• DEZENOVE • ANDRÉ
Sufocado!
Estou sufocando, a fumaça negra pairando sobre o apartamento. Está quente e preciso procurar por alguém. Mas não sei quem. Minhas mãos flexionam como se em busca de algo mas não me lembro exatamente de quem busco.
O calor no lugar é quase opressivo. Deitado de costas no chão, pisco algumas vezes, vejo o teto de mármore branco do nosso apartamento. Puxo o ar com força para meus pulmões e uma imagem me vem a mente.
Minha mãe!
Tenho que encontra - la. Me ergo com dificuldade e corro pelos cômodos quentes ao extremo. Chego a porta do banheiro, está fechada. Bato contra ela, a madeira nem ao menos cede.
- Mãe? Mãe! - meus pulmões assim como minha garganta ardem.
Em um piscar de olhos como se em um passe de mágica, consigo entrar no banheiro. A banheira de estilo clássico transborda de água, o líquido em si está escarlate. Há um braço pendurado através dela, uma ferida aberta no pulso. Me jogo ao lado dela com o coração aos pulos, retirando - a da água. Salvo que quando envolvo o corpo em meus finos braços, o rosto que vejo faz - me morrer mil vezes mais não é o dela.
Pedrinho. Os olhos fechados, a palidez mórbida transparecendo no rosto quadrado.
- Porra!
- Outro pesadelo garoto? - ergo meu olhar até a porta. Tio Mika está encostado no batente dela, pijamas de cetim escuro.
- Hum...- não concordo ou discordo. Esse era diferente.
Era mórbido em muitos níveis. Será um sinal? Pedrinho terminaria como minha mãe? Morta com os pulsos cortados profundamente em uma banheira? Seria eu igual a meu pai? Expulso esses pensamentos nada positivos de minha mente notando que meu tio continua ali, esperando por uma resposta que não vou dar. Ele sabe que sim. Tive outro pesadelo.
- Está aí há muito tempo? - me livro dos lençóis úmidos.
- Digamos que sim. Estava gritando alto, mas fiquei com medo de te acordar e assusta - lo ainda mais.
- Hum...- esfrego meu dedo indicador entre minhas sobrancelhas.
- Precisa procurar ajuda garoto.
- Eu sei.
- E por que não o fez?
- Não sei.
- Tem medo! - era uma afirmação não uma pergunta. Aquiles passeia pelo quarto calmamente.
- Não gosto dessa parte de minha vida.
- Não pode apaga - la como se não tivesse vivido ela.
- Não, não posso!
- Aceite - a como parte de si. Um aprendizado.
- Um que fodeu com minha vida e parte do meu corpo.
- Consequências infelizmente. - suspirando se abaixa para acariciar os pêlos macios de meu cão, que aceita o carinho de bom grado.- Tenho um amigo que é psicólogo, deveria vê - lo.
- Obrigado tio. - olho a hora no celular sobre o criado mudo ao lado de minha cama. Oito da manhã. - Vou tomar um banho, preciso trabalhar.
- Vou fazer o café!
- Não precisa tio...
- Como disse, vou fazer café! - Me lança aquele olhar de "não começa com essa merda!"
- Tudo bem. Tem consulta hoje sim? - olho em minha agenda.
- Sim, seu pai vai comigo!
Prendo o fôlego sem me conter. Observo - o atentamente. Cruzo meus braços sobre meu peito nu. Seus olhos deslizam para ele, o constrangimento me pega em cheio. Ele pode ver as marcas, todas elas. Cicatrizes causadas pela pessoa que deveria me amar e proteger. Nervoso mediante seu escrutínio, me viro de costas para ele, o que não adianta nada, minhas costas também mostram as marcas de como a vida me ferrou anos atrás. Abro bruscamente as portas do meu guarda roupas, pego o primeiro terno que vejo pendurado em um cabide. Com uma toalha sobre meus ombros, tento fechar a porta do banheiro. Sua pesada mão vai de encontro a ela.
- Não fique com raiva!
- Não estou! - faço um maldito biquinho. Jesus, pareço uma criança birrenta.
- Seu pai veio para essa cidade para se aproximar de nós. Somos sua única família entende?
Entendo. Como entendo. Meus avós maternos e paternos estão mortos, meu pai e tio Mika são seus filhos apenas. Minha mãe é filha única então sem primos por parte nenhuma. Então eu realmente entendo. Entendi no dia que o mundo ao meu redor explodiu literalmente ao meu redor eu tive onde encontrar conforto e consolo nos braços de meu tio. Meu pai tinha uma empresa para gerir então. Morei aqui dos treze aos quinze anos, tendo aulas em casa.
- Eu...
- Tem Mikael para todo mundo, não se preocupe garoto!
- Vá se catar tio!
- Olha o respeito! - fecho a porta ao som de sua risada. Me deixo cair contra a madeira fria e expiro lentamente. Uma batida na porta me tira de meu momento de paz. Abrindo uma fresta apenas.
- O que?
- Liga para ele!
Meu dia no escritório se passou em meio a processos, Luíza a assistente que antes mantinha sua mesa uma zona de guerra se pôs pela primeira vez em semanas a colocar em ordem aquele lugar onde passava a maior parte de seu dia. Na hora do almoço, ainda abalado pelo pesadelo horrível que tive hoje pela manhã, ela me chamou para almoçar. Não estava no clima, terminando por discar para o serviço de entrega, comendo apenas uma salada do Otto.
No início da tarde, estive por três vezes tentado a ligar para Pedrinho. Ouvir sua voz e saber como está. Mas me detive, ele precisa de tempo. Ainda é cedo depois de tudo o que aconteceu. Fui até Lisa, conversei um pouco com dona Maria das Flores que me atualizou sobre o estado do neto. Estava bem, levando as coisas calmamente. O que me surpreendeu. Não saberia como lidar com o fato de me tornar pai de duas crianças em tempo recorde lidando com a perda de uma amiga.
Bom, mas é de Pedrinho que estamos falando. Mesmo que faça pouco tempo que nos conhecemos e que trocamos alguns beijos, ele é uma pessoa de força interior invejável.
Enquanto ia para casa, desviei do meu percurso normal para passar pelo hospital. Não deveria, mas queria ver a menina que abalou a vida de tantas pessoas em um curto espaço de tempo. Uma semana de nascida e arrasando corações. Depois de me identificar na recepção, uma enfermeira me acompanhou até onde ela estava. Os muitos fios que a cercavam dias antes, foram retirados aos poucos.
Agora ela dormia com somente um acesso em seu minúsculo pé, pois foi só ali que conseguiram encontrar uma veia disponível. A fralda se fazia enorme em seu diminuto corpo rosado. Os olhinhos se mantinham fechados. Mas segundo a enfermeira, ela ganhou peso e logo vai começar a respirar sozinha. Pequena lutadora. Com um último olhar para ela através do vidro, vou para casa.
Encontro o lugar vazio, silencioso. Aquiles está no quintal gastando toda a energia que há em seu compacto corpo. Tomo um banho, ligo o som e me deixo cair no sono no sofá. Acordo com uma conversa quase unilateral, recebo uma lambida de brinde, uma gargalhada que não conheço cortando o ar. Me sento rigidamente no sofá, percebendo que não estou usando blusa. Me enrolo na manta que estava ali desde que cheguei, dou uma olhada para meu pai e meu tio, ambos jantando na bancada.
- Fiz o jantar garoto!
- Como foi a consulta tio? - me nego a olhar para meu pai. Ele me viu da maneira mais céus possível.
- Boa.
- Vou para meu quarto.
- Espera André, come um pouco.
- Não estou com fome.
[....]
Aos poucos consigo me controlar. Minha ereção já não quer saltar de minhas calças de corrida como há momentos antes. Não imaginava que chegaríamos a tudo isso. Comigo quase sugando sua alma através de minha boca e mãos. Quando sai de casa disposto a andar um pouco colocando as coisas em minha cabeça no lugar, não pensei que terminaria minha noite aqui.
Mas não resisti a vir aqui. Me mantive afastado por dias, no entanto não me contive a estar perto dele. Só não contava que seu irmão apareceria hoje. O que uma pequena parte minha agradeceu. Pedrinho não estaria com cabeça para sexo e fora que já tinha bebido. Mesmo isso não sendo de minha conta, me desagradou um pouco.
Desperto de minhas divagações ao som de gritos e são conhecidos gritos, há tanta dor e desamparo neles. Salto sobre meus pés, encontro os irmãos em um combate de olhares, suas mãos apertadas em punhos, os rostos duros.
- Já está decidido!
- Não! Você não tem esse direito! Você...- o corpo de Pedrinho balança de forma doentia. Ambos, corremos em seu auxílio. Com brutalidade nos afasta, vou para o canto mais próximo. - Me deixem! - aponta o dedo na cara de Felippe. - Eu sei o que está sentindo...
- Não! - revida fortemente. - Não sabe!
- Sei por que também a perdi caralho!
- Eu sinto...- bate no peito amplo com brutalidade. A blusa preta modelando seus músculos peitorais. - Sinto como se parte de mim... estivesse se perdido...- lágrimas cintilam através de seus olhos. Mas pisca algumas vezes para que não caiam.
- Fe... irmão! - toda a raiva que carregava a atmosfera se esvai como fumaça. Eles se abraçam fortemente. - Você é parte de mim lembra? - segura o rosto do outro. Suas testas se chocam. - Nos completamos sempre, se for embora...
- Você é forte! Vai ficar bem e tem...- ele ri baixinho, seus olhos indo para mim rapidamente.
- Eles já sabem?
- Mamãe está chorando até agora. Papai parecia resignado. Acho que já sabia que eu iria embora.
- Que dia?
- Segunda!
- Você seu filho da puta! - Pedrinho lhe soca o peito. Sem se abalar, Felippe lambe o rosto do irmão então uma guerra de braços se dá início. Me sentindo um intruso, volto para o quintal traseiro terminando de beber a água que me foi oferecida.
[.....]
- Merda! - se joga ao meu lado. Seu cão com metade do corpo queimado dormindo aos meus pés. Ele me fez companhia enquanto ele se despedia do irmão.
- Ele já foi? - inconscientemente meus dedos fazem o movimento de subir e descer por seus braços nus.
- Foi! Eu disse que não iria chorar sabe? Essa será uma promessa que não vou conseguir manter por muito tempo.
- Chorar faz bem, acredite! - me recrimino ao exalar essas palavras. Sou o maior dos hipócritas vivos nessa terra. Não choro desde...
- Eu sei! Eu sabia que estavam se envolvendo, só não pensava que era tão...
- Profundo?
- Palavra correta!
- O amor é estranho!
- Você acha? - se vira com claro interesse em seu rosto. A sobrancelha falhada erguida.
- Sim. Ele pode tanto te fortalecer quanto te destruir.
- Nossa, essa foi profunda! - deita a cabeça em meu ombro.
- Desculpa, só estava pensando.
- Você pensa demais!
- Tio Mika diz o mesmo.
- Sábio homem! Como ele está?
- Bem, indo as consultas regularmente.
- Sempre vai com ele?
- Ia.
- Ia?
- Você é bem curioso não?
- Não nego!
- Meu...- dou de ombros. - Gustavo está na cidade, ele vai passar a acompanha - lo no médico.
- E Gustavo seria?
- Meu pai! - a sentença sai rasgando minha garganta.
- Oh, terreno perigoso! - entrelaça os dedos sobre seu colo. Me mantenho em silêncio. - Vamos mudar de tópico! Deixou alguém em Londres?
- Não...
- Outro terreno perigoso? Jesus homem, o que não se parece um terreno perigoso para você?
- A previsão do tempo, talvez!
Nos fitamos por incontáveis minutos. O silêncio entre nós não era opressor, era cômodo. Sua companhia me faz bem, o que é uma completa loucura. O lampejo de algo em seus olhos faz - me piscar algumas vezes como um lerdo buscando decifrar a informação que me foi passada.
- Fui vê - la!
Trago a luz a imagem do pequeno e indefeso bebê que luta pela vida desde que nasceu. Os cabelos loiros ralos emaranhados em sua diminuta cabeça, as orelhas perfeitas. E o mover constante de suas pálpebras. Estou me envolvendo demais.
- Eu sei, a assistente social me informou!
- Se estiver invadindo sua privacidade, me diga que não volto ao hospital.
- Nunca! Fico feliz que tenha ido vê - la. Minha família quase que monta uma barraca na recepção da UTI neonatal.
- Ela vai ser feliz com vocês na vida dela.
- É meu maior desejo. Manuela iria querer isso.
- Ela iria! - encolhe os ombros, enterra o rosto em meu peito permanecendo ali por tanto tempo quanto possível.
Depois de nosso diálogo profundo demais para uma noite de sexta - feira, deixamos que o silêncio falasse unicamente por nós. Pedrinho bebeu um pouco mais do seu vinho, no início da madrugada ele estava rindo até da curva do vento e me escalando beijando meu pescoço. Juro que minha vontade era de lambe - lo inteiro, para comprovar que sua pele seria tão doce quanto seus lábios. Mas o nível de álcool em seu sangue era alarmante. Por isso o coloquei em sua cama, grande demais por sinal, logo me estabelecendo em seu sofá. Poderia vigia - lo. Se ele vomitasse ou coisa do tipo, estaria ali para ele.
Mas no fundo eu não queria admitir que simplesmente não queria ir embora.
Último do dia!!!!
Sem revisão
02/08/2019
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