trinta e cinco.
Há um ditado local em Seven Heavens que diz que as cores ficam mais bonitas quando você sobrevive à escuridão.
Ele parece poético, a princípio, mas é absolutamente climático. No verão, todos os sete céus e suas cores variadas se reúnem sobre nós em dias alternados. Entretanto, esse fenômeno só acontece após um longo período em que o céu de número quatro é a única coisa que se vê sobre a cidade.
E o céu de número quatro é o céu da tempestade. Os tons do período de tormenta variam. Não é sempre que damos a sorte de ter uma queda branda de chuva. Há dias em que o céu número quatro se descarrega inteiro através de raios e trovões e geralmente tudo fica encoberto por uma caligem espessa.
Apesar da obscuridade natural, Seven Heavens tenta manter suas próprias luzes acesas através de reuniões da comunidade. Nós as chamamos de Pôr-do-sol Eterno. Porque as pessoas comparecem em peso, seja na igreja ou no colégio – nossos maiores espaços – para rezarem para que as colheitas de algodão sobrevivam aos tempos difíceis, se divertirem com jogos de cartas e tabuleiros, conversarem ou qualquer coisa que nos faça sentir que o ainda podemos ver o pôr-do-sol em meio às turbulências.
Os agricultores locais costumam dizer que os campos de algodão que sobrevivem à tempestade possuem a colheita mais forte de todo os Estados Unidos. Por isso nossas produções são tão valorizadas. Eu sei que há uma explicação simplesmente botânica para a sobrevivência e para a qualidade do nosso algodão. Mas acho bonito quando todo mundo pensa que somos abençoados.
Eu acredito que as pessoas também são assim. Quero dizer, acho que todos nós saímos mais fortes logo depois de vencer alguma batalha. Mas assim como Seven Heavens tem o seu próprio Pôr-do-sol Eterno, precisamos acreditar em algo parecido em nossas próprias vidas. Para não perder a fé ou a esperança.
É nisso que estou pensando enquanto caminho de mãos dadas com a mamãe pelo rancho Wilder. Ela ainda parece com alguém que acabou de ganhar alta, mas gosto de como ela sorriu quando Georgia estacionou o seu conversível próximo à casa do tio Nolan.
Dou uma olhada por cima do ombro e a vejo com Cherie. Sempre houve algo de profundo e escuro em Georgia Dayrell que ela tentou esconder por trás de uma cortina de arrogância. Não sei muito bem o que pensar sobre o seu medo de que descubram que ela gosta de meninas. A única coisa que quero me concentrar é em como Cherie Murphy parece ser o Pôr-do-sol Eterno dela.
E isso me dá a ideia de que, naquele momento, tenho que ser o Pôr-do-sol Eterno da mamãe. Ou pelo menos tentar.
— Tio Nolan?
Eu grito antes de abrir o portão da cerca de madeira que circunda a propriedade. Noto que a madeira está pintada. A casa também parece bem mais bonita do que eu me lembro. Há um jardim, com pequenos algodoeiros crescendo em volta como se flocos de neve brotassem do chão. Preciso prender o sorriso entre os dentes, mas ele escorrega muito rápido quando me dou conta de que tudo aquilo ali é obra de Seth Rowan.
— Seth não estava brincando quando disse que fez algumas melhorias no Rancho Wilder.
— Seth Rowan?
As sobrancelhas da mamãe sobem. Eu odeio o fato de que ela conhece cada tipo de rubor que o meu corpo me condiciona a criar. E ela captura aquele que queima abaixo dos meus olhos e faz com que eu respire como se precisasse da bombinha de asma de Cherie.
— Bem, ele gosta do tio Nolan.
— Ele gosta muito mais do que do tio Nolan. — Cherie bate o braço no meu quando estaca ao meu lado. — Então se você quiser encontrá-lo, nós podemos ficar aqui com Maggie. Certo, Georgia?
— Com certeza.
Eu capturo quando Georgia envolve a mão de Cherie. Seus dedos se entrelaçam diante dos olhos da mamãe. Mas pelo sorriso que ela mantém, descubro que ela já sabe de tudo.
— Talvez mais tarde. Por mais estranho que possa parecer, acho que Seth está com o papai agora. A ocorrência do xerife era sobre os Rowan.
Conto a elas brevemente sobre o corpo de Petunia Rowan. Antes que a situação fique muito triste, tio Nolan abre a porta. Nenhuma delas nota o que eu noto quando avançam animadamente para o simpático senhor de boina segurando uma xícara. Mas Bill não está em seu encalço.
— Maggie! Maggie Wilder! Há quanto tempo eu não via você, hein? Cheguei a pensar que o imbecil do meu sobrinho estava mantendo você e Olivia como prisioneiras.
— Olivia? — Eu me aproximo, fechando um dos olhos. — Andou pegando algumas manias do seu mestre de obras, tio Nolan?
— Ah, minha querida Olivia. Seth fez maravilhas por aqui. Ele é um bom rapaz, aquele torcedor do Liverpool. — Tio Nolan olha para Cherie e Georgia, finalmente. — Esta é a menina dos Dayrell? É tão parecida com a avó dela, não é, Maggie? E você é a garota da Austrália. Estou planejando comprar um coala para o próximo inverno.
— Senhor Nolan Wilder, não pode comprar um coala! — Cherie protesta. — Não um de verdade. Mas temos réplicas de pelúcias em tamanho e peso real. Assim que voltar ao meu país, me lembrarei de mandar um de presente.
— Seria ótimo para dormir.
— Um pouco melhor que o Bill, não? — Dou uma olhada ao redor da casa. — Onde ele está?
— Bem, minha querida Julieta. Só há uma explicação para os sumiços raros de Bill. Romeu está por perto. O Bill nunca o deixa andar por aí sozinho. Eu não o vi ainda, mas o meu cachorro só deixa essa casa se for para acompanhar o Romeu.
— Quem é Romeu, tio Nolan? — Mamãe pergunta.
— Seth. Mas isso é impossível. Ele estava resolvendo um problema em Seven Heavens. A menos que esteja procurando algo fora da zona urbana da cidade.
— Talvez esteja nos campos de algodão. Há muito trabalho antes das grandes tempestades. Mas não fiquem aí fora! Eu estava prestes a tomar o meu chá das cincos. Seth me ensinou, sim? Os ingleses nunca resolvem nada sem beber um bom chá. E são sempre pontuais. Vocês estão me atrasando.
— Liv. — Georgia se aproxima sorrateiramente enquanto mamãe e Cherie seguem o tio Nolan. — Você devia ir procurar por Seth. Se ele estiver mesmo por aqui, pode ser que precise de alguém. Essa coisa com a mãe dele e o resto da família em Minnesota. Eu... Posso ficar de olho nelas, certo? Não sou médica, nem nada. Mas tenho alguma experiência com cuidados por causa do meu pai.
— Acho que você tem razão. — Olho ao redor antes de encontrar os olhos escuros de Georgia novamente. — Georgia, obrigada. Não só por isso. Por tudo. Mesmo que sejamos como prótons se repelindo, fico feliz em saber que Cherie é o seu elétron.
— Deus... — A cara dela se contorce em asco. — Se isso tinha o intuito de parecer romântico, não repita enquanto transa com Seth. É broxante.
Não tenho tempo de deixar que Georgia me veja ficando vermelha, porque ela joga o seu cabelo de carvão fosco em mim e segue para dentro. Reflito por um momento antes de sair pelo rancho. E chego à conclusão de que ela tem razão.
A ideia de andar sozinha por um lugar em que meus pés nunca pisaram antes talvez tenha sido a pior que tive em muito tempo. Eu mal conheço a propriedade Wilder. Além de seus limites, então, é um território completamente inóspito para mim. Embora a beleza do lugar tenha me capturado no início, eu estou me sentindo pesada e pegajosa depois de algumas horas de caminhada.
Ergo o meu celular mais uma vez. Sem sinal. Não faz sentido James Rowan instalar torres de transmissão por nosso rancho se o seu maldito aparelho não funciona. Decido fazer uma pausa, encostando-me aos cascalhos do monte que eu estava rodeando.
O sol parece me acenar seus últimos raios ao longe e os animais da noite já estão emitindo seus sons de despertar. Há um cheiro diferente no ar, como se o doce e o ácido se misturassem em um só aroma, se espalhando de forma invisível ao redor. Os campos, onde não há plantações ou criação de gado, estão cobertos por cartanus em tons amarelos e alaranjados, formando um tapete rústico e exuberante. O sopro do crepúsculo varre meus cabelos, refrescando o suor da minha pele e me dando um impulso para continuar.
Chamo por Bill mais uma vez, mas a minha voz já está morrendo. Esfregando os olhos, decido subir o máximo que consigo antes de ficar sem claridade. Talvez eu consiga sinal. Ou, na pior das hipóteses, encontre o caminho para a propriedade do tio Nolan.
Faço o melhor que posso, mas o sol corre rápido demais. As bordas inferiores do horizonte ganham um tom flamejante de despedida. O resto do céu se cobre de lilás, pronto para ser engolido pelo azul escuro. À minha frente, no final da trilha íngreme, há uma aglomeração de pinheiros espaçados.
Eu saí do nada para chegar a lugar nenhum.
Gemo de frustração, me embrenhando um pouco mais por entre as árvores. Eu nem ao menos sei como fazer o caminho de volta, o que é ridículo. O meu celular continua sem sinal algum. Então começo a sentir medo de verdade.
Quero dizer, eu não sou nenhuma garota de acampamento ou aventura. E há muitos forasteiros trabalhando na lavoura. O que significa que além do perigo de ser atacada por algum animal, eu corro o duplo risco de ser atacada por um homem pelo único fato de ser uma mulher andando sozinha por aí.
Dou meia volta, coçando a franja. Aparentemente eu não sei como sair do meio das árvores também. Eu sou o maior fracasso das trilhas do mundo. Giro outra vez e um ponto de luz incandesce nos meus olhos.
Ótimo, não é a coisa mais inteligente ir até lá. Mas eu não posso ficar parada no meio do nada. Talvez eu possa observar quem quer que seja de longe. Até ter certeza de ser seguro e pedir ajuda. Sempre há a opção de roubar coisas também, em casos extremos. Então decido caminhar cautelosamente até lá.
Há uma espécie de tenda no meio de uma clareira. Algo como uma barraca bem equipada. Cruzo os braços, tentando enxergar algum movimento. Apesar das luzes ao redor, não há ninguém. Dou mais um passo, cometendo o erro imbecil de pisar em um galho seco. Ele estrala tão alto que prendo a respiração.
Algum animal se mexe mais adiante. Eu sei instintivamente que não é humano pelo modo veloz com que várias passadas correm no chão. Dou um passo aterrorizado para trás e bato em algo consistente que não estava ali antes. Uma grande quantidade de ar invade meus pulmões. Mas a minha boca é coberta antes que eu possa gritar.
Rancho Wilder, Serven Heavens, CO, US, 2019.
https://youtu.be/RlSCfkcEN-o
Sugestão musical do dia.
(Deitada nessa cama - Tiago Iorc)
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