q u a t r o
O IHOP era uma cafeteria singular e de altos padrões no centro, de frente ao edifício Manhatam. Os tijolos vermelhos na fachada mostravam a tradicionalidade tipicamente boemia do centro da cidade. O lustre de cristais dentro do salão era visível aos transeuntes que sempre diminuíam o passo para apreciar o charme do local e, às vezes, a imponência das pessoas lá dentro.
E Louise estava fazendo exatamente isso, mas seus os olhos não se voltavam para o IHOP com admiração. Antes de entrar ela escaneia rapidamente através da vitrine a fim de encontrá-la.
Assim que a encontra ela analisa cada traço e contorno visível. O nariz arrebitado que demonstrava insolência. Os lábios que uma vez foram cheios, agora estão numa linha rígida constante, o cabelo castanho escuro preso em um coque severo no alto da cabeça e sua postura aristocrática, envolvida por um tailleur azul-escuro que gritava Channel.
Ela não percebe que está sendo observada, ou talvez perceba e não se importe. Elizabeth sempre fora uma mulher notável.
Louise puxa o ar para seus pulmões num fôlego curto e entra. Ela é recepcionada pelo burburinho de conversas e cheiro de café enquanto cruza o salão até o final numa mesa afastada.
— Mãe? – Louise diz em frente à mesa.
— Olá, filha. Sente-se. – Elizabeth faz um gesto a sua frente.
As duas se olham por alguns instantes em silêncio até uma garçonete aparecer, e com um sorriso simpático perguntar a elas o que vão querer.
— Café preto, sem açúcar.
— Um chá seria bom, obrigada. – Louise quebra o olhar com sua mãe e sorri para a garçonete, que se retira para buscar as bebidas.
— Sua habilidade de sorrir para qualquer um ainda me incomoda. – O sorriso de Louise se desfaz. — E principalmente sua incapacidade de chegar no horário que nos marcamos me cansa. Tive que ligar para você para que se lembrasse que deveria me encontrar.
Ela ignora e diz com sarcasmo: — Bom vê-la também.
Sua mãe estreita os olhos, mas deixa passar.
Louise vê a dureza nos olhos de sua mãe abrandarem um pouco e nesse momento ela sabe o que ela irá lhe pedir.
— Eu preciso de uma quantia um pouco maior esse mês, Louise.
Todo mês Louise passava uma quantia considerável para conta de sua mãe para que ela continuasse com seus “hábitos sociais”, que Louise definia com exatidão como: “Gasto desenfreado e desnecessário”.
Louise exalou murchando um pouco sua postura, e desvia os olhos para o seu reflexo na vidraça ao seu lado.
Os Bennets faziam parte de uma quase insignificante fatia da sociedade, mas possuíam a fortuna que nem terça parte do resto da população sonhava em ter. Embora fosse esperado que homem fosse a mente por trás de toda a fortuna, era a mulher que possuía o toque de Midas e também, inevitavelmente, era a fonte de toda a arrogância possível. Ser convidado a pisar no precioso gramado do jardim de sua casa monstruosa, era estar um degrau mais perto da nobreza. Pelo menos era o que cochichavam os empregados pelos muitos corredores daquela casa.
Então, poderia ser fácil imaginar que Louise não recebia muitas visitas. Suas amigas não chegariam à nobreza. Isso se ela conseguisse fazer alguma.
Elizabeth amava uma única pessoa além dela mesma: Ignácio, seu ex-marido. Esse amor cego foi seu pior engano. E agora ela estava a sua frente, com uma postura amena, mas não muito, lhe pedindo dinheiro. E se nunca lhe tivessem dito que o mundo dá voltas. Pensou ela afastando seu olhar de seu próprio reflexo.
— Endireite a coluna, Louise. Não sei como você ainda é modelo com essa postura. – Censurou ela.
Mesmo nessa posição ela ainda me corrige. Louise não diz nada, de repente se sentindo cansada demais para discutir, só quer que esse encontro termine.
— Quanto?
— Dez mil.
Louise não se incomoda ou se espanta com o valor. Puxa o talão de cheques da bolsa, com prática preenche o cheque com rapidez e o desliza na mesa em direção a mãe.
As duas se encaram por alguns instantes. Louise espera um agradecimento, nem que seja um sorriso, mas, por fim, sua esperança se demonstra uma tolice. Ela nunca agradece. No fundo ainda resta uma esperança, um resquício de expectativa que ela possa largar a rigidez da postura por um abraço, uma demonstração de afeto, qualquer coisa. Mas a inflexibilidade de seus sentimentos e a dificuldade de entender a própria filha demonstra ser suficientes para que seu amor natural de mãe se torne fraco e ignorável. Isso é o que mais doía em Louise.
O pedido das duas finalmente chega dando pausa a tensão entre mãe e filha. A garçonete vai embora rapidamente.
Eu preciso tentar...
— Mãe... Semana que vem eu vou abrir um desfile importante e eu gostaria que você fosse. – Sua voz saiu pequena.
Antes que Elizabeth respondesse seu telefone toca, e ela o atende.
— Fabrício. — diz com sorriso nos olhos. – Sim nós vamos... Claro que eu consegui. — Os olhos verdes de Elizabeth se dirigem a filha e rapidamente se desviam.
Isso foi o bastante para Louise entender.
— Isso é ótimo. Essa semana então. — E desliga.
— Não posso ir ao seu desfile, estarei ocupada esse final semana e a semana seguinte também.
Claro que vai estar. Foi o pensamento amargo de Louise.
— Tenho que ir — Louise diz ignorando o chá frio a sua frente e levanta.
— Adeus, filha.
Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito... Ela caminha até a porta, sai pro ar frio do início da noite e solta o fôlego que estava prendendo desde que havia entrado ali.
— Até o mês que vem, mãe.
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— Helida... — Ele murmurou suavemente em seu ouvido, com o corpo úmido de suor encima dela enquanto se movimenta mais rápido. Com um suspiro suave desaba sobre Helida. Com tédio ela sustenta seu corpo pesado por alguns momentos até se cansar dessa posição. Sem sentir nada se separa de seu marido e se levanta da cama cobrindo seu corpo nu com um roupão, sai do quarto e desce até cozinha.
Se escorando na ilha da cozinha com um copo d’água nas mãos, ela observa o céu escuro sem estrelas através das janelas.
Duas semanas haviam se passado desde a última consulta. Mas já fazia uma semana que aqueles malditos exames estavam prontos.
— Os nervos ópticos estão voltando ao seu tamanho original, devagar, mas estão — ela murmurava sozinha, agora girando a aliança de ouro no seu dedo anelar. – Eu só preciso de mais uma semana, os exames, os meus exames ainda não estão prontos.
— O que você disse amor?
Merda.
Ela não havia se dado conta de que ele estava bem atrás dela até ele apoiar as mãos no seu quadril.
— Hum.... Nada, amor. Só pensando alto.
— Vem, volta para cama. – Cezar diz com uma voz arrastada.
Sem querer causar mais questionamentos ela volta até o quarto e se põe de volta a cama, mas não cai no sono como seu marido parece fazer quase instantaneamente.
Não sei por que não acabei com isso logo que peguei o que queria.... Pior burrice em ficar com esse cara, Hélida. — Ela se repreendeu deitada de lado olhando para ele. — Ele ainda insiste nesses tratamentos estúpidos. Amor. Que otário. Ela se virou olhando para o teto, irritadiça.
Seu telefone vibra ao lado encima da sua cabeceira. Uma nova mensagem surge na tela com um número desconhecido. Ela lê o conteúdo da mensagem duas vezes.
Exames Prontos.
Antes do esperado.
Com um sorriso leve nos lábios, Hélida finalmente cai no sono.
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Respirar o ar daquela casa estava longe de ser suficientes para seus pulmões. Parecia ser mais denso e difícil de exalar.
A sala estava mal iluminada, as únicas luzes provinham de abajures da sua mãe espalhados por lugares estratégicos do cômodo. Aliás, a casa inteira parecia que não recebia luz de lugar algum além de abajures.
Por que os abajures e os objetos da mamãe ainda estão aqui? Ele nunca se importou com isso.... Aliás, ele nunca se importou com nada. Ela pensou desgostosa.
Clarissa circulava na sala impaciente como um animal enjaulado, quando finalmente os sons dos passos de Albert se aproximam e ele para na porta da sala.
— Albert. – Ela diz.
Silêncio
— Estou aqui para recuperar os pertences da mamãe.
— Não. — Sua voz veio como um estalido de um chicote. Ela não esperava esse tipo de resistência.
— Como assim não?
— Não. Uma resposta simples. As coisas dela permanecem aqui. E antes da sua refutação, uma pergunta: Por que agora? As coisas da mamãe estão aqui desde sua morte, e você nunca demonstrou interesse.
— Eu... – ela hesitou um pouco indignada com a resposta que havia recebido — São os pertences dela, ela era sua mãe tanto quanto era minha!
Albert trincou os dentes. Eles haviam tirado muito dele. Nem ao funeral da própria mãe eles o deixaram ir. Isso ainda doía que nem o inferno. A indignação cobria todos os poros do corpo de Albert, mas ele manteve o rosto neutro. Os pertences da mãe não sairiam dali. Ponto Final.
— Como foi o funeral da mamãe? - Perguntou ele inclinando a cabeça levemente para direita.
Clarissa sugou uma respiração rápida não preparada para esse tipo de ataque.
— Como você é baixo... – Ela o olhava de cima abaixo lamentando que ele não pudesse ver seu melhor olhar de desprezo. — Você não merecia estar lá.
— Você não é responsável por determinar isso, não foi na época e ainda não o é agora.
— Chega! Não quero mais falar sobre isso. Isso é assunto
encerrado. – Ela sentia as lágrimas se acumulando em seus olhos.
A dor de perder a mãe pouco tempo depois de perder um filho ainda era muito crua, uma ferida que parecia não cicatrizar. E olhar para Albert em toda sua arrogância era como jogar sal nessa ferida.
Se ele acha que vai me machucar de novo, se enganou.
Albert dá um passo atrás quando escuta o som de uma porcelana se partindo no chão próximo aos seus pés.
— O que você está fazendo!? – Albert aumenta seu tom de voz.
— Quantos desses eu tenho que quebrar para levar o que é meu de direito! – Ela grita.
O som de um estalido alto vem agora da parede ao seu lado.
— Você está descontrolada. Pare com isso agora. – E pela enésima vez ele amaldiçoa sua cegueira, por que se não fosse por isso, ele já a teria posto para fora a força.
Albert sente uma mão sobre seu ombro e em seguida a voz de sua governanta preenche o cômodo.
— Clarissa, se acalme.
Almerinda passa por Albert e chega até Clarissa segurando-a pelos ombros. Lagrimas faziam trilhas sobre suas bochechas até encontrarem sua camisa, seu rosto estava destorcido pela raiva e a dor. Quando seus olhos cinzentos finalmente se concentram no rosto familiar de Almerinda, ela desmonta, com os ombros sacudindo e as mãos tremendo ela abraça com força sua amiga e praticamente sua segunda mãe.
— Shhh... Calma. Respira. – Ela arrulhava Clarissa como fazia quando ela tinha cinco anos.
Um tempo depois finalmente sua respiração parece encontrar um ritmo constante sem ser interrompido por um soluço.
— Me desculpa... Eu não queria... Ele – ela olhou em volta, Albert não estava na sala. — me faz mal.
— Tudo bem.
A governanta observou a sala com pesar.
— Sente-se aí, eu já volto.
Saindo para o corredor, Almerinda pisa em algo úmido e escorregadio, olha para o chão e encontra pegadas sanguinolentas que levam até o escritório de Albert. Com tristeza pesando em seus olhos, procura a caixa com primeiros socorros e entra sem bater no escritório.
Ele estava sentado na sua cadeira alta de couro, de costas para ela, virado para uma janela obscurecida por cortinas.
— O que exatamente ela quebrou? – Ele pergunta depois de um tempo sem virar sua cadeira.
Dando a volta em sua cadeira imponente, ela se põe aos pés dele e sem qualquer aviso começa a cuidar dos cortes. Como uma estátua esculpida em mármore, Albert não esboça qualquer reação de dor ou incomodo. Ambos os pés estavam pontilhados de cacos de vidro e pequenos cortes.
— Um abajur azul e uma louça da estante. Sr. Samderson... Albert... – Ela o olha nos olhos. Mesmo depois de cego ela sempre teve a necessidade de olhar naqueles olhos que um dia foram tão expressivos – Meu menino.
— Essas coisas também pertencem a seus irmãos, e Clarissa amava brincar com as coisas de Alicia... Deixe a menina levar alguma coisa. Faça isso por sua mãe.
Albert toma uma longa respiração.
— Há uma caixa, no quarto de hóspedes, dentro do armário, entregue essa caixa a ela.
— Obrigada, Albert. Eu sinto muito. Por tudo.
— Está tudo bem, Almerinda. Também sinto que você tenha presenciado essa cena, você pode ter o final de semana fora se você quiser. – Albert pouco dava atenção ao que os outros diziam.
Tirando sua mãe, Almerinda é a única com quem ele não precisava e nem queria ser um cretino.
Ela termina de enfaixar ambos os pés — Obrigada, mas não tenho muito lugares para onde ir – ela disse com um sorriso que não chegava aos olhos.
— Tudo bem. Pode chamar um táxi para min? Tenho uma reunião.
Ela sabia que não deveria mencionar seus pés machucados. Ela sabia que ele se tornaria em aço frio caso mencionasse qualquer debilidade nele, então ela simplesmente diz:
— Claro.
Albert assentiu uma vez e Almerinda o deixa sozinho.
Mamãe adorava aquele abajur azul cafona.
Albert odiava aquele abajur quando adolescente. Mas agora lamentava profundamente a perda dele. Ele não havia tido coragem de mudar os objetos de lugar depois da morte de Alicia.
Tudo que ela havia lhe deixado tinha permanecido com a mesma arrumação e toque caprichoso dela. Agora faltava mais um pedaço dela dentro daquela casa.
Ele não recriminava Clarissa. Muito menos odiava a irmã, já havia ódio o suficiente concentrado para si próprio. Todas as vezes que se encontravam era o mesmo ciclo vicioso, cada um com as suas armas e palavras afiadas de prontidão para ferir.
E Albert sabia usá-las muito bem. Sabia exatamente como feri-la.
Como se eu já não tivesse feito vezes o suficiente.
Albert põe a cabeça entre suas mãos. Falar sobre o funeral da mãe foi passar um pouco dos limites, mas nunca conseguia se impedir de colocar para fora o que tanto lhe amargava por dentro.
Era impressionante que mesmo que seus olhos não cumprissem com seu principal papel, ainda eram capazes de derramar lágrimas.
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OBRIGADA a todos que estão lendo e acompanhando essa história.
Quarta tem capítulo novo.
Bjs
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