca - la, me jogo na cama somente para apagar assim que fecho meus olhos. O cansaço do dia cobrando seu preço.
Acordo suado e trêmulo despertando com um grito mudo preso em minha garganta. A imagem de uma mulher grávida e sangrando se repetindo em minha mente. Olho as horas no celular e vejo que são dez horas de uma manhã de sábado.
Olho através da janela e vejo que está nublado e as nuvens cinzentas anunciam uma chuva forte mais tarde. Tomo um café reforçado e depois de um banho rápido, chego ao hospital um tanto frenético. Converso com o médico que está de plantão hoje e ele me informa que a paciente está progredindo da forma esperada.
Preencho uma ficha para visitantes e ganho um crachá. Chego ao quarto e grandes olhos azuis antes apagados se iluminam com minha chegada, me sinto feliz por oferecer um mínimo de alegria a ela. Deve ser horrível não ter ninguém para contar quando algo desse tipo acontece com você. Agradeço a Deus por ter minha família ao meu lado.
- Você veio!
- Eu disse que vinha! Nunca quebro minhas promessas. - cruzo meus dedos em frente aos meus lábios e os beijo. Ela ri baixinho do ato.
- Coisa rara hoje em dia. Você não me disse seu nome. - me diz suavemente.e sento na poltrona ao lado de sua cama e envolvo suas mãos na minha.
- Pedro Melo Bianco. - pisco - lhe um olho. Ela ri ainda mais. - Agora preciso saber do seu.
- Manuela.
- Só Manuela? Onde está seu sobrenome mulher?
- Manuela Fontanela. - ela diz lentamente, o os olhos fixos em meu rosto parecendo esperar por algo. Dou de ombros, mesmo eu sentindo que já ouvi esse sobrenome em algum lugar. Ela parece respirar aliviada.
- Está tudo bem?
- Sim!
- Está de quantos meses?
- Sete. É uma menina, minha Antonella.
- Bonito o nome. Está ansiosa para a chegada dela?
Ela acena afirmativamente, acaricia o ventre e depois de muita conversa com assuntos superficiais, até que ela pega minha mão e põe sobre uma parte de seu ventre onde sua bebê chuta vorazmente. Um tipo diferente de felicidade me atinge e no final da visita eu vejo que me envolvi demais. E sinto que realmente vou sair machucado.
[....]
Uma semana se passou desde o ocorrido naquele beco. Os policiais estiveram no hospital em busca de informações sobre quem teria agredido Manuela mas saíram de lá sem nada. Todos os dias fui trabalhar no museu, ia para casa, tomava banho e comia para logo em seguida ir para o hospital. Minha mãe ia comigo na maioria das vezes e meu pai somente observava tudo mas estava lá me apoiando. Fellipe também ia em alguns dias.
Como as atualizações médicas diziam, Manuela estava indo bem e logo ela poderia ir para casa. Notava que toda vez que o médico dizia isso, ela se fechava em um mundo só dela, então eu via que era a hora de ir embora. Hoje acordei com uma ligação do hospital, pensei que tivesse acontecido algo grave com Manuela ou com a bebê mas era somente para avisar que ela seria liberada.
Correndo como um louco, tomei banho e tomei um café mais ralo que outra coisa. Abri a porta dando de cara com meu pai, braços cruzados, postura ereta e olhar afiado. Sem dizer nada, abriu a porta do carona ao lado do motorista e me levou para o hospital. Chegando lá, o médico responsável por acompanhar Manuela juntamente com a obstetra me levaram até sua sala. Lá me foi informado que Manuela teria alta e que precisaria de repouso.
- E como a moça não tem para onde ir, ela será encaminhada até um abrigo para mulheres na cidade vizinha....- balanço minha cabeça em negativa. Meu pai suspira baixinho já tendo ideia do que vou fazer.
- Ela vai para minha casa!
- Mas senhor Bianco...
- Já está decidido. Manuela vai para minha casa. Ela não tem ninguém, precisa de alguém em quem confie por perto e sinto que ela confia em mim.
- Essa moça precisa de cuidados.
- Eu posso dar. Onde eu assino? - os médicos se olham por alguns segundos mas logo aceitam.
Depois de conversar sobre os últimos detalhes da alta, vou até o quarto onde Manuela está. Encontro - a de costas para mim olhando para fora. As roupas próprias para gestantes que comprei ontem ficaram muito boas nela. Os cabelos loiros curtos arrumados, a tiara perfeitamente sobre os fios domados. Bato na porta e ela se vira para mim. Os braços sobre a barriga e os olhos úmidos.
- Hey, o que há com as lágrimas? Onde está o sorriso que vi ontem?
- Eu não quero ir para um abrigo. Sei como as coisas funcionam lá. Eu vim de um...
- O que? - quase rosnei. Ela se encolhe em si mesma. - Desculpe, alguma chance de alguém desse abrigo ter feito isso com você?
- Eu...eu não quero ir para um abrigo! - chora baixinho. Me aproximo lentamente dela e abraço - a.
- Você não vai.
- Não? - ergue o rosto. Os olhos ansiosos procurando pelos meus. - Mas não tenho para onde ir!
- Tem. Para minha casa!
- Mas...
- Quando estiver melhor, ajudo você a procurar um lugar para você e a pequena Antonella, o que acha? - acena lentamente. - Mas no momento, você precisa de cuidados e repouso.
- Obrigada Pedrinho! Muito obrigada mesmo.
- Não me agradeça. Só cuide de sua saúde e do bebê.
- Tudo bem!
- Pronta para ir para casa? - ela ri baixinho e ajudo - a a sair do quarto.
Espero que gostem! E aí gente? Pedrinho foi sábio ao levar Manuela para casa? Comentem, é muito importante!
04/07/2019
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