três.
(capítulo surpresa de domingo)
Eu sou o mais perto de uma vida social que Cherie Murphy tem em Seven Heavens. Ela chegou à cidade faz dois meses e desde que passou a ser nossa hóspede intercambista não é como se as pessoas da nossa idade quisessem se aproximar. E a culpa é minha, na verdade. Cherie veio parar na casa de uma negação social.
É por isso que tenho me esforçado para diverti-la, apesar de tudo. Estamos no meio do Magnetic Zeros, o maior – e único – local de encontro de adolescentes imbecis da cidade. Meu dedo escorrega pela borda do copo, circulando até a umidade dissipar e me obrigar a tomar outro gole da minha bebida de toranja com TNT tangerina. Estou no meio de mais um raciocínio lógico sobre o melhor lugar para instalar uma antena provisória para o nosso café quando o pé de Cherie acerta minha canela.
― Ai! ― A minha mão bate no copo acidentalmente. No segundo seguinte a minha blusa branca se transforma em uma paleta de cores alaranjadas. ― Oh, droga.
― Ah, merda. ― Cherie fala tanto a palavra "merda" quanto respira pela sua bombinha de asma. Suas mãos estão empurrando guardanapos na minha direção. ― Eu estava tentando chamar a sua atenção... Eu não...
― Tudo bem, Cherry Bomb. ― Empurro a cadeira com a parte de trás das pernas, me levantando. ― Eu vou até o banheiro ver o que posso fazer... Ah...
Há um cara aleatório na nossa mesa. Ele só está sentado ali porque o Zeros está lotado. Eu acho que ele faz algumas aulas comigo e talvez se chame Zack ou Mark. Zack ou Mark balança o queixo, o que faz seu cabelo cacheado e comprido balançar como molas soltas de algum sofá velho e maltrapilho.
― Tudo bem. ― Cherie me sorri de lábios fechados. ― É o meu trabalho como intercambista conversar com as pessoas. ― Seu indicador gira no ar. ― As outras pessoas todas. Não só as que estão perto.
Reprimo a minha vontade de rir da repulsa de Cherie à Zack-Mark e concordo, tentando convencer o meu cérebro de que ela vai ficar bem. Ela saiu da Austrália há mais de um ano. Seu plano é cortar os Estados Unidos de leste a oeste. É claro que ela pode se cuidar.
Culpa pinica minha pele enquanto caminho até o banheiro. Acho que as regras rígidas dos Wilder fizeram Cherie se acomodar em um esconderijo de proteção longe de toda essa gente estranha de Seven Heavens. Preciso deixar a minha única e mais recente amiga fora das minhas rédeas. Mas a verdade é que não quero que Cherie encontre algo melhor por aí. Porque isso significa que ficarei sozinha.
Eu engulo a saliva áspera que se acumula entre minha língua e o céu da boca e ergo os olhos. Conheço cada uma daquelas pessoas dentro do Zero. Talvez não saiba o nome de muitas delas, como Zack ou Mark. E eu sei que é um sentimento cíclico e recíproco. Eles me conhecem. Como Liv Wilder, a filha do xerife, a presidente do clube de ciências e que não dá um tempo para ser normal. Ninguém ali tem potencial para aguentar o meu ritmo de rigidez pessoal por muito tempo. Acho que Cherie vai se cansar antes de partir para o seu próximo e último estado americano.
Mischa Cooper se cansou, aliás. Ela costumava ser minha amiga antes de Georgia Dayrell colocar suas longas garras sempre pintadas de vermelho em Mischa. É compreensível que Mischa tenha sonhado em andar por aí exibindo seus longos cabelos castanhos ao invés de usar um jaleco de laboratório todos os dias. Ela está dançando como uma cabritinha ao lado de Owen McKenzie. Graças à Georgia, Mischa sai com garotos agora.
Eu continuo saindo com o cachorro hiperativo dos Bilson.
Essa é a diferença entre uma vencedora de todas as feiras de ciências do condado de Arapahoe e de alguém que agora só pensa em química para escolher o melhor condicionador ou descrever os efeitos da maconha no organismo.
Afasto Mischa Cooper do meu campo de visão e percorro o teto velho do Zeros com os olhos. Não consigo parar de pensar no nosso cybercafé. É claro que meus pais já sabem da presença dos Rowan e de que o tio Nolan inventou uma desculpa de que não quer mais antenas em sua propriedade. Obviamente sua mão está segurando um grande bolo de notas de cem dólares, mas não posso culpá-lo. O valor do aluguel que o papai pagava devia ser pífio perto do que James Rowan ofereceu.
Meu peito se aperta, encurralado pela minha blusa molhada. Notas cítricas me atingem, mas estou sentindo o gosto azedo do desespero. Se não conseguirmos um novo local para instalar nossa antena improvisada, a única cliente que teremos será a senhora Dixie. E apesar de gostar bastante dela, eu sei que o salário do xerife de Seven Heavens não é suficiente para me manter na Universidade de Denver, para a qual fui aceita logo após a virada do ano.
Estou prestes a considerar voltar para a picape, no estacionamento, quando me deparo acidentalmente com Henry Hastings. Ele tropeça para trás antes de me atingir. Seus olhos escuros estão analisando meu rosto por alguns segundos antes sorrir de lábios fechados. Olhos úmidos como os de um filhotinho. Cumes de pele se formam como ondas em sua testa e eu estou perdida. Lá está a feição de inocência e bondade que me derretem. Estou rendida.
― Ei, Liv.
Seus olhos pendem rapidamente para o meu cardigan e para a camiseta branca. É ali que moram os meus peitos. O que faz com que ele viaje de volta ao meu rosto ao perceber que não devia ter olhado naquela direção. Espero que Henry não consiga ver minhas bochechas queimando.
Se acalme, Liv!
― Ah, oi! Henry! Sei o que vai dizer. Que está surpreso de me ver aqui. E curioso sobre isso.
Aponto para a casinha de peitos que chamo de sutiã manchado pela toranja com TNT de tangerina. Uma parte minha quer me matar. Estou fazendo aquela coisa de novo. Antecipar o que a pessoa poderia dizer para continuarmos conversando do jeito que eu quero.
Droga, Liv.
― É. ― Henry deixa o ar escapar com um breve sorriso que faz as linhas ao redor de seu queixo se acentuarem. ― Acho que estava pensando nisso mesmo.
Escovo os dedos pelos meus cabelos, prendendo-os atrás das orelhas. Elas queimam a pele fria das minhas mãos. Afasto o desejo que cobri-las com as palmas em concha. Eu não preciso me humilhar ainda mais na frente de Henry Hastings, o mais próximo de um quase romance que já tive.
Charlie Boy reverbera pelas paredes, atingindo os meus ossos e me fazendo vibrar. É a música menos romântica do mundo. Mas com as luzes acobreadas iluminando a sarda escura na bochecha esquerda de Henry, cada palavra do The Lumineers ecoa dentro de coraçõezinhos imaginários ao meu redor.
― Eu sou uma idiota. ― Isso me escapa tão rápido que levo a mão aos lábios, batucando os dedos ali para pensar nas próximas palavras. ― Quero dizer, parece que eu me vomitei essa coisa laranja, mas, foi um acidente.
Eu não acredito que disse isso. Funciona nos filmes quando uma garota tenta ser engraçada. Então eu rolo os olhos e bato o indicador em minha têmpora. Apenas com o intuito de parecer casualmente boba. Acho que funciona porque o Henry sorri mais uma vez, seu sorriso de lábios fechados. Não é que ele não tenha dentes bonitos. Ele tem, eu já conferi desde que voltamos a nos falar esse ano. É só que é o seu grande charme sorrir com os lábios pressionados. Além da sarda escura, claro. E dos olhos de filhotinho que brilham mais do que qualquer coisa que já conheci.
― Não ficou ruim. ― A caneca esmaltada da sua mão vai e volta de mim para ele, dançando no ar. ― Quebrou a coisa monocromática.
Olho para a minha roupa e me arrependendo de ter me vestido em tons pasteis. Eu sou um cubo de gelo. Manchado de toranja.
― Então, vejo você segunda, Pine's Girl? ― Henry engancha a mão livre atrás da nuca depois de deslizá-la pelos cabelos escuros. ― No Yesterday?
Prendo o meu lábio com os dentes, mas o sorriso mais imbecil do mundo escorrega.
Yesterday é a lanchonete dos Hastings. É para lá que eu vou todos os dias desde o meu primeiro dia de ensino médio. É proibido assistir TV antes da escola na casa dos Wilder. E eu sou viciada no jornal da manhã. Por causa do apresentador Francis Pine. Foi isso que fez Henry me notar novamente, depois de todos aqueles anos sem nos falarmos.
"Você deve gostar muito do café da Yest. Ou há uma outra razão para você acordar tão cedo todos os dias e vir aqui?"
Ele foi tão direto naquela manhã. Eu não queria que ele pensasse que eu ia até a Yesterday para vê-lo. Não era um fato admitido por mim naquela época. Então eu contei a verdade, sobre ser fã de Francis Pine. E, desde então, Henry me chama de Pine's Girl, a garota do Pine. É o nosso segredo agora.
― Ah! Sobre isso! ― A consciência me puxa de volta à realidade como se eu estivesse sendo sugada pelo umbigo igual em uma chave de portal em Harry Potter. ― Eu andei fazendo uns cálculos... Bem, a nossa antena foi desligada. E o cybercafé está sem internet. Eu sei o que está pensando... Que a última coisa que tem no cybercafé é café. E sem internet vamos ter que fechar. Mas eu descobri um jeito de manter as coisas funcionando precariamente. Com uma antena não tão boa quanto a outra, mas... A Yesterday é a localização perfeita para instalarmos a nova antena lá.
Não acredito que tive coragem de pedir isso à Henry. Ele ergue uma de suas sobrancelhas e balança a cabeça afirmativamente. O jeito preocupado como ele analisa o meu rosto significa que ele quer me ver bem, ou eu imagino isso.
― Oh, certo. Não tem problema colocar sua antena lá. Desde que você não desligue o Francis Pine. Sabe, tem uma garota que vai lá toda manhã por causa dele. Eu não quero que ela desapareça.
Meu coração fica enorme com uma sensação quente que se espalha pelo meu corpo como pólvora queimando. Estou formigando, como um fogo de artifício prestes a explodir. Quando a energia me consome, meus calcanhares saem do chão, empurrando meu corpo diretamente para o de Henry. De repente sinto-me extraordinariamente levitando quando ele corresponde o meu abraço.
Henry morde o lábio rapidamente quando eu me afasto e quase posso jurar que seus olhos pulam da minha boca para o resto do meu rosto.
― Quem desligou a sua antena?
Antes que eu possa entrar em combustão novamente, um estrondo força meus pés a se estagnarem no chão.
As pessoas se afastam da porta. De um jeito estranho, todos se calam. Foy Vance ecoa sozinho, deixando She Burns falar para um Magnetic Zeros totalmente hipnotizado. Afasto a minha franja dos olhos com a ponta dos dedos e sigo em direção àquilo que está deixando todos petrificados.
No meio do Magnetic Zeros, olhando para nós como se fossem leões que encontraram o rebanho indefeso, estão Seth e Carson Rowan. Algo ruim rasteja na minha pele. É intuição de que eles não querem uma noite tranquila.
― Foram eles. ― Sussurro para Henry Hastings. ― Os Rowan voltaram para tirar os Wilder do caminho.
https://youtu.be/Om5fVMgeDnI
Tá muito quente pra gente não se distrair com um capítulo novo. Sábado está longe demais! E eu consegui avançar nessa história o bastante para poder liberar esse extra.
O que vocês estão achando da história? Amo acompanhar cada curtida, cada leitura e cada comentário. Senti falta de tudo isso <3 Obrigada!
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