Odes ao poeta grego
ODES AO POETA GREGO
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"Posso dizer que ontem lembrei da minha morte"
Era 24 de junho, dia de São João
Fazia mais meio ano que aquela alma sem sorte
Tinha partido para outra dimensão
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E Martina escrevia em seu diário
Com suas memórias de volta
"Ainda bem que há vida neste lugar"
"Ainda bem que há vida neste lugar"
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Matheus partira, sem pressa, para a Grécia
Depois que seu pai viu aquele beijo em combustão
"Meu filho não é gay, só é uma criança rebelde
A distância vai matar essa confusão"
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"Em morte, estou em vida", repetia Martina
"Ainda bem que há vida neste lugar"
"Ainda bem que há vida neste lugar"
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Voltou para São Carlos com dezesseis anos
"Papai, eu prometo que agora eu serei um anjo
Vou estudar arquitetura lá na USP
E montar um clube para tocar na igreja"
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O clube era de rock e tinha muita cerveja
"Eu não sou ateu, eu só não gosto dos dogmas"
E Mateo de Ophiuchus, como ele se batizou
Planejou e liderou toda a revolta
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Transava no banheiro com os carinhas gostosos
Não estudava direito, mas o boletim estava ótimo
"Eu quero saber quem quer formar uma banda comigo
Mas tem que ser nerd, para não falar 'estereotipo'"
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E lá estavam Kayros e Pablito
Kayros era vida louca e Pablito tão bonito
"Ainda bem que há beleza neste lugar"
"Ainda bem que há beleza neste lugar"
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Kayros aceitou para ampliar a visão espírita
E Pablito estava brigado com a família
"Vamos comprar um ônibus e viajar Brasil afora
A Estereótipo de Gênio fará história"
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E começaram a fazer show em barzinhos
Compraram um ônibus e procuraram patrocínio
"Ainda bem que há rock neste lugar"
"Ainda bem que há rock neste lugar"
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Estouraram e fizeram sucesso no interior de São Paulo
Vestidos de gregos traídos o primeiro disco gravaram
E Mateo de Ophiuchus entrou naquela dança
"Não me lembro de gostar tanto de drogas antes da fama"
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Com anos passados, Mateo de Ophiuchus tinha se transfigurado
Parecia menos com gente e mais com uma peça de teatro
Revoltado brigou com Rico, o seu novo amado
Foi tirar férias de frente para o mar
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E chegando lá ele lembrou que também gostava de garotas
"Sou um perdido, moça, ainda bem que você não me conhece"
"Talvez eu me case na igreja", pensava Matheus
Quando uma filha com a praiana concebeu
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Mas Mateo era sedento por amor e correria o risco
Traiu sua praiana com o ex-amante Rico
"Isso é uma despedida, eu vou casar com uma menina"
Disse quando injetou a seringa de heroína
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E Martina escrevia em seu diário
Com lágrimas nos olhos
"Ainda bem que há Samsara neste lugar"
"Ainda bem que há Samsara neste lugar"
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E Martina agarrou o travesseiro
E agradeceu pela nova vida
"Ainda bem que há sorrisos neste lugar"
"Ainda bem que há sorrisos neste lugar"
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A praiana não se casou com Matheus
E em pouco tempo a filha deles nasceu
E o poeta se arrependeu antes mesmo de ver
O exame positivo para HIV
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"Meu Deus, será que há vida neste lugar?"
"Meu Deus, será que há vida neste lugar?"
"Desgraçado sou e em desgraça hei de morrer"
Dizia o poeta antes de Apollo conhecer
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Apollo era como um semideus
E ao amor libertador o cantor se rendeu
"Vou ser um bom pai, um bom filho e um bom herói
Levar o resto de minha vida com gratidão"
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Ah, o sofrimento perseguia o novo cristão
Apollo tinha um câncer amaldiçoado no pulmão
E sua filha, com um ano, órfã de mãe ficou
"Oh, meus deuses, como suportarei tanta dor?"
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E o poeta se manteve de pé até aos 34
Tinha abandonado de vez o álcool
"Eu sou um cara liberto, isso é certo"
Mas o seu abalo foi coroado
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"A menina de sete anos é soropositiva"
Como explicaria tudo aquilo pra filha?
E Apollo estava em estágio terminal
"Vou encher a cara na véspera de Natal"
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"Em morte, estou em vida", repetia Martina
"Ainda bem que há esperança neste lugar"
"Ainda bem que há esperança neste lugar"
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E bebeu e uma carta de despedida pra filha escreveu
Pegou um bote e foi remar em meio à tempestade
"Os deuses que tenham de mim piedade
Acabem com a minha existência
Pois sozinho eu não tenho coragem"
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E o chamam de poeta vencido pelos vícios
Juram que ao HIV teria sobrevivido
Mas como sobreviver ao martírio
De ter se autodestruído?
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E Matheus gostou do Céu e deu um sorriso
"Não vou chorar mais e terei sossego"
Mentira! Poucos anos depois ele era uma loirinha
Berrando com um corte no joelho
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E Martina escrevia em seu diário
Com suas memórias de volta
"Ainda bem que há vida neste lugar"
"Ainda bem que há vida neste lugar"
.
Ainda bem...
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E depois de tantos odes ao poeta grego
Vieram pessoas que escancararam seu segredo
E agora, pobre Martina, como há de ficar?
Será que existe privacidade neste lugar?
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E depois que muito chorou
Pablito sua mão segurou
E confessou que não queria mais a perder
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E Martina escondeu o seu diário
E ao amor deu uma resposta
"Ainda bem que aqui existe você"
"Ainda bem que aqui existe você"
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INICIADA: 11.05.2022.
FINALIZADA EM: 14.05.2022.
ADIÇÃO EM: 12.04.2022.
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