c i n c o
— Mas que merda... Cinquenta Tons de Cinza? Sério?
— Foi o que pediram, Louise – Diz Liv, com o riso contido, ela lhe entrega um exemplar do livro. A expressão de Louise era impagável. Ela não diz nada e sai da recepção pisando duro e entra na sala sem bater.
Samanta ergue os olhos dos papéis em sua mesa por um segundo e diz zombeteira — Pode entrar Louise...
Louise larga o exemplar do livro em cima da mesa de Samanta com mais força que o necessário.
— Sério? — Ela indaga novamente.
Samanta olha a capa do livro e joga a cabeça para trás gargalhando.
— A culpa é sua que não quis ler o pedido, não deveria estar surpresa. Ela diz ainda rindo.
— Por que você não me disse?
— Para que? E perder a cara que você fez quando jogou o livro na minha mesa? Não, obrigada. – Samanta ri novamente — E não me diga que nunca leu nada do gênero porque não vou acreditar.
Louise estava indignada.
— Olha, ler é uma coisa, agora narrar cenas com plugues de bunda e acoites para alguém que não conheço...
— Quer dizer que se fosse conhecido sem problemas? – Provocou Samanta.
Louise arregalou os olhos.
— Eu... Não foi isso que eu quis dizer! Mas do que nunca, preciso saber quem pediu esse livro. — Louise se senta na frente de sua amiga com desanimo.
Samanta tinha uma suspeita, mas preferiu não comentar nada. Deixe as coisas seguirem seu curso, e ver até aonde isso vai. Bom, isso se eu estiver certa. Pensou ela.
— Para que? Olha, eu também estou curiosa, mas o que você vai fazer se descobrir?
— Não sei. – Enfiar minha cabeça na terra de vergonha, talvez? Louise suspirou pondo-se de pé, pegando o livro novamente
— Vou descer e começar logo isso. Quanto antes começa, mais cedo termina. Certo?
Samanta a observa e espera até Louise chegar à porta para dizer:
— Ah! Louise! A gravação... É da trilogia completa, tá?
Louise arregala os olhos, mas não diz nada e bate à porta com força. Ela desce as escadas com som das gargalhadas de Samanta as suas costas.
Quando ela está no último degrau um menininho de olhos azuis quase leitosos e cabelos loiros esbarra na sua perna.
Imediatamente um enorme sorriso brota nos lábios de Louise.
— Gabriel!
O menininho para dois degraus acima de onde estava Louise.
— Tia Lizze!?
— Eu!
— Tia Lizze!
E ele salta a frente para abraçar Louise.
Por sorte ela já estava acostumada a esses tipos de assalto de Gabriel, ela se apressa para pegar o menino no colo.
— Onde você estava indo, meu rapaz? Louise pergunta admirada com suas feições angelicais. Ele tateia com mãos quentinhas até achar seu rosto, com as palmas das mãos em suas bochechas, diz com um sorriso cheio de janelas:
— Na mamãe!
— Gabriel! – Uma garota, que não devia ter mais de 18 anos vestida com um uniforme de voluntária, vem apressada ao encontro deles. Ela parecia meio esbaforida. — Eu pisquei por um segundo e ele tinha sumido!
— Você me achou! – Diz Gabriel.
— Acho que tem alguém aqui que não sabia do que estava brincando. – Diz Louise erguendo uma sobrancelha.
O menino ri com prazer.
—Tia Lizze, quero ir no jardim.
— Mas você não queria ir na sua mãe? – Diz sorrindo já imaginando o motivo de ele querer ir ao jardim.
— Nãaaao... Quero ir no jardim, depois na mamãe.
— Pode deixar, eu o levo... – A menina ofereceu.
— Não! A tia Lizze leva, não é, tia?
— Menino interesseiro. Eu o levo.... Qual é o seu nome? – Louise diz se dirigindo a menina.
— Alexia.
— Eu o levo até lá, só tome cuidado com esse pequeno. Seus movimentos precisam ser friamente calculados com esse garoto, ele dá uma volta em qualquer um – Ela diz num tom leve de reprimenda.
Alexia fica vermelha – Desculpa.
— Está tudo bem. Leva esse livro para cabine de gravação seis, por favor? – Louise sorri em agradecimento para ela ao dar a volta por detrás das escadas e entrar num pequeno corredor que leva aos fundos do Visão do Sol. Assim que passam pela porta, Louise se abaixa e põe Gabriel no chão dizendo:
— Vá, e faça a sua mãe feliz.
O menino dá alguns passos hesitantes sentindo a grama com os pés descalços em seguida dá um grito de liberdade e sai em disparada correndo meio sem rumo até encontrar seu objetivo: uma parte sem grama onde só tem poças rasas de lama.
Assim que a lama mole se enterra em seus dedos dos pés ele se põe de joelhos e se atira como se estivesse em uma piscina.
Isso! Louise vibra internamente com um sorriso meio diabólico nos lábios.
O jardim era em formato circular com algumas flores espalhadas sem muita coerência no limite dos muros que cercavam o Visão do Sol. Samanta, muito cuidadosamente, havia feito com que esse jardim parecesse uma espécie de tigela rasa, com terra fofa nas laterais formando uma elevação para que Gabriel sentisse a inclinação da terra e corresse o quanto quisesse sem bater de frente com um muro.
O que não evitava, é claro, os arranhões ocasionais e os joelhos ralados.
Louise sempre admirou a forma como Samanta cria e instrui o filho. Não o criava para ser uma criança letárgica, o criava como uma criança comum. Que não possuía visão, mas que tinha duas pernas, dois braços, inteligência, vitalidade e uma capacidade para enxergar com as pontas dos dedos.
Uma missão da vida de Samanta era fazer com que as outras mães entendessem que crianças cegas precisam de estímulos, de encorajamento para aprender. Se não há coragem para soltar seus filhos e apresentar o mundo a elas não há aprendizado, não há infância para uma criança nessa condição. Por isso, Samanta não refreava os impulsos do filho. Que nesse exato momento parecia praticar nado costa na poça.
Isso vai ser ótimo.
Louise vai até Gabriel e diz – Acho que isso vai ser suficiente. Vamos Gabriel, vamos te levar até sua mãe.
O menino se põe de pé e ela o pega no colo. Acho que vale a pena perder esse tailleur novinho da Cacharel.... Pensou ela com pesar, quando descobriu que Gabriel tinha guardado um pouco de lama para mais tarde nas mãos e nos bolsos.
Louise sobe de volta as escadas e como de costume não bate antes de entrar, então ela escancara a porta dizendo com um enorme sorriso:
— Olha quem veio fazer uma visita!
Mas logo sua alegria se desfaz do seu rosto.
Você só pode estar de brincadeira!
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As ruas do centro estavam apinhadas de pessoas e as travessias mais estreitas pareciam pulsar com luzes natalinas já no início de novembro. Cada pedaço de concreto e asfalto estava ocupado por pés levando pessoas a qualquer lugar e carros indo para todas as direções. Era difícil se manter em linha reta sem esbarrar em alguém.
E era exatamente por isso que ela esperava.
Ela não sentia que era boa para esse tipo de trabalho. Para ela essa era pior parte. Exigia rapidez, naturalidade e se fosse possível, e se não fosse pedir muito, um par de olhos nas costas. Mas não importava. Tudo que precisava era do dinheiro que isso iria lhe trazer. Não era necessário saber o conteúdo do envelope.
O que era necessário era pegar o envelope e continuar andando.
Pegar o envelope e continuar andando.
Pegar o envelope e continuar andando.
Pegar o envelope e continuar andando. Ela repetia para si mesma.
Com sua estatura baixa de 1,57 e de aparência comum (pele clara, olhos castanhos e cabelos castanhos) a multidão a engolia facilmente. Os trajes eram simples: calça jeans, camiseta vermelha e um casaco de moletom grande demais para se proteger de um dia atipicamente frio no final da primavera, ela naturalmente se misturava a multidão, era perfeito, quase perfeito, se não fosse por suas mãos suadas.
Continuava a olhar as vitrines com um interesse fingido, até entrar num Café que por fora parecia com Starbucks, e saído rapidamente sem comprar nada. E esse era o sinal.
Um homem alto, com um boné tão baixo que chegava a cobrir olhos, que estava encostado num poste observando o movimento, deixa seu posto enquanto a segue com os olhos e começa a caminhar na sua direção. Esbarra na lateral esquerda do seu corpo com força o suficiente para fazê-la dar dois passos para trás. Ela se vira e xinga para as costas do homem, um sinal de que a encomenda está segura. Ele não se vira ou diz qualquer coisa.
Ela retoma seus passos. Tem o envelope nas mãos e o guarda dentro do casaco.
Eu consegui.
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— Pai?
Muitos acham um cemitério um lugar sombrio onde tudo de fato termina. Onde toda esperança dá seu último suspiro e só resta um vazio, um vento frio que arrepia a pele de tempos em tempos. Mas para Clarissa, era o último lugar onde tinha posto os olhos na mãe e no filho. E era o primeiro lugar que ia quando a saudade se tornava insuportável. Então, a desolação do cemitério de São Tomé era suportável, e até certo ponto, bem-vinda.
— Clary... Minha filha, está tudo bem? Sua voz parece um pouco tremula. – A voz do pai permitiu que ela respirasse com um pouco mais de tranquilidade. Seu pai era o segundo lugar para qual buscava refúgio mesmo que fosse só por telefone.
— Eu.... Estou bem. Só liguei para ouvir sua voz. Como estão as coisas no frio de Genebra?
— Congelante até os neurônios. Eu nem sei mais em que estação estamos. Faz frio O. Tempo. Todo.
Clarissa deu um sorriso que não chegava aos olhos. Seu pai era um médico pediatra voluntário para os Médicos Sem Fronteiras e estava agora na sede da MSF para discutir uma possibilidade de voltar para casa e passar uns dias com os filhos. Há quase um ano não os via. Thomas fazia isso desde que Alicia os tinha deixado. A dor era demais para ele, então ele precisava se manter em movimento, útil, para que a perda não o consumisse.
— Posso imaginar... Hum... Pai, eu consegui alguns dos pertences da mamãe de volta.
— Você voltou a falar com seu irmão?
— Claro que não! – Seu tom foi ríspido.
— Ah… — Thom lamentava profundamente a separação deles. Clarissa idolatrava o irmão mais velho quando criança. Porém, jamais havia forçado uma reconciliação, ele entendia muito bem suas razões para cortar laços com ele.
— Bom, e o que tem aí com você? Ele retomou a conversa depois de uns momentos em silêncio.
— Não sei muito bem... Ainda não olhei direito, espera. — Ela se inclina e traz a caixa de papelão mais perto do corpo, abre, respira fundo e remexe no conteúdo e começa a listar os itens para o pai. – Um lenço de seda. Um urso de pelúcia… — Ela sente um nó amarrando a sua voz – Ah... Um abajur em miniatura que dei a ela de aniversario...Ah... Papai. Sinto tanto sua falta, sinto tanto a falta da mamãe. E Simon… Deus, nem posso mencioná-lo. — Os soluços de Clarissa cortavam o coração de Thomas.
— Meu docinho, eu sei, também sinto falta deles. Mas você precisa tentar ser forte. Você sabe que desde que Albert se afastou da família, você é o espelho de Ana, Rafael e Sofia, principalmente Sofia ela só tem treze anos.
— Por que você não volta? Você tem que me ajudar, sabe que não posso cumprir com o papel que você deveria desempenhar. – Ela deixou escapar um pouco de mágoa na sua voz.
— Desde que sua mãe... Morreu eu não… — ele suspira — Um espelho partido não reflete nada de bom, Clary. Mas estou melhor agora e prometo que eu volto. Volto para vocês ainda esse mês. – Ele disse resoluto.
Muitas coisas haviam mudado nos últimos anos. Mas se havia algo de imutável era a palavra de Thomas Richard, se ele prometia algo ele cumpria. Nisso, ela sentiu um peso enorme sair dos seus ombros e pode respirar um pouco mais aliviada.
— Obrigada.
— Não precisa agradecer, sou o seu pai. — Uma pausa — O que mais tem na caixa? — Ele indaga, a curiosidade despontava em sua voz.
Ela continua remexendo na caixa, e diz mais alguns itens até que algo prende sua atenção. Um caderninho com capa dura de couro, fechado com um cadeado. Ela descreve o objeto para o pai, que fica em silêncio por alguns segundos.
— Pai?
— Estou aqui. Ele diz em meio a um pigarro.
— Sabe o que é isso?
— Ah! Deve ser um caderno de receitas, sabe como sua mãe era meio obcecada com as receitas dela, matinha tudo como se fosse segredo de estado. – Ele diz, com um tom de voz despreocupadamente forçado.
Clarissa estreita os olhos a respeito do tom de voz do pai, mas logo abandona o assunto. Acabamos de falar da morte da mamãe e estamos revirando seus pertences era de se esperar que a sua voz estivesse uma das mais felizes.
— Eu me lembro disso. Mamãe era meio louca com suas receitas. – Um sorriso mais verdadeiro brotou em seus lábios com as lembranças.
— E não se esqueça dos abajures! – Thomas disse mais relaxado.
O sorriso de Clarissa esmoreceu um pouco quando se lembrou do abajur azul que quebrara enquanto tentava recuperar aqueles pertences. Ela se arrependia daquilo, mas foi um preço pequeno a se pagar para ter de volta sobre o que tinha direito. Não disse nada ao pai ou aos irmãos sobre o encontro deles. Algumas coisas simplesmente não precisavam ser mencionadas. Pensou ela enquanto observava o túmulo da mãe e de seu filho.
— Preciso ir, docinho. Tenho uma reunião com o chefe da junta hospitalar de onde estou registrado na África.
— Tudo bem, também tenho que ir. Amo você, pai.
— Também te amo, querida.
Thomas deliga e encara o céu cinzento de Genebra.
É melhor eu voltar para casa. Rápido. Ele agora só não sabia mais qual era a motivação mais forte para o seu regresso.
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Olá, meu amores.! Espero que estejam gostando da história, mas além da leitura de vocês adoro as mensagens, então vamos interagir! Mandem mensagens, quantas quiserem!
Obrigada por tudo❤
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