CAPÍTULO 28
“Gosto de pensar que leio de tudo, mas seria mentira se dissesse que romance não é o meu gênero favorito.”
Diário de Amélia, 25/01/2020
Amélia
Quando Sebastian me puxou para perto daquele jeito, a primeira coisa que passou pela minha cabeça foi que eu não deveria tê-lo beijado. Tinha sido tolice e eu nem sabia porque fizera aquilo. No entanto, no instante em que os lábios dele tocaram os meus, todos os meus pensamentos a respeito do que eu não deveria ou deveria ter feito foram substituídos pela a sensação da sua boca na minha.
Eu nunca havia beijado ninguém antes, mas, assim como toda garota, já tinha repassado em minha mente como seria o meu primeiro beijo milhares de vezes. Também tinha dito a mim mesma para baixar quaisquer expectativas que tivesse para o nível mínimo, porque obviamente seria ruim. Quero dizer, que primeiro beijo era bom, certo? Já sabia o básico do que aconteceria e tinha até três palavras que descreviam tudo perfeitamente: molhado, desconfortável e extremamente esquisito.
O beijo de Sebastian não foi nenhuma dessas coisas. O que só podia significar que algo estava errado, algo estava muito errado.
O toque dos lábios dele sobre os meus era macio e firme e o primeiro contato durou apenas alguns segundos, como se fosse somente uma amostra. Ele recuou por um momento e nós nos encaramos, o verde de seus olhos resumindo-se a uma fina borda ao redor de suas pupilas dilatadas.
Soltei o ar que nem sabia que estava prendendo.
— Sebastian — sussurrei, mal reconhecendo minha própria voz antes que ele se aproximasse novamente, segurasse meu rosto entre as mãos e me beijasse outra vez.
Seus beijos eram lentos e suaves, como se para que eu me acostumasse ao seu gosto – uma mistura incrível de maracujá e hortelã, o mesmo sabor de uma caixa de chicletes que tinha no porta-luvas do seu carro, – e para que nossas bocas tivessem o tempo de que precisavam para conhecer uma a outra.
Sem que eu nem mesmo tomasse nota do movimento, levei meus braços até o seu pescoço e agradeci mentalmente quando Sebastian envolveu minha cintura, porque minhas pernas de repente pareciam estar com a mesma consistência das geleias.
(Aparentemente, aquela coisa de ficar com as pernas bambas não era só invenção.)
No exato momento em que meus dedos tocaram seus cabelos, nossas línguas se encontraram. E a surpresa que eu senti ao perceber que não era nada esquisito, mas muito gostoso, fez com que os meus pés se encolhessem dentro dos sapatos.
Quando o beijo chegou ao fim, eu estava sem ar, arfando e me sentindo aquecida em todos os lugares. Sebastian, por sua vez, tinha a respiração acelerada e lábios inchados que muito provavelmente deviam estar iguais aos meus.
Toquei minha boca, que parecia estar formigando. Ainda estava tão absorta nas sensações que o beijo causara que me sentia até tonta – e suspeitei que, mesmo com a minha experiência recém obtida no assunto, não deviam ser todos os dias que uma garota era beijada desse jeito.
— Amélia? — Sebastian chamou o meu nome, talvez preocupado que eu tivesse entrado em estado de choque. — Você está bem?
Respirei fundo, erguendo o olhar para o dele.
— Estou bem. Só tentando processar tudo o que acabou de acontecer.
— Acho que o que acabou de acontecer está bem claro para mim — disse ele, tentando e falhando miseravelmente em esconder o sorriso enquanto passava a língua pelos lábios.
Com o rosto queimando, fechei as mãos em punhos, um pouco irritada pelo seu comentário sarcástico.
— Você parece bem orgulhoso de si mesmo.
— Eu diria que estou feliz, mas orgulhoso também está entre os meus muitos estados de espírito nesse momento.
— Eu poderia ter te empurrado, você sabe — lembrei, caso ele tivesse esquecido.
— Sim, eu sei. — assentiu, os olhos brilhando. — Mas não empurrou.
— É, mas… isso não muda absolutamente nada. — falei, lhe dando as costas rapidamente.
— É claro que muda. — disse ele, dando alguns passos e me ultrapassando.
Cruzei os braços contra o peito, querendo passar uma impressão de firmeza.
— Ah, é? E posso saber o quê?
Sebastian baixou os olhos para a minha boca, um sorriso malicioso despontando de seus lábios, enquanto se aproximava.
— O que muda, Amélia — ele falou, em voz baixa, praticamente no meu ouvido. — É que agora você já tem um gostinho de como será quando começarmos a namorar.
Pus a mão em seu peito, pressionando-o para que houvesse alguma distância entre nós dois.
— Perdão?
— Você ouviu muito bem. — balançou a cabeça, em sincronismo com o sinal que tocava para sinalizar o fim do intervalo. — Encontro você em frente ao seu armário na hora da saída — então se inclinou na minha direção como se fosse me beijar novamente, se afastando no último momento. Movendo o indicador da mesma forma que alguém mais velho faz quando quer ensinar uma lição a uma criança, ele disse, em um falso tom de reprovação: — Não achou que eu ia te beijar de novo, achou?
Céus, a cara de convencido dele era tão cômica que não pude evitar achar graça.
Rindo, falei:
— Você é louco.
— Sou — admitiu. — Por você. — e começou a se afastar, caminhando de costas por alguns segundos com um sorriso bobo no rosto antes de por fim se virar e seguir em direção aonde seria a sua próxima aula.
A sala onde eu teria aula ficava do lado oposto ao corredor pelo qual Sebastian tinha seguido, e assim que dei as costas, não pude evitar que o mesmo sorriso se esticasse sobre meus lábios.
— Vamos, pare de fazer suspense e deixe-me ver — disse vovó, e eu saí do closet, um pouco relutante.
Assim que cheguei em casa esta tarde, ela me recebeu completamente eufórica, tagarelando sem parar sobre o presente que tinha comprado para mim e como não podia esperar para me ver nele.
Agora, apenas algumas horas depois, eu estava de pé em frente ao espelho do meu quarto, dando uma voltinha para que vovó pudesse ver o movimento do vestido.
— O caimento é perfeito. Parece que foi feito para que você o usasse. — ela falou, ajeitando a barra da saia e dando alguns passos para trás para me olhar. — Você está deslumbrante, querida. Realmente deslumbrante.
Encarando meu reflexo, não sei se usaria a palavra “deslumbrante” para me descrever, mas aquele vestido tinha melhorado a minha aparência em pelo menos umas dez vezes. Era de cetim, com mangas que iam até os cotovelos, busto com um decote em linha reta e cintura bem ajudada, com uma saia rodada se abrindo até um pouco acima dos meus joelhos. Apesar de não ser lilás, não havia como negar que era lindo.
— Quando vi essa cor, sabia que ficaria esplêndida em você — vovó continuou, se gabando de sua boa escolha. — Verde esmeralda realça a sua pele e te deixa com uma tez mais saudável e animada. Além de ser elegantíssimo. Você gostou?
— Foi a senhora quem comprou para mim, como eu poderia não gostar? — olhei para ela, sorrindo. — O vestido é incrível. Muito obrigada.
— Ah, eu só quis… — seu olhar se fixou em meu pulso por um instante e ela veio até mim, pegando minha mão. — Que peça linda! E isto no pingente é uma violeta? — ergueu uma sobrancelha, um sorrisinho de quem sabia das coisas se abrindo em seu rosto. — Foi o Sebastian que te deu? Já estão tão íntimos que ele sabe até sua flor favorita?
Corei violentamente ao pensar nele.
A viagem de volta ao lado de Sebastian fora tensa de um jeito estranhamente bom. Graças a Deus, ele não me fizera sentir desconfortável citando o nosso beijo ou fazendo alguma piada maliciosa, – o que apesar de eu saber que ele queria muito fazer, fez com que eu me sentisse um tanto comovida por ver que ele de fato se importava com a forma com a qual eu me sentiria.
— Não é bem assim — esclareci, olhando para a pulseira em meu braço, que ainda era analisada cuidadosamente por vovó. — Alguns anos atrás teve um trabalho de arte na escola no qual tínhamos que pintar flores, e como eu havia pintado uma violeta, Sebastian presumiu que eu fosse gostar. Só isso.
— Só isso? — a mulher mais velha a minha frente riu, os olhos azuis brilhando de divertimento. — Ele se lembrou de um detalhe tão pequeno sobre você de algo que foi há anos atrás? De quantos anos estamos falando exatamente?
— Foi no meu primeiro dia de aula. — respondi, fazendo uma careta por já ter uma ideia do que ela iria dizer.
— Dez anos atrás?! Meu Deus! — exclamou, perplexa. — Vendo como ele olhava para você hoje, senti que devia haver algo a mais por debaixo da súbita aproximação de vocês dois, só não sabia que ele era completamente apaixonado por…
— Vovó! — ralhei, o rosto ardendo. — Não fique falando essas coisas. Ele não é… apaixonado por mim.
Ela riu, nem um pouco convencida. Se bem que eu não podia julgá-la, porque depois do beijo que ele me dera, nem eu sabia direito que pensar.
— Claro que não. O rapaz está doente de amor. Coitadinho! — falou, me dando um tapa no ombro. — Amélia, você não acha que está fazendo o garoto sofrer demais, não? Ele gostando de você por todo esse tempo e você sem nem ligar pra ele.
— Como eu ia saber? Eu não prestava atenção nele! — assumi, gesticulando como sempre acontecia quando eu queria mostrar meu ponto de vista para outra pessoa. Em outras palavras, o que sempre acontecia quando eu e vovó conversávamos. — Para mim existia o meu mundo e o mundo dele, e dois indivíduos de mundos diferentes não se interessam uns pelos outros.
Vovó balançou a cabeça, incrédula.
— Agora está explicado o motivo de ele ter demorado tanto tempo para tomar uma atitude. Devia achar que você não daria a mínima pra ele. Pobrezinho! — se lamentou dramaticamente.
Revirei os olhos.
— Ok, entenda minha teoria. Mesmo que ele gostasse de mim quando nós éramos mais novos, a senhora não acha que esse sentimento já teria passado? E que ele só teria… sei lá, um carinho por mim por eu ter sido… ter sido…
— O primeiro amor dele? — vovó completou.
Fiquei estática por um instante ao ouvir aquela definição. Era quase engraçado. Difícil de acreditar que Sebastian gostaria de mim. O que ele tinha na cabeça para me notar no meio de tantas meninas muito mais bonitas, talentosas e divertidas?
Só ele mesmo, pensei, sentindo meu coração ficar quentinho.
— Você… — vovó parou de falar de repente, fazendo um grande oh de surpresa. — VOCÊ GOSTA DELE!
Isso me despertou imediatamente do meu transe.
— O quê? Não gosto, não.
— Claro que gosta, ficou toda boba se achando quando eu disse que você era o primeiro amor dele.
— Eu não fiquei me achando!
— Olhe só isso! Você gosta mesmo! — vovó riu mais uma vez, parecendo estar nas nuvens. Pigarreando, ela perguntou: — E aí, vocês já se beijaram?
Senti todo o sangue se esvair do meu rosto.
— Não. — eu disse, um tanto rápido demais.
Ela arregalou os olhos.
— NÃO ACREDITO! VOCÊS BEIJARAM SIM! — ela gritou, pulando em minha direção e me sacudindo pelos ombros no exato momento que a campainha da porta da frente tocou.
Parecia que o nosso convidado para o jantar tinha chegado.
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