REBELDES SEM CAUSA
Os olhos castanhos de Raven passavam agilmente de uma saída de ar para outra ao andar ativamente pelos corredores cinzas da Arca, seu destino sendo o refeitório da ala médica, onde sabia que a conselheira e doutora, Abby Griffin, estaria.
Seguindo Raven em passos desordeiros no piso metálico, Tyler tinha dificuldades em acompanhar o ritmo das passadas da garota, seus olhos preocupados varrendo seu redor ao tentar alcançá-la.
— Raven — Ele a chamava. Não deveriam estar ali, perturbando pacientes e doutores por uma teoria idiota. — Vamos, você sabe que provavelmente não é nada.
— Eu só vou saber, quando perguntar. — Raven virou levemente o rosto para trás ao responder, encontrando os olhos castanhos claros do rapaz. A respiração de ambos alteradas a cada pisada larga que lhe tiravam um pouco de fôlego.
Os dois expressavam a mesma aflição em seus olhos energéticos, cada um com seu motivo pessoal e compreensivo. Enquanto Tyler se preocupava com os inconvenientes que gerariam por estarem ali, relembrando acontecimentos problemáticos de seu passado. A consciência de Raven não lhe permitia pensar em algo além da hipótese de estar certa, pois se existisse relação entre a nave Exodus lançada e a suposta quarentena da prisão como ela supunha... Raven estaria sozinha, mais uma vez.
Tyler grunhiu relutantemente, seus ombros magros caindo em derrota ao respirar fundo. Ele não suportava aquele olhar, a determinação e a busca por respostas expressos nas feições suplicantes de Raven remoíam em seu lado mais fraco. Já havia se deparado com situação parecida, e a falta de sua presença havia deixado tudo pior.
Ela precisaria de um apoio para quando recebesse a tão clamada explicação, e seria mais fácil persegui-la se parasse de reclamar.
— Obrigada. — A garota sorriu em um murmúrio, aliviada por não ter de gastar palavras para convencê-lo. Se Finn tivesse partido, Tyler era o mais próximo que tinha de um amigo.
Assentindo ao agradecimento sem muitas pretensões, Tyler avistou a médica que procuravam por cima dos ombros da garota, apertando o botão para chamar o elevador um pouco mais à frente dali. Com um sorriso satisfeito no rosto ele sinalizou para Raven que olhasse para a frente, e ela rapidamente o fez, seu maxilar tensionando ao encontrá-la ali.
Parecia mais real agora, quando via Abby com seus cabelos desgrenhados de uma noite mal dormida, amarrados em uma trança mal feita que caia sobre seu jaleco branco. Um sopro gelado subiu por suas entranhas em nervosismo, mas determinada a saber a verdade, ela apertou o passo até a mulher, praticamente deixando Tyler para trás no receio de perder para a velocidade do elevador.
— Com licença, Doutora Griffin! — A densa porta de metal se abria vagarosamente, quando a voz e os passos pesados chamaram sua atenção.
Com um rapaz vindo logo em seu encalço, a garota de cabelos castanhos e pele dourada parou a sua frente com o peito ofegante e a testa brilhando em suor. Claramente havia se apressado para chegar até ela.
— Eu tenho uma pergunta sobre a quarentena. — Disse então, molhando os lábios secos em meio a respiração alterada. Seus dedos involuntariamente brincavam com o pingente do colar pendurado no pescoço. — Fui visitar meu namorado, e vi os dutos de ar abertos. Se é um vírus, você não aconselharia a contenção do fluxo de ar?
— O vírus não é aéreo, por isso os dutos estão abertos. — Sua voz foi estável como o conectar de seus olhos, a mentira saindo por seus lábios impassíveis que formavam uma linha reta.
Os olhos instigantes de Raven correram sobre o rosto da doutora, buscando algum sinal de hesitação ou inquietação, porém Abby mantinha-se neutra e indiferente as palavras ditas. Seus anos no conselho haviam a feito uma ótima mentirosa, e nos últimos dias exercitava tal habilidade mais do que nunca. Ainda assim não se orgulhava, cada mentira que saia por seus lábios deixava para trás o gosto podre da culpa.
Mesmo sem poder ver, Raven sentia o cheiro da falsidade. A desculpa dada pela mulher a sua frente tinha sua lógica, porém não sanava sua inquietação. O borbulhar de pensamentos sufocando-a a ponto de ficar sem palavras, sua mente discutindo com sua intuição aos berros no topo de sua cabeça.
Confusa consigo mesma e com o que sentir, Raven lançou um olhar perdido para Ty, que a analisou cuidadosamente, vendo cada pedaço do furacão que passava em sua mente pela porta de seus olhos. Ele pousou gentil e confortavelmente sua mão na parte baixa das costas da garota, passando-lhe o apoio que necessitava antes dele se dirigir a Abby.
— Você pode ao menos nos dizer se ele está bem?
— Não. Sinto muito. — A doutora respondeu em mesmo tom monótono e frio de antes.
O seu jeito frígido, porém, não foi o que alarmou Raven, e sim a rapidez em que soltou suas palavras. Era como se fossem calculadas, pensadas antes de ditas.
— Não. Você não sente. — Era quase palpável a amargura condensada na voz de Raven. Seus olhos estreitos e seus lábios franzidos a julgavam dos pés à cabeça, sua audácia surpreendendo tanto Abby quando Tyler.
— Raven... — A voz do garoto tremeu em aviso, sua mão deslizando para o ombro da amiga estúpida ao seu lado, e seus olhos arregalados em pavor. Não queria comprar briga com alguém do conselho. — Ela não quis dizer isso. — Os lábios finos dele abriram em um sorriso falso e constrangido em direção à Abby. E desesperado para ir embora, Tyler apertou as pontas de seus dedos na pele macia e suada da garota.
— Não. — Raven se livrou do toque do rapaz bruscamente na mais crua indignação. Ela não se renderia para o conselho, não enquanto Finn sofria sob suas mãos. — Primeiro a nave, agora isso... O conselho está escondendo algo, e eu vou descobrir o que é.
Rompendo o contato visual tenso que estabeleceram, ela deu as costas à Abby, que ficou lá parada observando seus cabelos presos indo de um lado para o outro ao pisar firme no chão frio do corredor longo, sua figura diminuindo ao ir embora.
Abby quase riu, a atitude da garota que deveria ter quase a idade de sua filha, embebedando-a em nostalgia.
— Raven consegue ser um pouco intensa as vezes — Comentou o rapaz magro e bem ajeitado a sua frente, o sorriso torto em seu rosto em uma mistura de diversão e constrangimento.
— Ela é corajosa. — Abby corrigiu, apertando o botão do elevador novamente. — O melhor, mas o mais difícil tipo de garota para se lidar.
A doutora riu fraca e simpaticamente, passando a mão sábia sobre o braço fino de Tyler, antes de avançar para dentro do elevador vazio, lançando-o um olhar, no mínimo, engraçado, assim deixando-o completamente confuso e perturbado para trás.
As insinuações do toque e de suas palavras desconcertaram sua mente despreparada.
— Nós não... Eu não... — Ele tentou explicar em vão, completamente sozinho encarando a porta grossa e cinza agora fechada a sua frente. A imagem dos lábios de Raven tocando o seus, no entanto, o acompanhava mantendo-se bem nítida em sua mente fértil. — Não, só não. Ew.
Ao andar, os roedores mortos balançavam na cintura de Joan, amarrados pelos rabos em seu cinto de couro resistente. Todos os pequenos e médios animais possuíam um amassado certeiro em seus cérebros, atingidos a mão e pedras até a morte. Foram apanhados por armadilhas, e não pelo atirar de facas precisos Joan. Ela estava desarmada desde a noite anterior, a arma branca provavelmente nas mãos de quem lhe entregou em primeiro lugar, o impostor.
Injusto, se pudesse opinar. Bellamy já possuía uma pistola — apesar de aparentemente não conseguir usá-la.
Octavia contou-lhe tudo enquanto montavam e procuravam armadilhas na floresta. Seu irmão mirava em Murphy enquanto ele arrastava Joan pelos cabelos em direção a fogueira, mas Bellamy não puxou o gatilho, deixando-a sofrer nas mãos brutais daquele psicopata, e isso indignava sua irmã mais nova.
"Não é o Bell que eu conheço, J. Ele era gentil, do bem." Disse Octavia.
Aquilo atormentava Joan, pois uma parte dela não conseguia imaginar o impostor como algo além do babaca estúpido e egoísta que hoje via, enquanto outra parte se lembrava do olhar que trocaram algumas horas mais cedo, onde a bondade transparecia nos seus olhos castanhos cativantes.
O impostor poderia ser um impostor de impostor? Se isso lá fazia sentido.
Joan barrou seus pensamentos, sacudindo sua cabeça de leve para espantá-los para longe, e focando nas pisadas firmes que seus pés tinham de dar na terra para subir a leve inclinação que levava ao acampamento.
— Ele é seu irmão Octavia... — Joan deu de ombros, tentando manter-se neutra em relação a suas reclamações, afinal, quem era ela para julgar uma relação de anos, baseando-se em dias.
— É meu irmão, mas está errado, Joan. Ele só errou desde que chegamos. — Octavia soltou o ar preso em seus pulmões, a mágoa fluindo para fora de seu peito ao afirmar aquilo que pensava havia um tempo.
O tom ressentido e revolto do pequeno desabafo fez Joan parar de andar para olhá-la. Ambas estavam completamente sujas e suadas, ofegantes com a pequena subida e cansadas das horas andando, mas ainda assim a conexão de seus olhos foi limpa e estável. Sincera.
Octavia aprumava sua rebeldia pelos brilhos verdes acinzentados de seus olhos, orgulhosa do que diria a seguir.
— Conte comigo do seu lado hoje à noite.
A honra atingiu Joan no mesmo instante que a culpa em uma sensação estranha e incômoda que remoía na boca de seu estômago. Ela tinha visto anteriormente como Bellamy se preocupava com Octavia, e simpatizava com este instinto insano de proteção, pois sentia o mesmo por Clarke e Wells.
Embora ficasse contente que a amiga escolhesse ficar junto aos com pulseira, que desafiasse o irmão que a criou por 16 anos, e que ao contrário do mesmo soubesse diferenciar o certo do errado. Joan também se sentia mal por tirar a garota dele.
E não sabia se seria capaz de fazer isso.
— Eu agradeço, O. — Joan sorriu, seus olhos âmbar nunca tão verdadeiros sendo rompidos pela falsidade no canto forçado de seus lábios. Octavia estranhou a atitude, quase certa de que um "mas" estava por vir. E estava. — Mas eu acho que você deveria ficar com seu irmão. Eu não quero intrigas entre os dois acampamentos, e se você ficar com a gente, Bellamy nunca me deixará em paz.
— Fala sério, Joan. Foda-se o meu irmão — Octavia rolou os olhos, buscando fugir da conversa ao dar um passo insatisfeito em direção ao acampamento. O corpo sólido de Joan logo bloqueou sua tentativa de passagem, forçando-a a olhá-la nos olhos, sua curta faísca de raiva apertando seu maxilar. — Você não vai me impedir de fazer o que eu quero. — A voz raivosa de Octavia era áspera e baixa como a do irmão, e seu lábios se contraiam da mesma maneira.
— O, eu estou te pedindo, não te forçando. — Joan sibilou calmamente. Já conhecia Octavia o suficiente para saber que sua teimosia e busca por independência a faria desobedecer a qualquer ordem. Esta escolha tinha de ser sua, o máximo que podia fazer era amolecer o lado em que queria que cedesse. — Você ficando com os sem pulseira me ajuda muito mais do que estando comigo.
Octavia não disse mais nada, apenas soltou o ar violentamente pelos seus lábios ao avançar em direção ao acampamento, seu ombro topando propositalmente com o de Joan ao passar.
— Ótimo, mais um Blake irritado para a minha coleção — Ela murmurou entre um suspiro cansado, seguindo seu caminho atrás da garota em desânimo.
Na área desmatada do pouso bruto, o acampamento estava em uma confusão serena. Os adolescentes que já tinham sua fidelidade decidida, arrumavam barracas em seus respectivos lados e ajudavam a carregar os cilindros de água divididos para cada acampamento. Os outros montavam a fogueira no centro de ambos os lados, preparando a 'cerimônia' que seria o jantar.
Entre o agito da mudança dos com e sem pulseiras, Clarke procurava por Joan fazia horas, passando de pessoa a pessoa perguntando sobre a garota. Estava praticamente desistindo depois de falar com Jasper, quando viu Octavia surgir do limite da floresta, seus pés pisando firme na terra, dois camundongos mortos em suas mãos, e uma cara não muito feliz em seu rosto.
Ela passou por Clarke sem dizer uma palavra sequer, o ar ao seu redor quase denso em negatividade.
Sabendo que Bellamy montava uma barraca do seu lado do acampamento, ela logo relacionou o estresse de Octavia com Joan. Recentemente os dois eram os principais motivos para alguém passar raiva, e a associação foi instintiva, também logo confirmada. A ruiva não demorou para sair por entre as árvores com o cinto carregado de roedores, e sua pele suja de terra e sangue animal.
Clarke riu fraco ao avançar em sua direção, achando graça da precisão de sua suposição, seus olhos passaram pela figura da amiga ao vê-la sorrir também. Quanto mais se aproximava, porém, mais Clarke ficava séria, seus olhos cravejados no pulso de Joan, onde ferimento descoberto estava tão imundo como o resto de seu corpo.
Seus passos gradativamente aumentavam de ritmo, a agonia crescendo em seu peito a cada pisada, querendo certificar-se de que não via o que estava claramente vendo. O nó enjoado em sua garganta só crescendo quanto mais se aproximava, junto com tamanho da raiva pela idiotice de sua amiga.
— O que você tem na cabeça? — Clarke rosnou raso ao finalmente alcançar Joan, puxando o seu braço sujo para si.
— Ouch! — A outra reclamou em um silvo dolorido, o movimento repentino doendo mais do que o esperado. Era como se várias agulhas fincassem sua pele ao mesmo tempo em uma pequena e eficiente tortura.
Clarke deixou de lado as feições sofridas de Joan para focar em analisar o estado do machucado exposto, segurando firmemente em seu cotovelo e, pela ponta dos dedos de sua mão, virando com delicadeza o pulso fino da garota gradativamente.
Estava pior do que imaginava. O sangue podre dos animais secava sobre a pele queimada, e a terra grudava debaixo da parte onde a pele morta se abria. Clarke vacilou um pouco o toque, seu estômago embrulhando com a simples ideia de como aquilo devia sentir. A uns anos atrás, podia desmaiar somente ao ver aquilo.
No momento, apenas odiava Joan por ser tão imprudente, o enjoo sendo absolvido pela preocupação.
— Temos que limpar isso agora. — Clarke soltou o braço de Joan, respirando fundo para seu tom não parecer mais bravo do que deveria.
— Certo. Eles já pegaram água? — Joan assentiu trivialmente, seus olhos convictos preenchendo-se de confusão ao perceber que Clarke não a acompanhou nos curtos passos em direção ao acampamento.
— Precisa de álcool... senão vai inflamar — Os lábios de Clarke se comprimiram em uma linha reta antes dela molhá-los, e descer seu olhar vazio para o pulso de Joan. As esferas verdes pareceram por um segundo repensar sua decisão antes de convencer-se de que era o melhor a se fazer. Porém quando o fez, Clarke virou-se novamente para a floresta, deixando Joan levemente confusa para trás. — Vamos.
As placas de alumínio que constituíam os dutos de ar da arca fechavam-se em um espaço pequeno e sombrio que apenas uma criança poderia passar tranquilamente. Ou talvez uma Raven Reyes determinada a descobrir os segredos obscuros da Arca.
A garota se arrastava pela passagem estreita dos dutos da engenharia, o atrito de sua pele com a superfície lisa fazendo um barulho agudo ao puxar-se mais e mais para frente em direção a central de comando, onde os líderes do conselho pareciam estar passando boa parte de seu tempo nos últimos dias.
O esforço era grande, seus músculos já estavam fracos e seu rosto brilharia se houvesse qualquer luz para refletir em seu suor. Estava ali fazia um bom tempo ouvindo apenas o ruído elétrico das máquinas e o som áspero de sua respiração pesada, a claustrofobia ameaçando desmoroná-la diversas vezes, mas ainda assim, quando Raven chegou à saída de ar que dava visão para o interior da central, teve certeza de que ficar presa naquela caixa de sapato por horas tinha valido a pena.
Através das barras de metal da grade, os olhos fascinados de Raven perpassaram pela grande tela que havia logo no centro do cômodo, onde entre a centena de perfis de jovens ranzinzas, o rosto familiar de Finn destacou-se de primeira, sendo o único com um sorriso presunçoso no rosto.
O ar fugiu de seus pulmões.
A realização do que aquilo significava batendo em sua mente mais forte que seu coração batia em seu peito, ele parecendo pequeno em batalha, tentando decidir se Raven devia sorrir ou chorar. Os prisioneiros foram mandados para longe com a Exodus, provavelmente para Terra.
A boa notícia era que Finn estava vivo, a má era que estava vivo a quase 300mil quilômetros de distância.
— Algo da engenharia? — A voz recentemente conhecida parecia exausta, mas Raven não pôde ver seu rosto para confirmar o que sentia, ou com quem falava.
Silenciosamente aproximando-se mais da saída em curiosidade, pôde ver a doutora Abby com suas costas apoiadas em um painel e seus os braços cruzados sobre o peito no limite de seu curto campo de visão.
Ela observava melancolicamente a tela a sua frente, seu olhar profundo e deveras similar ao da garota para Finn instantes antes, apenas distintos por ela alternar entre três perfis, ao invés de um só. Dois deles escuros e sem indícios de vida, assim como vários outros estavam.
Raven teve a oportunidade de ver um se apagar repentinamente, era um menino, quase uma criança. Estranhamente seus sinais vitais não apontavam nada que pudesse justificar a morte súbita antes que acontecesse.
Aquilo não parecia uma falha do corpo humano, e sim uma falha de mecânica, coisa que Raven conhecia bem.
— Segundo Sinclair, mesmo que mandemos um sinal pelas pulseiras, elas não estão programadas para receber... — A voz masculina jovem veio logo abaixo de onde estava Raven, completamente fora de seu campo de visão. Abby, no entanto, virou-se para ele, esperando alguma notícia a mais, qualquer coisa útil.
Jackson molhou os lábios, uma culpa irracional infestando seu interior sem poder entregar a ela o que queria.
— Eles não ouviriam. — Quase não se ouviu a voz penosa do rapaz. O nó travando sua garganta.
A médica, conselheira e mãe, respirou fundo ao passar suas mãos pela franja solta da trança bagunçada que continha seus cabelos, fechando os olhos para acalmar-se. Sua mente estava embaralhada — É tudo culpa sua — as palavras que surgiam não a deixavam pensar direito — A morte dela está em suas mãos —, mas não podia deixar que mais 200 pessoas fossem mortas por sua causa.
— Deve ter alguma coisa que deixamos passar, que não cogitamos ainda. — Abby cobriu o rosto cansado com suas mãos finas, massageando seus olhos na tentativa de livrar-se do peso de suas pálpebras. Não havia dormido na noite anterior e não dormiria novamente até que soubesse o que estava acontecendo. Várias vidas dependiam disso, dela.
Os 200 que tinham que viver; Sua filha que tinha que sobreviver; E os outros dois que considerava família que tinham que estar vivos.
De repente a chapa de alumínio debaixo de Raven estalou em um estrondo alto, não suportando mais o peso concentrado em cima dela. Seu estômago embrulhou, o frio subindo por sua espinha. "Talvez não percebam" pensou, mantendo-se imóvel.
Se dependesse de Jackson realmente estaria segura, pois o rapaz apenas olhou para cima e deu de ombros, convencido de que era apenas um estalo comum da tubulação velha. Abby, porém, conhecia o som pesado e seco de uma pessoa nos dutos de ar até bem demais, a anos acostumada em receber visitas surpresas das crianças curiosas do conselho.
A diferença era que agora nenhum dos três — por sua culpa — estavam mais por perto, e a única pessoa interessada no que faziam ali havia se apresentado naquela manhã.
— Eu sei que está aí, Raven — A voz madura e neutra de Abby ecoou nos quatro cantos metálicos, claramente direcionada para a saída de ar. Raven mordeu o lábio inferior, seus olhos fechando duramente, como se isso a fizesse desaparecer. — Você tem duas opções: pode descer pela entrada de manutenção a sua direita, e eu não faço um reporte. Ou chamamos os guardas em cada saída de ar que você pode descer, e você será flutuada por crimes contra...
— Está bem, está bem. — A garota resmungou em derrotado, sua voz rebatendo nas paredes de metal soando mais grave a abafada.
A confusão e incredulidade de Jackson o fizeram lançar um olhar indagador à Abby, que pouco o respondeu com seu sorriso maternal vitorioso. As batidas no metal sobre suas cabeças indicando que Raven se arrastava sem disfarces até o local indicado.
A portinhola de acesso se abriu abruptamente no toque nada gentil de Raven, batendo na parede de metal em ruídos espalhafatosos e brutos. Os dois pares de olhos fitando-a cuidadosamente enquanto ela se puxava para fora da ventilação, suas mãos agarradas nas laterais da escada de acesso para manutenção.
Assim que suas botas tocaram no chão firme, Abby voltou a falar.
— Ok. Agora vá para casa e não comente o que viu aqui com ninguém. Nem seu... amigo. — A médica mal a olhava, seu tom e feições monótonas e neutras. Estava cansada demais para lidar com Raven, precisava focar suas poucas energias em se conectar com os 100.
Questionando as atitudes imorais de Abby em não a entregar para as autoridades, Jackson olhou para as duas sucintamente, antes de se prontificar a ir até a porta de entrada e digitar os números do código de acesso para abrir passagem a Raven.
Mas ela não se mexeu, seus olhos percorrendo o ambiente com grande cautela, guardando cada informação que poderia reter.
Passando novamente pela tela, encontrou os três perfis que a doutora anteriormente analisava com aflição, seus sobrenomes prontamente explicando sua relação com todos. Jaha, Kane e Griffin.
A lembrança de seu olhar dolorido sobre a tela então a atingiu, ao contrário de Raven, a doutora não temia sozinha ou afastada de quem ama, ela estava em luto.
— Eles não estão morrendo, você sabe, não é? — Raven riu ceticamente ao comentar, afinal, a mulher já deveria ter chegado a esta conclusão com sua experiência. Mas a realidade era que o apego emocional ao projeto e aqueles que o envolviam, haviam cegado Abby, suas dores e culpas ofuscando sua razão.
— Do que está falando? — Os olhos desconfiados da mulher se estreitaram em direção a Raven. Parecia bom demais para ser verdade, tudo o que queria ouvir e não sabia explicar havia saído pelos lábios da garota.
— Ouvi vocês falarem de pulseiras. — Os lábios de Raven se curvaram em um sorriso esperto. — Posso dar uma olhada?
Abby e Jackson se entreolharam em cumplicidade, debatendo através do silencioso, porém agitado olhar, se a garota era realmente digna de confiança. A resposta era inconclusiva, a única certeza estabelecida foi a de que não tinham mais o que perder. Se não ouvissem sua hipótese permaneceriam no completo escuro, e sem argumentos contra o resto do conselho na votação do dia seguinte.
Contragosto o rapaz fechou novamente a porta, e Abby esticou-se para pegar a pulseira extra aberta no painel de controle, entregando-a para Raven, que a segurou com suas duas mãos, analisando a mecânica por trás do aparelho em cada detalhe.
Ela teria feito o design e os circuitos completamente diferentes, melhores. Porém não parecia ter nada de errado na engenharia do grosso transmissor, a não ser a fragilidade do sistema de abertura.
Eles realmente deixaram de lado o fato de estarem lidando com adolescentes criminosos? Bastou olhá-los mais uma vez no painel, encarando a raiva e rebeldia que irradiava de seus olhos, para ter certeza de sua conclusão.
— Eles estão tirando elas. — Raven riu presunçosamente, jogando a pulseira nas mãos de Abby, que a pegou no ar com seus olhos fixos no chão, debatendo consigo mesma quanto a teoria da garota a sua frente.
— Por que fariam uma coisa tão irresponsável? — Jackson zombou, cético com a hipótese longe de sua realidade individual.
Abby, por outro lado, tinha um sorriso crescendo lentamente em seu rosto. Apenas quem lidava com adolescentes destemidos e obstinados poderia entender.
— Porque nós os mandamos não o fazer.
NOTAS: Hey!! Não esqueça de votar caso tenha gostado do capítulo =D
Sei que esse foi meio paradinho, mas as vezes eles são necessário, não é?
Quero saber como estão suas opiniões sobre o Tyler... =P
Também queria agradecer a SaturnMori por vir conversar comigo sobre deus e o mundo, e acalmar minha cachola que estava atolaaada de preocupações com o andar lento do enredo (esse capitulo principalmente) <3
É isso galera, vou postar o Trailer da fic provavelmente no domingo para quem quiser ver, e o próximo capitulo está prometido para quinta feira, como sempre ;D
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