d o i s
Todos haviam questionado o porquê de ter duas salas. Até Albert questionou isso enquanto a Visão do Sol estava sendo construída. Mas havia algo que Samanta sempre teve era o prazer, e até a necessidade, de preservar seu espaço, sua privacidade. E como ela passava mais tempo ali do que na sua própria casa, essa sala não seria posta em xeque.
Por fim, Samanta havia ganhado, o espaço foi construído, pessoalmente decorado por uma Samanta extremamente criteriosa com detalhes, somente pra que ela tivesse a sensação de que tinha um lugar próprio, sem telefones gritando, cliques de saltos e conversas abafadas no andar de baixo. Havia um cartaz na porta em letras gritantes: “SÓ ME ENCOMODE SE FOR REALMENTE INTERSSANTE.” Ninguém tinha permissão de chamá-la quando ela entrava ali.
Agora, tão pálida quanto sua pele cor de café permitia e, totalmente apática à decoração daquela sala, estava Louise, sentada na ponta de seu sofá Chaisenirva, com as costas eretas como uma tábua e com um olhar fixo num ponto distante qualquer.
— Louise... — Samanta estava de pé no meio da sala pensando em como começar aquela conversa.
— Não sei se quero falar sobre isso agora, Samanta. Disse Louise ainda sem olhar nos olhos de sua amiga.
— Sei que não quer. Sua postura não demonstra outra coisa. Mas nós precisamos. O que aconteceu aqui... — Samanta toma um fôlego curto – O que você fez... Haverá consequências, Louise.
O tom sério na voz de Samanta fez Louise erguer o olhar.
— Consequências?
A irritação se ergue na voz de Samanta. Como ela pode não perceber?! Pensou ela.
— Você agrediu fisicamente um deficiente visual no meio da minha recepção. Samanta diz com um olhar duro.
Louise desvia o olhar finalmente tomando ciência do que tinha feito.
Samanta continua.
— Este lugar é um lugar de segurança e conforto. Amantes dos livros vem até aqui pra desfrutar de um momento de paz com seus áudios livros. Mães e pais vêm até aqui e deixam suas crianças sobre nossa responsabilidade. Você acha que esse tipo de comportamento demonstra a credibilidade que demoramos anos pra conseguir? – Samanta toma um longo folego para se acalmar dá alguns passos até sua janela. Uma chuva fraca caia do lado de fora fazendo as pessoas correrem e se protegessem da garoa com o que tivessem a mão.
Samanta deixa de observar os transeuntes e caminha de volta em direção a Louise, se sentando ao seu lado para observa-la de perto.
Ela parece perdida, pensou Samanta com pesar.
— Louise... Você já pensou em procurar uma ajuda? Samanta já havia presenciado um dos ataques de raiva de Louise. Foi há muito tempo enquanto as duas eram calouras na faculdade. Um único comentário sagaz sobre sua aparência foi o suficiente.
Louise nada respondeu.
— Sabe, até agora não entendi muito bem o que fez você agir daquela forma. – Samanta instigou.
— Eu o odeio... – Louise sussurrou — Ele só.... Disse o que não deveria. Louise diz entre dentes.
“Você tem um controle emocional de uma criança. Quando e se nos vir de novo vou garantir que seja tratada como uma.”
As palavras de Albert ainda rodavam na sua cabeça fazendo memórias que ela havia se esforçado para enterrar virem à tona novamente
— Sim, eu sei. Aquela parte eu ouvi, quando eu cheguei só vi você dando uma bela braçada, eu quero dizer antes disso.
— Samanta você é uma das poucas pessoas que me conhece e me aceita como eu sou. Eu só quero esquecer esse dia fatídico. Por favor, podemos falar sobre isso depois? – Diz ela pedindo não só com sua voz, mas com olhar. – Você disse que haveria consequências, e eu sinto muito. O que eu posso fazer para ajudar?
Samanta compreendeu o que ela estava lhe pedindo. Não era um simples pedido para esquecer o assunto por enquanto, Louise queria avançar, esquecer. Uma distração de memórias que queriam ressurgir para fazê-la voltar a ser quem era há quase vinte anos. Era o que sua amiga sempre fazia, seguia em frente sem nunca resolver o que deixava para trás. Samanta não concordava, mas respeitava seu modo de ser.
— Na verdade não há muito que você possa fazer a não ser se esforçar ao máximo para que não aconteça de novo... – Samanta diz estreitando os olhos — Eu preciso falar com todos que viram aquela cena e explicar a situação. Reparar os danos antes que as línguas comecem a trabalhar rápido demais. – Samanta deu um suspiro pondo-se de pé novamente. – Vá para casa, Louise. Relaxe. Durma um pouco. – Samanta abre os braços e Louise se põe entre eles.
— Há muito tempo que isso não acontecia... – sussurrou ela — Não me sentia assim fazia tanto tempo. Na verdade, ninguém nunca me fez sentir tantas coisas ao mesmo tempo, nem mesmo minha mãe. Desculpe-me.
— Bom, — disse Samanta soltando sua amiga. — pelo menos você descontou no desgraçado, eu juro que mesmo sem meus óculos vi a marca dos cinco dedos, inclusive do seu anel na cara do Albert.
Louise sorriu. Samanta sempre teve talento para fazê-la rir, não importavam as circunstancias.
Louise se dirigiu até a porta com espírito mais leve. Mas de repente ela gira em seus calcanhares se lembrando de algo.
— Samanta, há três dias você me ligou marcando esse encontro, mas até agora você não me disse o porquê. – diz ela franzindo as sobrancelhas.
Samanta sentiu suas bochechas esquentarem.
— Ah!... Nada... – Um sorriso amarelo — Não era nada demais.
✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴
Ele está atrasado.
Hélida estava escorada na sua mesa com os olhos fixos na porta de seu consultório ignorando a chuva torrencial que agora caia sem dar qualquer sinal de trégua. Ele nunca se atrasa. Pensou ela.
Meses antes de Albert ficar cego, Hélida o observava com certo interesse enquanto ele vagueava entre os corredores daquela clínica há espera do diagnóstico de sua mãe. Alto, corpo forte, e um belo par de olhos dispares, ele atraia olhares aonde quer que passasse. Algumas das enfermeiras diziam que era tudo muito demais.
— Ele me assusta às vezes... – disse a enfermeira mais jovem. – Ele nunca sorri.
— Será que é por que ele está com a mãe numa cama de hospital? – Disse a sua supervisora num tom seco.
— Bom, é que ele... Não sei. Sua personalidade, ele me parece um tanto rude.
— Hum... Rude...Meau - ronronou a outra enfermeira – Acho que estou apaixonada.
Havia, de fato, algo de perigoso nele. Desde então ela estava à espera de um momento certo de se pôr a prova daquele perigo. Ela havia se aproximado aos poucos, com muitos objetivos em mente, mas o mais importante: A cama de Albert.
Seus pensamentos errantes foram interrompidos quando enfim a porta é aberta por Albert completamente encharcado com os cabelos escuros grudados em sua testa. A enfermeira que o acompanhou até ali parecia que precisava de um banho da chuva fria também. Seu rosto estava afogueado e ela não parava de se abanar. Ela balbuciava Minha nossa... Minha nossa.
— Obrigada, Gabriela. Você pode ir agora. – Disse ela, dando-lhe um olhar firme quando a enfermeira parecia relutante em soltar seu braço.
Quando a enfermeira enfim se vai e fecha a porta, Albert sorri. – Ela era uma companhia agradável.
— Sim, claro, porque, com certeza, o fato de você estar molhado e ela babar em cima de você não tem nenhuma relação. Hélida diz erguendo uma sobrancelha.
Albert sorri ainda mais.
— Bom, você marcou essa consulta e estou curiosa para saber o que é. Você disse que estava bem quando me ligou... Estava com saudades? – Disse ela num tom de flerte.
Albert bufou, e disse:
— Minha visão está voltando.
✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴
Essa é melhor combinação inventada em anos... Heloise estava praticamente submersa na sua jacuzzi com uma taça de vinho tinto Hardy’s. Ela estava fechando os olhos, quase caindo em um sono preguiçoso, com o cheiro da sua loção para banho invadindo seus sentidos, quando sem perceber ela vê através de suas pálpebras um par de olhos, olhos dispares. Um castanho avermelhado e outro verde-mar, seguido por um nariz reto e lábios sensuais demais para pertencerem a um homem.
Hum... Sexy sem fazer força. A água entra um pouco no seu nariz quando ela quase se afoga ao constatar em quem ela estava chamando de sexy.
— Aquele porco. – murmura Louise no intervalo de suas tosses. – Lindo... Mas ainda sim um idiota.
Ela se senta mais aprumada na banheira recordando o que causou cena humilhante no Visão do Sol.
Louise estava de óculos escuros e com Alive da Sia tocando no último volume nos seus ouvidos quando entrou na recepção dois, responsável pelo atendimento do publico geral. Totalmente distraída com a música, sem querer deu de cara num peito duro.
Ela vagarosamente ergue os olhos e se vê imediatamente hipnotizada por aqueles incríveis olhos, meio castanho avermelhado e de um verde mar. Tirando os óculos escuros e os fones, finalmente seu cérebro parece se conectar com sua boca.
— Me desculpe... — disse num tom sussurrado. Ela ainda não havia entendido o porquê não tinha afastado seu corpo do dele.
— Aparentemente você pode enxergar, então olhe por onde anda, por favor. — A voz de Albert era monótona.
Aquela resposta rude e desnecessária fez com que seu corpo acordasse. Ela se afastou, dando três passos para trás.
— Nossa, eu pedi desculpas. Foi sem querer, alteza.
Ela pensou ter o ouvido murmurar: Essa voz... Ela tentou passar por ele, mas ele não se mexeu um milímetro se quer.
— Com licença.
— É você... Diga mais alguma coisa – A rigidez havia saído da sua voz dando lugar a um tom mais baixo, rouco, profundo. Fez seu corpo vibrar em atenção. Sua respiração saiu num suspiro.
— Dizer mais alguma coisa? – Louise não havia percebido mas seus pes inconscientemente a levaram para mais perto.
A respiração de Albert banhava seu rosto.
— Sim.
Então ela soltou a primeira coisa que lhe veio à cabeça
— Você é cego?
Albert se empertigou apertando o maxilar e repõe seus óculos escuros. Aparentemente ela havia quebrado a tensão escura e respirações ofegantes que estava acontecendo entre eles.
Depois dessa pergunta estúpida – ela admitia, foi uma pergunta estúpida — foi ladeira a baixo.
O constrangimento e a raiva fizeram seu sangue subir até o seu rosto. Dois sentimentos muito poderosos para serem contidos no corpo de Louise. Uma mistura sinistra que fazia com que seu pior lado viesse à tona.
Louise suspirou dentro de sua banheira. Por que ele me fez perder a compostura tão rápido? Não era como se ele fosse a primeira pessoa grossa e arrogante que ela tinha esbarrado na vida. Na profissão que Louise exercia era comum pessoas serem tratadas como algo sem importância, descartáveis caso suscetíveis a falhas. As pessoas recorriam facilmente à arrogância para se impor.
Inferno...
Sem chegar a nenhuma conclusão as suas próprias perguntas, ela resolve deixar o assunto de lado. Não era como se eu fosse ver o cara todos os dias. Pensou ela revirando os olhos.
Alcançando seu telefone próximo a banheira, ela verifica suas mensagens. Havia uma de Samanta.
“HEYY... Tá viva? Tenho algo pra vc.”
Louise responde.
“Espero que seja bom.”
Um bip indicando outra mensagem soa quase imediatamente.
“E é. Tenho um pedido anônimo de gravação endereçado a você.”
✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴
Hélida sabia que estava com os olhos do tamanho de pratos no seu rosto, mas ela não podia desfazer a expressão de surpresa.
— Como assim sua visão esta voltando?
— Como você espera que eu não saiba? Eu enxerguei – Disse ele no seu tom naturalmente rude.
— E o que você viu? E como você enxergou? – Perguntou Hélida ainda com um tom duvidoso.
Uma forma distinta... Alta, longilínea, e ao que parecia, um amaranto de cachos. Sem cores. Somente uma sombra. Mas foi suficientemente... Interessante. Albert hesitou por um instante.
Ela não precisava saber o que, ou melhor, quem exatamente ele viu. Soava particular, intimo demais para ser compartilhado numa sala estéril de um consultório médico com a sua doutora indiscreta. E ele ainda não havia tido tempo para degustar dessa imagem nos mínimos detalhes.
— O que eu vi não é relevante. O que importa é que de certa forma eu enxerguei. Era apenas um formato.... Havia uma luz forte no fundo, fez uma espécie de sombra.
— Entendi... - Diz ela com os olhos semicerrados – E o que você vê agora? Vê algo parecido com o que viu antes?
— Não. Foi momentâneo, durou uns dez minutos, depois voltou ao normal — disse ele num suspiro longo.
Os exatos dez minutos que havia passado com Louise. Estranho. Pensou ele. Essa possibilidade, da volta da minha visão antes parecia improvável. Por que agora? Por que com ela? Seus pensamentos voaram. Preciso testar essa teoria em breve. Ele bufou mentalmente. A mulher provavelmente me odeia agora.
Sem se dar conta ele estava sorrindo.
Hélida interrompeu seu discurso quando percebeu que refez a mesma pergunta, duas vezes, enquanto seu paciente estava totalmente absorto em seus pensamentos.
— Albert? Ela colocou a mão no seu braço.
Ele se afastou recompondo sua expressão facial de sempre. Sério e resoluto.
— Então, doutora? O que me diz? Isso será algo permanente? – Diz ele voltando aos negócios.
— Preciso de exames, testes.... Não posso afirmar nada Albert, pode ser que nunca mais volte a acontecer.
Albert pôs-se de pé.
— Marque todos os exames possíveis e impossíveis, Hélida. Eu preciso saber. Me acompanha? Diz ele oferecendo o braço esquerdo.
— Claro.
Depois de Albert entrar no táxi, ela volta a sua sala, tranca a porta e se põe a pensar.
Era cedo demais...
E se os exames de Albert dessem positivos para a regressão da cegueira? E se ela mentisse para conseguir o que queria?
— Não seria a primeira vez. — Diz ela com um pequeno sorriso no canto dos lábios.
✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴✴
Mais um capítulo. Desculpe qualquer erro. Muito obrigada por lerem. Votem e comentem. Adoro ouvir o que vocês tem a dizer
Bjsss😊😊
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro