vinte e sete.
/A/dap/tar/
[...]
2. transitivo direto e bitransitivo
modificar (algo) para que se acomode, se ajuste ou se adeque (a uma nova situação, um determinado fim, um meio de comunicação etc.).
Estou vivendo dentro de um verbo.
Encostada na ilha de mármore da cozinha dos Rowan, pressiono meus cotovelos contra a pedra e olho impaciente para Carson. Ele ergue as sobrancelhas por cima de sua xícara de café e seus olhos emitem um sorriso. Carson não se importa em me irritar.
― Ainda estão aqui? ― James Rowan invade o silêncio na cozinha. Seus braços estão se arrastando para dentro de um terno e ele parece tão penteado quanto nos últimos dois dias em que tenho vivido ali desde a revelação de uma possível troca de pais no domingo. ― Os vestidos de Pet ficam bons em você, Liv.
Meus olhos descem de forma intuitiva para o vestido vermelho e florido que pertenceu à Pet Rowan. É só mais um de seus vários exemplares de algodão fluido que James me emprestou desde que decidi permanecer com eles.
Passei uma garota tranquila do interior, para um que usa roupas de pessoas mortas.
― É só até eu conseguir pegar algumas roupas. Com a mudança dos meus... ― Encaro o chão de linóleo amadeirado e cerro os dentes. ― Com a mudança dos meus pais e a volta para casa está difícil encontrar algo. Mas logos eles conseguirão se reestabelecer. .
― Hum. ― Carson geme entre uma mordida e outra em um donut. ― Mentira. Está postergando porque acha que o xerife vem aqui buscar você com um enorme pedido e desculpas.
― Carson...
― Não. ― Balanço a cabeça, empurrando um sorriso para mim mesma. ― Carson está certo. Estou esperando que Jonathan Wilder me peça desculpas e venha me buscar.
Não tenho certeza de que ele vá fazer aquilo. Principalmente depois de Carson ter se reunido com alguns Ice Cage e dado um jeito de roubar o vídeo que provava que ele havia me dado um tapa. Toco o meu rosto e respiro fundo. Já não há mais indícios de que apanhei. Mas uma sindicância foi aberta para que os fatos sejam apurados.
― Soube que ele foi chamado pelo prefeito para uma reunião. ― As sobrancelhas de James Rowan sobem. ― Bem, espero que ele tenha aprendido a lição, não? Estou indo para Chicago. Vou trazer o Mc Donald's até Seven Heavens. Na volta, passarei em Denver e pegarei o resultado do DNA.
Carson ergue a mão para o pai e eles se cumprimentam como se possuíssem a mesma idade. James me acena sem se virar, seguindo com seu andar de executivo. Com uma careta, olho rapidamente para a bagunça de farelos que Carson está fazendo.
Desde que me instalei ali, tenho notado que James Rowan é um pai tão ruim quanto o meu. Em cenários diferentes, claro. O meu pai é o chefe de família controlador, cujas ordens devem ser seguidas junto à suas crenças do que é melhor. E James Rowan é um garotão de quase cinquenta anos entupindo seus filhos de dinheiro e besteira, sem se preocupar com o modo como eles usam aquilo ou se ao mesmo precisam de alguém para chamarem de pai.
― Se o seu pai trouxer o Mc Donald's isso vai acabar com o negócio dos Hastings. É a nossa única lanchonete aqui. Um dos pontos de encontro da cidade. Eles vão falir.
― E por que é mesmo que você se importa com isso?
Observo Carson andando pela cozinha e me viro de frente para a ilha. Ele tem razão. Não me importo com a ruína dos Hastings. Os Rowan já conseguiram destruir o negócio de internet da minha família. O único objetivo de James é formar um império capitalista na cidade.
Mas não me importo apenas por essa razão. Desejo a ruína dos Hastings porque quero que a vida de Henry seja horrível.
Desde que Cherie me disse que entregou os presentes que eu havia ganhado de Henry para a irmã dele, eu o tenho evitado o máximo que eu posso. Vertigem suada sobe pela minha nuca só de imaginar que posso encontrá-lo pelo corredor. E o fato de Henry ainda causar tudo isso em mim significa que não superei o que aconteceu.
Ele me deixou achar que estava apaixonado por mim. Fez com que eu me apaixonasse intensamente por cada palavra, gesto e toque. Usou a minha imbecilidade para alimentar o seu ego. E com a confiança ganhada sobre o peso dos meus sentimentos, ele finalmente conquistou Eloise Flume.
Por sempre ter sido tratada de modo mediano ou negativo, não consegui lidar com o fato de que alguém estava me tratando dignamente melhor. Eu fiquei assustada e apaixonada por Henry, sem saber lidar. Ele me tirou do meu roteiro e me deu um final ruim.
― Vamos lá. ― Carson puxa a jaqueta dos Ice Cage do balcão e eu o sigo para a garagem.
― Você poderia se esforçar para escovar os dentes.
― Oh, você sabe. Seth me diz a mesma coisa desde sempre. E eu nunca levei fé. Você espera mesmo, Liv, que eu ouça uma suposta irmã que está no cargo há três dias?
Carson para repentinamente, se virando e abrindo a boca na minha direção. Ar quente carregado de cafeína umedece as minhas bochechas e a ponta do meu nariz. Aperto os olhos, sentindo a ojeriza arrepiar minha pele. Carson Rowan é o pior tipo de garoto nojento que já conheci.
Mas estou tentando me adaptar o tempo todo. Os Rowan também. Sei que Carson não queria estar me levando em seu novo Honda Accord para o colégio no lugar de Seth. Mas não temos notícia dele desde a cena no St. Vincentti. E quando insisti que devíamos procurar por ele tudo o que James disse é que ele voltaria quando fosse o momento certo para ele.
Então tudo o que Carson tem no momento é fingir que sou uma espécie de irmã reserva. E apesar de ser problemático ao extremo, ele faz as coisas parecerem simples toda manhã que chegamos juntos.
Capital Letters da Hailee Steinfield toca em seu rádio e nós damos risadas das músicas que ele chama de iscas de garotas.
https://youtu.be/pj6k-EFxqAI
― Garotas são como peixinhos dourados. ― Ele me diz. ― Elas são invasoras, se espalham por todo o ambiente propício a elas. Não é difícil pegá-las. Basta uma boa isca e uma rede de sentimentalismo barato. E depois você pode simplesmente perdê-las no esgoto com a desculpa de que escaparam enquanto você limpava o aquário.
― Eu gostaria de dizer que você é um imbecil, Carson. Mas acabei de ser o peixinho dourado de um cara. Você está completamente coberto de razão sobre isso. E, obrigada por me mostrar como vocês imaginam a nossa existência. Apenas para encantá-los por um momento antes de nos tornarmos entediantes o suficiente para sermos descartadas.
O ar daquela manhã é úmido e está carregado pelo cheiro das flores nascendo por toda Seven Heavens. É tão doce que me causa vertigem, mas funciona para espantar o hálito azedo de Carson da minha memória olfativa.
Passamos por uma fileira de produtores de algodão e seus caminhões estacionados em uma loja de equipamentos agrícolas. A colheita está marcada para o início do verão, logo que as aulas acabarem, e os cuidados com os campos se intensificaram.
Carson fala o tempo todo no celular com outros caras do Ice Cage enquanto ele dirige. Fico imaginando o que meu pai diria se o visse desrespeitando as leis de trânsito. James, com certeza, não se importa, mesmo que isso possa ser um grande risco para a vida de seu filho. E Carson agora se tornou uma espécie de líder entre os Ice Cage. Respeitar alguma regra é a última coisa que ele vai fazer em sua vida.
Ele praticamente empurrou Conor Maynard para o banco pela primeira vez desde que o ex-líder gelado começou a jogar hóquei. Ele fala animadamente sobre o primeiro jogo que terão fora do estado na próxima semana e Conor não está incluído na conversa em grupo. Carson está tão animado para ir à Minnesota que faz todo mundo do time me mandar um alô. E, aparentemente, sou amiga de todos eles agora. Mesmo que eu não saiba o nome de ninguém.
Quando chegamos ao St. Vincentti, minha teoria se prova correta. Todo o time está no estacionamento, rindo e se empurrando através de brincadeiras idiotas como apertar os mamilos uns dos outros. Mas nem Conor e muito menos Owen estão ali. Eles são a parte que não aceitam Carson como um líder.
― Hey, hey, hey!
Somos recepcionados com esse coro másculo de adoração. Eu devia estar me acostumando com isso depois de dois dias ao lado de Carson, mas ainda sinto vontade de gargalhar. Eles se saúdam como se fossem vikings se reunindo no grande navio de guerra, então notam a minha presença como se eu fosse a mulher que não faz parte do grupo de guerreiros, mas deve ser protegida da guerra.
― Liv Wilder! ― Um deles se aproxima. ― Você vai conosco para Minnesota, ahn? Vamos levar um ônibus de torcida e tudo mais. A decisão de que a nova irmã de Carson deve estar na linha de frente do nosso time é unânime. Primeiro grande jogo!
Mais alguns hey hey hey ecoam pelo estacionamento.
Ergo as sobrancelhas, olhando diretamente para a mão enorme do Ice Cage que escorrega pelo meu ombro quando ele me puxa para perto. Não faço ideia de qual seja o nome dele ou de nenhum dos outros, mas a cada dia que passa eles me incluem mais na equipe como se eu realmente estivesse ávida por fazer parte.
― Eu acho que não...
Encaro a lateral do rosto dele. Ele tem as pontas das orelhas amassadas como um Pit Bull que teve as pobres orelhinhas cortadas pelos donos para parecer mais agressivo. Seus cabelos dourados estão cortados na máquina um e ele é alto e bonito, mas de um jeito que assusta. Empurro sua mão para longe e me esquivo.
― Desculpa, eu não faço ideia de qual seja o seu nome.
Os outros dão gargalhadas.
― É Garret. ― Ele diz sem jeito.
― Garret. Então, acho que não estarei na torcida dessa vez, mas... ah... Vai, Cages!
Já estou dando as costas quando Carson me alcança. Ele joga sua jaqueta por cima dos meus ombros e reviro os olhos na sua direção.
― Não me esqueci, ok? ― Cerro os dentes. ― De que vocês colocaram Cherie e a mim em um desafio pessoal sobre a lista de garotas que os caras do time ainda não conseguiram pegar. Diga aos seus lacaios para ficar longe porque não sou mais um peixinho.
― Eu não vou dizer nada. Eu nem me importo. ― Carson ri, cruzando os braços e me acompanhando até a entrada. ― Me faça o favor de andar por aí com minha jaqueta hoje. Não quero a Mischa me perseguindo. Você sabe... Alguns peixes podem gostar mais do aquário do que da liberdade.
― Eu não sei qual o problema de vocês com simbologia de jaquetas, mas ― devolvo a blusa azul e amarela para Carson ― eu não dou a mínima. Lide você com seus peixinhos. E não se esqueça que temos um plano para depois do seu treino.
Uh, eu sou durona mesmo.
Deixo Carson no meio do estacionamento, abraçando meus livros de física e flutuando na minha nuvem de contentamento por não ter sido intimidada por todo aquele quilo extra de testosterona que chamamos de time de hóquei.
Posso até não ser uma líder. Mas, em muito tempo, sinto que estou no controle da minha própria vida. E talvez não fosse um exagero tão grande agradecer aos Rowan por isso. Apesar de imbecis e inconsequentes, foi com eles que encontrei aquilo que sempre me faltou em casa: a liberdade para ser eu mesma, sem hesitar ou temer.
Cherie Murphy é a única razão pela qual não voltei rastejando para os Wilder ainda. Sei que posso contar com ela para cuidar da mamãe enquanto forço meu pai a enxergar que me deve desculpas. Mas nem ela, nem a minha mãe, parecem muito esperançosas de que meu pai vá mudar de opinião.
― Bom, vocês estão voltando para casa agora, definitivamente. A obra terminou. A senhora Dixie está um pouco chorosa por perder a nossa companhia, mas acho que voltar ao lar é algo bastante significativo dado aos últimos acontecimentos. ― Ela suspira. ― Seria bom que você viesse comigo, Liv. Maggie sente sua falta. Eu sei que vocês se falam por telefone todas as noites quando o senhor Wilder está fazendo a última ronda, mas não é a mesma coisa. Não importa quem seja o seu pai. Importa que ela é sua mãe e precisa de você em casa.
― Eu sei, Cherie. Mas eu já expliquei a ela. Eu vou voltar, em todo o caso. Mas ainda tenho esperanças de que eu volte depois que o papai me pedir desculpas. Quando o resultado do exame de DNA sair terei certeza do que fazer. Saberei como voltar para casa. Se como uma Wilder, coberta de razão. Ou se como uma Rowan pronta para fazer o que eu quiser. As coisas mudaram. Tudo o que aconteceu é bastante ruim. Mas é como se eu me sentisse sem a coleira que meu pai colocou em mim. Você entende?
― Eu tanto entendo que fico feliz. ― Os olhos de Cherie correm pela caixa de madeira nos meus braços. ― E então, o que espera encontrar aí?
A caixa bonita pertence a minha mãe. Há o nome dela escrito em cada canto, floreado com técnicas iniciantes de pintura aquarela. Quando liguei para ela, na noite anterior, perguntei se ela não se importaria se eu e Carson remexêssemos em algumas fotos antigas dos Rowan e Wilder. E então, mamãe pediu à Cherie para me entregar o que ela guardou da época em que tinha a minha idade.
― Combinei com Carson de dar uma olhada nas fotos para tentar entender um pouco do que aconteceu no passado. Nossos pais nunca sentariam conosco e nos contariam tudo abertamente.
Quando ergo os olhos para o corredor lotado da St. Vincentti, reconheço a mochila vermelha de Henry Hastings. Ele está parado em frente ao seu armário, digitando avidamente em seu celular. Minha visão fica instável e uma saliva acre enche a minha boca. Sou o peixinho dourado de Henry e estou me perguntando quantos mais peixinhos ele tem pego ou se seus dias de pescador terminaram desde que conseguiu a sereia Eloise Flume.
― O seu pai disse à Maggie que houve uma ocorrência. Com Taylor Hastings. ― Cherie sussurra. ― Não contei isso a ninguém, nem mesmo à Georgia. Eu não deveria ter ouvido, mas... Eles encontraram Taylor no túmulo de Pet. Ela estava cavando com uma pá lá.
― O que? ― Me encolho, dando às costas para Henry e encarando os olhos oceânicos de Cherie. ― Por que ela faria isso?
― Ninguém sabe. A polícia a levou de volta aos Hastings e ninguém soube de nada. E devemos imediatamente mudar de assunto porque Henry viu você e está vindo para cá.
― Ah, não! Me ajuda! Cherie eu não quero falar com ele!
― Mas você deveria jogar a verdade na cara desse infantil!
― Mas eu nem sei se a minha verdade é a verdade dele porque talvez eu estivesse só imaginando!
― O que? ― O semblante indignado de Cherie muda para um sorriso amarelado quando seus olhos capturam algo atrás do meu ombro. ― Ah, eu... Vou beber água.
― Oi, Liv.
Antes que eu possa piscar, Henry surge no meu campo de visão com um de seus sorrisos de lábios fechados. Há tanto dentro de mim querendo sair, mas eu comprimo tudo ao prender a respiração. Não consigo responder direito e minha voz soa como o chiado dos cigarros de Carson sendo apagados no cinzeiro.
― Você não me respondeu mais e pediu à Cherie para devolver tudo o que dei a você. Eu fiquei preocupado. Não nos vemos desde o baile e agora essa confusão com os Rowan. A coisa com o seu pai. Eu... ― Henry estende a mão até o lado em que meu pai me estapeou ― Você está bem?
Seus dedos se encaixam na curva do meu maxilar e tocam a pele do meu pescoço. Me pergunto se ele consegue sentir o fluxo acelerado de sangue correndo pela minha jugular externa e me amaldiçoo por isso. Levo alguns segundos até conseguir retomar o controle e dou um passo para trás.
― Sim, um pouco.
Henry não parece abalado por eu ter me afastado ou por estar encarando-o com os olhos estatelados. Procuro por Eloise Flume ao nosso redor, mas não consigo distinguir ninguém através da minha cortina de lágrimas.
Ele mexe os ombros de um jeito despreocupado.
― Então! Amanhã é quatro de maio.
― May the four... ce. ― Deixo escapar.
É o dia em que os fãs de Star Wars comemoram a existência de toda a saga.
― Podíamos combinar algo, o que acha? Eu não sei quais os seus planos de homenagem, mas eu pensei que poderíamos, sei lá, usar camisetas específicas de algum personagem. Ou... ― Ele aponta para o meu cabelo. ― Você ficaria linda com o penteado da Princesa Leia.
Raiva colérica ferve dentro de mim. É inacreditável que Henry aja como se nada estivesse acontecendo. Quero cuspir nele tudo o que me fez sentir, mas meu coração não passa de um caroço de uva de tão pequeno dentro do meu peito. Ele faz com que eu me sinta vazia, que eu me pergunte o que há de errado comigo ou porque ele está caçoando de mim. É um dos piores sentimentos que já experimentei.
― Não posso. ― Eu não consigo nem ao mesmo dizer o nome dele em voz alta. ― Eu tenho um lance com Carson. Vou estar ocupada toda a manhã.
Eu me viro logo depois de constatar a expressão de surpresa no rosto de Henry. Enquanto acelero pelo corredor, não consigo formular teorias para o modo como ele está agindo.
Ou Henry acha que agiu naturalmente comigo e nem passa por sua cabeça que eu criei uma enorme expectativa sobre nós, ou ele está tentando me manter como uma reserva para quando Eloise não estiver por perto. Pensar que eu posso ter imaginado tudo aquilo me deixa tão triste que as lágrimas inundam meus olhos.
Antes que eu comece a chorar no meio do corredor, meu celular vibra no meu bolso. Ainda estou com a visão enuviada, mas consigo ler que Carson está me esperando na pista de gelo.
Há um tempo atrás aquilo soaria como uma ameaça. Naquele exato momento, soa como a minha maior salvação.
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