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II



Kelvia levou Alberto para passear pela floresta, ele ficou maravilhado com os habitantes dali.

— Por que Reino das Virtudes?

— Alina é a rainha de todas as virtudes, a mais poderosa. Mas cada bruxa daqui detém uma específica.

— É? E você é a de qual virtude?

— Eu ainda estou em ascensão, como já falei, então ainda estou procurando a minha vocação. Mas me fala de você. Disse que gosta de arte?

— Sim, desenho bem, faço esculturas, pinto telas a óleo. Tenho um amigo que diz que posso até viver disso, mas não sei... acho que não conseguiria viver só disso.

Kelvia sorriu se lembrando do discurso sobre autossabotagem de Alina.

— Posso ver alguma coisa sua?

— Infelizmente, não tenho nada. Só se você quiser...

Kelvia agachou e pegou barro do chão e entregou a ele, que se agachou também e começou a esculpir.

Mesmo sabendo daquele talento, a bruxa sorriu deslumbrada quando seu rosto começou a tomar forma naquele barro. O artista tocava a escultura como se tocasse o próprio rosto da jovem bruxa.

— Perfeito! — Ela sussurrou quando ele finalizou a obra.

O homem exibiu um belo sorriso e entregou o busto à bruxa. Os dois eram observados por Alina no topo de uma montanha a poucos quilômetros dali.

A rainha sentia orgulho do aprendiz. Aquele reino era cheio de bruxas em ascensão, mas Kelvia era sua preferida. Frágil, mas muito poderosa, a menina tinha uma conexão direta com a rainha.

Alina sentiu os hormônios de Alberto aumentando com a presença de Kelvia e sorriu quando a bruxa se esquivou de um beijo do artista e o beijou em seguida, tirando sua capacidade de esculpir:

— Está apaixonado e nem notou! — Soltou o ar dos pulmões pela boca num sorriso. — Kelvia, você é excelente!

Depois de cinco dias vivendo naquela floresta encantada, Alberto pegou sua mochila e avisou que precisava voltar para casa. Precisava ver os pais.

— Você não pode sair daqui, Alberto!

— Eu só preciso falar com os meus pais, venho visitar você. Eu prometo!

— A questão não é essa. Se você sair dessa floresta não será de mundo nenhum.

— O quê? Como assim? Estou preso aqui?

— Não, aqui ninguém é preso. Mas você morreria em poucos segundos se eu não o tivesse achado, então até que devolva o que te demos, vai ficar aqui.

— Mas isso é ridículo. Eu preciso sair, preciso ver os meus pais, devem estar preocupados. — avisou colocando a mochila nas costas e insistiu em ignorar o aviso da bruxa.

Kelvia indicou a saída e olhou para Alina, que os observava de seu trono, no topo da montanha.

— Fique tranquila, que eu volto, ok? — Ele avisou e segurou o rosto dela com as duas mãos, olhando em seus olhos.

Kelvia o beijou novamente e retirou sua habilidade de desenhar.

— Ok. — cedeu e apontou a fenda da árvore.

Alberto entrou naquele portal de costas enquanto mandava beijo com a mão para a jovem bruxa, que ficou ali e ouviu o grito que o homem emitiu ao chegar no outro lado da árvore.

Sorrindo, Kelvia olhou para Alina, que acenou positivamente com a cabeça e observou a jovem entrar na fenda sem usar as formas animais. Ao sair avistou a mesma cena que presenciou quando ocupava o pequeno corpo do macaco verde. Tocou na testa do homem e o acordou, deixando todas as suas memórias em evidência.

— Me ajuda, por favor. — disse com imensa dificuldade para respirar.

O mesmo medo de antes, Kelvia viu naquele rosto. Altiva e decidida, ela se manteve em pé, olhando-o com desdém.

— A tua insubordinação a um ser superior é a maior das suas falhas, Alberto!

— Por favor. — pediu quase sem respirar.

Ela se agachou e proporcionou mais dez minutos de vida a ele, que respirou profundamente com os olhos arregalados.

— Obrigado. — Tentou se levantar. — Vou ver os meus pais e volto, tá?

— Qual foi a parte do 'você não pode sair daqui' que você não entendeu, Alberto? — disse entonando uma arrogância que até então não tinha. — Você é apenas um mortal, que está prestes a morrer por ser teimoso e prepotente. Ou fica ou vai apodrecer nessa mata. Escolhe! Mas escolhe logo que não tenho o dia todo para perder com você.

Alberto ficou pasmo, mudo.

— O que houve? Por que está me tratando assim? Há bem pouco tempo você era um doce...

Kelvia fixou o vazio e passou a pensar no que o homem disse. Ficou preocupada.

— O meu ego! — disse em monólogo. — O meu ego sobre você me fez pegar uma falha.

— O quê? Do que está falando?

— Nada... — mencionou sair e ouviu outro grito do homem.

— Socorro, Kelvia. O que você quer? Eu dou qualquer coisa, mas tira essas dores, eu não consigo respirar direito.

— Você sabe o que fazer, Alberto. Tem apenas vinte segundos. — avisou e sumiu na escuridão da fenda daquela sinistra árvore.

O homem se arrastou até a entrada e conseguiu respirar. Sabia que não poderia ir muito longe, então permaneceu seguindo na direção da floresta encantada.

— Por favor, Kelvia. Eu só queria ver os meus pais. Não os vejo há muitos anos.

— E por quê?

— Ah, falta de tempo, falta de grana...

— Falta de vontade é a resposta certa, Alberto.

— O que eu preciso devolver a você?

— Uma vida. A sua vida!

— O quê? Como eu poderia fazer isso?

— Você pode ir ver os seus pais, mas terá o tempo contado. Sua vida é aqui agora.

— Por que isso? Eu quero ficar com você, Kelvia. Você não precisa me obrigar a ficar aqui pra isso. Você é linda pra caramba.

— Você não entendeu nada, não é? Não seja ridículo. Não nutro sentimentos pequenos. Jamais o obrigaria a ficar se apenas o quisesse perto de mim.

— Você falou de virtudes, mas está agindo feito alguém mesquinho.

— Eu retirei isso de você, artistazinho. Nunca seria um grande artista, nunca teria reconhecimento. Você é um nada.

— O quê?

— Isso mesmo. Agora escolhe se quer viver aqui ou se quer ir morrer lá fora.

— Eu só queria ver os meus pais.

Alina se materializou ali perto dos dois e interferiu:

— Vá com ele, Kelvia. Leve-o a casa dos pais. Proporcione a melhor visita. Vou cuidar do tempo.

— De qual tempo está falando? O tempo que vou poder ficar com eles, é isso?

— Não, querido. O tempo que você passou aqui. Para eles se passaram cinco anos. Eles acham que você está morto e que o seu corpo foi devorado por bichos.

— O quê? — indagou incrédulo, mas desesperado, se ajoelhou.

— Kelvia! — chamou e acenou saindo em seguida.

Com uma cara de desdém, a jovem se aproximou do homem ajoelhado e o analisou por uns instantes.

Ainda se sentindo superior a tudo, Kelvia acalmou o artista e observou virtudes nele que ainda não havia notado, na tentativa de sugá-las, ela retirou todas as suas falhas.

Alina fechou os olhos e meneou a cabeça negativamente. Viu quando a jovem se preparou para acompanhar o homem à casa dos pais. Voltou o tempo e os colocou em poucas horas antes do acidente.

— Amo cachorro, sabia? — Alberto disse afagando Kelvia, que tomara a forma de um cachorrinho fofo, em seu colo.

O homem beijou o bichinho e logo se viu na frente da simples casa dos pais, que o esperavam com um grande almoço com tudo o que ele mais gostava.

Depois de um dia perfeito, Alberto se emocionou ao se despedir dos dois.

— Por que chora, filho? — indagou a mãe dele.

— Saudade!

— Estaremos sempre aqui. — disse o pai abraçando o filho com força. — Mas espero ver essa cachorrinha sem esse pelo verde, hein? Você é louco. Tingir o pelo da coitadinha... — o homem disse sorrindo enquanto coçava o pescoço do animal.

Kelvia lambeu o rosto do homem, que ficou feliz com aquilo.

— Não demore tanto a voltar, filho!

— Não vou demorar, mãe. Prometo.

Alberto tinha um mar de lágrimas no rosto quando deixou a casa dos pais.

Entrou na mata e Kelvia assumiu sua verdadeira forma. Entraram na floresta e a bruxa pediu para que o homem lavasse seus pés.

Alina apoiou o rosto na mão enquanto observava a aprendiz e o humano.

Alberto demonstrou mais virtudes e mais uma vez Kelvia o beijou para sugá-las, mas não obteve sucesso.

Cansada daquele humano, ela o mandou ficar longe dela, enaltecendo seus fracassos e deixando-o triste por segundos.

— Você está cansada, eu compreendo. Depois volto para conversarmos, ok?

No auge de sua soberba, ela o transformou em um cachorro. Foi surpreendida quando o golden retriever pulou em cima dela, lambendo seu rosto e abanando o rabo de felicidade.

— Ah, que ódio, você me babou inteira. Saia daqui, seu pulguento. — Empurrou o bichinho, que caiu no chão.

A bruxa se ajoelhou, sentindo-se o pior dos seres naquele momento. Abraçou o cachorro, que abanou o rabo mesmo depois de ser maltratado. Ela ficou ali, agachada, remoendo suas maldades com aquele humano.

— E se eu matar alguém? E se eu não conseguir evoluir? E se eu me tornar uma bruxa má? — indagou-se desesperada.

Alina se aproximou de Kelvia, que estava ofegando desesperada por ter sugado as falhas de Alberto e a fez levantar.

— Calma!

— O que quer aqui? Você se acha a melhor bruxa desse reino, né? Fique sabendo que estou estudando muito para destroná-la. — disse deixando a inveja falar por ela e sentiu uma mão da rainha em sua cintura e a outra em sua nuca.

Os lábios de Alina se uniram aos de Kelvia, que beijou a rainha apaixonadamente, conduzindo aquele ósculo e sentindo a língua da mestra, acariciando a sua e sugando-a levemente.

Depois do beijo demorado, Alina passou a língua nos próprios lábios e fitou os olhos da jovem bruxa:

— Fique tranquila. Eu sei administrar todas essas falhas. Estão comigo agora.

Sorrindo, ela afagou a cabeça de Alberto, que abanou o rabo feliz, e saiu.                                                

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