• QUARENTA E TRÊS • PART I - ANDRÉ
Os dias tem passado tão rápido, a vida parece zombar de mim. Pois na semana que vem estarei viajando para Londres. Antes que esteja longe, já posso sentir a esmagadora falta que Pedrinho vai fazer. Não só ele. Mas toda a sua família que desde o primeiro momento me acolheu como se já fosse parte dela. Pessoas abertas e alegres, que não hesitaram em me abraçar com todo o afeto possível.
Depois da noite que informei a Pedrinho que iria embora em duas semanas, estamos juntos a cada oportunidade que temos. Sei que ele não acredita que vou voltar, que realmente tenho uma vida lá mas seria uma vivência vazia sem ele. No lugar dele eu também eu desconfiaria mas meu coração e alma estão com ele. E quando eu retornar, isso será tão claro como cristal para ele.
Um pigarro me arranca de meus pensamentos, olho para frente encontrando a atenção do meu tio fixada exclusivamente em mim. Engulo em seco sustentando seu olhar. Em um raro gesto de afeto, alcanço sua mão sobre a mesa, ele estuda nossas mãos juntas, em um aperto quase doloroso mas essencial para nós dois.
- Vou sentir sua falta garoto.
- Eu também tio.
- Vai voltar para nós? - a vulnerabilidade em sua fala e expressão facial quase me quebra em dois. Mas tão logo está ali visível para mim, se vai.
Me lembro das vezes que estive com ele. Seja nas férias escolares, nos feriados e até quando tudo na minha vida ruiu deaneida tão drástica e que meu pai não estava ali para mim. Quando sai do hospital, quem me esperava ao lado de fora do corredor era ele. O homem que aprendi a amar como um pai, que mantinha sua postura ereta, fala mansa e palavras certas, simplesmente chorou assim que me viu. E eu chorei também, como nunca antes. A vulnerabilidade que vi em seu rosto segundos atrás é a mesma que vi anos atrás.
- Eu vou! Não há mais nada lá para mim. - um sorriso toca seu rosto.
- Menino Pedrinho te pegou de jeito não é?
- Tem razão. No início eu não tinha a intenção de ter um relacionamento sério com ninguém. No máximo sexo sem compromisso. Mas então...
- Eu sei.
- Tem certeza que aguenta até eu voltar?
- Claro. Afinal de contas ainda não estou morto garoto.
- Sabe do que estou falando tio!
- Sim, eu sei. Eu praticamente venci esse câncer, sei de minhas limitações.
- É difícil conversar com você na maioria das vezes sabia?
- Sério? Nem desconfiava de tal fato.
- Está sendo irônico comigo tio? - ergo uma sobrancelha, ele bufa tomando um pouco mais se seu suco.
- Nunca garoto. - se inclina em minha direção. Sua pose sugere que vai tentar algum segredo. - E você tem certeza que vai ficar bem longe de nós?
- Vou tentar. Passei tanto tempo não estando sozinho comigo mesmo que vai ser estranho não ter vocês por perto. As piadas, os gritos, os palavrões.
- Vocês?
- Vejo a família Bianco como minha.
- Isso é bom. Eles te adoram. Quando vou a Lisa, dona Maria das Flores falta pouco te colocar em um altar ao falar de você.
- Eu gosto dela e nem sou tudo isso. - sinto meu rosto esquentar. Sua risadinha ecoa no ar.
- Você se vê como muito pouco filho. Mas não tem ideia do quão grande homem você é.
- Estou nervoso. - mudo de assunto propositalmente. Seu bufar é o único indício de que sabe o que fiz.
- Não deveria.
- Bem, é um jantar de casais. Meu pai e minha madrasta virão assim como a mulher da sua vida. Menos meu namorado, o que significa que vou servir de vela. - digo com humor, pego um biscoito o partindo ao meio. A outra metade ofereço para Aquiles que espera deitado ansiosamente por uma migalha. Ele come em um piscar de olhos o pequeno biscoito, volta a se deitar quase sobre meus pés descalços a espera de mais.
- Nem é para tanto. Acredite também estou nervoso pois enfim você vai conhecer Regina, a mulher que tem me ensinado quão boa pode ser a vida.
- Acho que já gosto dela.
- Do jeito que a conheço, ela vai chorar se disser isso a ela. - sorrio levemente. - Por que Pedrinho não virá?
- Vagner virá e quer jantar com ele e os netos. Mas ele também disse que é algo nosso, que seria bom para mim. - sem evitar, reviro meus olhos.
- Ele está certo. Você e seu pai tem estado mais perto um do outro.
- Eu gosto de ir pescar com ele. - digo em um sussurro quase surdo. - Acumulo memórias atuais e tem as antigas fragmentadas pelo tempo mas que estão aqui. - toco meu coração.
- Não sabe como fico feliz em ouvir isso. Todos nós precisamos de uma chance para recomeçar.
- Você está certo. Bem que o pai de Pedrinho poderia vir amanhã não é? - ele ri comendo um pedaço de bolo.
- Vagner. Esse homem mudou tanto se comparado há anos atrás. Era o egoísmo em pessoa.
- Nunca me encontrei com ele. Só tive contato com Henrique. No início ele parecia não gostar de mim, mas Lua disse com um sorriso no rosto que era o seu normal. Então me acostumei com seu jeito.
- Henrique é um bom homem também. E bem controlado pois eu tive vontade de rachar a cara de Vagner muitas vezes. E o homem se manteve na linha.
- Acha que ele aprova meu relacionamento com o filho dele? - solto de repente, muito interessado na opinião de meu tio que o conhece mais tempo que eu. As sobrancelhas escuras dele se juntam quase se tornando uma. O olhar fixo na colher sobre a mesa.
- Ele te disse algo?
- Hum... não.
- Ele aprova.
- Como pode ter certeza?
- Ele diria.
- Sério?
- Sim. Me lembro que quando Lucas o ex namorado de Pedrinho esteve pela primeira vez na casa deles, em um típico almoço de domingo. Em meio a refeição, ele disse serenamente que não via o filho com ele.
- Ele disse o motivo? - pareço uma velha fofoqueira eu sei. Mas acredito que não teria coragem de chegar no homem. A não ser para um pedido de casamento? Pisco uma vez, não sabendo de onde surgiu esse pensamento. - O que disse? - digo quando só vejo sua boca se mover.
- Pedrinho amava demais. E que ele merecia alguém que o amasse da mesma forma ou até mais do que ele.
- Bem, ele tem razão. Meu namorado resplandece em amor.
- E você?
- Eu o amo.
- Bem, ele também. - disse calmamente. Quase atravessei a mesa.
- Quem te disse?
- Os olhos dele.
- Você está romântico hoje.
- Não posso negar. Meu filho irá conhecer minha mulher.
- Bem, não posso esperar.
[....]
Acariciando o pelo de Aquiles, tento me acalmar. Só serão meu pai, Ivana e Regina a namorada de tio Mika aqui. Mais ninguém, não tenho que ficar nervoso. Murmuro essas palavras uma e outra vez enquanto espero pela batida na porta. Escuto meu tio praguejar em seu quarto, na certa é a quarta que ele troca, em busca da perfeita. Meu celular emite um sinal de mensagem. O pego sobre a mesa de centro e meu sorriso é quase ofuscante ao ver seu nome piscar na tela.
"Tenha um ótimo jantar. E nunca se esqueça, ele também é sua família." P
"Eu sei. E obrigado!" A
Antes que possa colocar meu celular de volta na mesa de centro, batem na porta. Pulo do sofá literalmente, assustando meu pequeno cão que volta a dormir. De repente minhas mãos ficam suadas e minhas pernas instáveis. Gustavo está de mãos dadas com Ivana e Regina tem o que parece ser um refratário em seus braços, me apresso a livra - la do peso, dando espaço para entrem.
Como já tem costume em estar aqui, sou abraçado e cumprimentado por meu pai e minha madrasta que apenas se sentam no sofá e sussurram palavras entre eles. Regina e eu nos fitamos pelo o que parece ser muito tempo. Mas é ela quem quebra o gelo, se lançando contra mim. Me envolvendo em um abraço de urso e um beijo estalado em meu rosto. Fico perdido por um minuto ou dois. Saio do meu torpor lhe servindo um copo com água. Sorrindo brilhantemente em agradecimento no mesmo momento que tio Mika gritava de seu quarto que não demoraria a estar com a gente. Rindo baixinho, nem precisei indicar o sofá para que pudesse se sentar, ela mesma fez as honras.
Não muito tempo depois, ele surge com um grande sorriso ocupando todo seu rosto. Beija apaixonadamente a namorada que lhe dá tapinhas dizendo que não estão sozinhos, arracando sorrisos nossos. Cumprimenta meu pai e Ivana. Em seguida emendamos em uma conversa leve enquanto a lasanha que meu pai trouxe e que nem ao menos vi, esquenta no forno.
- Não sei se está bom. Então não fiquem tímidos em dizer se ficou ruim. - Gustavo diz enquanto ao ver que começamos a nos servir. Paro meio que automaticamente.
- Foi você quem fez?
- Sim.
- Sabe cozinhar? - me forço a terminar de me servir. Lhe dou um mínimo sorriso. Olhando de forma apaixonada para Ivana, se beijam brevemente.
- Ivana quem me ensinou.
- Era que questão de honra. Namorado meu não vai viver pedindo comida por telefone.
- Viram? Fui quase obrigado a aprender a cozinhar.
- Bem, eu sou time Ivana que coloca ordem na parada. - eu disse brincando.
- Também sou dessas Ivana.
- Mas amor! - meu tio teve a coragem de fazer beicinho.
- Nada de beicinho.
Beija seus lábios rapidamente, os olhos brilhando. E meu pai não decepcionou em nada. Estava tudo muito bom, a hora passou e quando vimos já era hora da sobremesa que foi feita por Ivana. Na hora que vou pega - la na geladeira, o telefone de meu pai toca. Quando sua atenção se fixa no aparelho. Toda a sua postura muda. Os ombros antes relaxados se tornam tensos, os olhos límpidos se transformam em uma tempestade.
- Com licença. - praticamente corre da mesa, sumindo lá fora.
- Ele não estava aposentado?
- André...
- Deixa para lá. - me coloco de pé. Vou ao banheiro.
Sem perder tempo né tranco no banheiro que há no corredor. Posso estar sendo infantil mas eu conheço aquele olhar. Era um profissional, que usava no trabalho. Lavo meu rosto e me ordeno a respirar calmamente. Volto para a mesa encontrando somente os três, nem sinal dele.
- Prontos para a sobremesa? Foi a Ivana que fez. - Regina diz animadamente mas no fundo há um toque de nervosismo em suas palavras.
Tio Mika assim como eu, olhamos para a ruiva alegre que sorri genuinamente. As bochechas se tornando um bonito tom de vermelho. Olhando para minha madrasta uma felicidade me inunda ao pensar no bem que ela está fazendo para Gustavo. O homem era tão tenso quanto eu mas vem sorrindo mais assim como nossa relação que não voltará a ser a mesma, mas estamos andando lentamente. Em direção a um relacionamento onde não haja espaço para tanto rancor.
- Será que seu pai vai demorar muito?
- Não sei! Vou chama - lo.
- Acho que ele ainda está em uma ligação, mas isso já tem mais de vinte minutos.
Passo pela sala de jantar e pela sala, não vendo nenhum sinal dele. Chego na varanda, as luzes estão baixas e a vizinhança está tranquila. O clima está ameno o que agradeço mentalmente, pois há dias o calor tem sido insuportável. Vejo meu pai falando ao telefone do outro lado da rua. Atravesso pronto para chama - lo más por algum motivo, me calo.
- Ela foi encontrada? - ele ouve por um tempo em silêncio. Seus ombros são meras linhas rígidas. Ainda de costas para mim, vejo quando ele fraqueja, posso ouvi - lo ofegar de susto ou surpresa. - O que? Não te passou pela cabeça me ligar dizendo que ela não havia sido encontrada? - ele ri sem humor quando alguém fala algo do outro lado. - É da minha filha que estamos falando! O trato foi que você me manteria informado sobre ela. Ela sumiu tem mais de um ano, e só agora você se digna a dizer que minha filha está morta?
- Filha? - a palavra flui de meus lábios sem minha permissão.
Sinto meu coração parar totalmente dentro de mim. Gustavo se vira completamente pálido, olhos idênticos aos meus arregalados, lábios abertos em um "o". O celular escorrega de seus dedos longos. Dando um passo em minha direção, eu recuo outro.
- Você disse: filha?
- André...
- Só me diz que eu ouvi errado. Ou foi uma ilusão.
- Eu posso explicar!
- Só me diz porra! - minha voz reverbera pelo espaço entre nós. A ferida antes fechada se abre e sangra dolorosamente.
- Vamos entrar e...- toca meu braço. Pulo para longe dele como se fosse tóxico.
- Não me toca! Só vamos entrar, terminar esse jantar. Tio Mika está muito feliz e não vou estragar o momento dele.
- André...
- Me deixa! - subi as poucas escadas da varanda apressadamente. Com ele atrás de mim. Na mesa, todos os olhos se fixam em mim. Tio Mika se ergue com a intenção de dizer algo mas somente nego. Minha garganta está seca, se tornando impossível falar alguma coisa. Gustavo se senta ao lado da namorada que segura sua mão. Seus olhos fixos em mim.
Ao contrário do que aconteceu no jantar, a sobremesa é feita em silêncio absoluto. Logo Regina recebe um telefonema do hospital, ela se despede dizendo que fará o turno no lugar de uma amiga, tio Mika se apressa em leva - la para se trocar e ir trabalhar. Digo que estarei em meu quarto, sentindo o olhar de Gustavo em minhas costas. Me recrimino por não ter nem ao menos abraçado Ivana que não tem nada a ver com isso mas estava nervoso demais para me atentar a isso. Escuto ambos os carros deixarem a frente de casa. Penso em ligar para Pedrinho mas desisto, ele está jantando com o pai. Não posso ocupa - lo com meus problemas.
Tomo um banho para relaxar meus músculos duros como pedras. Coloco uma calça de moletom e uma blusa solta. Me jogo no sofá e organizo alguns documentos. Não sei quanto tempo se passou mas batem na porta. Bufo ao atender, mas penso em fechar em seu rosto. Gustavo me fita intensamente, os cabelos idênticos aos meus revoltos, como se tivesse passado a mão por eles muitas vezes. Os olhos caídos e avermelhados.
- Posso entrar?
- Acho melhor não!
- Só quero conversar.
- Tivemos trinta e sete anos para conversar. Nunca tivemos uma conversa real antes daqui. Se dá conta de como isso é fodido?
- Filho...
- Não sei se quero te ouvir.
- Ouve ele garoto. - tio Mika surge atrás dele. Passa por nós, deixando um aperto em meu ombro. Praguejando mentalmente, dou espaço para que entre.
- Seja rápido.
20/08/2019
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