Um dia Memorável
Avistar a delegacia da Polícia Civil fez meu coração palpitar. Um mundo novo estava perto, um no qual eu poderia não sair vivo. Mesmo assim, minha curiosidade falava mais alto e o desejo por novas descobertas sempre foi meu combustível.
Ao entrar eu nem mesmo fui notado. As pessoas circulavam de um lado para o outro, atendiam telefone, escreviam em bloquinhos e gritavam com algumas pessoas algemadas.
Sou realmente um zero à esquerda...
Após eu ficar cinco minutos de pé olhando todos se moverem, por fim alguém me notou. Era um senhor robusto com um sorriso simpático.
— O que você deseja?
— Sou o novo investigador. Prazer, Rafael Palácio. — Minha mão estendida foi ignorada.
— Oh! Sim, sim. Recebemos a notificação de sua chegada. Como pode ver estamos muito ocupados hoje. Houve um arrastão. As pessoas não param de ligar para informar o que perderam. E teve alguns feridos. Aqueles ali são possíveis membros do grupo de criminosos. — Ele apontou na direção de três caras algemados — Essa será a sua mesa. Desculpe pela sujeira, mas não se passou muito tempo desde que o investigador que estava aqui foi embora. Não tivemos tempo de tirar as coisas dele.
"Aposto que ele não dura um mês."
"Dou-lhe duas semanas."
"Fechado!"
"Se eu ganhar, quero uma entrada para o show do Jorge e Matheus."
Fiquei na dúvida se eles queriam ou não que eu ouvisse o que estavam conversando, porque riam alto ao olhar em minha direção.
— Aqueles dois idiotas ali apostando seu tempo de duração aqui são Martin e Douglas. Eles são bons em fofocar mais também sabem chutar a bunda de uns bandidos.
Direitos humanos pelo visto passa longe daqui...
— O DIABO ESTÁ VINDOOOO!
O grito do cidadão me assustou e eu realmente fiquei sem entender do que se tratava.
— Ajeite sua postura e não abra a boca se não for extremamente necessário ou se lhe for questionado. O Diabo é muito competente em ler as pessoas e qualquer deslize você estará fora. Como seu antecedente...
Senti uma mão em meu ombro seguido de um "Força, amigo!" que fez parecer que eu estivesse indo a guerra.
Avá, ninguém é tão ditatorial assim em pleno século...
UAU!
Fiquei de boca aberta ao ver entrando pela porta uma mulher de aproximadamente um metro e setenta, de calça jeans, regata azul, bota preta e com seu longo cabelo ondulado (do comprimento de suas costas). Ela simplesmente fez todo o ambiente se alterar antes mesmo de dizer qualquer palavra. Todos os funcionários estavam em seus respectivos lugares, as papeladas estavam estranhamente arrumadas e ninguém estava gritando com os criminosos. Os dois caras que estavam me zoando há alguns minutos atrás estavam agora de pé sem dizer nada. O senhor simpático também se encontra de pé.
— Esses são os suspeitos pelo arrastão?
— Sim, Senhora.
— Tragam eles para a sala de interrogatório.
— Sim, Senhora.
— Imediatamente.
Sem hesitação, os caras babacas foram até os criminosos, pegou um deles pelo braço e começaram a caminhar.
— Eu disse todos. Por isso o pronome pessoal do caso reto na terceira pessoa do plural.
— Desculpe Senhora. Mas eles são espertos, se tentarem alguma coisa contra a Senhora?
O olhar fatal lançado por ela foi o suficiente para que o Senhor simpático se juntasse aos outros dois e acenasse para que eu fosse ajudá-los.
Após andarmos por um pequeno corredor, chegamos à frente de uma porta de ferro. O senhor — que eu ainda não sei o nome — a empurrou e fez com que o suspeito sentasse em uma das cadeiras da sala, que estava em torno de uma mesa. Ele puxou outras duas cadeiras e colocamos os outros dois rapazes nelas.
— Aí, tio. Aquela mina lá é mó firmeza, hein? Colocou os quatro no sapatinho. Cê é louco, mano. Fiquei até arrepiado. Num é não, Sabiá?
— Caralho, tô até desnorteado. Quem é aquela doida lá?
Também quero saber...
— Essa doida é quem vai se assegurar de colocá-los na cadeia ou não. E se vocês não cooperarem comigo, o bagulho não vai ficar legal.
— A Senhora deseja que alguém fique aqui? — O tal Martin questionou, aparentemente preocupado.
— Não é necessário. Fiquem na sala espelhada e gravem todo o interrogatório. Depois irei olhar a filmagem para tentar encontrar alguma brecha.
— Tudo bem, qualquer coisa estamos logo ali.
Surpreendente como ela também não me notou aqui...
Saímos da sala e entramos numa porta ao lado — que eu não havia reparado antes. A sala era pequena, mas possuía três monitores de LED e um vidro que permitia ver o que estava acontecendo na sala de interrogatório.
— Repare a magia acontecer — o Senhor simpático disse com brilho nos olhos.
— Afinal, como o Senhor se chama?
— Ah, meu rapaz, me perdoa. Esqueci de me apresentar. Meu nome é Antônio Arruda e eu sou um investigador aqui há vinte e cinco anos.
— Olhe, olhe. Vai começar... — Martin apontou para a sala de interrogatório.
"Por que vocês acham que estão aqui?"
"Pow, mina. Sei não. Acho que foi porque pegamos o carro de um maluco na rua sem pedir permissão..."
"Ótimo. Estamos progredindo. E qual foi a participação de vocês três no arrastão desta manhã?"
"Que arrastão, maluca? Tamo sabendo disso não."
"Então vocês negam terem participado? Vocês sabem o que acontece quando um interrogado mente para mim?"
A expressão amigável desapareceu e o lápis que antes ela rodava entre os dedos foi quebrado sem hesitação. O olhar dos suspeitos mudou de 'dono da situação' para 'estamos lascados'.
O olhar de desespero mudou ainda mais quando ela pôs um vídeo para rodar em um notebook que estava sob a mesa. Pelo vidro não dava para ver direito do que se tratava, mas pela cara dos rapazes de dentro da sala, o vídeo os comprometia. E muito.
"Sabe onde encontrei isso? No celular de um de vocês. Sabe quanto tempo eu levei para encontrar provas incriminadoras contra vocês, exatos cinco minutos. Agora nesse momento a única coisa que pode os ajudar é vocês começarem a abrir essas bocas. Mas já vou avisando, minha oferta acaba em cinco minutos."
— Quando que ela conseguiu isso se ela chegou aqui agora? — o espanto de Douglas se igualava ao meu.
— Até parece que você que é o novato aqui — Antônio e Martin riram simultaneamente.
Ela se levantou e deixou um celular sobre a mesa. Pelo que pude entender deixou-o no cronômetro.
Até parece que ela vai conseguir alguma coisa assim.
Ela entrou na sala e entregou um pendrive para o Senhor Antônio.
— Abaixe a temperatura da sala para 14 graus e coloque rodar os áudios desse pendrive.
No primeiro áudio surgiu uma gravação de chamada, com uma voz desconhecida ao fundo e outra que parecia a de um dos suspeitos. Pelo visível desconforto, a gravação não deveria estar rodando.
Nela o suspeito falava com um tal de Picolé e marcava um local de encontro. Visivelmente, para o arrastão.
O clima pode até estar bastante frio na sala, mas a temperatura aumentou quando outro áudio começou a tocar. Nesse as vozes eram de dois dos suspeitos que falavam de "passar a perna" no terceiro suspeito — aparentemente o mais bobinho dos três.
Antes de tocar o terceiro e último áudio, a mulher entrou na sala e disse que o tempo havia acabado. Os três rapazes estavam quase se matando, mas quando ela entrou, eles se sentaram emburrados.
"Que coisa feia meninos. Briga entre amigos. Bem, acho que vocês já estão prontos para me falar onde eu encontro esse Picolé."
"Por quê? Vai querer dar uma chupadinha?"
"Como eu não gosto de doces, eu vou apenas tirar o pauzinho e triturá-lo."
Tome essa!
Sem muito esforço, eles cederam e contaram quem é o tal Picolé.
— Quem é ela???
Meu espanto se misturava com curiosidade. Essa é a mulher mais fantástica que já vi em toda a minha vida. Nem mesmo as médicas que encontrei durante a residência chegam aos seus pés.
— Ela é a chefe dessa delegacia. Vanessa Dutra — Martin começou a explicar. — Ela é a delegada mais nova da história desse distrito. Ela chegou aqui no mesmo ano em que eu. Passamos juntos pela prova de aptidão física em 2013. Eu nunca vi uma mulher tão durona em toda a minha vida. Ela concluiu todas as provas em menor tempo e com máxima excelência. Tirando o concurso que ela passou com a nota mais alta da história. Na época ela era quase mais obstinada do que agora. Mas o interessante é que ela passou pela OAB, mas preferiu arriscar a vida sendo uma investigadora.
— Espera, ela não fez o concurso para ser delegada?
— Não. Ela fez para ser investigadora. Ela tinha 22 anos naquela época. E eu percebi no próprio alojamento que ela não era comum. Ninguém, assim como eu, entendia como uma aluna exemplar, aparentemente rica, uma garota extremamente bonita, preferia sofrer em um cargo de investigadora sendo que estava com uma carreira de advogada sólida pela frente. Eu fiquei realmente curioso sobre ela, então comecei uma pequena investigação para descobrir seus reais motivos.
— E aí, o que aconteceu? — Minha curiosidade só aumentava.
— E aí que ela descobriu. Vai saber como diabos ela descobriu, mas ela o fez. E ela descaradamente entrou em meu alojamento à noite e me deu um "mata-leão" que eu nem tive a chance de me defender e fez eu jurar que não a investigaria nunca mais.
— Uau! Ela é realmente louca. Martin, você nunca nos contou essa parte — Douglas parecia tão surpreso quanto eu.
— Alguma coisa na ameaça dela fez parecer uma súplica. Eu percebia que ela estava tentando me proteger.
— É por isso que vocês se tornaram amigos? — Antônio que parecia antes indiferente com a história, questionou.
— Naquele momento eu passei a achá-la incrível e sexy. Mas minha admiração começou de verdade quando ela arriscou a vida e a carreira dela para salvar meu irmão mais novo. A partir de então eu lhe jurei lealdade.
— Mas como ela se tornou uma delegada então?
— Ah, isso eu mesmo posso dizer — Antônio interrompeu. — Aquela garota obstinada e aparentemente louca conseguiu resolver mais casos no departamento de crimes violentos do que qualquer outra pessoa que estava aqui. Todo o caso que ela pegava era solucionado em, no máximo, duas semanas. Isso porque em alguns casos as análises forenses demoravam. Por causa dela muita gente inocente foi absolvida. Assim como o irmão do Martin. Depois da morte do Delegado Wilson Chaves, no ano passado, os superiores se reuniram para selecionar o novo delegado. Dentre os nomes, estava o investigador mais velho daqui, Mateus Pacheco, ela e eu. Eu nunca tive intenção de ser delegado. O Mateus tinha esse propósito há muitos anos. Mas ele descobriu estar muito doente. Graças a Deus, algo curável. Foi então que aconteceu algo inédito nesse distrito: Um delegado e uma subdelegada. Mateus sempre a teve como pupila. Ele até considerou em abandonar o cargo e passar para ela, mas ela não quis.
— E por que não???
— Ela ama ser investigadora. E odeia repórteres — Martin respondeu. — Não há nada nesse mundo que ela odeia mais do que repórteres. Ela então convenceu os superiores a ser a subdelegada. Ela guiava as investigações, daria as ordens diretas e iria a campo sempre. Mas os relatórios seriam assinados pelo Mateus e quem daria as entrevistas também seria sempre ele ou outro superior.
— Mas por quê? Deve ser incrível ser reconhecido como herói por toda a população — falei sem pensar bem.
— Você é realmente um novato. Não sabe absolutamente nada. Os repórteres não estão preocupados com a verdade. Eles não estão a favor das forças policiais. Apenas estão atrás de um furo jornalístico. E se eles acharem mais viável transformar o policial herói em vilão, eles não estão se importando. Foi exatamente assim que meu irmão se tornou culpado em um caso.
Martin parecia realmente concordar com as ações de Vanessa.
— Além do mais, criança, você acha que é vantagem ou desvantagem seu rosto ser reconhecido pelos criminosos?
Antônio realmente tinha um ponto no qual eu não ponderei.
A porta da sala se abriu e Vanessa entrou. Do seu lado havia uma garota bem mais baixa que ela que visivelmente não tinha mais do que vinte anos.
— Quem é ela? — Douglas questionou.
— Ela é a nova estagiária da equipe.
— Como assim? A Senhora está louca? Como pode trazer uma estagiária para o setor de crimes Violentos? — Martin parecia tão indignado quanto eu que tive que passar por uma exaustiva prova antes de estar aqui.
— Acalme-se e me deixe explicar. Ela se chama Samantha, mas no mundo dos hackers ela é reconhecida como Falcão.
— O quê? Ela é o falcão?? Aquele que o setor de crimes cibernéticos estava querendo encontrar há dois anos? — Douglas e Martin se sentaram sem acreditar no que estavam vendo.
E eu permaneci com cara de idiota sem entender nada e sem ser notado.
— Exato. Eu a encontrei ontem à noite. Como os casos que ela estava envolvida não constituíam crimes, eu fiz um acordo com a equipe de crimes cibernéticos. Ela será minha pupila daqui para frente. Se ela não andar na linha, eu mesma a colocarei atrás das grades.
— Delegada, isso faz algum sentido? Você trouxe uma criminosa para dentro da nossa equipe. Uma que age despercebidamente. Como espera que aceitemos isso? — Douglas estava visivelmente irritado.
— Rapazes, se acalmem. Ela deve saber o que está fazendo — Antônio disse com uma voz complacente, percebendo o clima hostil crescer.
— Sabem como consegui todas as evidências que encurralaram os suspeitos hoje? Bingo! Foi ela. Sem ela eu não conseguiria em tão pouco tempo e eles seriam liberados por falta de provas.
— Tudo bem. Concordarei com isso por enquanto. Mas fique sabendo, qualquer gracinha você estará morta. Se a Delegada Vanessa está arriscando a carreira dela nisso é porque ela acredita em você. Não a decepcione.
— Sim, Senhor. — A voz dela era tímida, o que me fez duvidar que ela fizesse mal a alguém.
— E esse daqui, quem é?
Até que enfim ela me notou!
— Muito prazer, Delegada. Já me tornei seu fã. Meu nome é Rafael Palácio e eu fui transferido para cá. É um prazer trabalhar com a senhora.
— Em primeiro lugar eu não sou nenhuma superstar para ter fã. Em segundo, não é um prazer trabalhar com você ainda, até você me provar que merece estar aqui. Esse lugar não é para amador. Se tiver alguma dúvida, desista. Se tiver qualquer hesitação, desista. E acima de tudo: Não se torne um peso para a equipe. Lembre-se que aqui é o departamento de crimes violentos. Você vai perceber que não lidamos com caras bonzinhos como aqueles três ali, não. Aqui lidamos com estupradores e assassinos, além de vendedores de órgãos. A qualquer momento podemos lidar com alguém barra pesada que fará de tudo para nos destruir. Duvide de tudo e de todos. Nunca dê as costas para ninguém. E tente não ser feito refém, isso gera muita burocracia. Ah, mais uma coisa. Jamais fale com repórteres antes de me perguntar primeiro se pode ou não. Ok?
UAU! Ela nem ao menos me desejou boa sorte.
— Sim, Senhora!
"Equipe Alfa, na escuta?"
O som do rádio nos interrompeu.
— Aqui é a delegada Dutra, na escuta.
"Um assassinato aconteceu perto da Ponte principal."
— Ok, estamos indo para lá. — A delegada desligou o rádio e se direcionou a nós. — Você fica aqui e já se prepare para verificar as câmeras do local — ela pôs a mão sob o ombro de Samantha. — Estou contando com você. Vamos, rapazes.
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