dezesseis.
O cheiro de cada lembrança é como uma máquina do tempo olfativa de memórias e sensações. Eu me lembro de todas as vezes em que fomos até a casa dos Hastings quando éramos crianças. Eles sempre tiveram a Yesterday, que deixava aroma de café e gordura doce impregnados em nós. Mas fora do expediente, a casa dos Hastings cheirava à amaciante de calêndula.
É isso que estou sentindo com o rosto apoiado no ombro de Henry.
Não sei exatamente como chegamos naquele momento, mas sei que ele está segurando a minha mão. Às vezes ele a solta, mas só para que seus dedos passem pelas linhas da minha pele. Cada vez que ele faz isso, é como se estivesse arranhando da minha garganta até o meu estômago, arrepiando cada pelo do meu braço e fazendo minhas bochechas formigarem.
― Você está bem? ― Eu arrisco, tentando parecer casual.
Não quero que ele sinta que estou nervosa. Mas assim como meus lábios, minha voz treme.
É a primeira vez que fico assim com um garoto em toda a minha vida. Estou em estado de graça.
Mas quando Henry não responde, dou uma olhada nele, erguendo a cabeça. A primeira coisa que vejo é seu maxilar flexionando a cada segundo. Ele pisca devagar para o corredor vazio do ambulatório e então se inclina para me olhar.
― Estou bem, dentro das possibilidades. Mas eu é quem deveria estar perguntando isso. Você está bem?
Considero a pergunta. Não posso responder de imediato depois de tudo o que aconteceu. Papai prendeu Carson para dar uma resposta precisa aos Rowan de que a cidade de Seven Heavens é dele. A história de que Seth colocou fogo no cybercafé para defender Carson se espalhou mais rápido do que a fumaça que tomou conta do céu. E Taylor teve um ataque de pânico ao se deparar com James que, por sua vez, marchou duramente para a prefeitura, soltando ameaças à nossa família aos quatro cantos.
Achei que mamãe fosse ter que se internar com Taylor, porque ela teve uma crise de ansiedade terrível. Eu odeio admitir, mas Georgia foi muito gentil conosco, levando ela e Cherie para casa dos Dayrell, já que nossa casa está em estado calamitoso. E eu decidi ficar com Henry no ambulatório, com a desculpa de falar com Seth que, por causa de uma pancada na cabeça graças a uma viga, teve que ficar em observação.
Mas eu não falei com Seth.
Estou há mais de uma hora sentada no corredor com Henry, com a cabeça em seu ombro e a mão entrelaçada à sua. Fecho os olhos, respirando um pouco mais do seu cheiro de roupa limpa, o total oposto de como eu devo estar cheirando. Isso me faz sorrir.
― Agora estou.
Eu imaginei que algum dia, longe de Seven Heavens, eu finalmente iria me apaixonar por alguém e ser correspondida. Não havia um garoto sequer naquela cidade que fosse capaz de entender o meu coração. Todos eles sempre me olharam como se fossem caçoar de mim, mesmo que sem querer.
Uma vez, quando estava no primeiro ano, tive um amor platônico por um cara que fumava maconha no pátio da escola. Há regras do não uso de entorpecentes em certos lugares, mesmo que maconha seja legalizada no nosso estado. Mas ele não estava ligando para regras. Acho que era isso que eu mais gostava. Eu me imaginava fugindo com ele em uma moto. Casando em uma praia e criando crianças hippies. Mas desisti daquela coisa idiota depois de descobrir que ele não sabia formular frases corretamente e gostava mais de droga do que de garotas.
E então, quando achei que seguiria sozinha até ir para a universidade encontrar o amor verdadeiro, meu coração sentiu a necessidade de ser totalmente preenchido por um novo amor platônico. Dessa vez por Henry. O que começou com Francis Pine se transformou em algo tão íntimo que faz com que eu perca a noção das palavras. Como o garoto imbecil. A diferença é que o meu entorpecente é Henry.
Ergo o rosto para ele novamente. Henry se vira para mim e sorri. Seu sorriso de lábios fechados. Seus olhos pulam por cada pedacinho de fuligem na minha pele e sinto que estou ficando vermelha. Ele leva a mão tão rápido até meu maxilar que entreabro os lábios.
Mas tudo que Henry faz é apertar minha mão e limpar cinzas do meu queixo com o polegar. Ele afasta o contato e volta a encarar o corredor. Quando sigo os seus olhos, Seth Rowan está parado no meio do caminho, segurando um pedestal com soro fisiológico e se arrastando em confusão.
― Ah... Comovente. ― Ele estica os indicadores. ― Mas só estou indo mijar. Então não parem nada.
Henry solta minha mão e se levanta. Ele olha por cima do ombro e me dá outro de seus sorrisos indecifráveis.
― Vou ver como Taylor está.
Afundo meu rosto entre as mãos, arrastando a cavidade ocular com os dedos. Seth ainda está no corredor quando recobro o foco.
― Por que ainda está aí? ― Aponto na direção do banheiro.
― Achei que fosse querer gritar comigo.
Ele está se divertindo. Mas, apesar de tudo, Henry não iria me beijar como imaginei. Não foi culpa de Seth. Nós nem havíamos notado sua presença. Henry apenas recuou. Porque não havia intenção nenhuma em seu coração como havia no meu. Estou completamente frustrada. E acho que Seth percebe isso porque ele para de sorrir.
― Ok, vocês dois...
― Não! Oh! Não! ― Eu me levanto, indignada. ― O meu pai prendeu o seu irmão, a propósito.
Quero mudar de assunto com Seth. Ele ergue as sobrancelhas e encara o chão. Sua camiseta rosa está rasgada em algumas partes e, além de pequenas queimaduras nos braços e pescoço, ele tem um curativo no ombro. Provavelmente por culpa da viga de madeira que despencou sobre ele.
― Eu não posso dizer que estou surpreso. Mas Carson não vai ficar preso por muito tempo. Seu pai não tem provas contra ele, tem? As provas são contra mim, pelo que ouvi dizer.
― Sinto muito que ninguém acredite em uma garota louca com estresse pós-traumático, um velho gagá e uma prostituta recém-parida.
― Então esse é o meu time?
― Nas palavras do papai... É.
Os lábios arrastam a lateral esquerda de seu rosto até seus olhos ficarem pequenos e seu sorriso engrandecer.
― Grandes heróis do Colorado.
Quando percebo, estou sorrindo junto.
― Obrigada, a propósito. Por me ajudar. Você não tinha que ter entrado na casa.
― Obrigado pela má reputação. ― Ele quebra o nosso contato visual e encara a parede. ― Puta merda, preciso mesmo mijar.
Seth se arrasta com o soro. Colo meu cabelo atrás da orelha, concentrando-me em sua caminhada dificultosa. Estou encarando suas costas, marcadas na camiseta apertada, quando Seth se inclina e fecha um dos olhos.
― Baile de primavera, Olivia. Convide-o. Esse molenga nunca foi de decidir nada, mesmo. Então decida você. Suas próprias regras, certo?
Seth some atrás da porta do banheiro masculino e eu giro nos calcanhares, mordendo a cutícula do meu polegar.
Ele está certo. Fiz uma promessa para mim. Sobre fazer minhas regras. Vamos nos formar em alguns meses. Nunca mais verei Henry Hastings de novo. Ele vai para a Califórnia e eu ficarei no Colorado. Acho que mereço o risco.
Vou convidar Henry Hastings para o baile de primavera.
São tempos estranhos para os que não podem viver numa casa queimada. Me pergunto o que Amelie Poulain faria no meu lugar. Por mais estranho que pareça, já assisti aquele filme mais de dez vezes desde que descobri que isso faz o bebê dos Hendrix dormir. Estamos morando com nossos vizinhos e eu me tornei uma babá nas horas vagas.
O problema é que não tenho mais horas vagas.
Há tantas coisas acontecendo que sinto como se a minha última semana pudesse ser contada como um mês inteiro.
O incêndio nos obrigou a nos mudar para a casa dos nossos vizinhos, Lola e Matt Hendrix. Tivemos sorte em não perder nada no andar de cima além de um pedaço da sala. Mas não podemos morar em um teto danificado. Por isso, tivemos que revirar nossa vida cheia de rotina e entrar na aventura que é dividir um teto com Lola, Matt e Junior.
Matt Hendrix é dono da única loja de produtos eletrônicos da cidade. E não para de trabalhar desde que os Rowan liberaram a internet. Todas as pessoas de Seven Heavens estão comprando computadores, celulares e todo o tipo de tecnologia. Mesmo que a agora a internet exija uma assinatura mensal que, para o papai, significa poder e dinheiro para a família que ele odeia.
Ele não está morando com nossos vizinhos, a propósito. O papai decidiu se instalar na delegacia. Não temos nenhum cidadão preso em Seven Heavens. Carson Rowan passou duas horas lá e foi liberado, embora James Rowan não tenha conseguido livrá-lo de ser fichado.
O mais estranho sobre isso é que os Rowan ascenderam. Não foi como se todos ficassem contra eles por terem queimado a nossa casa. A cidade se dividiu. Muitos ouviram a minha história sobre não ter sido Seth Rowan e o time de hóquei e seu treinador confirmaram que Carson estava em treinamento naquele sábado.
Eu não sei se isso é um jeito que eles encontraram para que os patrocinadores não abandonassem os Ice Cage. Mas funcionou. Pelo menos para metade de Seven Heavens. A outra metade tem certeza absoluta que o incêndio foi uma represália ao modo como papai agiu com Carson no vídeo que continua circulando pelas redes sociais.
Nossa cidade está completamente polarizada.
De um lado as pessoas que mantém a fama de mau dos irmãos Rowan. O time de hóquei, as meninas que esperam ser o alvo do interesse dos forasteiros, pessoas que não gostam do modo como papai governa a cidade, passando por cima até mesmo do prefeito Roadrunner.
Do outro lado, gente que não quer entregar Seven Heavens para uma família cujo patriarca se envolveu com uma garota menor de idade que teve sua vida destruída, garotos que aparentam se envolver com drogas e que tratam as meninas inocentes como poeira. Alguém até criou um movimento na internet chamado: "Odiamos os Chernobrothers – os Rowan vieram de Chernobyl."
E, no meio dessa guerra e de todas as mudanças, Cherie recebeu um comunicado de que deveria retornar à embaixada da Austrália porque não oferecemos mais um lar seguro a ela. Estou desesperada, escrevendo uma petição para as autoridades dentro do meu armário na aula de educação física e rezando para que a treinadora Mendler não me encontre, quando Seth empurra o metal e surge no meu campo de visão.
― Oh, merda! ― Abafo um grito quando o armário cede. ― Eu achei que você tivesse dito que soldou isso.
― Blefe. ― Ele sorri.
Não consigo ver seus olhos porque Seth está usando um Ray-Ban quadrado e escuro. Seus cabelos estão revirados daquele jeito típico. Como se um furacão houvesse passado pelas ondas do mar. Ao menos ele está vestido, daquela vez. Não com nosso uniforme amarelo mostarda, eu observo. Ele parece estar fugindo da ginástica tanto quanto eu.
― E não pode usar nenhum meio de comunicação normal? Mensagem de texto, bilhetinho na aula de álgebra, flerte na porta do armário. É isso que as pessoas fazem por aqui, Seth Rowan.
― Primeiro: você não me aceitou no Instagram.
― Oh. ― Pisco algumas vezes, esquecendo de não sorrir. É tarde demais, mas Seth está sorrindo junto. ― Estive ocupada alimentando a página NÓS ODIAMOS OS CHERNOBROTHERS. Vou me lembrar da próxima vez que fizer uma montagem com a sua cara em uma privada.
Ele deixa uma risada escapar porque sabe que não fui eu quem criou aquilo. Mas não posso negar que é divertido fazer o jogo gato e rato com ele.
― Certo... Segundo: fico feliz que tenha notado o meu método de conquistar as garotas com bilhetinhos. Elas amam isso. Mas não são para você. Porque você deveria estar tendo a coisa de flerte no armário com Henry Hastings, ahn?
Ah, droga. Henry me deu um fora. Quero dizer, não um fora explícito. Ele não para de me mandar mensagens fofas dizendo que não vê a hora de me ver no baile. Mas ele meio que incluiu uma galera enorme no convite para comermos algo na Yesterday e irmos juntos.
Não estou nada animada sobre isso porque Eloise estará conosco. Ela mesma veio me dizer. De um jeito incrivelmente doce, ela também está me incluindo no grupo deles. Tenho amigos, então. Um grupo com o garoto que eu entregaria a minha virgindade e a menina que tem muito mais chances de ter isso do que eu.
― Então saia do fundo do meu armário e deixe Henry ocupar o lugar. ― Mexo o ombro e abaixo os olhos para minha carta. ― O que você quer, Seth? De verdade.
― O telefone de Eloise.
O ar escorrega pelo orifício errado e saliva atinge meus brônquios, me fazendo tossir sem parar. Pigarreio, me recompondo, enquanto Seth gargalha. Não consigo expressar como ele é idiota em palavras. Mas, apesar disso, sua gargalhada é muito motivadora, dessas que você riria junto mesmo se a piada fosse você.
― É brincadeira. Eu só reconheci a tensão, sabe? Mas se quiser posso distraí-la. Não no baile, porque não irei.
― Pare de brincar com as meninas! Isso é ridículo!
― Eu não prometo nada a elas. Apenas um pouco de mim. Deus fez todos com livre arbítrio para escolher sofrer...
― Ah, cala a boca. Por que não vai ao baile? Você praticamente o criou. Georgia me repassou as últimas coisas. Parece incrível.
― Você sabe o que eu faço nos sábados. ― Seth finalmente arranca os óculos escuros no seu maior estilo Tom Cruise em Top Gun e o aponta na minha direção. ― Vou levar o velho Nolan em uma festa na fogueira!
― Não!
― Ah, sim. Eu gosto daquele velho. E é bom para o meu charme deixar todas as garotas na expectativa sobre a minha ausência no baile.
Reviro os olhos, mordendo a ponta do lápis e encarando o meu documento.
― Seth, o que você quer? Devíamos estar brigando! As pessoas esperam que isso aconteça.
― Já jogou a sua raspadinha em Carson hoje. O público amou.
― Seu irmão tem sérios problemas comportamentais. São mais notáveis do que os seus.
Joguei mesmo a minha raspadinha de morango em Carson no meio de todo o refeitório quando ele insistiu em me provocar de um jeito sedutor. Ele ainda está naquela imbecilidade de tentar algo comigo ou com Cherie. E nem o conflito entre nossas famílias o fez recuar.
― Eu sei. Tudo o que Carson sabe ele aprendeu comigo. O que eu posso fazer se ele aprimorou? Mas o que vim dizer é que posso ajudar. Com Cherie Murphy. E a carta para a embaixada.
― O que? ― Minhas sobrancelhas pulam tanto quanto meu coração. ― Espera, você não quer fazer isso para seduzi-la e depois jogá-la no limbo dos corações partidos ou...
― Não. ― Ele gargalha de novo. Pelo modo como seus ombros se empertigam, sei que ele está em sua pose de mãos no quadril. ― Olha só. Georgia me pediu. Não faz essa cara. É mais fácil eu conseguir isso com o meu pai sendo um pedido da Georgia do que sendo algo que você me pediria.
― Ok. ― Dou de ombros. ― Apesar de sempre ter implicado comigo, Georgia gosta de Cherie de verdade. Eu não posso culpá-la. Cherie é uma ótima amiga. Nada superficial como Marie ou Mischa.
― Ah, não fale assim de Marie. Ela pode ser superficial, mas tem lábios intensos.
Seth comprime os próprios lábios e beija a ponta dos dedos. Reviro os olhos, pronta para sair dali e fechar a porta na cara dele.
― Espera, Olivia! Me entregue a carta. Eu vou pedir para que o meu pai envie no nome dele. Ele tem contatos importantes no governo.
Não estou interessada no tipo de contato que James Rowan tem com políticos. Talvez o papai se importe, mas não quero estar no meio daquilo. A minha parte é alimentar o movimento "Odiamos os Chernobrothers".
― Certo. ― Mordo o lábio, considerando. ― Eu escrevo, Georgia leva o crédito e o seu pai assina.
― Quer Cherie Murphy aqui até o fim da estadia oficial dela?
Não tenho outra opção. Balanço a cabeça afirmativamente e Seth aperta os lábios em um sorriso que diz "boa garota" antes de fechar o fundo dos nossos armários e desaparecer.
https://youtu.be/IPXIgEAGe4U
Finalmente nos encontramos aqui de novo! Eu estava com saudade. Não vejo a hora de estar de férias para continuar a escrever esse livro e ter poder aumentar os dias de capítulos. Mas prometo emoções sinceras nesses próximos que virão.
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