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7. Freedom Call

As paredes daquele pequeno clube pareciam transpirar com tanta gente reunida no mesmo lugar, pulando e se agitando juntas. A camiseta de Matthew grudava no corpo de tanto suor, além de às vezes precisar tirar uma das mãos da guitarra para impedir que uma gota caísse no olho.

O público sempre era agitado, mas o aglomerado no meio da cabeleira dos punks parecia não ser apenas de pessoas se divertindo.

- Vocês aí - o ruivo vocalista interrompeu a música, apontando para um ponto em específico. - Isso aqui é um show. Alguém aí pagou pra ver luta livre? - Vaias soaram da plateia e os brigões pararam o que faziam. - Se acertem lá fora.

Matthew cruzou os braços, deixando que o restante do público cuidasse de expulsá-los dali. Percebeu uma fileira de casacos pretos saindo do mar de gente. Moicanos, cabelos coloridos e uma única garota, quase sumindo na multidão. Ela olhou para trás e por fim seguiu os amigos para longe dali.

- Do começo - o ruivo disse para o baterista.

As baquetas se tocaram e logo a música iniciou novamente. Apenas mais um show dos The Freakies, uma dentre tantas bandas punks de Londres.

...

Matthew tirou mais um dos discos de dentro da caixa de papelão, colocando-o na prateleira baixa. Apenas o silêncio o acompanhava, já que segundas-feiras não costumavam ser o dia mais movimentado na sua pequena loja de discos em Spitafields, o conhecido bairro de artistas e imigrantes de Bangladesh no East End.

A sineta soou, indicando que alguém havia entrado. Precisava com urgência retirar aquilo, era tão careta... O ruivo se levantou, deixando as novas mercadorias e se virou, vendo uma mocinha que parecia mais ocupada em observar a pintura das paredes - que ele próprio criou com latas de tintas sobrando - do que seus produtos.

- Posso ajudar? - ofereceu. Ele era péssimo em bancar o vendedor...

A loira tirou o olhar das paredes forradas com pôsteres e demais símbolos - que Matthew fez questão de pintar cada um com tinta vermelha -, parecendo finalmente perceber que havia mais alguém ali. Ela ergueu as sobrancelhas.

- Você não é o vocalista daquela banda, a The Freakies? - Um sotaque escocês escorregou por cada uma das palavras.

Foi a vez do rapaz erguer as sobrancelhas, surpreso.

- Então você veio pegar um autógrafo? Pensei que quisesse comprar um disco - despejou um pouco de sarcasmo, vendo a cliente dar um pequeno sorriso.

Mas, apesar disso, a moça parecia mais interessada na loja do que nele, se perdendo em observar seus discos.

- Foi só uma coincidência. - Ela riu, passando os dedos por sobre as capas dos LP's, parecendo procurar algo a esmo. - Chocante o som de vocês.

Matthew deu um pequeno sorriso vitorioso, o ego levemente inflado com o elogio. Cruzou os braços e encostou as costas na bancada, onde ficava a caixa registradora.

- Você não tem cara de quem curte punk, mocinha - comentou, no que a jovem virou-se para ele.

O rapaz a analisou de cima a baixo, desde os cabelos loiros cortados rente à nuca com uma franja, os traços de garota, a camiseta sem mangas com o logo do Queen, a calça xadrez, os coturnos...

- Começando agora. - Ela deu de ombros e voltou-se para os produtos.

Matthew riu e aproximou-se dela, lembrando-se que ele ainda tinha que vender algo ali. Era realmente péssimo nessa profissão. Mas precisava disso.

- Se você diz... Só não vai andando com essa blusa por aí, não. - Apontou para a camiseta do Queen que ela usava. - O pessoal odeia progressivo.

- Eles não são progressivos - ela rebateu, voltando os olhos para ele.

- Mas o som é trabalhado demais, dá no mesmo. - Apenas viu-a balançar a cabeça, talvez não querendo dar-se ao trabalho de discutir. - Tá procurando alguma coisa em específico?

- Queria conhecer alguma coisa diferente - ela respondeu, voltando a prestar atenção nos discos. - Meus amigos me apresentaram o básico.

- Ramones, Sex Pistols, The Clash, Black Flag - ele começou citando os nomes das bandas mais famosas do momento, todo mundo havia ouvido falar.

- Conheço todas. Eu manjo um pouco, tá bom? Só tô começando agora. - A moça pareceu levemente ofendida.

Matthew riu e começou ele mesmo a passar os dedos pelos LP's, sabendo exatamente o que encontrar ali. Podia gabar-se da boa memória.

- Então tem muito que aprender ainda, careta desse jeito - provocou, fazendo a moça abrir a boca, indignada. Antes que fosse obrigado a ouvir uma reclamação, retirou um disco do meio dos outros. - Tenta esse.

Ela pegou o objeto, observando a capa com uma foto dos integrantes.

- Blondie... Eles têm uma mulher na banda - soltou surpresa, olhando o disco autointitulado por todos os cantos.

- O The Runaways não é a única - Matthew respondeu, deixando-a e indo para trás da caixa registradora, desviando-se das prateleiras.

- Se eu não gostar, aceita devoluções? - ela questionou, fazendo-o rir.

- Não costumo dar essas mordomias pra ninguém. - Após essa, apenas disse o preço, recebendo a nota e devolvendo o troco em poucos segundos.

- Desse jeito você não vai conseguir muitos clientes. - Ele deu de ombros e ela sorriu, talvez achando graça. - Você é um péssimo vendedor.

- Não posso fazer nada. - Com essa última tirada, a moça precipitou-se para fora da loja. - Volte sempre, Queen! - gritou para ela junto do barulho da sineta, não sabendo se ouviu ou não. Ele não era um bom vendedor, mas a frase mais clássica e manjada de todas não podia faltar.

Fechou a caixa registradora com um baque metálico. Era cada um que aparecia...

...

- Quebra essa pra mim, Matt - ela pediu, observando as costas do rapaz na jaqueta de couro e o rabisco de "your pretty face is going to hell" feita à mão.

Naquele pouco mais de dois meses que estava em contato com os punks, uma das coisas que tomou nota era de que eles gostavam de customizar tudo o que podiam, pra dar àquilo sua própria cara. Ela era do tipo que amava fazer listas, o que podia fazer?

- E o que eu vou ganhar com isso, Queen? - Matthew rebateu, ainda de costas, enquanto organizava uma das prateleiras baixas com as novidades do mês.

- Eu já disse que o meu nome é Mia! - a loira exclamou, o sorriso no seu rosto brincando entre diversão e irritação.

Matthew conseguia essas reações dela, pôde perceber naquele mês em que passou a frequentar sua loja de discos com certa frequência. Conheceu muito do cenário musical? Com certeza. Mas, não podia negar que também havia demais interesses naquele rapaz com o moicano vermelho berrante e olhos cinzentos.

- Queen, Mcdonalds ou Michaela, qual você prefere? - ele questionou, um riso disfarçado, e Mia balançou a cabeça.

Michaela McDonald, diretamente de Edimburgo, a capital escocesa, para Londres, conforme havia se apresentando para ele. Maldita hora em que decidiu dizer seu nome formalmente... Força do hábito, não podia negar.

- Prefiro Mia. - Estalou a língua, vendo-o deixar a caixa de papelão sobre a bancada, ao lado da caixa registradora. - Quebra essa pra mim, vai. É a primeira edição da nossa fanzine, imagina você na capa.

Ela tentou apelar para o ego do rapaz, que sabia ser maior do que deveria, o que pareceu fazê-lo considerar por um instante, a sobrancelha erguida.

- Vai mesmo dar uma de jornalista, Queen?

Um meio sorriso contrariado tomou forma no rosto dela, aumentando a vontade de Matthew em continuar naquela provocação. Ela tinha bom gosto para batons, o vermelho fosco caía bem com a pele clara.

- Eu sou formada em Jornalismo.

- Tá explicado porque aqueles seus amigos estranhos resolveram entrar com você nessa - ele comentou enquanto entrava brevemente no depósito para guardar a caixa. - Você manja dessa coisa de fazer perguntas.

Ela suspirou, tentando fingir que não ouviu. Tinha que convencê-lo a fazer aquela entrevista, afinal, Matthew era o único integrante de banda que ela conhecia pessoalmente. Imagina o furo pra uma primeira edição?

- Não faria isso nem pra uma cliente fiel? - Mia tentou apelar, vendo-o retornar para o salão principal da pequena loja de Spitafields.

- Você vai me deixar em paz se eu disser não?

- Não.

Matthew riu, cruzando os braços. Ele realmente gostava da sinceridade daquela garota.

- Tá livre amanhã no começo da noite? - Mia assentiu, realmente surpresa por ele ter mudado de ideia tão rápido. O músico passou um endereço que não ficava muito longe dali. - Pinta lá que eu respondo algumas perguntas pra essa sua entrevista. Sem fotos.

Foi sua única advertência e Mia assentiu. A sineta da porta tilintou, indicando um recém-chegado.

- Eu preciso tirar isso logo - o ruivo reclamou, vendo seu cliente indo procurar algo por entre as prateleiras numeradas.

- Dá estilo, é bacana - Mia comentou, fazendo-o rir.

- Combina com você, careta desse jeito. - Ela franziu as sobrancelhas. Aquele comentário realmente a incomodava por algum motivo. Talvez Mia quisesse realmente reafirmar que fazia parte do movimento? Por quê? Vai entender... - Agora me deixa trabalhar, Queen, guarda sua tietice pra amanhã à noite.

Mia riu, preparando-se para deixar a loja, não levando nada dessa vez. A conversa com Matthew acabava sendo mais interessante do que gastar dinheiro com discos, na maior parte das vezes.

- Não vai me dar o cano, hein? Sou pontual.

- E eu tenho cara de quem dá o cano nos outros, garota? - Ele fez-se de ofendido e deu as costas para ela, deixando visível apenas a parte de trás de sua jaqueta e a frase escrita a mão na peça.

Rindo, Mia sequer se despediu, sabendo que o veria no dia seguinte.

...

Matthew abriu a porta do apartamento, deixando que Mia entrasse com sua bolsa de pano marrom pendurada no ombro. A loira observou cada canto da pequena sala do flat, desde os discos de vinil pendurados nas paredes, os pôsteres e uma bandeira de time de futebol, a pintura irregular - provavelmente feita pelo próprio morador -, os dois sofás que não combinavam entre si, a famosa jaqueta largada sobre um deles, a pequena TV que parecia ser da década passada, uma mesa de madeira no centro e... Mais nada. A sala do ruivo era simples assim. Esse tipo de coisa combinava com ele, a jornalista pontuou para si mesma. Mais um tópico da lista mental que fizera sobre Matthew.

- Vai ficar aí parada ou vamos fazer essa entrevista logo? - o músico a convidou para entrar com seu jeito nada sutil, percebendo a moça ainda parada no batente da porta.

- É impressão minha ou você tá com pressa de se livrar de mim? - Mia questionou e foi guiada para o sofá cinza de três lugares. O outro tinha apenas dois e era verde. Talvez ele ganhou aquilo de alguém e por isso a discrepância? Era melhor deixar esses questionamentos para outra hora.

- Eu tô é com fome, tá quase na hora da janta. - Ele largou-se despreocupado na outra ponta do sofá cinza.

Mia gargalhou enquanto revirava o fundo da bolsa de pano.

- Não vou te impedir de comer, tá? Você pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo. - Retirou um gravador, certificando-se que a fita dentro estava no ponto.

- Pra que isso? Pensei que você só fosse me fazer algumas perguntas. - Apontou com a cabeça para o objeto na mão da moça.

- Já que você quer que isso termine logo, assim eu não perco tempo anotando as coisas - explicou e, com os olhos, fez a pergunta se deveriam iniciar. Ignorando suas próprias reclamações de fome, o ruivo assentiu com a cabeça. Mia apertou um dos botões e a luz vermelha acendeu. Ela deixou o objeto sobre a mesa. - Então, Matt, há quanto tempo você se juntou ao movimento?

- Quase dois anos. Eu tinha uma namorada, que tinha uns amigos que iam pra esses encontros de bandas. - Limpou a garganta nessa parte. - Pintei lá algumas vezes com ela e desde então tô aí. - Deu de ombros, contando sua história de maneira sucinta. - Me identifiquei com eles, já tínhamos um estilo parecido e foi isso.

- Isso já responde a próxima pergunta que eu iria fazer, então podemos ir pra próxima - Mia continuou. - Como veio a ideia de montar uma banda?

- Eu já sabia tocar guitarra desde o ensino médio, acabei conhecendo uns caras que sabiam tocar outros instrumentos, todos nós tínhamos vontade de tocar e formamos o The Freakies - ele respondeu. - Começamos com covers e depois fomos compondo nossas próprias músicas.

Mia assentiu com a cabeça, um sorriso no rosto, em comemoração por Matthew estar mais aberto do que ela achou que ele estaria incialmente.

- Desse jeito vamos terminar mais cedo, você tá respondendo todas as minhas perguntas de uma vez. - A jornalista riu, vendo um sorriso passar pelo rosto do músico. Ele não era ironia e sarcasmo o tempo todo, Mia já havia percebido em outras ocasiões. - E de onde surgiu a ideia para o nome da banda?

- Já que nós somos considerados "aberrações" pra algumas pessoas, não tinha nome melhor. - Mia começou a rir, o som se espalhando pela sala quase desnuda de móveis. - Que foi? Vai dizer que você nunca foi chamada assim por ninguém? - ele retrucou um pouco incomodado.

- A entrevista é com você, Matt, não comigo. - Mia tentou retomar o foco.

- E eu não posso te fazer nenhuma pergunta? - Ganhou uma resposta negativa com um balançar de cabeça. - E se eu disser que só vou continuar respondendo se puder perguntar também?

- E por que isso?

- Não é justo que só você fique sabendo mais de mim - respondeu com um sorriso de canto, vendo Mia balançar a cabeça na penumbra.

Começava a escurecer do lado de fora e apenas a pouca iluminação da rua entrava pelas grandes janelas à frente deles. Nenhum dos dois se importou em levantar para acender a luz. Estavam confortáveis do jeito que estavam.

- Eu já sou a aberração da família. - Deu-se por vencida, pronta para abrir a boca e continuar com a entrevista.

- Por quê? - Mia o encarou com as sobrancelhas erguidas, deixando claro que aquele não era o plano. - Você já me fez mais de uma pergunta e não explicou direito, coisa que eu tava fazendo bem até aqui.

- É, mas eu não sou a entrevistada aqui. - Ela cruzou os braços sobre a regata que outrora fora uma camiseta.

- E eu sou o anfitrião. - Aproximou-se mais dela no sofá, o sorriso ladino brincando no rosto. Não havia mais nenhum espaço vago os separando naquele móvel. - A próxima eu respondo, falou?

A jornalista suspirou, percebendo que teria que dar-se por vencida ao menos daquela vez.

- Minha família vem de uma antiga linhagem de duques na Escócia, mas meus tataravós acabaram perdendo boa parte da fortuna no final do século passado. - Foi menos sucinta do que na última resposta, resolvendo não deixar espaços para reclamações dessa vez.

Matthew ergueu as sobrancelhas, realmente surpreso.

- Exatamente por isso que eu evito falar dessas coisas. - Ela deu um sorriso triste, meneando a cabeça.

- Você devia fazer uma matéria sobre isso, você é muito mais interessante do que eu. - Mia o encarou como se o músico tivesse acabado de dizer o pior dos absurdos. - A menina de família rica e tradicional que fugiu da Escócia e se juntou aos punks. - A jornalista riu baixo, encarando o estofado cinza, aparentemente sem graça. - Daria até pra escrever um livro sobre você.

- É clichê demais. - Ela riu sem humor.

- Tem gente que gosta disso - disse, referindo-se aos clichês.

- Queria ver se ouvissem você...

- Eu não me importo com o que os outros dizem, Queen - Matthew a interrompeu. - E pelo visto, nem você. - Ela ergueu os olhos, encarando seu olhar tempestade a poucos centímetros de distância.

Ele não era o único, Matthew poderia pontuar para si mesmo. Mia era um furacão por trás daquele rosto de menina. Um desejo ardente por liberdade, o que de certa forma explicaria porque ela se juntou a eles. Não era apenas a música, mas a rebeldia e tudo o que vinha incluso no pacote. Desde o momento que a viu entrar em sua pequena loja de discos, nunca imaginaria que aquela loira com uma camiseta do Queen pudesse ser tão mais do que pudesse imaginar.

- Pelo menos nisso a gente se parece.

Ela sorriu de canto, quase como aqueles que mais passavam pelo rosto do músico. E que se formou naquele exato instante. E que Mia pôde observar bem de perto. E que não conseguia desviar os olhos naquele momento.

- A gente tem que continuar com a entrevista - Mia disse, como se o motivo de tê-la trazido até ali fosse algo distante demais, que tivesse ficado no passado. Mesmo que esse passado fosse há dez minutos.

- E isso precisa ser agora? - Matthew questionou, seu sorriso ladino brincando no seu rosto mais uma vez e fazendo a jornalista sentir o cheiro de seu hálito, numa proximidade que foram adquirindo sem ao menos perceber.

- Se você quiser gastar mais tempo comigo...

- Por mim tanto faz. Eu gosto de gastar o tempo com você - ele respondeu, vendo um sorriso brotar nos lábios finos delineados com batom, dando uma vontade de traçá-lo com seus próprios dedos.

E, sem ao menos o perceber, o fez. E Mia sequer se importou. Como sequer se importou que a fita em seu gravador já havia chegado ao fim.

- Eu também gosto bastante - ela sussurrou para o músico. Sequer precisava elevar a voz para ser ouvida, com a proximidade que ia aumentando ainda mais.

Sem que ao menos se dessem conta, a proximidade atingiu seu ápice quando seus lábios se encontraram. A noite havia caído completamente em Londres. E eles não se importaram.

...

Mia atravessou a pequena sala com poucos móveis de Matthew, uma de suas blusas cobrindo seus braços desnudos na sua camiseta de mangas cortadas. Apesar do sol - coisa rara naquele lugar -, a temperatura ainda estava amena.

Coçando um dos braços sobre o tecido, sentiu o cheiro de comida sendo preparada e se aproximou da cozinha minúscula, vendo dois pratos postos sobre a mesa de dois lugares do cômodo. Sentou-se, encarando o feijão e a linguiça já prontos.

- Não vai se acostumando com essas mordomias, não - Matthew disse de costas para ela, enquanto tostava um pedaço de pão para cada um em uma frigideira.

A jornalista ergueu as mãos, então lembrou que ele não poderia vê-la. E coçou o braço mais uma vez, levemente avermelhado sob o tecido.

- Tem tempo que alguém não faz café da manhã pra mim - comentou, já começando a comer com o garfo que estava ao lado do prato.

- Acabou as mordomias depois que veio pra Inglaterra, Queen? - o músico questionou risonho. Parecia estar de bom humor naquela manhã.

Desligou o fogo e se aproximou da mesa, colocando um pão em cada prato com a espátula. Mia agradeceu com a cabeça, mastigando sua comida.

- Minha família tinha até bastante dinheiro, mas nem por isso a gente vivia cheios de empregados - respondeu, vendo o ruivo deixar a panela dentro da pia e sentar-se na cadeira oposta à ela. - Vamos terminar a entrevista que a gente começou ontem?

Mudou de assunto, fazendo com que Matthew tomasse nota para si que a moça não gostava muito de ficar naquele tópico. Sendo assim, evitaria.

- Mas você não desiste mesmo, hein? - Riu, começando a comer de seu pão.

- Já começamos, agora tem que terminar. - Deu de ombros. - Só vou precisar de outra fita...

- Mesmo horário mais tarde? - questionou, encarando a jornalista à sua frente.

- Mesmo horário - ela confirmou, sorrindo. Assim como Matthew. Ambos começaram aquela manhã de bom humor.

...

- Já decidiu onde vai ser? - a tatuadora carregada de desenhos pelo corpo e piercings questionou para Mia.

- Na panturrilha - respondeu e deitou-se sobre o acolchoado, dobrando a perna da calça direita.

Matthew franziu as sobrancelhas, estranhando a mudança de ideia repentina de Mia. Ele havia sugerido aquele estúdio de uma amiga após algumas conversas com a jornalista e saber que ela desejava fazer uma tatuagem de pássaro.

- Você não ia fazer no ombro? - ele questionou para Mia.

A jovem olhou para cima com seus olhos castanhos, enquanto a tatuadora preparava seu equipamento para começar.

- Mudei de ideia - respondeu com um sorriso que significaria um dar de ombros se ela pudesse fazê-lo.

Matthew meneou a cabeça, era escolha dela. Mia coçou o braço sobre o tecido da blusa de mangas compridas e a tatuadora puxou seu banquinho, apoiando o desenho do pássaro na outra perna da jornalista. Mia mordeu o lábio assim que a agulha começou a trabalhar na sua pele.

- Eu disse que ia doer - Matthew falou baixo pra ela, naquele tom de "eu avisei".

- E eu disse que ia fazer mesmo assim. - Ela deu uma meia risada abafada, ainda incomodada com a agulha na sua panturrilha.

Matthew segurou a mão da jornalista.

- Só pra você não ficar com medo. - Jogou junto de seu sorriso maroto.

Mia riu baixo, apoiando o rosto sobre o acolchoado. O músico começou a desenhar círculos sobre a palma e a parte de dentro do pulso da jovem, vendo um sorriso no rosto abaixado dela. Ele próprio acabou sorrindo, deixando que seus dedos subissem e descessem pela pele dela. Quando seu dedo passou por algo estranho. Então outro e mais outro, com certa proximidade entre as marcas. Mia ergueu o rosto, os olhos arregalados na direção dele. O ruivo apenas suspirou, descendo os dedos e se concentrando somente na palma dela.

Nenhum dos dois disse mais nada nos minutos que se passaram, sendo o ruído da máquina marcando a pele de Mia com tinta a única coisa a quebrar o silêncio pesado que se instalou por ali.

Quando a tatuagem foi finalizada e o pássaro estava marcado para sempre na panturrilha da jornalista, ela pagou e os dois saíram, com a perna da calça da moça ainda dobrada e o desenho envolto por um pedaço de plástico. Não trocaram mais do que algumas palavras.

Do lado de fora do estúdio minúsculo ainda no bairro de Spitafields, o céu ia se tornando laranja e as pessoas voltavam para casa.

Trocando nada mais do que algumas palavras, Matthew questionou se a jornalista não estava com fome. Com uma afirmativa, compraram peixe com batatas ali por perto. Sentando-se no meio fio bem perto de onde compraram a comida, continuaram em silêncio pelo que parecia uma eternidade. Mas que, na verdade, não passou de dois minutos. Carros buzinavam e pessoas andavam por ali, pouco se importando com dois punks sentados na calçada.

- Eu ia te contar - Mia disse, encarando o movimento da rua.

Matthew riu com ironia. Dessa vez, ela não sorriu.

- Ia mesmo? - Fez-se de descrente, jogando uma batata para dentro da boca.

- Pra que tudo isso, Matt? - exasperou-se, amassando parte do jornal que segurava. Batatas caíram no concreto. Ela pouco se importou. - Tá na moda essas coisas. Você vivia dizendo que eu era careta. - Deu de ombros, como se fosse uma criança emburrada.

Matthew riu alto, pouco se importando com quem passava. Não acreditava que estava mesmo tendo aquela conversa. E com ela.

- E só por que tá na moda você vai usar também, Mia? - chiou, surpreendendo a jornalista. Era a primeira vez que ele não usava o apelido Queen. - Então, se alguém disser que pular da ponte tá na moda, você vai na onda deles também?

Ela riu sem humor, balançando a cabeça.

- Sério que você vai usar esse argumento? Você, Matt? Parece a minha mãe, ela falaria esse tipo de coisa, não você. - Torceu o lábio, ainda balançando a cabeça.

- Vou usar o argumento que for pra fazer você ver onde tá se metendo, garota! - Sua voz se elevou e mais baratas caíram. Ele não se importou.

Assim como quem passava por ali não se importou com aqueles dois jovens discutindo.

- Isso mata, sacou? Não importa o que você tá usando, mas isso mata!

- Heroína - ela disse baixo o nome da substância. Mas, do mesmo jeito, ninguém se importou. Exceto Matthew.

- Não importa que droga você tá injetando em você mesma, isso mata! - O músico passou a mão pelo rosto, suspirando.

A jornalista ergueu as sobrancelhas. Era a primeira vez que ele usava Mia ao em vez do apelido ao se dirigir a ela e a primeira vez que o via reagir dessa forma. Sem ironias, sem sarcasmos, sem sentimentos escondidos por baixo de nada.

- Por que você tá assim, Matt? - Mia virou-se para ele, segurando sua mão, numa tentativa de amenizar aquilo. - Eu sei o que eu tô fazendo, sério. Eu nunca uso demais.

Ele riu sem humor, mais uma vez.

- Uma hora você vai usar demais, Mia, porque você não tem controle de você mesma. - Ele voltou os olhos cinzentos para ela, nublados de preocupação. - Você não é a primeira pessoa que eu vejo isso acontecer, sacou? Eu sei como isso começa.

Ela arqueou a sobrancelha. Não poderia negar que não imaginaria que aquele seria o rumo daquela conversa.

- E como termina? - Apertou a mão dele, incentivando-o a continuar. Sua curiosidade falava alto por dentro, mas não era sua postura de jornalista ali.

- Você sabe como isso termina - sussurrou para ela e suspirou. - Ela se foi, Mia. Eu não quero perder outra de você.

- Então... - ela hesitou, incerta de como continuar. Aquela conversa parecia estranha demais. Assim como Matthew parecia estranho demais. Ou talvez fosse ela que estivesse estranha.

- Só... Não faz isso com você mesma. - Suspirou, amassando o jornal com as batatas. Os dois praticamente se esqueceram da comida, com algumas batatas se acumulando ao redor deles. Não se importaram.

Mia balançou a cabeça, mas parou, vendo o olhar aflito no rosto do músico. Era de se estranhar que Matthew tivesse assim. Mas ele se importava. E por se importar com ela que estava assim. Por se importar com ela que alertava.

Mesmo que por fora assentisse e mentisse que tentaria se afastar dos seus amigos, ela sabia que na verdade não seria bem assim.

Trabalhavam juntos na sua fanzine - que já havia lançado sua primeira edição com a entrevista de Matt, um sucesso dentro do seu nicho - e passavam mais tempo juntos do que ela gostaria. Mas a quem ela tentava enganar? Mia gostava de estar entre eles. Gostava da sensação de liberdade, gostava da euforia que sentia quando a substância entrava em seu sangue. Aquilo poderia matá-la? A longo prazo, talvez. A curto prazo? Sua mente entorpecida sequer pensava nisso. Ela acreditava não haver consequências.

E sequer pensava em Matthew. Não só nesses momentos, mas na maior parte de suas horas. Afastou-se dele o quanto podia, justamente porque sabia o que ele diria quando visse seus braços marcados. Suspeitaria mais uma vez quando a visse coçando a pele sobre o tecido de suas mangas compridas. As regatas customizadas haviam ficado pra trás.

Por mais que ainda gostasse do punk que cheirava a ironia, com uma preocupação por trás dos olhos de tempestade e com um coração maior do que parecia, preferiu ir se afastando aos poucos. Achando que assim sentiria menos. Assim ele iria esquecê-la aos poucos. Podia dizer que fugir dos problemas era sua especialidade. Fugiu da família na Escócia, por que não podia ser mais sutil dessa vez?

O que sua mente entorpecida não reparou naquela noite quando ela e seus amigos entraram naquele clube abafado, com pessoas com casacos de rebites, correntes e a moda que reinava entre aquele grupo estranho, era a atração que tocava ali.

Talvez seus amigos soubessem de sua relação com o vocalista e guitarrista da The Freakies? Que eram próximos, sabiam. Das nuances de sua relação? Mia não se importou em contar para eles. Era algo particular dela, os outros não iriam saber. Não por enquanto. Não quando ela estava se afastando. Talvez nunca soubessem.

Esperava que ele não a visse com todas aquelas pessoas, porém, era difícil passar despercebida quando seus amigos procuravam apenas confusão. Quando Matthew parou o show e os colocou pra fora outra vez, como da primeira vez em que o viu ao longe, ela teve certeza que foi percebida por ele. Mesmo no meio da multidão. Quando seus olhos se encontraram à distância, ela teve certeza que ele estava decepcionado.

Fugindo mais uma vez, seguiu seus amigos e saiu do clube. Tudo o que Mia queria era fugir do peso da responsabilidade. Naquele caso, da responsabilidade de magoar alguém.

Tudo que ela fez foi tentar fugir daquela realidade. Quando saíram dali, tudo o que ela queria era esquecer-se da sua própria existência. E ela não se importou nem um pouco com isso.

...

Mais um copo foi posto à frente de Matthew que, dessa vez, optou por não beber tudo de uma vez, sentindo o álcool ir queimando mais lentamente, se torturando por dentro. Talvez aquilo diminuísse o nó na garganta.

Ou talvez o problema fosse ele. É, com certeza era isso. O problema era ele, que sempre se envolvia com as garotas erradas. Ou que não fazia nada enquanto elas se afogavam nas próprias dores, quando se envolviam... Ele tentava, mas não era o suficiente.

Bebeu mais um gole, saboreando a própria tristeza e ouvindo o som de piano do músico que tocava naquele pub meio vazio, afinal, ainda eram seis de tarde. Quem se embebedava em plena seis da tarde? Ele, com certeza.

- Love of my life, you've hurt me, you've broken my heart and now you leave me. - O vocalista cantava enquanto dedilhava as teclas do teclado, sendo a única pessoa sobre o pequeno palco.

Matthew riu para si mesmo. Apesar de não gostar do estilo, era impossível não conhecer algumas músicas mais famosas do Queen. Tomou um único gole e finalizou a bebida, querendo sair o mais rápido dali.

- Love of my life, can't you see? Bring it back, bring it back, don't take it away from me, because you don't know what it means to me.

Colocou algumas libras sobre o balcão e deu as costas para tudo, enquanto aquele artista solitário tocava uma canção de um coração partido, que ninguém parecia se importar em parar para ouvir um pouco que fosse.

Matthew saiu de dentro do pub para a noite que dava as caras do lado de fora. Respirou fundo e tirou um cigarro do maço, de dentro do bolso da jaqueta com a frase desenhada nas costas, acendendo-o com um isqueiro e pondo-se a caminhar em seguida.

Estava longe do seu bairro, mas pouco se importava. Talvez caminhar fizesse bem. Ou talvez nada o fizesse bem por enquanto.

Ao mesmo tempo em que desejava esquecer, ele não queria. Como se esquecer de alguém como Mia? Que entrou na sua vida pelas beiradas e revirou tudo como um furacão?

Ela realmente era uma tempestade contida, que só queria a liberdade para escapar, ele pensou consigo mesmo enquanto soltou mais uma tragada do cigarro para o alto.

Não iria conseguir esquecê-la, assim como não esqueceu a primeira e assim como não conseguia tirar da cabeça as notas da música que aquele músico tocava no bar. Queen...

Ele se importava com ela. E talvez devesse mostrar isso para o mundo.

Apagando o cigarro em uma lixeira qualquer, resolveu deixar seus lábios livres para assobiar aquelas notas.

Ele não se esqueceria dela e faria questão disso.

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