REENCONTROS TURBULENTOS
Ao entrar na nave Joan parou um passo após a porta, seus olhos percorrendo o mar de adolescentes ansiosos.
Buscava por Clarke dentre os já acomodados, preparando-se para lutar a unhas e dentes se fosse necessário, não iria a lugar algum sem saber onde e como sua amiga estava. Bastou, porém, alguns segundos de atenção para encontrá-la.
Estava ainda desacordada entre duas cadeiras vazias no canto esquerdo da nave, mantinha-se sentada apenas com a ajuda do cinto de segurança, sua cabeça pendendo para frente, deixando com que seus cabelos loiros cobrissem todo seu rosto.
"Clarke resistiu a vir" Ela logo entendeu.
Sua amiga não devia saber para onde estavam indo, ou se sabia, não tinha ciência da tese de Amanda. Para ela os guardas estavam, de um jeito ou de outro, a levando para a morte, e Clarke sempre foi muito esperta e valente, não iria a lugar algum de boa vontade.
Ela lutou e por isso a doparam.
Aliviada por encontrar Clarke, Joan se deixou conduzir pelo caminho luminoso no chão da nave, andando sem pressa pelo corredor de poltronas vermelhas, atenta a cada detalhe. O lugar era escuro, cinza e gelado, uma extensão fiel da arca: fria e sem vida.
A única chama de alegria vinha através dos adolescentes, eles tagarelavam em murmúrios altos, felizes por ao menos serem libertados de suas celas. O som de gente acalmava um pouco o peito nervoso de Joan, mas sua mente mantinha um ritimo agitado, apenas um ponto se manifestando várias e várias vezes: quais informações eles tinham para estarem assim tão calmos? Clarke certamente havia perdido alguma coisa, ou talvez soubesse mais do que todos...
Ao se sentar em uma das poltronas de couro ao seu lado, Joan resistiu a vontade de beliscar Clarke. Queria respostas. Fazia um ano que havia sido retida, e até então ela não sabia o porquê.
— Joan. — Wells teve de se abaixar para não bater a cabeça no batente da porta, nem ao menos parecia se preocupar com os olhares aversos que atraiu com o ato.
Não o miravam apenas por chamá-la em alto e bom tom, mas sim por ser Wells Jaha, o filho do chanceler, o mais próximo daquele que os colocou numa cela.
Com muita cautela, sem querer chamar atenção, Joan levantou o braço onde estava. Wells a encontrou em um suspiro duro e, com o olhar sustento nos seus, ele se aproximou em passos rápidos, ignorando os burburos maldosos dos adolescentes no caminho.
Quanto mais avançava, mais o sorriso de Joan crescia. Os três estavam, finalmente, juntos novamente.
— O que você está fazendo aqui? — Subitamente seu rosto estava a centímetros dos de Joan, os braços do rapaz demonstrando sua força nas beiradas de sua cadeira.
Seu sorriso desapareceu e a confusão tomou lugar em seu rosto, logo seguida da raiva. Joan riu irônica e amargamente. Se fosse para alguém ficar brava deveria ser ela.
— Eu começaria com um "olá", "ainda bem que está aqui", "queria poder ter te avisado sobre a nave que desceria para a terra". — Joan cuspiu as palavras, seus olhos conectados aos dele. Ambos alterados pela situação.
Wells, respirou fundo, dando um passo para trás e recuando sem saber o que deveria fazer, Joan logo captou o pânico expresso em seus movimentos. O conhecia muito bem, o suficiente para saber que algo estava errado.
— Wells? — Chamou, sua voz suave no ar tenso. — O que foi?
— Nós vamos morrer aqui Joan. — Ele soltou em um só fôlego, o peso de seus palavras pairando entre os dois. — Por que você tinha que vir?
O complemento veio quase como um sopro, era praticamente inaudível, mas Joan captou cada palavra como se fosse um canto alto e profundo, apenas abafado por suas próprias preocupações.
— Se vamos morrer, por que você veio? — Ela o lançou um olhar incisivo e os lábios do rapaz ameaçaram deixar as palavras escaparem, mas ele as impediu. Não podia contar a verdade.
O silêncio pairou entre os dois.
Em meio aos murmúrios dos detentos a sua volta, Joan concluiu que Wells não sabia da teoria de Amanda, ou resolveu não acreditar em tal. Desde pequenos ele sempre foi aquela criança que questionava tudo, em principal os conhecimentos de sua mãe.
Clarke, Wells e Joan costumavam passar o dia juntos lendo o livro de sobrevivência de Amanda.
Clarke copiava os desenhos das plantas em folhas avulsas, ou, quando se acabavam as chapas de silicone, ela se contentava em traçar com carvão o chão do bunker.
Joan buscava colocar em prática tudo que aprendia, adorava se esgueirar pelo setor de agricultura e roubar algumas pétalas e folhas para queimá-las, esmagá-las, cortá-las... fazer todo o tipo de experimento que sua mãe descrevia, fossem remédios, venenos ou comida.
Wells, por outro lado, possuía todo o conhecimento em suas mãos e não o utilizava. Era ele quem lia as palavras em voz alta para as duas, questionando tudo que, para ele, não fazia sentido.
"Mas essa planta consegue crescer no deserto? Como ela consegue água?"; "Como esse animal come carne se ele não tem dentes?"; "Como sua mãe sabe o ângulo e força exatos para se jogar uma faca num porco?".
Com o tempo, é claro, ele ficava mais inteligente e suas perguntas tornavam-se cada vez mais complexas para serem respondidas, assim enchendo a paciência de Joan, que naquela altura, já não tinha dúvidas quanto a descrença de Wells em Amanda.
Se fosse o caso dessa vez, por que voaria diretamente à encontro do que acreditava ser sua morte? Que segredo escondiam dela dessa vez?
Por outro lado, Wells supunha entender Joan. Ele a conhecia tão bem, não considerava difícil decifrá-la. Foi criada debaixo da sombra do desejo de sua mãe, uma mulher teimosa e inconsequente, exatamente o que Joan cresceu para se tornar.
Marcus restringindo-a de sentimentos e lembranças de Amanda só a fazia querer mais proximidade com tal. Ela não entendia que ele fazia isso para lhe proteger, para que não acabasse em situações como a que está agora. Joan ouviu que prisioneiros seriam mandados para a terra, assim como ele escutou, e não se preocupou com a letalidade de tal experimento, antes de fazer a primeira besteira que viesse a sua mente.
Joan realmente estava disposta a morrer para completar o sonho de sua mãe...
— E seu pai? — Ele quase não conseguia olhá-la nos olhos de tão enfurecido e, em partes, decepcionado. — Como acha que ele vai lidar quando você morrer com o mesmo destino que ele te salvou 17 anos atrás, Joan? — A garota engoliu seco. Não era uma verdade. E ela precisava se lembrar disso para vencer o tom convicto de Wells.
— Ele não acha que vamos morrer.
— Ele espera que não morramos, você quer dizer. — Desdenhou Wells, incrédulo.
Os gritos de seu pai ecoaram em sua mente, ele suplicava para que ela não fosse embora naquela noite, a noite que esfaqueou Abby.
— Não. Wells, escuta, minha mãe... — Joan tentou explicar, respirando fundo para manter a calma.
— Sua mãe tentou te matar com ela no dia que nasceu. Seja lá o que ela tenha a ver com isso, ela não é confiável Joan. — Esbravejou Wells como um trovão.
Ela não pode acreditar no que ouvira. Seu peito pesou de dor com cada palavra dita por Wells, o choque transformou-se em desprezo rapidamente, e logo um sentimento espesso tomou conta dela, fluindo por suas veias e efervescendo sua pele pálida. Era possível ver a chama ardente fulminar de seus olhos.
— Sente-se Wells. — Joan ordenou em um rosnado raso. Impedindo as lágrimas de ódio de escorrerem. — Sente-se e cale a merda da boca.
Ele recuou um passo, mas não foi para o seu assento. Ele não tinha ideia do que dizer, não estava pensando.
— Joan, me... — Wells foi interrompido bruscamente. A voz potente de um guarda na porta, gritava para que se sentasse, pois estavam prestes a decolar.
Wells alternou o olhar entre o guarda na entrada, a sua cadeira e a expressão fria no rosto de Joan. Ele tinha de desculpar-se.
Mas ele não teve escolha. Um outro homem uniformizado entrou na nave com passos rápidos e pesados. Seus cabelos castanhos grudavam em sua testa suada, estava claramente com pressa.
— Sente-se. Agora. — Evitando o olhar nos olhos, o guarda agarrou o braço de Wells severamente. Toda a autoridade que alcançava com sua voz áspera e cheia estava presente em seu tom.
Wells se desvencilhou com um puxão antes de obedecer a suas ordens e, em meio a isso, o militar da entrada selou a porta maciça por onde entraram, ressoando o barulho de metal por toda a nave.
Tal ato soou como um alerta na mente de Joan. Um guarda iria com eles para a terra? Isso não parecia estar certo. A arca não descartaria um prestador do serviço de segurança desta forma, não sem ter completa certeza de que ele sobreviveria, e Jaha não parecia tão confiante quanto às estatísticas na noite que ela foi presa.
Ela o observou atentamente, notando que ele era, definitivamente, muito novo para estar no escalão da guarda que indicava seu uniforme. Aparentava ter no máximo 24 anos, deveria ser um aprendiz ainda, não da patrulha.
Não perdeu nenhum passo do militar, assistindo-o andar por entre as fileiras de poltronas e sentar-se na cadeira vazia na ponta oposta da nave. Foi só quando ele afivelou o cinto que Joan aceitou que o rapaz não imploraria que abrissem as portas como supôs que faria.
A situação era muito suspeita para ela, mas os outros delinquentes não pareciam pensar o mesmo, ignoravam o fato, ocupados com outras coisas. Wells por exemplo, ainda estava muito preocupado por ter magoado Joan.
— Eu sinto muito, de verdade Joan. — O garoto inclinou o corpo para frente, tentando vê-la ao lado de Clarke.
— Se desculpe quando estivermos na terra. — Joan respondeu seca. — Vivos.
A nave escureceu, diminuindo sua iluminação já fraca pela metade, e em poucos minutos o zumbido natural de máquinas que os moradores da arca estavam acostumados passou a aumentar de volume em um tom agudo crescente. Joan mal acreditou quando toda a estrutura da espaçonave começou a vibrar, então balançar e depois sacudir violentamente. Pelos seus cálculos estariam atravessando a atmosfera em menos de cinco minutos.
Estava tão impressionada com o voo que se distraiu e não percebeu Clarke lentamente ganhando consciência ao seu lado.
— Bom dia. — A garota ouviu a voz conhecida soar ao seu lado. Não podia acreditar.
— Wells? Que merda você está fazendo aqui?
— Quando eu descobri que estavam enviando prisioneiros para o solo eu... — Wells engoliu seco, ainda nada feliz com a ideia. — Nós acabamos nos prendendo também. — Wells indicou Joan levemente com a cabeça, seu maxilar travado em desagrado. Clarke se mostrou sem reação, olhou para Joan, depois voltou seu olhar para frente, confusa. — Eu vim por você.
As palavras foram de maior surpresa para Joan do que para Clarke.
— Que porra Wells? — Joan pôs seu corpo para frente, atingindo o limite do cinto que atravessava seu peito. Estava claro por suas feições que estava incrivelmente irritada.
Ele recuou no banco, sem ao menos saber como se explicar sem contar-lhe toda a verdade. Clarke, no entanto, permanecia entre os dois, procurando entender toda a situação. Era muita coisa para assimilar em pouco tempo, a nave, a terra, Wells, Joan... Joan não parecia entender a culpa que Wells carregava sobre o que fez para ela. Joan... Joan não sabia?
— Você contou para o seu pai, mas não para Joan?! — Clarke lançou um olhar para Wells, seus dedos fundos nos braços de sua poltrona, furiosa. — Não aguentaria que ela o odiasse também, não é?
— O que ele não me contou? — Joan interviu, pondo sua mão sobre a de Clarke. — Clarke, o que eu não sei?
A boca de Clarke moveu-se para lhe esclarecer tudo, mas neste momento a estrutura da nave rangeu por inteira, os sons graves e metálicos vinham de todos os lados, subindo pelas entranhas de metal da grande máquina.
O topo fez um estalido grave e a nave então começou a sacudir fortemente para todas as direções, rangendo suas juntas em grunhidos agudos. Os gritos amedrontados ecoavam pelo o interior da estrutura de metal, assim propagando o pânico dentre os jovens que estavam certos de que iriam morrer.
Joan, porém, sabia que não tinham nada a temer. Ela sorria ao olhar em volta.
— A atmosfera... — Murmurou impressionada. — Estamos chegando...
"Prisioneiros da arca, me escutem por favor." a nave voltou a se estabilizar, agora vibrando levemente. O rosto de Jaha apareceu em um telão antes imperceptível na parede, e os gritos dos prisioneiros automaticamente converteram-se a vaias e xingamentos.
"Vocês receberam uma segunda chance. E como seu chanceler, espero que vocês vejam isso não apenas como uma segunda chance para vocês, mas para todos nós, no caso, para toda a humanidade."
"Sendo sincero, não temos ideia do que os espera lá embaixo, se as chances de sobrevivência fossem maiores teríamos enviado outros, mas... honestamente, seus crimes os tornaram descartáveis e por isso estão sendo enviados." Joan olhou prontamente para o jovem guarda do outro lado da nave, ainda mais desconfiada com sua presença.
Ele fitava seus próprios pés, deixando os cabelos escuros cobrirem seus olhos, assim ignorando o chanceler no monitor à sua frente. Não era nenhum militar, se fosse, mostraria respeito ao líder da Arca como foi treinado a fazer. Ele não passava de um impostor.
— Ai! — Joan soltou um grunhido de dor, sentindo sua cabeça latejar onde recebera uma pancada.
— Desculpe, princesa.
Levitando alguns palmos de sua cabeça, um garoto sorria de maneira quase sedutora, a infestando de desgosto. Finn Collins, o Spacewalker, nadava pelos ares, brincando com a gravidade zero.
— Olha só, seu pai me flutuou no final das contas, Wells — Finn disse ao filho do chanceler, com um sorriso brincalhão no rosto.
Joan demorou para notar que o efeito da falta de gravidade também se aplicava a ela, seu corpo não estava mais em contato com o encosto da cadeira, sendo mantida no lugar apenas pelo cinto em sua cintura. Era lindo ver seus cabelos ruivos dançando ao seu redor, entrelaçando-se com os fios loiros de Clarke.
A gravidade zero! Eles estavam muito próximos do solo.
— Você deveria voltar para seu lugar antes que o paraquedas abra. — Joan avisou Finn, perdendo um pouco da firmeza em sua voz para conseguir alcançar o pé do garoto no ar.
— Me solta. — Finn protestou, sacudindo sua perna e escapando de suas mãos.
Mais à frente de Finn, o monitor passou de Jaha para um tipo de mapa, uma planta talvez. Os traços lhe eram familiares e lhe tiraram a atenção do garoto por completo, aquelas paredes, os corredores... lembrava-se de todas as suas curvas.
"Mount Weather é uma base militar construída dentro de uma montanha. Foi estocado com comidas não perecíveis suficiente para sustentar 300 pessoas por mais de dois anos" explicou a voz de Jaha por cima da imagem. "É seu dever achar estes suplementos."
Mount Weather...
— Ei! Vocês dois! — Advertiu Clarke, virando seu torço para os fundos na nave onde mais dois rapazes se soltaram do banco, imitando Finn. — Sentem-se se querem...
O solavanco violento anunciou que os paraquedas se abriram, voltando não só com a gravidade, mas também com a inércia. Finn foi brutalmente arremessado contra o monitor da nave, caindo em um baque surdo no chão quente de metal. Ele virou seu corpo lenta e dolorosamente para cima, tentando pegar um pouco de ar para seus pulmões. Os outros rapazes bateram no fundo da nave em algum lugar que Clarke não conseguia ver, mas o som elétrico de seu impacto não lhe parecia um bom sinal.
— Todo mundo sentado! — Gritou Wells com sua voz firme.
— Você está bem Finn? — Clarke sustentou seu olhar no dele, que assentiu vagarosamente. Podia estar com dor, mas não parecia ferido.
Enquanto isso, Joan aguardou. Esperava qualquer som que indicasse que os retrofoguetes haviam iniciado sua função para aterrissagem, mas nada parecia diferente de quando os paraquedas se abriram.
A nave tremia em seus pés, balançando de um lado para o outro como se...
— Alguma coisa não está certa — Joan murmurou para Clarke, sem querer causar pânico aos outros a sua volta.
Griffin havia se dado conta que os retrofoguetes não estavam ativos, mas Joan entendia mais de pousos do que ela, e quando confirmou o que passava em sua cabeça ela não teve dúvidas alguma: Estavam a caminho da morte.
Joan estendeu a mão para a garota que considerava uma irmã, e ela retribuiu o gesto entrelaçando seus dedos com força, seus olhos vidrados no teto da nave, apenas aguardando o impacto que viria a seguir.
A sala de comando estava agitada, os funcionários da arca tentavam remotamente solucionar os diferentes problemas que se manifestaram na nave que enviaram à terra. A iluminação da sala estava predominantemente vermelha, não somente pelos alertas de falha nas telas dos computadores, mas pelo monitor de dois metros no centro do cômodo, onde o perfil dos 100 prisioneiros apontava que estes viviam um pico de adrenalina, seus corações acelerados e respirações desritmadas em puro desespero.
Marcus e Abby estavam juntos, lado a lado, acompanhando o telão. Aguardavam notícias do chefe de engenharia com seus corações abalados no peito. Marcus mantinha a postura dura, sem entregar nenhuma emoção, enquanto Abby roía a unha do seu polegar em nervosismo.
— Estávamos tão preocupados neles morrendo na terra, que esquecemos de nos preocupar deles morrendo no caminho até lá. — Kane comentou, apertando discretamente as próprias mãos atrás das costas.
— Eles não vão morrer Marcus. Tenha um pouco de fé... — Abby murmurou a última frase sem tirar os olhos do monitor um segundo.
— Eles não estariam nessa situação se eu não tivesse tido 'fé'. — Kane disse em amargor. Abby olhou para ele de lado, lendo entre seu tom de voz o que realmente queria dizer. Ele a culpava por tê-lo convencido de que essa era uma boa ideia.
— Você não teve fé, você teve fatos, eu mostrei as pesquisas e os testes que fiz em cima da teoria de Amanda, e juntos, nós votamos que mandá-los lá para baixo era nossa melhor alternativa. — Retrucou ela, cruzando os braços em frente ao seu peito, respirando fundo para acalmar-se. — Agora pare de ser grosseiro e reze para sua filha e todos os outros pousarem bem.
O chefe da engenharia parou ao lado dos dois em passos secos, estava apreensivo com toda a situação, sua coluna ereta e sua testa pingando suor, estava a um bom tempo indo de um lado para o outro colhendo informações e dando suporte para técnicos menos experientes.
Marcus e Abby cruzaram seus olhares em curta trégua quando o notaram ali, se aproximando do homem curiosos e preocupados com quais seriam as notícias.
— Perdemos a comunicação, o sistema de GPS, antenas... basicamente tudo que colocamos lá para ajudá-los se foi. — O homem leu em sua prancheta, antes de subir o olhar para os dois novamente. — E ainda um dos retrofoguetes está com problema, e até descobrirmos qual deles é, não tem como acioná-los. Estamos trabalhando nisso agora, mas precisamos fazer uma simulação com cada um dos quatro e estamos no segundo.
— O que isso significa? — Perguntou Abby sabendo que não eram notícias boas, mas não sem ter noção do quão ruim estava a situação.
— Significa que eles estão caindo. — Respondeu Kane, respirando fundo para não ficar agitado e transparecer seu complexo estado mental. Ele tinha de manter a calma.
— Não só estão caindo, como estão saindo do percurso, e sem GPS não conseguimos localizá-los para saber onde pousarão.
— Não me importa aonde, o importante no momento é que pousem. — Kane sustentou seus olhos desesperados no do chefe de engenharia, pondo sua mão no ombro dele. — Quanto tempo para acharmos o retrofoguete quebrado?
— Clarke. — Wells quebrou o silêncio que reinava entre os três amigos de infância, virando seu rosto com lágrimas correndo por seus olhos castanhos bruto. — Eu preciso te contar uma coisa... — Clarke manteve seu olhar para o teto, ignorando-o da melhor forma que podia, porém Wells não ligava se ela não o queria escutar, ele precisava a dizer isso. — Me desculpe por seu pai ser preso...
— Não ouse falar do meu pai. — Esbravejou Clarke, apertando a mão de Joan com mais força para reter sua raiva.
— Ele tem estado com essa mania. — Joan comentou azeda, elevando seu tom de voz para deixar claro que Wells deveria ouvir também, jogando suas mágoas ao ar enquanto ainda podia.
— Por favor, eu não posso morrer sabendo que vocês duas me odeiam.
O coração de Joan afundou no peito.
Então era por isso que ele estava ali? Wells estava disposto a morrer, pois acreditava que Clarke iria o odiando? Seja lá o motivo que distanciou os dois, Clarke não poderia odiar Wells, eram como família. Joan estava com raiva por tudo que ele disse na última hora e por guardar segredos dela, mas amava-o como um irmão, não seria capaz de algo assim, nunca.
— Nós não te odia...
— Não. — Clarke a cortou com sua voz rouca em raiva. Não estava de acordo com o que Joan ia dizer e não mentiria para Wells morrer sem culpa. — Você sabe que eles não prenderam meu pai, Wells, eles o executaram. A culpa da morte dele vive em você e eu te odeio sim por isso.
Clarke controlou firmemente sua respiração para que suas lágrimas não rolassem, focada em manter-se calma liberando seu ódio pelo laço formado entre as mãos dela e de Joan, ambas apertando os nós da mão em mesmo grau de emoção. Ela estava tão agradecida por estarem juntas nesse momento, ao mesmo tempo, tão decepcionada. Então esse era seu destino? Morrer em uma nave velha?
Ela nunca pensou que sua morte seria tão espalhafatosa... ou quente. A nave esquentou ainda mais durante a queda, fervendo as solas de seus sapatos e condensando o ar ao seu redor em uma massa abafada e cálida, seu corpo suava por inteiro, grudando sua pele ao tecido do banco. Era o inferno em uma lata de metal.
Quando pensava que não tinha mais chances de serem salvos, o estrondo grave, abafado e contínuo de pressão anunciou que os retrofoguetes foram finalmente acionados. Clarke fechou os olhos quase sem acreditar enquanto Wells relaxou no banco ao seu lado e Joan soltou um silvo risonho incrédulo e aliviado. Não estavam mais caindo, mas sim pousando.
O restante dos jovens na nave mal parecia entender o que recém tinha se passado, uns estavam pálidos, outros verdes, todos ainda apavorados. A grande colisão ocorreu depressa como um trovão, forte, instável e destrutivo. Aqueles presos pelo cinto de segurança foram arremessados para frente violentamente, seguros apenas pelas faixas em sua cintura e peitoral. Finn, por outro lado, foi jogado novamente contra a parede soltando um urro de dor. O som de metal dobrando e rompendo cobria qualquer grito.
Até parar e a nave ficar em completo silêncio.
Bastaram três segundos para que os adolescentes notassem que a nave não estava mais em movimento, que o zumbido de máquina funcionando minuiu até se esvair e o chão já não estava mais tão quente. Estavam, finalmente, no solo.
O grupo de jovens explodiu em alegria, se soltaram de seus assentos rapidamente e com gritos e comemorações eufóricas, abraçaram uns aos outros, fossem conhecidos ou não. Clarke e Joan não hesitaram em fazer o mesmo, soltaram seus cintos em perfeita e ágil sincronia e avançaram em um abraço repleto de saudades. Fazia pouco mais de um ano que não se viam, Joan não pode ao menos dizer que sentia muito pelo seu pai quando Clarke foi levada para a solitária. Ambas acreditavam que nunca mais se veriam, mas lá estavam, unidas novamente, seguras e em terra firme.
— Eu... — Clarke começou a falar, afastando-se um pouco de Joan para olhar em seus olhos.
Um grito, porém, interrompeu a todos.
No fundo na nave sangue se espalhava pelo chão em uma poça escura, os outros dois rapazes que soltaram seus cintos foram arremessados para cima na aterrissagem, caindo em cheio nos canos com extremidades afiadas que destruíram na primeira colisão, sendo empalados pelo metal quente.
O impacto das primeiras mortes afetou o andar inteiro, os delinquentes ficaram calados ao observar imagem tão devastadora. O peito de Joan batia mais forte e seu queixo tremia, mas não de pesar, de raiva. Ela tentou avisar.
— Viu o que você fez? — A garota encarou com desprezo o Spacewalker ainda no chão. Finn estava em choque, sem conseguir desviar o olhar dos corpos sem vida do outro lado da nave. — Esse poderia ter sido você.
Todos os delinquentes prestavam atenção neles agora, alternando o olhar entre Joan e Finn. Ninguém soltava um ruído sequer.
— E-Eu não imaginei. — A voz de Finn mal saia pela garganta, abafada pelo remorso. — Você pode muito bem dizer "eu te disse".
Mas Joan não quis dizer mais nada.
— Ok. Por mais que eu adore ficar aqui no cemitério, eu prefiro ver o que nos espera lá fora — O rapaz vestido de guarda quebrou o silêncio com sua voz áspera sarcástica, os passos que dava em direção a escotilha ecoando pelo andar.
O impostor abriu a porta no chão e começou a descer as escadas. Não estava nem três degraus abaixo quando outros delinquentes começaram a segui-lo e o murmúrios preencheram o andar, cada vez o tornando mais agitado.
As esferas verdes dos olhos Clarke conectaram-se com as âmbar de Joan em uma troca mútua de palavras que não tinham como serem ditas. As duas tinham muito a discutir e ainda mais a se explicar, mas julgavam mais promissor entender quais seriam seus próximos passos antes de qualquer coisa, prometendo, em um olhar, se encontrarem novamente mais tarde.
— Vai ver como está o Finn, ele pode estar machucado. — Disse à Clarke, se virando para o garoto que ainda estava sentado no chão. — Eu vou descer. — Griffin assentiu em um só movimento, confiando na amiga.
— Eu vou com você. — A voz de Wells veio das suas costas.
Joan estava pronta para ignorá-lo, mas as últimas palavras que saíram de sua boca antes dele ir em direção a multidão com as sobrancelhas arqueadas e mandíbula travada a preocupou até os ossos.
"Não podemos deixar que abram as portas"
Wells nunca foi o melhor em perceber situações de risco. Parecia não entender que apenas por ter Jaha como sobrenome ele era o maior inimigo daquelas pessoas. Ele não conseguiria impor nada a ninguém dali, só chamaria mais atenção para si.
— Wells! Espera! — Joan corria atrás do amigo, mas não conseguia alcançá-lo. Ele abria caminho entre as pessoas com muita facilidade, seu corpo largo e atarracado dava-lhe essa vantagem em tumultos. Ela foi em seu encalço até chegarem o andar de baixo, onde pôde segurar na manga da jaqueta dele. — Wells, calma.
Seus olhos se encontraram no momento que sua mão quente tocou o tecido frio. Estavam em pura desconexão, pareciam tão distantes, mesmo que tão próximos... isso era algo novo, e coisas novas não agradavam. O garoto puxou seu braço bruscamente em objeção e continuou seguindo seu caminho por entre o bando de delinquentes. Wells era um teimoso cabeça quente. Joan rolou os olhos antes de segui-lo novamente, esgueirando-se entre as pessoas até a frente da nave, onde o guarda impostor despojadamente esbanjava a área livre que conquistou com sua postura superior e seus músculos mais desenvolvidos, podia ainda ser um garoto, mas era o maior entre eles.
— Ow ow ow, fiquem aí vocês dois. — Ele demandou assim que seus olhos pousaram em Wells e Joan, parando-os apenas dois passos a frete dos outros delinquentes que formavam um semicírculo ao seu redor.
O rapaz de uniforme deslizou cuidadosamente seus olhos escuros pela forma da garota, e imitando seu ato ela fez o mesmo, analisando-o da cabeça aos pés, demorando segundos extras em sua cintura, onde percebeu a silhueta de uma arma em descanso.
— Você não pode simplesmente abrir a porta. — Wells alertou em um precipitado tom desafiador, fazendo o outro rir sarcasticamente. Foi sua risada fria, e não seu revólver, que fez Joan temer pela vida de seu estúpido amigo.
— Você está aqui por quê? — O impostor cruzou os braços, sorrindo pretensiosamente. — Quer virar o chanceler da terra? Buscar seu título de direito? — Ele riu quase que sadicamente dessa vez, guiando uma onda de risadas vindas dos vários delinquentes a sua volta. — Desculpe, não vai acontecer.
Em resposta ao prévio desafio de Wells, o 'guarda' deu passos torturantes até a alavanca grosseiramente presa na parede, agarrando-a com firmeza. Ele dirigiu seu olhar à Wells antes de sorrir, uma clara ameaça de seu próximo ato.
— Não! — Clarke gritou do fundo do primeiro andar. — O ar, ele pode ser tóxico. — Ela apressou seus passos, atravessando a multidão sem delicadezas para ficar entre Joan e Wells.
— Clarke... — Joan tentou explicar, agarrando seu braço antes que avançasse no rapaz armado.
— Você sabe disso tanto quanto eu! — Seus olhos cheios de pânico buscavam respostas na expressão calma da ruiva. Ela tinha confiado em Joan, achava que sabia o que estava fazendo, que impediria todos de abrir as portas até bolarem um plano. — Por que não está fazendo nada?
Joan se viu em meio a olhares confusos e assustados, uma sala cheia de adolescentes completamente silenciosa, todos prestando atenção nela pela segunda vez. Não era o queria, sabia que sendo a filha de Marcus Kane já chamava atenção o suficiente, mas não seria nada menos que justo colocar as cartas na mesa para que todos soubessem suas chances de sobrevivência.
— Minha mãe tinha essa teoria. — Voltou a tentar explicar, desta vez com mais convicção do que quando o fez com Wells. — Ela dizia que, por conta da radiação solar, quem nasceu na arca é mais resistente a radiação das bombas nucleares que destruíram a terra, do os homens fugiram da guerra. Ela acreditava que a terra já estava habitável para nós há 17 anos atrás, se não mais. — Clarke ficou sem respostas por um tempo, analisando sua teoria mentalmente, buscando algum furo do primeiro ao último ponto. Wells fazia o mesmo ao seu lado, junto percebendo que era isso que ela queria lhe dizer mais cedo, agora sem saber muita certeza se cabia-lhe opinar algo sobre.
— Faz... realmente, muito sentido... — Clarke forçou um sorriso. — Mas... –Joan entendeu o que viria a seguir, sua amiga tentava ao máximo aliviar o peso de sua descrença, mas não conseguia escondê-la.
— Mas é melhor não arriscar — Joan bufou, rolando os olhos ao completar a frase. Não podia acreditar. Wells sempre falhou com a fé, mas Clarke? Levantando uma de suas sobrancelhas, Joan aproximou-se mais da porta e, consequentemente, do impostor que havia mantido sua pose ao ouvir toda a discussão entre os filhos do conselho. — Se não sairmos daqui estamos mortos de qualquer jeito. — Ela deu de ombros e seus olhos cruzaram com os do falso guarda, que alargou seu sorriso, entendendo o que ela queria que fizesse.
— Então está decidido. — Ele sorriu para ela, descansando sua mão na alavanca novamente. — Pron...
— Bellamy? — Uma garota de cabelos castanhos escuros parou por um segundo ao descer a escada de metal.
O guarda ficou surpreso por um instante, antes de abrir um sorriso sincero. A garota avançou entre os adolescentes para abraçá-lo com força. Os adolescentes ao fundo consumindo o ambiente com burburinhos de especulações sobre os dois.
— Deuses como você está grande! — O impostor riu ao soltá-la e Joan quase simpatizou com o garoto ao notar que a abraçou com legítimo entusiasmo.
— Que droga é essa que você está vestindo? — A garota perguntou a ele em um olhar de desgosto. Puxando um pouco a jaqueta de guarda que usava
— Digamos que peguei emprestado para vir para cá. Alguém precisa manter o olho em você, não é? — Ele riu novamente, puxando-a para mais um abraço.
Joan, Clarke e Wells se entreolharam, sabiam que mentia. Não era possível conseguir um uniforme de segurança sem estar na guarda, o cômodo que os continha era o mais sigiloso de toda a arca, pois também era lá que guardavam todas as armas da base. Nem ao menos os faxineiros tinham acesso a sala.
Joan analisou o rapaz novamente dos pés à cabeça em busca de descobrir algo novo sobre sua história, só conseguindo constatar mais uma vez que era um impostor.
— Cadê sua pulseira? — Foi direta, impulsiva e ainda assim seca.
— Você se importa? Faz mais de um ano que não vejo meu irmão. — Alfinetou a garota, rolando seus olhos verdes.
Irmão?
A pergunta pareceu ecoar na mente de todos os adolescentes na nave. "Ninguém tem um irmão" disse um, "Essa é Octavia Blake, a garota que vivia debaixo do piso." Respondeu outro.
Octavia desviou sua atenção de Bellamy para os imbecis que cochichavam sobre seu passado. Não era fácil ser conhecida, marcada e condenada por apenas existir. Joan entendia isso.
— Ei, Octavia. Esqueça isso. — Bellamy segurou sua irmã, tentando atraí-la de volta a ele. — Vamos dá-los outra coisa para lembrarem de você.
— Como o que? — Ela rosnou raso, nada convencida.
— Como ser a primeira a pisar na terra em 100 anos.
Bellamy puxou a alavanca em completa surpresa, pegando todos despreparados. Não acompanhando a rapidez de seu ato a porta desceu lentamente, rangendo alto durante o processo, torturando os delinquentes, que continham o fôlego pelo o que os esperava do lado de fora.
A luz vinda de lá já era algo que eles nunca haviam visto antes, e assim que a rampa desceu por completo pode-se ver a paisagem e simplesmente não parecia real, era como se houvesse um portal entre o que eles estavam acostumados a viver e o que sempre quiseram.
Octavia deu alguns passos pouco confiantes em direção a porta e atravessou o portal, descendo a rampa de metal distraída com a grandeza verde ao seu redor, eram tantas árvores e plantas, tudo tão imenso, tão... infinito. Ela sempre viveu trancafiada, fosse debaixo do piso ou encerrada em uma cela. O infinito era de fato muito assustador para Octavia Blake.
Mas ela não queria mais aquela Octavia. Ela não estava mais na arca, não tinha por que se prender, não havia mais paredes delimitando seu ser. Ela estava livre.
Não pensou mais nem um segundo antes de pular com os dois pés na terra fofa e gritar com toda potência:
"ESTAMOS DE VOLTA VADIAS!"
NOTAS.: Peço mil perdões pelo capítulo GIGANTE. É que o próximo é quando a história realmente começa e não queria dividir esse capítulo em dois, pois adiaria ainda mais os momentos Belloan.
Quero lembrar que naaaao eu não vou seguir com 100% da estória da série, só alguns pedaços, mas esse início está realmente bem parecido porque tem toda a introdução dos personagens e do universo, então não tem muito por onde fugir. Maas eu sou um pouco mais sangrenta, da pra ver pelos dois empalados né?
Agradeço vocês que estão acompanhando :) Beijooos
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro