19 - Puella Magica
A fadinha pousou levemente no ombro da menina, fazendo com que mais partículas brilhantes caíssem ao seu redor. A princesa desviou os olhos na direção dela, já a encarando como uma nova pequena amiga.
A criaturinha etérea então direcionou seu olhar luminoso para o próximo cristal à frente, indicando que a jornada de descobertas da princesa ainda não tinha acabado. Havia mais uma verdade fundamental no passado de seu pai que os envolvia, qual ela deveria saber.
Mewleficent se aproximou cautelosamente do próximo cristal, como se soubesse que o que estava prestes a ver traria ainda mais camadas à figura de seu pai, já tão complexa e enigmática em sua mente tão jovem. O cristal começou a pulsar antes de liberar uma luz intensa e profunda, que gradualmente tomou forma diante dela.
Os contornos das imagens dançavam em luzes suaves e cintilantes, como se o amor que aquele momento carregava fosse tangível no ar.
No centro da visão, Devimyuu apareceu, segurando dois pacotinhos minúsculos em seu colo — eram os gêmeos nascidos há pouco mais de uma semana, ainda tão pequenos que até poderiam caber juntos e perfeitamente aconchegados num único braço dele.
Curiosamente, dessa vez sua aparência não estava tão pomposa, exibindo toda sua realeza como em visitas anteriores. Os cabelos, ainda que mantendo seu charme, estavam despreocupadamente desalinhados e ele vestia o que parecia ser o primeiro kimono mais confortável que encontrou.
Aquela era uma pequena mas valiosa evidência de que — independente de todo o séquito de babás e servos a sua disposição — seus novos bebês vinham sendo sua única preocupação recentemente, ocupando todo seu tempo, mente, e principalmente coração. Sua mínima atenção a qualquer coisa além deles era totalmente dispensável.
Ele parou diante do altar e da árvore cristalina, enquanto embalava cuidadosamente seus preciosos filhotes como se fossem os maiores tesouros que já tivera. Os olhos dourados brilhavam, não apenas por causa da luz que emanava das pétalas cintilantes ao seu redor, mas principalmente pela alegria do momento que refletiam.
“Oi mãe…”
Começou ele, sua voz soava tão cheia de emoção que quase não podia se conter. Ele sorriu, olhando para os dois pequeninos em seus braços antes de levantar o rosto para a flor dentro da cúpula.
“Vim apresentar os seus netos.”
Devimyuu virou ligeiramente um dos pacotinhos em seus braços para que a luz da árvore refletisse no rostinho do pequeno Mewdarthe. O cabelo herdado do pai; preto como a noite e macio como seda, emoldurava sua carinha adorável e ainda um pouco sonolenta. A pelagem cor de vinho suave parecia reluzir, e seus olhinhos, ainda que pouco abertos, revelavam uma heterocromia única: um azul profundo como o céu e o outro alaranjado como o crepúsculo.
“Esse é o meu príncipe, Mewdarthe Cidryanmew.”
Devimyuu o apresentou com um sorriso orgulhoso. O pequeno Mewdarthe bocejou, suas orelhinhas se mexendo preguiçosamente, arrancando um riso emocionado de seu pai.
“Ele nasceu primeiro, e o segundo nome dele é o mesmo do filho da Mewcedrya. Achei que seria uma boa forma celebrar a memória dele, afinal, ela também foi praticamente uma mãe pra mim por um tempo, além de minha mentora. Vou adorar contar essa história pra ele um dia, quando tiver idade o suficiente para entender.”
O jovem Lorde das Trevas então virou para o outro pacotinho, onde descansava sua pequena e adorada Mewleficent. A última partícula da magia remanescente de Renesmew havia de fato salvo sua vida, e alguns dias após tal milagre, sua rápida recuperação a tornara perfeitamente saudável.
Ela era menorzinha que o irmão, e seus cabelos ruivos como o fogo — herdados pela genética do lado materno — brilhavam à luz suave do cristal, em um contraste encantador com sua pelagem cor de vinho. Como o irmão, seus olhos heterocromáticos, um azul e outro alaranjado, refletiam uma profundidade de magia presente nela que parecia transcender a idade.
“E esta aqui é a minha amada princesinha, Mewleficent.” — Devimyuu disse contendo um suspiro derretido, com seus olhos se enchendo de emoção enquanto olhava para a filha. “Mewleficent Renesmew, na verdade. Se ela está bem aqui e agora, é graças a você, mamãe, e não consigo pensar em homenagem maior para alguém que salvou a vida dela. Eu te prometo que nunca mais vou deixar que ela corra nenhum tipo de perigo. Nossa menininha estará sempre segura, não importa o que aconteça. Os dois estarão."
O jovem rei fechou os olhos, delicadamente alisando com a ponta do focinho o rostinho de cada um de seus filhotes, em seguida lhes dando lambidinhas carinhosas e instintivamente ronronando de leve enquanto o fazia.
Até que ergueu os olhos para o altar novamente, trazendo uma expressão animada e curiosa, como se houvesse se esquecido de contar algo importante.
“Ah, e tem mais uma coisa a respeito deles que, eu não sei como aconteceu, mas é simplesmente… incrível…” Antes de continuar, Devimyuu ergueu um pouco mais Mewdarthe para mostrar a ponta de sua pequena cauda que estava para fora do cobertor. Seus olhos emitiram um brilho animador quando o fez, como se diante de si, visse a materialização de um desejo realizado.
“As caudas deles nasceram com esse formato… uma meia lua! Exatamente… como a cauda da Rogue! Eu ainda não entendo como é possível… Quer dizer, em meu coração, ela sempre será a única mãe dos meus filhos, porque ela é a única que eu amo. Mas, ainda assim… Bom, talvez os puros realmente não tenham mentido pelo menos numa coisa; o amor é realmente a força mais poderosa do universo, acima de qualquer outra magia ou poder. E todo o amor que eu sinto por Mewrogue, de alguma forma fez meus bebês nascerem com algo dela, para que, nem que seja apenas um pouco, ela seja parte da minha família, como um dia eu sonhei que seria…”
Devimyuu respirou fundo, em seguida balançando rapidamente a cabeça para se recompor, pois sentia que estava ficando um pouco mais sentimental do que gostaria ao pensar naquela que realmente deveria ter sido a mãe de seus filhotes. Mas ele procurou desencanar, afinal, não era esse tipo de sentimento que ele queria para aquele momento.
“Bem, acho que é isso. Eu só queria apresentá-los à avó deles, e te agradecer novamente, não só por ter salvo a minha filhinha, como por ter se sacrificado para me salvar também, há muitos anos. Se não fosse por você, eu não estaria aqui hoje, e não poderia ser o pai deles. Eu vou amá-los tanto quanto você me amou, e tanto quanto eu sempre amarei você."
Sua voz quebrou no final, e ele inclinou levemente a cabeça, num gesto de reverência e agradecimento profundo.
Assistindo a tudo, Mewleficent sentiu um calor indescritível crescer dentro de si. Ela observava seu pai na lembrança com um brilho nos olhos, tentando assimilar o quanto ela e seu irmão eram especiais para ele, o quanto já haviam sido amados desde o instante em que nasceram.
— Papai… — ela murmurou, segurando sua própria cauda com delicadeza, vendo agora com outros olhos o detalhe de sua ponta de meia-lua, como uma conexão ainda mais profunda com tudo o que acabara de ver. Um detalhe quase mágico que conectava ela e o irmão a alguém que seu pai verdadeiramente amava, trazendo à tona algo muito maior do que eles poderiam compreender.
A visão da lembrança se encerrava com a luz da flor na cúpula brilhando mais intensamente por um momento, derramando partículas douradas que pairavam suavemente sobre os dois bebês. Devimyuu sorriu, sua expressão suavizando, como se tivesse sentido a presença de sua mãe e soubesse que ela havia dado sua bênção.
Mewleficent, de sua posição ao lado da fadinha, sentiu lágrimas escorrerem pelo rosto novamente, mas desta vez eram lágrimas de alegria e gratidão.
— Obrigada, vovó, por cuidar de mim. E obrigada, papai… por sempre nos amar tanto. Eu juro que nunca mais duvidarei disso.
Ela sussurrou com voz cheia de uma emoção que só uma criança que descobre o quanto é amada poderia expressar.
A luz ao redor do santuário começou a enfraquecer lentamente, como se as lembranças tivessem cumprido seu propósito e o ambiente estivesse se preparando para retornar à realidade. Mewleficent enxugou as lágrimas com as costas das mãos, ainda sentindo o calor confortante do amor de sua avó e de seu pai.
Foi quando uma leve vibração ecoou pelo espaço, como um sussurro na própria magia ao redor.
— Darthe? — ela chamou, o coração acelerando de expectativa.
A atmosfera mudou, enquanto o ar ganhava uma textura etérea. Do interior do Soríbia — que ainda repousava levitando diante do altar — uma luz púrpura começou a emanar. A flor cristalina esculpida em sua ponta brilhou intensamente, e por um instante, suas pétalas pareciam se abrir para liberar parte da energia guardada em seu âmago. Partículas de luz flutuaram ao redor, criando um espetáculo de pequenas estrelas dançantes que preencheram o ambiente.
De dentro dessa luz, a figura de Mewdarthe começou a emergir como um contorno translúcido que parecia refletir a luz mágica ao seu redor. Ele obviamente ainda era um espírito, no entanto, algo parecia momentaneamente mudado.
— Lelef! — ele chamou carinhosamente, trazendo um sorriso radiante.
Mewleficent deu um passo à frente, hesitando por um momento antes de correr até ele. Como se algo a levasse a se esquecer por um momento da condição espectral do irmão gêmeo, ela instintivamente o abraçou. E para a surpresa dos irmãos, seus braços se entrelaçaram em um abraço apertado, e ambos sentiram o calor familiar um do outro que tanto sentiram falta.
— Darthe! Você voltou! — Ela exclamou, com uma risada trêmula de alegria., até que se deu conta — Espera… eu… eu consegui te abraçar?! M-mas como?!
Mewdarthe piscou, tão surpreso quanto a irmã, antes de olhar para as próprias mãos, que embora ainda emitindo a costumeira aura espectral, agora tinham substância, calor e textura. Ele fechou e abriu os dedos algumas vezes, ainda tão incrédulo quanto ela.
— Eu… acho que a vovó fez isso! Ela disse que teria um último presente pra mim assim que eu voltasse! — Sua voz trazia um toque de euforia, como se ainda fosse difícil crer que aquilo estava mesmo sendo possível.
Mewleficent apertou os braços ao redor dele novamente.
— É quase igual a antes! Eu senti tanta falta de te abraçar, Darthe-nii!
— Eu também senti, maninha. — Mewdarthe respondeu, a voz levemente emotiva antes de abrir um grande sorriso. Ele a envolveu com mais força, tornando o abraço quase exagerado, fazendo-a rir alto.
— Espera, Darthe! — protestou a filhote entre risos, tentando se soltar. — Tá querendo me esmagar, é?!
— Não é minha culpa se você é pequena demais pra aguentar!
Ele brincou, mas logo a soltou, com ambos ofegantes de tanto rir.
Os gêmeos trocaram um olhar cúmplice, cheio de alegria genuína. Por alguns momentos, eles apenas ficaram ali, aproveitando a presença um do outro enquanto brincavam de pegar, correndo divertidamente ao redor da árvore de cristal e fazendo o som de seu riso feliz ecoar pela estufa-santuário.
Por aquele breve momento, puderam agir livremente como crianças normais, aproveitando cada segundo da dádiva especial que sua avó lhes havia concedido, esquecendo temporariamente todo o peso que carregavam.
Até que, lentamente, Mewdarthe começou a sentir seu corpo perder a solidez. Ele suspirou, mas manteve o sorriso.
— Bom, vovó disse que tá guardando o restante do poder dela pra um momento crucial, onde vai precisar ajudar o papai, então, acho que esse é o máximo de tempo que ela conseguiu nos dar.
Mewleficent assentiu, contendo as lágrimas dessa vez.
— Tudo bem, esse pouquinho já foi o suficiente. Vovó sabia exatamente o que estávamos precisando.
Mewdarthe assentiu, também não se deixando abalar. Até que olhou na direção do altar, e percebeu como gostaria de usar seus últimos segundos antes de voltar a sua essência intangível.
— É verdade. Esse foi o presente dela pra mim, Lef, mas ela também tem um pra você!
O irmão se dirigiu até o altar e retirou o Soríbia da coluna de poder etéreo que o fazia levitar diante do mesmo, e o esticou na direção da gêmea.
— Esse cetro mágico se chama Soríbia, e era da vovó, de quando ela era uma rainha fada e bruxa. Foi onde ela selou o próprio espírito pra poder cuidar do papai, e ela disse que deve ficar com você agora.
— Comigo? — Mewleficent olhou para o cetro, confusa, mas sentindo um calor familiar ao pensar na conexão que ele representava.
Mewdarthe assentiu, seus olhos brilhando com determinação.
— Isso mesmo. Ela disse que você é como ela, que um dia se tornará uma grande maga, ou bruxa, mas que também existe uma parte fada em você, só esperando pra despertar!
— Eu sou… parte fada também? Uma bruxa-fada como a vovó?!
A princesa piscou, ainda tentando absorver tudo que havia acontecido, mas a expressão séria do irmão não lhe deixava dúvidas.
Mewleficent sentiu o coração bater mais rápido, uma mistura de ansiedade e empolgação que a fazia se sentir única. Seus dedos tocaram hesitantes o cabo dourado do cetro, e, no instante em que o fez, sentiu algo dentro de si reagir, iluminando partes dela mesma que nunca soubera que existiam.
Mewdarthe sorriu, inclinando levemente a cabeça.
— Foi o que ela disse. E que também vamos precisar dele junto com a sua magia pra ajudar o papai. Aliás…
— Ah é…!
Antes que o irmão pudesse continuar, uma empolgação quase imediata tomou conta de Mewleficent, como se instintivamente ela não pudesse mais aguardar e as palavras saíssem de sua boca por conta própria, o que fez os gêmeos acabarem por dizer ao mesmo tempo:
— Você não vai acreditar no que descobri sobre o papai!
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