• QUARENTA E SETE • HENRIQUE
Tudo está acontecendo novamente.
É assim que vejo esse dia.
Deixei minha esposa dormindo em casa pela manhã. Lhe dei seu beijo de despedida, mesmo estando adormecida. Se não o faço, parece que a mulher sabe quando acontece. Fica de péssimo humor o dia todo. Tive uma manhã sem incidentes, Ariel ficou em meu quarto no batalhão tagarelando sobre sua filha estar no final de sua pós graduação em Portugal e que não via a hora de sua bebê, estar em casa novamente. Ariel um homem daquele tamanho, fazendo beicinho ao falar da filha é engraçado.
Antes da hora do almoço recebi uma ligação de minha esposa, o que estranhei pois ela quase nunca me ligava em horário de trabalho. Atendi me assustando com o quanto sua voz estava trêmula, com medo que tivesse um mal estar, a tranquilizei acerca do pesadelo que teve com nosso filho essa noite e depois de me despedir dela, liguei para Luana ficar de olho nela.
Me lembro de que eu não esperava pela ligação ou o chamado no batalhão anos atrás, quando colocaram fogo na casa de Lua, me marcando para toda a minha vida. O mesmo aconteceu hoje com ocorrência que localizava na estrada que ligava Campos de Esperança com a cidade vizinha. Nosso hospital era mais próximo, no entanto ainda tiveram com um problema com uma das únicas ambulâncias restantes no pátio. Não vendo outra saída, nossa ambulância foi solicitada.
Enquanto o operador passava as informações para nós via rádio, eu não podia imaginar que mais uma vez a vida me marcaria mais uma vez. O percurso foi feito de forma totalmente lenta, Eric dirigia o mãos rápido que conseguia. Seu olhar compenetrado na avenida dava um certo tipo de segurança. Nos aproximamos do local que foi fácil de encontrar. Além dos dois carros estarem no acostamento, o número grande de pessoas ao redor era impressionante. Somente uma parte da pista estava liberada. No momento que estava fora da ambulância, eu ouvi o som dos choros, mesmo a distância qualquer um poderia dizer que eram duas crianças aos prantos. Eric trazia a maca enquanto eu tinha a bolsa médica pendurada no ombro.
Quando conseguimos passar pelas pessoas, senti minhas pernas falharem e meus pulmões travarem. O rosto diante de mim estava irreconhecível, mas a calça e camisa eu reconheceria em qualquer lugar. Fui eu quem as deu de presente meses antes. Agredido além da conta e em uma posição estanha, meu filho parecia lutar pela vida.
- Salva meu pai vovô! - meu neto se debate no colo de um estranho. Quero ir até ele mas há meu filho que precisa de socorro o mais rápido possível, mesmo não sabendo qual seu verdadeiro estado.
- Dudu! - ao seu lado, vejo Gustavo segurando uma Ella desesperada. Seu rostinho está vermelho, devido ao choro. - Gustavo, não sei o que aconteceu mas eu preciso que fique com eles. - tento me manter calmo, me desesperar nesse instante não é o recomendável. - Poderia leva - los para minha mãe?
- Claro que sim!
- Obrigado! Diga para ela que não ligue para minha esposa ainda, eu vou fazer.
- Eu não quero ir! Quero ficar com meu pai. - os lamentos de meu neto me cortam a alma. Tento respirar normalmente, Eric leva a maca até onde meu filho está. Ainda não recuperou a consciência e isso me preocupa.
- Dudu. Seu pai no momento não pode...
- Eu vou proteger ele contra os homens maus. - paro por um instante analisando duas palavras.
Tudo vem com tudo em minha mente, a viatura policial em frente a sua casa colocada por Vinícius, atual delegado da cidade. A notícia de que há um grupo de pessoas movidas pelo ódio andando por aí. As vezes que o via olhar por cima do ombro dezenas de vezes, os pesadelos da mãe. Não podia ser mas a verdade estava ali, bem diante de mim. Saio do meu torpor info em direção a Dudu. Seguro seu rostinho firmemente em minhas mãos, ele não se debate mais no entanto ainda chora. Beijo seus cabelos e logo afasto - me alguns centímetros para que eu possa ver seu rosto totalmente.
- Preciso que seja forte e o garoto maduro que sei que é.
- Tudo bem vovô. - engole em seco. Eric já imobilizou o pescoço de meu filho e verifica as pupilas dele.
- Gustavo vai levar você e sua irmã para ficarem com minha mãe. Só até seu pai melhorar ok?
Assente levemente. Vou até minha neta e a abraço aspirando seu perfume. Ela se acalma um pouco mas não totalmente. Gustavo entra no carro do meu filho. Coloca Ella na cadeirinha ainda chorando baixinho agora. Dudu logo está segurando a mão da irmã que para de chorar. Volto a ação e ajudo meu parceiro a colocar Pedrinho na maca, faço com o menor movimento possível pois não sei a extensão de seus danos. A multidão que se formou ao redor, abre caminho. Logo estamos indo para o hospital, via rádio Eric avisa que o paciente está estabilizado e assim
A chegada a emergência se passa como um borrão. Passo todas as informações possíveis o médico de plantão, que logo o leva para fazer todos os exames. Tento ir com ele, mas um aperto de ferro me faz ficar ali, entre as enormes portas duplas da entrada. Olho para o rosto de meu parceiro e logo em seguida para sua mão ainda em meu ombro. Lhe dou meu melhor olhar fulminante. Dizendo com minha mandíbula trincada que se ele não me soltasse, as coisas iriam ficar feias. Não sou de violência mas quando é algo com aqueles que amo.
- Desculpe Rick, mas você precisa ficar até se acalmar.
- Eric, se você não me soltar agora...- perdendo o amor pela vida, revira os olhos escuros em chateação.
- Depois você me soca. Agora precisa se acalmar, seu filho precisa de você firme e tem sua esposa, que ainda não sabe de nada do acontecido.
- Porra. - passo as mãos por meus cabelos.
- Rick! - fecho meus olhos me preparando para o que está por vir. Forço um mínimo sorriso em sua direção. Ela tem os olhos arregalados e sua palidez denuncia seu susto. - O que aconteceu? Aquele que passou na maca agora é Pedrinho?
- Suzy. - aperto seu ombro, a atraindo para mais perto de mim. O corpo magro e minúsculo está tenso. - Preciso que ligue para Geraldo, pedindo que ele venha o mais rápido possível para o hospital. Diga para ligar para Luara e Liliane. Eu vou ligar para Lua.
- Tudo bem. - respira calmamente ou ao menos tenta. - Vamos fazer essa ficha.
A acompanho até o balcão das recepcionistas. Cumprimento um rapaz que faz atentamente a ficha de um senhor já de idade, ele segura firmemente o balcão e os olhos parecem pesados. Olho para Suzy que nota a situação dele assim como eu. Toco suas costas atraindo sua atenção para mim, o senhor não me reconhece mas me oferece um sorriso terno.
- O senhor está bem? Quer uma cadeira para se sentar.
- Eu acho que sim menina.
- Ainda tenho outros dados para pegar do senhor. - Suzy lança um olhar duro na direção do homem. Parece ser uma ocorrência frequente.
- Hudson, ele não está bem. Eu termino o ficha dele depois, ele precisa se sentar.
- Mas Suzy...
- Mas nada, agora não! - o ajudamos a se sentar na cadeira perto do balcão. O senhor suspira baixinho parecendo aliviado, por poder descansar as pernas. Suzy pega um copo com água gelada para ele, chamando no processo uma enfermeira para aferir sua pressão e como desconfiava, estava baixa. - Vamos fazer a ficha do meu neto Rick.
A segui, voltando para minha realidade. Com a ficha pronta, beijo o rosto de Suzy. Me sento em uma das cadeiras de plástico localizadas perto das portas duplas por onde meu filho foi levado. Eric me deixou para voltar para o batalhão com um aperto no ombro, sinto meu celular vibrar em meu bolso e quase tenho um ataque cardíaco ao ver seu nome na tela. Engulo em seco antes de atender.
- Meu filho! Onde ele está Rick?
- Quem te contou?
- Ninguém. - ela funga, escuto a voz de Felippe ao lado dela.- Eu vi um vídeo.
- Video? Fizeram um maldito vídeo do meu filho sendo agredido? - eu estou rosnando as palavras no meio do corredor.
- Eu sabia. Aqueles sonhos...eu não posso perde - lo.
- E você não vai! - faço uma promessa que nem eu sabia se poderia cumprir.
- Eu não vou!
- Passe o celular para Felippe por favor!
- Por que? - o tom de desconfiança em suas palavras me acerta em cheio. Não respondo, fazendo - a bufar.
- Oi pai.
- Não tire os olhos de sua mãe. Preciso que traga ela para o hospital e tente agir calmamente. Seu irmão...
- Entendi. - diz engasgado. - Vou leva - la.
Nos despedimos rapidamente. Volto a me sentar por alguns minutos, que se transformaram em meia hora. Nenhuma notícia do estado do meu filho e sei que pode demorar mais, a vontade que tenho de entrar lá dentro e exigir respostas as vezes é mais forte que eu. Uma mensagem de Felippe informando que estavam perto do hospital, me arranca de minha mente nebulosa. Quando chego a calçada em frente ao hospital, somente espero. Gustavo surge com o cansaço estampado em seu rosto idêntico ao do filho. Depois de estacionar, vem até mim, respiração pesada e lábios pálidos.
- Como ele está? Não é nada grave não é? Jesus quando vi aqueles homens ao redor...- meu sangue ferveu. Segurei seu braço quase ao ponto de dor.
- Você os viu? Sem as máscaras? - assente devagar, sombras escuras estão sob seus olhos.
- Acho que se sentiram seguros em tira - las mas consegui ver o rosto de três deles. Que correram assim que pulei do carro para ir em socorro de seu filho. As crianças choravam tanto.
- Você vai a polícia agora!
- Mas...
- Agora! Esses monstros tem que pagar pelo que fizeram não só com ele mas tantos outros rapazes que nada fizeram de errado.
- Eu vou.
- Vou ligar para Vinícius avisando de sua chegada lá.
Quase em sincronia com a saída de Gustavo, Felippe estaciona quase sobre a calçada. Minha esposa nem ao menos espera o filho estacionar corretamente, ela salta do veículo com passadas rápidas e o rosto banhado em lágrimas. Seu corpo se choca contra o meu, envolvo - a com meus braços com força. Aspiro seu cheiro buscando uma calma que não tenho, ela chora baixinho e acenando para Felippe digo que vou leva - la enquanto ele encontra uma vaga para que o carro não fique no caminho de nenhuma ambulância. Vi pelo seu semblante, o quanto está se segurando para não desmoronar.
Suzy veio abraça - la assim que a viu. Fomos encaminhados para uma sala onde poderíamos esperar sem ter nenhuma plateia assistindo nosso sofrimento. Os sofás na cor creme se destacam em meio ao branco imaculado das paredes do cômodo. Quase uma hora se passou depois que chegaram, já estavam conosco Luara, Geraldo e Liliane. Martina chegou enquanto falava com Ariel ao telefone. O homem estava nervoso por que não pode estar aqui, pois seu plantão termina somente amanhã.
- Familiares de Pedro Bianco.
- Somos nós. - ficamos de pé. O rosto do médico, colega de trabalho do meu pai não mostra nada. Sua careca brilha a luz ambiente, sua expressão facial não demonstra nada mas são os olhos claros carregados, que me preocupam.
- Bem, Pedro chegou aqui desacordado e depois de alguns exames constatamos que sofreu algumas fraturas, como uma perna quebrada, um ombro deslocado assim como uma costela fraturada. O que nos preocupa é a lesão na cabeça que precisa ser operada imediatamente. Preciso que alguém vá até a recepção para que assinem um termo de compromisso. Assim que a cirurgia terminar virei com atualizações.
- Meu Deus! Meu filho, eu queria vê - lo.
- Não será possível no momento senhora Bianco. - diz o mais simples possível, minha esposa chora baixinho tentando se acalmar. - Bem, é isso. Estarei de volta com notícias.
- Obrigado doutor. - Geraldo murmura, se pronunciando pela primeira vez.
Quando ele nos deixa, o sentimento de impotência quase me sufoca. Meu peito está apertado e meus olhos estão úmidos. O silêncio ao redor é opressor.
- Meu Deus! Que péssima avó eu sou. - diz com desespero. Mas sua voz perde a potência nos segundos seguintes. - Meus netos, onde estão?
- Com minha mãe, amor. - beijo sua testa. Sinto sua temperatura um tanto fria. Me afasto um pouco para pegar em suas mãos, também estão geladas e seus olhos estão desfocados. - Luana? Olha para mim.
- O que? - só deu tempo de segura - la, suas pernas falham e ela perde a consciência.
Felippe vai atrás de uma enfermeira, seu rosto é uma máscara de preocupação. E há lágrimas escorrendo por ele. Eles trazem uma maca, onde a levam para um quarto vago. O médico a examina dizendo que sua pressão caiu drasticamente, que era preciso esperar que acorde depois do medicamento que foi administrado nela. É com os olhos fixos em minha esposa, nossas mãos juntas que eu choro pela primeira vez desde que atendi ao maldito chamado.
Com o coração aos pedaços por ter minha vida virada de cabeça para baixo novamente.
22/08/2019
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