Capítulo 6
Nada na vida de Stella Brown aconteceu da forma fácil. Desde muito cedodescobriu que, se quisesse algo, teria de ir à luta. Ele apareceu em sua vida quando tinhaacabado de completar 17 anos. Ela surgiu em seus braços poucos meses depois de tercompletado 18. Com Olívia pequena em seus braços, Stella teve que procurar um larlonge dos avós que as rejeitaram. Patrick Brown estava assustado, era também muitojovem para carregar aquela responsabilidade, mas a amava. E passaria a amar o pequenobebê loirinho choroso também.
Virou-se como pôde. Fez o que era certo. Alianças foram trocadas. Primeiro umapartamento pequeno, depois uma casa. Três anos depois, uma casa maior com umquintal. Um balanço seria instalado lá. Um tombo aconteceria. Balanço removido. Umacasinha de ferramentas fora colocada no lugar. Eletrodomésticos chegavam quebrados esaíam funcionando. A casa, antes um lar com cortinas rendadas, se tornaria umdepósito. A campainha não parava dia e noite. Porém, às noites ele não estava lá.
A esposa sabia onde encontrá-lo. Teve de trazê-lo inúmeras vezes arrastado.Gritos. Desaforos. Encontrões. Choro. Desculpas. Abraços. Beijos. E então o ciclo serepetia e a garotinha crescia no meio de tudo isso. Mas ela não recebia dele as asperezasda vida, recebia apenas o adocicado paterno. E então não recebeu nada mais. Ele se foi enunca mais voltou. Nem se despediu. Levaria anos para a garota aceitar aqueleabandono. Ela aceitou e não o espera mais.
A mãe muito jovem fez o que pôde durante todo esse tempo. Os estudos tiveramque ser adiados. Procurou alternativas. Um dos empregos que teve lhe abriu os olhos e acuriosidade. Descobriu que tinha um dom nato. Apertou os cintos da casa. Fez o curso.Levaria um bom tempo, ainda estava com ele quando abriu seu primeiro salão, por issoainda o sobrenome dele na fachada. Apenas lá. Nos documentos oficiais não constavamais.
Nada na vida de Stella Brown aconteceu da forma mais fácil e, sabendo disso,Olívia desejou mudar o seu destino. Ela nunca deu uma resposta satisfatória parajustificar ter se tornado uma acompanhante de luxo. Dentro dela sabia que o queaconteceu com a mãe era um dos motivos. Queria ter as coisas de forma fácil. Tambémerrou. Podia parecer, mas não era fácil. E agora ela tinha que conviver com cicatrizes.
— Você sabe o que penso sobre esse homem.
Stella levantou da mesa em que acabara de tomar o seu café da manhã ecaminhou em direção à sala de estar. Olívia bateu em sua porta, trazendo consigo dessavez malas em demasia. Um olhar constrangido. E dúvidas.
A primeira reação da mãe é a de dar abrigo. Acolher a única filha nos seusbraços. Ninar em seu colo. Afagar seus cabelos e dar doces beijos pela face. A segundareação é alimentar a prole. Corrida até ao supermercado. Ingredientes certos. Pratofavorito na mesa. Causos são contados, com muito entusiasmo pela mãe tentandodisfarçar a curiosidade e não afugentar seu rebento. Fome saciada. Terceira ação,acomodar e deixar a razão do seu viver descansar. Uma noite angustiada lhe esperava.De certa forma, para ambas. E então o inevitável tinha de acontecer. O quarto e últimopasso: a conversa.
— Nem o conhece, não entendo por que não gosta dele.
— Claro que entende! — Stella levantaria a voz pela primeira vez naquelamanhã. — Um homem que procura por sexo pago não merece respeito.
— Tem homens que procuram por sexo estando em relacionamentos e nãopagam por isso. Encaro esses como?
— Esses também não merecem respeito. E não mude o foco da nossa conversa.
— Mãe, é isso, vim aqui lhe informar da minha decisão... — Olívia também selevantou, porém permaneceu no mesmo lugar.
— Exatamente isso: informar! Nunca me deu ouvidos, não seria agora que daria.
— Interessante essa sua atitude agora, quando eu era jovem não fez tantoescândalo.
— Você era jovem, tinha uma vida inteira pela frente para fazer burradas e poderse levantar. E a vida te deu essa possibilidade de mãos beijadas, algo que nuncaaconteceu comigo. Olhe para essas mãos! — Stella lhe estendeu as mãos calejadas deanos de trabalho árduo. — Isso aqui é o que a vida me deu, agora olhe a sua e compare!— Stella andava de um lado para o outro na sua pequena sala de estar, avançando emdireção à cozinha e logo retornando para perto da filha. — Filha, você tinha tudo! Umestabelecimento lindo, que te daria uma vida tranquila ao lado de um homem quemorreria por ti, e o que você quer fazer é loucura! Olhe-se no espelho, não é mais umagarotinha. Está ficando velha e a vida a partir de agora não irá mais sorrir como antes.
— Não se preocupe com isso...
— Como não me preocupar? — Novamente elevou o seu tom de voz. — Vocêdeu o seu bar! Está completamente fora de si! Deus! Como eu errei com você! Isso tudoé culpa minha, não devia ter te deixado cometer aquela loucura. Deveria eu ter te dadouma surra e te arrastado de volta. Era isso que eu devia ter feito.
— Não fez! Porque você sabe que não é assim que as coisas funcionam.
— Essa certeza que tens me irrita, sabia?
— Não fique assim. Ele vai me aceitar de volta.
— Para uma trepada, com certeza.
Stella ironizava. Não acreditava na possibilidade daquele homem,principalmente com a posição que tinha, levar a sua filha a sério. Ela conhecia homensassim. Sabia como eles agiam. Várias clientes de seu salão eram vítimas deles. Algumasestavam do mesmo lado de sua filha, porém a grande maioria ficava do outro.Cabeleireiras muitas vezes funcionavam como terapeutas dessas mulheres frustradas eenganadas por esses homens. Ali no salão elas confidenciavam o que fingia não saber.Stella, de certa forma, direta e indiretamente ajudava no levantar de suas estimas. Porémelas deixavam suas bagagens para trás, e nem todas acabavam sendo descartadas no lixono final do dia.
— Não apenas para isso.
— Bom, foi isso que aconteceu da última vez que se viram, não foi? Ele veioaqui. Te tirou do seu lar. Pagou uns drinks chiques, te levou para uma suíte cincoestrelas, te comeu e foi embora.
— Ele disse que me amava.
— E você, tola, acreditou.
— Não, mãe, eu sei que ele me ama.
— Sabe? Seu pai também me amava. Ele me dizia isso quando acordava antesde se sentar à mesa para tomar o café da manhã. E depois, lá pelo final da tarde, todoaquele amor matutino tinha se esvaído como fumaça.
— E mesmo assim você ficou com ele.
— Fiquei, Olívia, e teria ficado a vida inteira porque quando ele estava comvocê, era o homem por quem me apaixonei. Você deixava na superfície o melhor queele tinha a oferecer.
Os olhos de Stella nesse momento se encheram de lágrimas. Certas lembrançasdo passado tinham esse efeito sobre ela. O homem tão loiro quanto a filha acordavacheio de energia. Passava primeiro pelo quarto de sua princesa e lhe dava vários beijosna bochecha, a despertando de forma amorosa nesse ato. Olívia sentiria muita falta dissopor anos, de certa forma ainda sente. Então descia correndo a escada do sobrado e láencontrava a esposa fazendo seus ovos mexidos.
Todos os dias desde que se casaram, Stella lhe preparava ovos mexidos. Patricka enlaçava por trás. Acomodava seu rosto nos ombros dela. Fechava os olhos einspirava aquele cheiro de família. Roçava o nariz em seu pescoço e dizia que lheamava. Stella sorria feliz. Então a voz da pequena garotinha lhes tirava daquelemomento homem e mulher e voltavam a ser pais. Tomavam o café todos juntos. Olíviapartia para a escola e Stella para o salão de beleza. Patrick ficava em casa, na oficinaimprovisada na garagem.
Então eles apareciam lá pelo meio da tarde. Não era todos os dias, mas era maisdo que o permitido para um homem que precisava manter um lar unido. Quando elevoltava, Stella dava graças pela filha já estar dormindo e não presenciar o pai em umestado lastimável, isso quando a própria Stella não tinha que lhe buscar arrastado. Stellamuitas vezes pensou em deixá-lo. Mudava de ideia toda vez que os via juntos.Abraçados, correndo, gritando, divertindo-se no quintal. Apesar de todos os erros quePatrick cometia, com Olívia se transformava naquilo que Stella sempre desejou e assimficou, até que ele, por iniciativa própria, por perceber que nunca seria o homem queaquele lar merecia, foi e nunca mais voltou.
— Não foi o suficiente. Ele foi embora de toda forma.
— Ele foi para não te fazer mal. A bebida já o dominava naquele estágio...
— Não quero saber dele.
— Ele ainda está vivo.
— Já disse que não quero saber nada dele, e nem você deveria.
Olívia não permitiria que ela prosseguisse. Insistia em dizer que estava tudobem, que havia superado a sua ausência, porém lá no fundo sentia a sua falta. Desejavaencontrá-lo. Tentou escondida algumas vezes. Vasculhou informações nas coisas damãe. Andou de bar em bar. Nada. Ele não queria ser encontrado, pelo menos não porela. Certa vez, muitos anos depois, já como uma acompanhante e com a fantasia de suapersonagem, se cruzariam em Chicago. Se ela não estivesse com aqueles óculos escurose a peruca castanha, talvez ele tivesse reconhecido a filha. Olívia jamais conseguiria. Ohomem que a embalou quando criança já não estava mais naquele corpo. Um corpoagora esquálido, envelhecido, já sem os cabelos e os dentes. Patrick Brown tinha setornado uma dessas pessoas que são andarilhas e a sociedade trata como invisíveis.
— É, no fundo somos duas tolas. Apaixonadas por homens que não valem nada.
— Sr. White não é como ele.
— Espero do fundo do meu coração que ele não seja. Quando parte?
— Depois de amanhã.
— Então vamos cuidar desses cabelos. Já que não vai mudar de ideia, não voudeixá-la ir dessa forma.
— Obrigada, mãe.
— Não me agradeça, Olívia. Apenas crie juízo.Se o juízo que Stella esperava da filha fosse abortar essa missão, ele nunca viria.Olívia estava decidida a embarcar naquele avião. Voltar para os braços seguros deOrange estava totalmente fora de cogitação até mesmo se Henry não a quisesse. Aindanão sabia como iria se virar se não desse em nada. Apenas sabia que, mesmo com oolhar reprovador, as portas do lar de sua mãe sempre lhe estariam abertas. De todaforma tinha um porto seguro para onde retornar.
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