• OITO • PEDRO
Aceno distraidamente para Aline, a enfermeira que atendeu e encaminhou Manuela assim que chegamos. Me lembrar do modo desesperado que cheguei aqui faz- me voltar minha atenção para André, sobrinho de tio Mika, o cara que na primeira oportunidade me julgou sem ao menos me conhecer e nunca fez por onde, então ele surge na minha porta com todo esse charme em forma de voz grave e meio cantante. Me abalando por alguns segundos mas não demonstrei.
A última vez que nos vimos na padaria que fica a uns metros do museu onde trabalho, o cumprimentei usando minha boa educação e ele nem retornou o ato. Aquilo me endureceu a níveis que nem eu entendi, então agindo como uma criança fiz questão de quase arrancar seu ombro fora ao dar trombada ao passar por ele. Ele nada disse e não fiquei para saber o que achou do meu momento criança.
De lá para cá, minha mente simplesmente repete a imagem de seus olhos. Marcantes olhos. Eles são azuis claros, o que me chama a atenção é que não é a cor que me marcou mas sim a intensidade dele. Quando André realmente te olha, é profundo e te marca em algum nível. E me sinto marcado por seu olhar desde semanas antes quando encontrou seu cão em meus braços e se comportou como uma babaca.
- Ha!? - digo lentamente quando noto André bem diante de mim. Ele está acenando com as mãos diante do meu rosto. Sinto meu rosto se inflamar. Olho para meus pés descalços.
- Perguntei se está bem? - dá um passo para trás, uma de suas mãos no bolso de trás de sua calça.
- Hum...sim! - evito olhar em seu rosto. Meus olhos passam por sua pélvis e quase caí da cadeira. Pois quase me demorei demais por ali. Seria constrangedor.
- Tem certeza? - aceno firmemente. E olho bem para ele. Minha atenção em seu rosto formado por linhas duras e bonitas. Ele realmente parece preocupado.
- Fiquei com medo no caminho.
- E ainda está pelo que vejo! - ele mantém a distância entre nós. Em algum nível isso me deixa triste. O que é loucura.
- Muito! - confesso por fim. Levo minha mão livre até minha garganta e deixo - a ali.
- Ela vai ficar bem!
- Você não sabe!
- Tem razão, eu não sei! Mas acredito que há médicos muito bons aqui. Pelo que li no jornal, Campos de Esperança tem um dos melhores hospitais do Estado então acho que não deve se preocupar.
- Você está certo!
- Sempre estou! - sua voz está leve, o que arranca uma risadinha minha. Olho para sei rosto e vejo seu sorriso completo. Aquele que divide todo o seu rosto e mostra todos os dentes. Dentes bem cuidados pelo que vejo. Merda, ele é lindo sorrindo.
- Mais um para a lista: convencido.
- Tem uma lista sobre mim?
- Talvez! - digo muito sério. Ele fecha o sorriso instantaneamente, me arrependo em seguida. - Ei, é brincadeira.
- Tudo bem! - dá de ombros, agora tensos.
O corredor estéril se torna silencioso. Vejo seus pés se afastarem e me recrimino ao pensar que o afastei de mim. Ele estava sorrindo tão lindamente e tão leve. Logo seus pés retornaram para perto de mim, não levanto meus olhos, os mantenho baixo. Fecho meus olhos e me deixo cair com tudo em minha cadeira, a que está ao meu lado range e me atrai a atenção, André se senta ao meu lado oferecendo - me um copo descartável contendo café. O vapor mostrando que está quente e o aroma que adoro indica que é fresco. Com um pequeno sorriso aceito. Seus dedos tocam os meus, ambos engolimos em seco. Tomo o café lentamente, degustando o sabor forte.
- Obrigado!
- Não é nada!
Ele não sabia mas era tudo. As vezes quando lidamos com algumas situações que nos tiram do chão e até o rumo, só precisamos de apoio. Ele não queria estar aqui, mas quando precisei nos ajudou dando - nos uma carona. Não estava com cabeça para dirigir. Ele estava ali e totalmente no controle de suas emoções e corpo.
- Sei que não é da minha conta mas quem é ela?
- Manuela!
- Digo, o que ela é para você? - sinto seu olhar se fixar em meu rosto.
- Uma amiga! - enfio a mão dentro do meu bolso e brinco com o esqueiro que fica ali. Estou ansioso mas não quero fumar.
- Você parece muito apegado a ela e acho que ao... bebê.
- E você parece muito interessado em uma história que não é sua! - quase rosno as palavras. Me arrependo na mesma hora. Agora o babaca ingrato era eu que trata de forma ignorante a pessoa que me ajudou quando mais precisei.
- Tem razão! - se coloca de pé e arruma o terno preto. Como ele não está sentindo calor está além de mim. O sol está massacrante hoje mas ele fica tão bem nessas roupas. Ele pigarreia e olho para seu rosto completamente inexpressivo.
- Olha...
- Tenho que ir! Ela vai ficar bem, vai ver! - pela primeira vez desde que chegamos aqui me toca ao apertar meu ombro. Sinto meu corpo estremecer se aquecendo. Mas logo seu toque se vai, deixando - me com uma sensação estranha.
Ele se vira e sai rapidamente do hospital. Olho para Aline e peço com apenas um olhar que fique de olho no médico que está atendendo Manuela. Respirando profundamente eu corro para o estacionamento. A passos rápidos ele chega até onde seu carro está estacionado. Eu grito por seu nome mas ele não se vira uma única vez. Teimoso! Penso revirando os olhos.
- Espera André! - grito meio rouco e com o fôlego destruído. Ele para e se vira lentamente, a expressão inabalável. Termino meu caminho até ele parecendo um velho asmático.
Diante dele, coloco ambas as minhas mãos sobre meus joelhos. Puxando o ar com força para meus pulmões, agora sim vejo como o cigarro me fodeu. Tenho 27 anos pelo amor de Deus! Não 70. Ergo meu dedo indicador para o alto, lhe pedindo um tempo. Assim eu posso recuperar meu ar com calma.
- Me desculpa! - minha voz sai rasgada em minha garganta. Arrumo minha postura assim ficando apenas poucos centímetros a distância dele. - Agora o babaca da história sou eu.
- Somos dois babacas então!
- Sim, dois babacas! Eu realmente sinto muito. Estou nervoso e você não é o primeiro a questionar minha ligação com elas.
- Sua família? - aceno lentamente em concordância.
- Sim, sei que querem o melhor para mim mas sei me cuidar. Sou um adulto ciente de minhas escolhas.
- No fim eles só não querem que se machuque.
- Bem, se acontecer. É a vida não é?
- A vida! - olha para o lado. Depois volta sua atenção em minha direção. - Você tem sorte!
- Não entendi!
- Sua família! Muitos matariam para ter uma igual.
- Somos loucos André! - deixo escapar uma risadinha.
- Essa é a graça da coisa. - olha para o celular que apita em sua mão. As sobrancelhas loiras se juntam e depois expandem. - Tenho que ir. E se puder mandar notícias de Manuela, agradeceria.
- Tudo bem!
Ainda continuo parado no estacionamento minutos depois do carro ter desaparecido na esquina. Meu coração batendo freneticamente dentro do peito. Entro na recepção e Aline faz sinal para que eu espere ali mesmo. Logo o médico de plantão surge me atualizando sobre o estado de Manuela. Ela ficará de repouso pelo resto do dia e se tudo estiver certo com ela, poderemos ir embora no início da noite. Foi recomendado que ela não passasse por nenhuma situação de estresse também até o fim da gravidez pois foi esse a causa do sangramento.
Caminho ao quarto onde ela está tentando puxar na memória o motivo de seu estresse pois estava tudo bem antes de André chegar. Estávamos decorando o quarto onde ela está ficando. Ela não me disse quanto tempo vai ficar mas a convenci a deixar o lugar a sua maneira durante o tempo que ela precisar ficar em minha casa.
Abro lentamente a porta e a encontro assistindo ao noticiário na tv ligada em um volume mínimo no quarto. Assim que me ver, um sorriso bonito e verdadeiro se abre em seu rosto. Os cabelos loiros estão crescendo e brilhantes, presente de tia Lu que olhou para ela quando chegou lá em casa já arrastando para um canto onde tocou seus fios secos e desgrenhados lhe oferecendo um tratamento completo.
- E aí? Pediu o número dele?
- O que? - sussurro e grito ao mesmo tempo.
- O número daquele loiro lindo. Era dele que estava falando ontem não é?
Escondi um sorrisinho enquanto olhava para tudo dentro do quarto menos para ela. Me lembrando da conversa regada a muito vinho e música que tivemos ontem. Como era feriado passei o dia todo em casa arrumando as coisas que negligênciei desde que faz algum tempo que não pago ninguém para dar uma boa faxina em minha casa. Passei o dia todo na arrumação enquanto minha mais nova amiga descansava como médico deixou bem claro assim que deixamos o hospital.
- Eu não disse só isso. Lembra que te disse o quão babaca ele foi?
- Me lembro. Mas você ainda tinha um ar sonhador enfeitando seu bonito rosto.
- Respondendo a sua pergunta: não, eu não peguei o número de telefone dele. - me sento na poltrona próxima a sua cama, entrelaçando seus dedos frios e finos aos meus.
- Um crime! Deveria ter pego. Quem sabe vocês não saem, se beijam, se amassam e se casam! - engasguei com uma risada alta. Os olhos dela brilham e acho que ela realmente acredita nessa possibilidade.
- Ei, quem é você? E o que fez com a Manu tímida de dias antes?
- Sua tia aconteceu. - ela diz feliz. Eu concordo com sua felicidade. Minha família é meu norte, minha âncora. Depois de um tempo em silêncio, sinto seus lábios em minha mão. Uma lágrima escorre por sei rosto que ainda não recuperou toda a cor. Com o dedo indicador, seco - o pacientemente.
- Ela gosta muito de você Manu. Na verdade toda a minha família te adora! Pode contar sempre com a gente, sempre.
- Seu pai parece não gostar muito de mim.
- Oh devem ser os lábios apertados, as sobrancelhas franzidas, a postura tensa, o olhar impassível ou a falta de expressão facial! - a cada exemplo que dava eu erguia cada dedo de minha mão livre e tentava imitar. Ela acenava freneticamente concordando comigo. Dou de ombros no fim de minha análise e gargalho alto, não me importando estar em um hospital.
- É sério, o senhor Delgado parece chateado comigo por estar abusando de sua hospitalidade Pedrinho.
- Manu fica tranquila. - me inclino sobre ela e lhe beijo a testa. - Meu pai é assim em noventa e nove por cento do tempo. Minha mãe o conheceu assim. E ele tem um probleminha com confiança. Mas logo ele te deixa entrar.
- E se não der tempo para isso?
- Como assim? Claro que vai dar tempo! Você tem todo o tempo do mundo para ficar lá em e arrumar um lugar para você.
- Não falo disso.
- E é sobre o que então? - estava realmente confuso.
- As vezes eu tenho medo Pedrinho.
- Acho que é normal ter medo Manu! É do ser humano.
- Eu sei, mas e se eu não resistir ao parto? E se...
- Manu vai dar tudo certo! Não pensa assim...
- Você não entende! - sussurra com o olhar perdido focado em qualquer ponto do quarto. Mas quando ela os fixa em meu rosto, quase recuo ao ver tamanho desespero contidos ali. - Minha bebê não terá ninguém para cuidar dela.
- Olha, não vamos pensar nisso ok? Um dia de cada vez!
Engulo em seco, tentando jogar para um canto obscuro da minha mente o medo que também tenho por essa criança. Manuela não falou se existia uma família por aí a procura dela desde que chegamos a minha casa. Parece ser um assunto proibido pois toda vez que toco nele, ela se fecha em si mesma orientando o assunto para outro rumo.
Mas e se o que ela tem mais medo realmente acontecer? O que será dessa criança que não tem culpa de nada? Que, assim como todo ser humano é merecedora de todo amor que esse mundo tem para dar. Olhando para o rosto abatido de Manu nesse instante, uma ideia passa por minha cabeça em uma velocidade impressionante mas a escondo. Eu ficaria feliz em cuidar dessa bebê mas não tenho o direito de pensar nisso. A mãe está aqui e creio que estará depois do parto para cria - la com todo o amor desse mundo.
- Posso te pedir uma coisa?
- Sim! - digo sem hesitar. Limpo uma lágrima sorrateira que nem senti derramar.
- Quero que cuide dela se algo acontecer comigo!
- Ma - Manu...- olho para meu colo. Aperto sua mão e lhe cubro. - Que tal descansar um pouco? Vou ligar para minha mãe, ela deve estar preocupada.
- Você não me respondeu!
- E nem vou! Não agora, como eu disse?
- Um dia de cada vez! - ela fecha os olhos e logo saio em busca de um banheiro próximo.
Chegando lá me tranco na primeira cabine que encontro. Me deixo cair no chão imaculadamente branco e choro. Um choro dolorido e sentido. Eu não queria pensar em nada disso. Eu só queria vê - la bem. Sorrindo e com a esperança de que tudo vai certo, que ela vai criar sua filha com todo o seu amor e terá uma vida feliz.
Mas calmo, lavo meu rosto agora vermelho e inchado. Ligo meu celular e uma enxurrada de mensagens explode através dele. Ligo para minha mãe e a tranquilizo de que tudo está bem e assim ela pode anunciar a família que como disse minutos antes para Manu, realmente gosta dela.
[....]
Ajudo Manu a caminhar em direção a minha casa. Vejo que está tudo fechado e me pergunto se minha mãe está atrasada. Ela me ligou assim que estava saindo do hospital dizendo que estaria aqui nos esperando. Manu para um pouco e respira, logo depois acena indicando que pudemos prosseguir. Abro a porta ainda com os olhos colados nela e ambos pulamos quando somos surpreendidos por todos ali.
- SURPRESA!
- Meu Deus! Vocês tem sorte que não sou cardíaco. - Manu ri baixinho. A ajudo a se sentar no sofá.
Minhas tia se penduram ao seu lado. Tia Lu já tem o ouvido contra o ventre dela e só falta se derreter quando na certa a bebê chuta. Tia Lili tem os olhos brilhantes pois assim como ela, nós como família não víamos há muito tempo uma gargalhada verdadeira de sua parte. Não depois que tio Leon se foi. Assim como ela, toda a nossa família está ferida. É uma ferida aberta e que parece que não vai mais cicatrizar nunca. Ela pulsa, sangra e machuca a nossa alma.
- Estou bem gente, só para constar! - reviro meus olhos. Felippe se pendura em mim, seu braço se enrola em meu pescoço quase me enforcando. Engasgo com o maldito vento.
- Relaxa irmão, você tem a mim.
- Que sorte a minha não?
- Está sendo sarcástico?
- Seu irmão te ama bebê! - mamãe beija nossas bochechas. Seu sorriso enorme.
- O que eu perdi?
Olho ao redor. Meus olhos doem de tanto rosa que enfeita todo o lugar. São vários tons de rosa. E nem sabia que tinha tanta variedade assim. Pisco algumas vezes tentando me acostumar. Há balões de ar brancos e prateados em cada canto de minha sala e cozinha. Em uma mesa perto da janela há uma mesa com toda a sorte de doces, bebidas e salgadinhos. E no outro canto há uma mesa com fraldas até no teto, literalmente. Meus olhos lacrimejam quando me dou conta de que estou em um chá de bebê.
- Ficou lindo mãe.
- Eu sei. Foi ideia do seu pai sabia? - a olho atentamente. Ela tem um ar orgulhoso.
- Sério?
- Sim. Ele conversou comigo ontem, estava preocupado com a bebê que não tinha nada. Nenhuma roupinha se quer. Então meio no susto organizamos esse chá de bebê as pressas. Ariel faltou pouco colocar comprar a loja de artigos para bebês a baixo. O homem queria levar tudo mas dia tia Martina, conseguiu controla - lo.
- Não esperava nada menos do tio Ariel.
- Como ela está? No caso elas?
- Repouso absoluto. A bebê está bem e forte.
Nesse instante meu pai se aproxima de onde Manu está. Minha mais nova amiga se retrai um pouco mas logo relaxa quando meu pai lhe oferece seu melhor sorriso. Mamãe falta pouco se desmanchar em lágrimas ao meu lado, Fe tem um sorriso completo em seu rosto e eu...estou nas nuvens.
- Quanto tempo ele ficou na frente do espelho ensaiando esse sorriso? - meu avô diz quando se coloca ao nosso lado.
- Bem, desde ontem. - mamãe diz com os olhos fixos na cena de meu pai interagindo com Manu. Rola até um abraço. Damos gritinhos animados, meu pai revira os olhos.
- Ele se saiu bem! - dou de ombros.
- Ele te ama meu filho! E faria qualquer coisa por você!
- Eu sei mãe. Eu sei. Também o amo. Todos vocês.
11/07/2019
Sem revisão!!(
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