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INTRO

Em Teodise, o plano existencial dos deuses, Ghaceus interessadamente observava os recentes eventos do mundo físico, através de um portal dimensional de luz que conectava tempo e espaço, entre o divino e o terreno. Um artefato arcano imaterial, que um dia foi chamado de Espelho das Eras.

— Vejo que o ciclo de eventos que há muito foi previsto está prestes a se completar. As coisas seguem muito interessantes para nossos descendentes mortais — disse o Deus da Luz, com o olhar imutavelmente pacífico refletido em sua face de contemplação.

Seu filho, o Rei Arcanjo Kamyel, guardião divino de Nihsies, assistia tudo junto a ele.

— Indubitavelmente, meu pai. Sua profecia apenas poderá se cumprir quando a verdade chegar aos olhos do Terceiro. E agora, o caminho para que ele a alcance finalmente foi traçado com veemência. Sabia que sua amada Consorte Celestial jamais desapontaria. — disse o deus dos biotipos psíquicos, referindo-se a atual Rainha Suprema Anmyuu.

— De fato. Está muito próximo o momento em que ele tornará nossa profecia vencedora. Embora nossa vitória não dependa apenas dele… — comentou Ghaceus, seu olhos divinos que brilhavam como o nascer de mil sois carregavam um reflexo misterioso.

— Por essa razão, colaborarei para o Príncipe Akenmyuu saber da verdade, antes mesmo de seu próprio pai. Através de sua inocência, o pecado oculto que macula nossa família enfim poderá ser expurgado, permitindo que a união entre Trevas e Luz seja plenamente restaurada.

— Fará muito bem. Tudo se encaixará de acordo com o que deve ser, meu filho. E se eu mesmo tiver de agir diretamente, assim o farei. Não permitirei que Ghanog vença, pois isso representaria o fim de toda minha amada criação e a aniquilação de nossa família celeste. 

— E o teu selamento no vórtex de um buraco negro dimensional por sabe-se lá quantos milênios divinais...

Acrescentou Kamyel, soando bastante preocupado.

Ghaceus olhou para seu filho despreocupadamente e sorriu.

— Ora, isso é o de menos, Kamy-my. O que mais importa é a vossa proteção. Mas não te aflijas, meu astro-rei, a Escuridão que teu tio rege jamais terá forças o bastante para extinguir nossa eterna Luz. Dou-te minha palavra.

Disse o Deus Supremo, repousando sua mão sobre o ombro do Rei Arcanjo e segurando-o de um modo gentil, porém firme.

Kamyel sorriu de volta. Aquele sorriso que, para Ghaceus, era o que havia de mais precioso. Afinal, um dos motivos de ter transformado o espírito de seu filho terrestre num deus foi para poder vê-lo sorrir por toda a eternidade.

— Me sinto bastante expectante quanto ao desenrolar dos eventos que se seguirão, envolvendo nossa família mortal. Mas sei que devo me conter até chegar o momento preciso.

Ghaceus afagou afetuosamente a cabeça de Kamyel como um pai brincalhão fazia a seu filho, de modo a bagunçar seus cabelos alvos e brilhantes sob a dupla auréola de luz dourada, acima do topo de sua cabeça.

— Não te preocupes, filho meu. Sua hora de agir diretamente será mais breve do que imaginas.

O Arcanjo riu um pouco sem jeito com aquele gesto. Em seguida, procurou se aprumar.

— Meu coração anseia grandemente por isso. Será muito satisfatório conhecer pessoalmente um de meus descendentes, e logo o primogênito do Terceiro.

— O Kinmyuu Terceiro sempre me faz lembrar de quando costumavas ser um semideus mortal, meu querido Kamy-my — afirmou o Deus da Luz, refletindo uma serena feição de nostalgia.

Kamyel, no entanto, pareceu um pouco constrangido.

— Escutes, meu pai, isso também me lembrou uma coisa. Poderias, por favor, não me chamar de “Kamy-my” na frente dos outros deuses? — pediu, levemente embaraçado.

O Deus da Luz o encarou com um olhar traquina. 

— Oh? Preferes que eu volte a te chamar de teu velho apelido? Pinguinho dos Deuses? — perguntou sem conseguir conter uma risada.

“Pinguinho dos Deuses” era como Ghaceus e as outras divindades costumavam se referir a Kamyel, quando ele ainda era o recém-criado Kinmyuu I, um pequeno filhote mortal.

 
Kamyel colocou a mão no rosto, em um facepalm desacreditado. 

— Não, pai. Definitivamente não prefiro — respondeu ele.

— Ah, mas que pena — Ghaceus disse, prosseguindo a encará-lo com um olhar divertidamente irônico. Porém, o Deus da Luz voltou a posar um pouco mais sério. — Pois muito bem, meu filho. Brincadeiras à parte, ainda nos resta um tanto a fazer para o momento solene que se aproxima velozmente.

Ele gentilmente trouxe Kamyel para junto de si, chamando a atenção do filho para o portal de luz por onde observavam o plano mortal. 

— Estais pronto? — perguntou, com seus olhos luminosos fixos no interior do reflexo entre dimensões.

— Esperamos por isso há mais de três milênios terrenos. Eu não poderia estar mais pronto, e com toda a fé de meu coração, sei que nosso escolhido e todos os seus também estão.

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