Capítulo 11. A caçada
Nicolas fechou o livro que mal havia lido. A conversa com Amélia ainda o rondava, como uma bruma que não se dissipou, e ele estava dividido, um turbilhão de emoções o consumindo. Ele tentou, mais uma vez, organizar os pensamentos. Amélia... ela era fascinante. Sua risada doce ecoava em sua mente, um som que parecia envolvê-lo com leveza, enquanto o perfume de frutas que a acompanhava o desorientava de uma maneira que ele não esperava. Sua beleza, seus gestos, tudo nela parecia ter um brilho especial.
Mas Dominique... havia uma história entre eles. Ele devia isso a ela, não? Ele lembrava dos momentos partilhados, das promessas não ditas. Mas seria justo continuar a caminhar ao lado de Dominique se seu coração titubeava agora, nesse momento tão decisivo? Ele não conseguia encontrar uma resposta. Havia dias em que tudo parecia claro, outros em que tudo se desmanchava como areia ao vento.
O nascer do sol trouxe uma decisão prática. Nicolas se levantou, decidido a seguir o convite de Amélia. Não havia a menor chance de avisar sua mãe – ela certamente não permitiria uma aventura dessas, ainda mais com a presença de Arthur, que ela não apreciava.
Chegando aos estábulos, ele viu Arthur à sua espera. O desconforto era palpável no ar. O olhar de Arthur era frio, contido, e o silêncio entre os dois se prolongou por um tempo incômodo. Nicolas sabia que o irmão de Amélia não simpatizava com ele, e isso criava uma tensão que ele não sabia como aliviar.
— Vossa Alteza — Arthur quebrou o silêncio com uma reverência formal. — O que o senhor faz aqui?
— Amélia me convidou para a caçada — respondeu Nicolas, tentando soar natural, mas sentindo que falhava miseravelmente.
Arthur manteve sua postura séria, a resposta sendo nada além de um seco "Entendo". Não havia receptividade ali, e por um breve momento, Nicolas quase voltou atrás, quase desistiu.
Amélia surgiu com uma presença avassaladora, e, assim que Nicolas a viu, o ar ao seu redor pareceu sumir por um instante. Ela vestia uma calça de couro justa que delineava perfeitamente suas pernas esguias, cada curva se destacando de forma provocante a cada passo que ela dava. O casaco de caça, de corte ousado, tinha um amplo decote, revelando a suave pele de seu colo. Os botões paravam estrategicamente à altura de seu umbigo, deixando entrever mais de sua figura do que o príncipe poderia suportar. As botas, de couro fino, apertavam seus tornozelos delicados e subiam até logo abaixo dos joelhos, destacando seus pés pequenos e o movimento gracioso que ela fazia ao andar.
O coração de Nicolas acelerou. Ele tentou disfarçar, mas não conseguia desviar os olhos das pernas de Amélia, que pareciam desenhadas pelo próprio destino. Cada detalhe de sua vestimenta a tornava ainda mais irresistível, e ele se sentiu completamente arrebatado por aquela visão. A tensão em seu corpo aumentava, e por mais que tentasse manter a compostura, seu olhar o traía. Ela estava absurdamente sedutora, e seu simples ato de caminhar até ele parecia uma dança hipnótica.
— Vossa Alteza — Amélia curvou-se levemente, o sorriso brincando nos lábios enquanto seus olhos faiscavam. — Bom dia, meu irmão.
Arthur, ao lado, observava a cena com desconfiança, os olhos atentos à maneira como Nicolas reagia. Ele percebeu a face ruborizada do príncipe, o jeito desajeitado com que ele mal conseguia conter a admiração indisfarçada. Era claro que Nicolas estava enfeitiçado pela visão de sua irmã.
— Bom dia — murmurou Arthur, a voz carregada de uma leve hostilidade velada.
Amélia, percebendo o olhar prolongado de Nicolas, franziu levemente a testa, tentando captar sua atenção.
— Vossa Alteza? — sua voz suave trouxe Nicolas de volta ao momento, e ele finalmente conseguiu desviar o olhar para o rosto dela.
— Amélia, você está... deslumbrante — disse Nicolas, a voz saindo mais rouca do que pretendia. Ele pegou delicadamente a mão dela, beijando-a suavemente. O toque, ainda que breve, fez sua pele formigar, e ele sentiu o calor subir ao rosto.
Enquanto os cavalos eram preparados pelos criados da corte, Nicolas não pôde evitar lançar olhares furtivos para Amélia. Ela, por sua vez, montou com facilidade surpreendente, subindo no cavalo com agilidade e graça, seus movimentos precisos arrancando olhares impressionados. Arthur, já montado, observava tudo com uma sobrancelha arqueada, atento à maneira como Nicolas se comportava.
A pequena comitiva partiu, acompanhada por alguns guardas, e o trio cavalgou até o local escolhido para a caçada. O caminho, coberto pelas sombras das árvores, oferecia um cenário quase místico, com os raios de sol que se infiltravam entre as folhas criando um jogo de luz e sombra que só aumentava a tensão no ar.
Ao chegarem, Amélia desceu do cavalo com a ajuda rápida de Arthur. Ele se adiantou, quase em um movimento automático, para evitar que Nicolas tivesse qualquer pretexto para se aproximar mais da irmã. O príncipe, embora frustrado, disfarçou o sentimento, tentando concentrar-se na tarefa à frente.
O ambiente era escuro, as árvores formavam um denso teto natural, dificultando a entrada da luz. O cenário parecia isolado, quase como um refúgio onde as emoções se intensificavam. Arthur e Amélia, lado a lado, dividiam suas flechas com a naturalidade de quem já estava acostumado a caçar juntos. Nicolas, por outro lado, ajustava sua aljava, seus olhos constantemente voltando-se para Amélia, sentindo-se dividido entre o fascínio que ela lhe causava e a presença vigilante de Arthur, que parecia não perder nenhum detalhe do que acontecia ao redor.
Ele sabia que aquele dia seria mais do que uma simples caçada.
Amélia provocava seu irmão com um sorriso malicioso, os olhos brilhando com a tensão da caçada.
— Quem será que vai ganhar esse jogo? — ela disse, a voz cheia de desafio.
— Sabe que eu sou melhor nisso que você — respondeu Arthur, sem hesitar, lançando-lhe um olhar seguro.
A conversa cessou quando o trio começou a caminhar em silêncio pelo bosque. Eles se moviam quase sem fazer barulho, atentos ao ambiente. Nicolas estava tenso, tentando focar no que acontecia ao redor, quando avistou um cervo de cerca de 1,30 metros de altura. Seu coração acelerou, e ele, com um movimento rápido, pegou uma flecha de sua aljava e a preparou no arco. Era sua chance de impressionar Amélia.
Ele prendeu a respiração e soltou a flecha, mas o disparo passou longe do alvo. O cervo, assustado, deu um pulo para fugir, mas antes que pudesse desaparecer entre as árvores, uma flecha disparada por Arthur o atingiu com precisão.
— Ponto pra mim — Arthur disse com um sorriso de satisfação, provocando Amélia.
— Ainda temos um longo dia pela frente — ela respondeu, mantendo a leveza na voz.
Nicolas sentiu o peso de sua falha recair sobre ele como uma pedra. A sensação de incompetência o invadiu — ele, o futuro rei, não estava habituado à caçada, e falhara em sua tentativa de causar uma boa impressão. O cervo, um animal grande de quase 200 kg, agora era o troféu de Arthur, e Nicolas se sentia menor, menos digno.
— Lamento pela minha falha — ele disse, a voz tingida de constrangimento. Falhara diante dos dois irmãos, mas principalmente diante de Amélia.
Antes que ele pudesse afundar mais em seus pensamentos, Amélia se aproximou. Seu olhar era gentil, quase piedoso, como se ela visse nele um filhote abandonado.
— Vem, vamos procurar um maior — disse ela, pegando a mão de Nicolas com um gesto inesperado.
O toque dela foi como um sopro de conforto, algo que o fez sentir-se visto. Havia algo em Amélia que o desconcertava profundamente. Ela parecia mais confiante, mais livre, diferente da jovem que ele conhecera nos corredores do palácio. Esse novo lado dela era quase tão impressionante quanto suas pernas, que ele mal conseguia tirar da cabeça desde que a vira montada no cavalo.
— Se seu irmão nos acertar, não seria melhor ficarmos juntos? — Nicolas disse, tentando brincar, mas seu olhar caiu sobre a mão de Amélia, que ainda segurava a dele. Ao olhar por cima do ombro, viu Arthur, e a expressão do irmão era furiosa.
Amélia riu, despreocupada.
— Se ele te acertar, é porque quis. Arthur tem a melhor mira da família — respondeu ela, despreocupada. — Foi ele quem me ensinou como caçar de acordo com a respiração do animal. Viu como ele foi rápido? — Ela subia uma pequena colina com leveza, aceitando a ajuda de Nicolas.
— Sim, fiquei impressionado — disse Nicolas, caminhando logo atrás dela, os olhos observando cada movimento gracioso que ela fazia.
— Você não costuma caçar, não é? — Amélia olhou para ele com curiosidade.
— Não muito. Um rei não pode se colocar em risco, especialmente antes de ascender ao trono — respondeu ele, tentando disfarçar o cansaço enquanto subiam. — Na verdade, nem podíamos sair do palácio. Uma vez fugi para ver como era, quase me perdi.
— Que lástima, Vossa Alteza — Amélia sorriu, divertida. — Mas aposto que foi emocionante.
— Foi ótimo. Pude me sentir... uma pessoa de verdade.
Chegaram ao ponto mais alto do bosque, e Nicolas estava ofegante, quase sem fôlego.
— Aqui está bom? — perguntou ele, tentando disfarçar a exaustão.
Amélia olhou ao redor e assentiu. — Sim, perfeito. Agora, vou te ensinar a atirar. Sua postura precisa de alguns ajustes.
Nicolas levantou uma sobrancelha, fingindo ofensa. — Está dizendo que não sei atirar?
— Sim, Vossa Alteza. Agora, fique na posição que está acostumado.
Confiante, Nicolas se posicionou, mas Amélia riu baixinho ao vê-lo um pouco torto. Ela se aproximou e, de forma sutil, bateu suas botas contra as dele, ajustando a largura dos pés.
— Mantenha os pés na largura dos ombros. Isso te dá mais firmeza — explicou ela, posicionando-se atrás dele.
O toque de Amélia era suave, quase imperceptível, mas provocava uma reação em Nicolas que ele não conseguia controlar. Quando ela colocou sua mão sobre a dele, guiando o arco, o corpo dele enrijeceu. O cheiro dela o embriagava, doce e fresco, e sua voz, sussurrando próxima ao seu ouvido, fazia seu coração martelar no peito.
— Puxe a corda até o seu rosto, mas mantenha as pernas imóveis. O ombro deve estar paralelo ao chão — disse Amélia, tocando de leve o ombro de Nicolas. Ele sentiu um arrepio subir pela espinha. — Respire fundo, mire na árvore... e solte.
Por um momento, Nicolas perdeu-se na presença dela. O toque, a voz, o calor próximo a ele o distraíam, mas ele conseguiu focar por um instante. Mirou e atirou. A flecha acertou o centro da árvore.
— Parabéns, Vossa Alteza! — Amélia aplaudiu, radiante.
Nicolas sorriu, o alívio e a satisfação preenchendo-o. — Foi bem mais fácil dessa forma.
Ambos se encararam por um instante. O ar ao redor deles parecia eletrificado, e os corações batiam no mesmo ritmo. Amélia sentiu suas pernas vacilarem, e sua respiração ficou descompassada ao encarar aqueles olhos azuis, brilhantes como safiras, que a deixavam sem palavras. O olhar de Nicolas era hipnotizante, algo que a fazia perder o fôlego.
— Então... — Amélia deu um passo para trás, percebendo a proximidade perigosa entre eles. — Existem outras coisas que você precisa saber sobre caçar.
— Como o quê? — perguntou Nicolas, com um sorriso, sentindo-se mais confiante, especialmente pela forma como Amélia o olhara.
Eles continuaram caminhando pelo bosque, Amélia explicando cada detalhe sobre velocidade e precisão, enquanto Nicolas absorvia cada palavra, encantado não só pela caçada, mas pelo modo como ela o fazia se sentir.
Com o sol já começando a descer no horizonte, Nicolas avistou uma grande ave entre as árvores, as asas abertas em uma exibição majestosa. Era a oportunidade de redimir-se das falhas anteriores. Preparou o arco com cuidado, prendeu a respiração e, com um movimento rápido, atirou. A flecha voou certeira, atingindo o alvo com precisão. Quando a ave caiu ao chão, ele a pegou, carregando-a com orgulho.
— Parabéns, Vossa Alteza. É uma bela ave — disse Amélia, com um sorriso sincero. Seus olhos brilhavam com admiração.
— Obrigado — Nicolas respondeu, sentindo o peito inflar com o reconhecimento dela.
Arthur, observando a cena, lançou um olhar sarcástico à irmã. — Zero para você, Amélia? — provocou, com um sorriso vitorioso. Era raro para ele superá-la em qualquer coisa.
— Primeira vez em três caçadas que você ganha — Amélia revirou os olhos, mas sorria. — Não se gabe muito.
O clima estava leve, mas Nicolas sabia que o tempo juntos estava acabando. O dever chamava. — Devemos voltar à corte, então — disse, com uma seriedade que contrastava com a descontração dos momentos anteriores.
Amélia pareceu decepcionada. — Pensei que podíamos cavalgar um pouco mais — comentou, quase como um pedido disfarçado.
Nicolas hesitou por um momento, o peso da responsabilidade pesando sobre seus ombros. Ele sabia que, como futuro rei, sua liberdade era limitada, e as constantes escoltas tornavam até o mais simples passeio uma tarefa formal. — Eu acho chato ser seguido enquanto cavalgo, mas... se você quiser, posso te acompanhar — ofereceu, seu tom suavizando ao perceber o desejo de Amélia por mais tempo ao ar livre.
Amélia, sempre atenta às emoções de Nicolas, balançou a cabeça. — Não, Vossa Alteza. Se não te agradar, vou com meu irmão.
— Meu dia foi programado para você, Amélia — ele a corrigiu, suavemente. — Não se preocupe. O que importava, naquele momento, era estar com ela.
Com delicadeza, Nicolas se aproximou e ajudou Amélia a subir em seu cavalo. Quando suas mãos tocaram a cintura dela, o contato breve e gentil o fez sentir um arrepio. Ela estava próxima, e a proximidade entre os dois trazia à tona todas as emoções que ele tentava esconder. A tensão era palpável, mas ela parecia não notar.
Enquanto Arthur, em silêncio, amarrava as caças no cavalo, os dois cavalgavam um pouco mais adiante. Ele os observava à distância, sentindo o peso de ser o protetor de sua irmã. Ver Nicolas e Amélia juntos despertava nele uma mistura de emoções complexas. O desejo de proteger a irmã, o medo de perdê-la, e a inevitável constatação de que ela não era mais a menina que ele sempre cuidara. Amélia agora era uma mulher, e Nicolas claramente via isso.
Arthur suspirou pesadamente enquanto os observava se afastar. Ele sabia que o futuro poderia reservar um casamento entre sua irmã e o príncipe, e o pensamento o incomodava profundamente. Não era só a ideia de vê-la em uma posição tão alta, mas o que isso significava para sua relação com ela. Ela não era mais apenas sua irmãzinha.
Ao lembrar do quase beijo que presenciara, Arthur sentiu uma pontada de raiva. Uma parte dele queria ter atirado uma flecha em Nicolas naquele momento, afastá-lo de Amélia. Mas ao mesmo tempo, ele viu o brilho nos olhos de sua irmã, algo que não podia ignorar. Ela estava diferente. Amélia tinha se tornado uma mulher diante de seus olhos, e ele, de alguma forma, não havia notado até agora.
— Minha pequena irmã... — murmurou Arthur, enquanto começava o caminho de volta ao castelo sozinho.
Enquanto cavalgaram em silêncio pelo caminho entre as árvores, a brisa suave soprava gentilmente, trazendo o som sutil do vento passando pelas folhas. Nicolas se mantinha perto de Amélia, seu olhar ocasionalmente se voltando para ela. Cada vez que o fazia, sentia uma mistura de emoções que o deixava inquieto. Quando finalmente avistaram o campo de flores selvagens, Nicolas indicou com um gesto para seguirem por ali.
— Quer parar um pouco, Vossa Alteza? — Amélia perguntou, sua voz suave interrompendo o silêncio.
Nicolas sorriu ao ouvir a pergunta, seus pensamentos vagando por aquele local especial. — Podemos seguir mais um pouco. Conheço um lugar bonito aqui perto. — Ele não sabia bem por que estava compartilhando aquele lugar com ela, mas havia algo em Amélia que o fazia querer mostrá-lo. Era um espaço que ele nunca havia mostrado a ninguém, mas ali estava, pronto para compartilhá-lo com ela.
Chegaram a uma clareira cheia de flores selvagens, uma vasta variedade de cores vibrantes espalhadas pela relva. Amélia desceu de seu cavalo com graça, seus olhos se iluminando ao contemplar o cenário ao redor. Nicolas não pôde deixar de sorrir ao ver a expressão de encantamento dela, sentindo uma pontada de orgulho ao surpreendê-la. Ele amarrou o cavalo em um tronco, e Amélia fez o mesmo, ambos caminhando juntos em silêncio até se sentarem entre as flores.
Amélia estava fascinada pelas flores ao redor, seus dedos correndo levemente sobre as pétalas enquanto ela admirava a diversidade de cores. — Nunca vi flores tão belas assim — murmurou, quase para si mesma.
Nicolas a observava com admiração silenciosa. Havia algo profundamente gratificante em vê-la feliz, como se seu próprio coração se enchesse da mesma alegria. De repente, uma borboleta azul pousou suavemente sobre a perna dele, interrompendo seus pensamentos.
— Acho que você é uma pessoa de sorte — Amélia comentou com um sorriso, seu olhar voltando-se para ele.
— Como assim? — perguntou Nicolas, sorrindo de volta, sua curiosidade aguçada.
— De onde eu vim, quando uma borboleta pousa em você, é um sinal de sorte — respondeu ela, seus olhos brilhando de leveza.
— Será? — Nicolas sorriu, achando graça na superstição.
— Borboletas são um símbolo de renovação Vossa Alteza — Ele se inclinou ligeiramente para mais perto, o rosto suavizando.
— Me chame de Nicolas — pediu ele, quebrando a barreira formal com um tom caloroso.
Os dois ficaram em silêncio por um momento, o som do vento e o cheiro das flores os envolvendo. Mas o silêncio entre eles não era desconfortável, era como se ambos estivessem absorvendo a calma daquele lugar.
Nicolas, no entanto, sentiu a necessidade de entender mais. Ele quebrou o silêncio, sua voz soando um pouco incerta. — Por que você veio? — Ele hesitou antes de completar. — Quero dizer, por que aceitar se casar comigo... por causa do trono?
Amélia riu levemente, sua risada era suave, mas carregava uma pontada de ironia. — Eu me casaria com você mesmo se não fosse rei. Ser rei é que traz as ressalvas. — Ela falou com honestidade, e Nicolas sentiu algo apertar em seu peito.
— Se casaria comigo se eu fosse um camponês? — Ele brincou, mas havia uma sinceridade subjacente em suas palavras.
— Acho que, se fosse um camponês, estaria casado com sua namorada de infância — respondeu Amélia, sua voz revelando uma leve amargura, o que fez o peito de Nicolas se apertar ainda mais.
— Por que veio, então? — Nicolas insistiu, a curiosidade agora mais profunda. Ele queria entender. Precisava entender.
Amélia o olhou nos olhos, sua expressão se suavizando. — Minha família veio por mim. Eles largaram tudo para me apoiar, e eu faria qualquer coisa por eles. Sei que aceitou minha presença pelo dote... — Sua voz era sincera, mas carregava um leve tom de tristeza.
Nicolas, sentindo a tensão crescente, reagiu de forma abrupta. — E você está aqui pela coroa, então está tudo certo, não é? — As palavras saíram mais duras do que ele pretendia, e ele se arrependeu no instante em que as proferiu.
Amélia se levantou de repente, ferida pela rudeza inesperada. — Melhor voltarmos, Vossa Alteza.
O arrependimento imediatamente tomou conta de Nicolas. Ele agiu por impulso, levantando-se rapidamente e segurando as mãos dela com suavidade. Seus olhares se encontraram, e Nicolas sentiu que estava prestes a perder algo precioso.
— Perdão, Amélia — disse ele, a voz suave enquanto seus dedos envolviam os dela. Ele precisava se redimir. — Às vezes sou rude e grosseiro. É difícil para mim.
Amélia olhou para ele, sua expressão se suavizando ao ver o arrependimento nos olhos dele. — Está tudo bem.
— Não, não está — insistiu Nicolas, tomando coragem. — Quero que saiba que, independentemente dos motivos que a trouxeram até aqui, eu me sinto fascinado por você. — Ele respirou fundo, os olhos dela prendendo os seus. — Você é como uma brisa suave em meio a uma noite quente. Sua doçura, sua serenidade... vejo você brincando com meus irmãos, e é encantador. Eu sinto inveja da sua paz.
— Vossa Alteza... — Amélia começou, mas ele a interrompeu, colocando um dedo suavemente sobre seus lábios.
— Não precisa dizer nada — murmurou Nicolas, levando sua mão aos lábios e beijando-a com ternura. — Apenas me prometa que, se eu for rude, você me dirá. Eu não sou muito gentil, às vezes.
Amélia sorriu levemente, sentindo a sinceridade no pedido. — Farei isso, Nicolas.
O silêncio voltou a envolvê-los, mas dessa vez era cheio de uma compreensão mútua. Tudo parecia tão calmo, e, de alguma forma, tão certo. Nicolas, sem dizer mais nada, pegou uma das flores do campo e colocou delicadamente nos cabelos de Amélia, apoiando-a atrás de sua orelha. Seus dedos roçaram a pele dela, e ele sentiu o toque suave como se fosse a coisa mais preciosa do mundo.
Por um momento, eles ficaram perdidos um no outro, mas o som de um dos guardas limpando a garganta os trouxe de volta à realidade.
O vento suave acariciava seus rostos enquanto Nicolas e Amélia cavalgavam pelo caminho sinuoso de volta ao castelo. O clima entre eles estava mais leve agora, depois da breve tensão, e Nicolas sentia uma nova conexão surgindo.
— Devemos ir — disse ele, com um sorriso brincalhão. — Provavelmente serei a próxima caça de Arthur se não chegarmos logo.
Amélia riu, mas sua expressão suavizou em seguida. — Ele é um bom rapaz, só tem esse jeito protetor.
Nicolas assentiu, mas o brilho em seus olhos ficou mais sério. — Estranhamente, eu me simpatizo com ele. Com todos os seus irmãos, na verdade. Mas com ele, especialmente... Ele não finge gostar de mim por ser o futuro rei. — Sua voz se tornou mais amarga. — Sei que muitas pessoas fazem isso. Fingem gostar de mim, falam pelas costas, fazem planos... — Ele parou por um momento, encarando o horizonte.
Amélia sentiu o peso das palavras dele e, pela primeira vez, compreendeu a verdadeira solidão que ele carregava. Ser da realeza parecia ser mais difícil do que ela imaginava.
Eles chegaram aos cavalos e, ao montar, Nicolas lançou um olhar de desaprovação para o guarda que os havia interrompido antes. Apesar da tensão entre ele e o dever, parecia relutar em voltar para a realidade.
— Vamos voltar — disse Nicolas, seu olhar se suavizando. Mas ao invés do caminho mais curto, ele escolheu o mais longo. Ele queria aproveitar aquele momento um pouco mais.
Enquanto cavalgavam, Amélia quebrou o silêncio com uma pergunta inesperada:
— Vossa Alteza... o que você gostaria de fazer se não fosse rei?
Nicolas pareceu surpreso, mas um sorriso logo surgiu em seus lábios. — Ninguém nunca me perguntou isso. — Ele fez uma pausa para pensar, apreciando a pergunta incomum. — Acho que gostaria de ser agricultor. Plantar e colher. Talvez tomar sopa todas as noites antes de dormir. — Ele riu com leveza, notando o sorriso de Amélia ao ouvir a parte sobre a sopa.
— Posso fazer uma pergunta também? — Nicolas pediu, sua voz curiosa.
— Claro, Vossa Alteza. — Amélia o incentivou com um sorriso suave.
— Não tome isso como uma crítica, mas... você está linda com essa roupa. Calças são um hábito comum onde você vive? — Ele sorriu, claramente interessado.
Amélia riu suavemente. — Há mulheres guerreiras de onde eu venho. Elas não usam vestidos tão justos e cheios de adornos. É sufocante, às vezes. Mandei fazer essas calças especialmente, embora minha cunhada não aprovaria.
Nicolas arqueou uma sobrancelha, intrigado. — Sua cunhada?
— Sim — ela assentiu. — Ela é a única mulher com quem convivo. Me ensinou as "coisas de dama".
O rei riu, o som ecoando entre as árvores ao redor. Amélia sentiu um leve rubor subir por suas bochechas ao vê-lo tão relaxado.
— E o que seriam essas "coisas de dama"? — perguntou Nicolas, ainda sorrindo.
— Vestidos grandes, espartilhos apertados, andar de forma correta... — Amélia disse, revirando os olhos de forma brincalhona.
Nicolas inclinou a cabeça. — Então, que tal deixarmos esses hábitos de lado e apostarmos uma corrida?
Amélia sorriu, os olhos brilhando com o desafio. — Concordo! — Ela respondeu, com uma energia renovada.
— Irei te dar uma vantagem no três. Um... dois... — Antes de ele terminar, Amélia já havia partido, cavalgando rapidamente pelo campo. Nicolas riu alto, sabendo que dificilmente a alcançaria. A sensação de liberdade o invadiu por completo.
Quando finalmente chegaram aos estábulos, Arthur ainda estava lá, observando-os com uma expressão séria. Ele notou o brilho nos olhos de sua irmã, e isso o incomodou profundamente.
Enquanto Amélia descia de seu cavalo, Nicolas a segurou pela cintura, seus corpos tão próximos que ambos sentiram a tensão no ar. Seus olhares se cruzaram por um momento, como se o mundo ao redor tivesse desaparecido. A conexão entre eles era palpável, mas antes que pudessem fazer algo mais, foram interrompidos.
Olavo apareceu, sua expressão visivelmente aborrecida. Seus passos duros ecoaram pelos estábulos, rompendo o momento entre Nicolas e Amélia.
— Aonde foram sem mim? — perguntou o menino, os braços cruzados e o olhar magoado.
— Fomos dar uma volta e caçar — disse Nicolas, tentando não parecer exasperado pela interrupção.
— Eu gostaria de ter ido! — reclamou Olavo.
Nicolas afagou o cabelo do irmão, tentando acalmá-lo. — Quando você aprender a usar o arco, poderá vir. Por enquanto, com sua mira ruim, você poderia acertar alguém. — Ele riu, mas a leveza em sua voz não escondia o cansaço que sentia.
Amélia curvou-se respeitosamente para Nicolas. — Obrigada pela companhia, Vossa Alteza.
Arthur, que estava observando a cena de longe, decidiu intervir com um tom de deboche. — Foi uma caçada interessante. — Ele cruzou os braços, o desdém evidente em sua voz. — Da próxima vez, traga um cervo, Alteza.
Nicolas sorriu desafiadoramente, sentindo a provocação. — Você verá. — Seus olhos brilharam com a determinação de impressionar Arthur.
Com um sorriso final, Nicolas se afastou, acompanhado de Olavo, deixando Amélia e Arthur no estábulo. Mas algo em seu coração sabia que aquela conexão com Amélia não seria esquecida tão facilmente.
Arthur, com o braço ainda entrelaçado ao de Amélia, caminhava em silêncio pelo pátio do castelo. O dia estava se encerrando, o sol já se punha no horizonte, tingindo o céu de laranja e dourado. Ele sabia que aquela conversa seria delicada, mas também sabia que Amélia precisava de apoio, de uma opinião sincera, e talvez de um ombro amigo para desabafar.
— Vi que você o ensinou a atirar — disse ele, quebrando o silêncio, com um tom de leve provocação.
Amélia sorriu, mas um rubor suave subiu por suas bochechas ao recordar-se do momento íntimo que tivera com Nicolas. Os olhos do rei sobre ela, intensos e cheios de curiosidade, ainda a faziam sentir o coração acelerar.
— Eu notei que estava vendo — respondeu ela. — Você parecia muito calmo para alguém que estava apenas vigiando.
Arthur riu suavemente, apertando um pouco mais o braço da irmã contra o seu, num gesto protetor. — Ele me parece alguém gentil. — Arthur observou Amélia, como se quisesse decifrar seus pensamentos.
Ela suspirou, parando por um momento para olhar o irmão. — Acha que devo me casar com ele?
A pergunta pairou no ar entre eles, pesada e cheia de implicações. Arthur respirou fundo antes de responder.
— Amélia, isso quem decide é você. Sabe que a família vai te apoiar, como sempre fazemos. — Ele parou de caminhar e a olhou nos olhos, sério, mas com carinho. — Mas você precisa saber o que sente.
Amélia mordeu levemente o lábio, refletindo sobre a resposta. Casar-se com um rei não era apenas uma questão de sentimentos. Havia o peso de suas responsabilidades, de seu passado... e da presença de Dominique.
— Acredita que posso me casar com o rei sem contar minha situação anterior? — A voz dela tremia levemente. O segredo que guardava parecia pesar ainda mais à medida que se aproximava da decisão final.
Arthur permaneceu em silêncio por um instante, como se ponderasse a melhor forma de responder. — Acredito que deva esclarecer a situação antes de casar com o rei. — Sua voz era firme. Ele sabia que a verdade, por mais difícil que fosse, era o único caminho para a paz de espírito.
Amélia abaixou o olhar, nervosa. Sabia que Arthur estava certo. Esconder algo tão importante de Nicolas poderia comprometer qualquer esperança de felicidade.
— E a Dominique? — perguntou ela, de repente, a voz mais baixa, como se temesse a resposta.
Arthur deu de ombros. — Não sei, Amélia. — Ele suspirou profundamente, sabendo que aquele era um assunto delicado. — O que eu ouvi por aí... — hesitou antes de continuar. — Dizem que o colar que ela usa, aquele que afirma ser um presente de Nicolas, foi dado por seu próprio pai. Um homem ambicioso, que venderia a filha a qualquer preço.
Amélia franziu a testa. — O que quer dizer?
Arthur olhou para o horizonte, como se buscasse as palavras certas. — As servas comentam que Dominique envolveu Nicolas de uma forma que ele, sendo inexperiente, não soube resistir. Ele a conhece desde sempre, e por isso muitos dizem que... — Arthur parou, medindo suas palavras. — Dizem que o rei se deixou levar pela familiaridade. Mas o que importa agora, Amélia, não é Dominique. O que importa é o que você quer.
Amélia ficou em silêncio, processando as palavras de seu irmão. Era verdade que Dominique parecia sempre estar um passo à frente quando se tratava de Nicolas, como se ela conhecesse cada fraqueza e soubesse manipulá-lo. Mas, ao mesmo tempo, Amélia sentia que Nicolas estava buscando algo diferente, algo genuíno.
— Não posso competir com a história que eles têm — murmurou ela, mais para si mesma do que para Arthur.
Arthur, no entanto, ouviu claramente. Ele se virou e, com um gesto gentil, segurou o rosto de Amélia entre suas mãos, forçando-a a olhar diretamente para ele.
— Você não precisa competir com ninguém — disse ele, com firmeza. — O que você e Nicolas têm, seja lá o que for, é único. Se ele estiver verdadeiramente interessado em você, Dominique não será um obstáculo. Mas você precisa ser honesta consigo mesma e com ele. Só assim saberá o que realmente é certo.
Amélia sentiu os olhos marejarem, não de tristeza, mas de alívio por ter alguém como Arthur ao seu lado. O irmão sempre soube como orientá-la, sem julgamentos ou imposições, apenas com amor.
— Obrigada — ela sussurrou, e os dois continuaram a caminhar, lado a lado.
Enquanto voltavam ao castelo, a mente de Amélia girava. Ela sabia que as decisões que tomaria nas próximas semanas moldariam não apenas o seu futuro, mas o de toda a sua família. O peso da escolha a pressionava, mas, agora, com o apoio de Arthur, sentia-se um pouco mais preparada para enfrentar o que viria.
O futuro ainda era incerto, mas uma coisa ela sabia: precisava ser verdadeira consigo mesma e com Nicolas, não importava o que viesse depois.
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Esse cap. tem 5071 palavras.
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