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QUE NOS ENCONTREMOS NOVAMENTE

04 dias depois

Apoiando suas costas na cama fraca de metal, Joan se sentava no piso gelado de sua cela. Não havia facas para passar o tempo atirando, não a permitiam ter nem um simples lápis, mas ainda assim ela levava as mãos para frente e para trás com os dedos curvados, treinando sua pontaria com sua imaginação. Qualquer um que a visse pensaria que havia perdido a cabeça.

Do outro lado da cela passos despertaram sua atenção e a visão de Abby através das grades a fez sorrir levemente. A mulher exibia um curativo largo no bíceps direito e isto lhe secava à garganta, mas saber que estava de pé e saudável era um alívio.

— Treinando para caçar? — Perguntou Abby, dirigindo-se a ela com um sorriso caloroso nos lábios.

— Exatamente — Joan sorriu fraco abaixando as mãos e repousando-as no chão. Abby não estar brava com ela era uma surpresa. — Meu pai te contou o porquê de eu...? – Ela nem conseguia dizer.

— Eu descobri sozinha, você foi certeira e gentil demais — Abby indicou seu curativo no braço e lentamente ajoelhou-se no chão para ficar na altura de Joan. — Você é inteligente demais, sabia?

— Você também. – Ela sorriu. Não mentia, seriam raros os que conseguiriam perceber o que seus atos significaram de verdade. Abby a entendia melhor que seu próprio pai... — Me desculpa, eu... eu precisava fazer isso.

— Bem, você não precisava — Abby sorriu fraco para o chão antes de captar a cor âmbar dos olhos de Joan. — Mas você realmente queria ir para lá, hun?

Abby não a olhava com o desgosto que ela esperava, na verdade quase achava engraçado o quanto Joan se assemelhava com a mãe, sua paixão pela terra, sua implacável determinação e seus cabelos cobre sempre perfeitamente lisos. A resposta era óbvia e Joan sabia que Abby a compreendia, então apenas assentiu, permitindo que o silêncio estacionasse em sua conversa por um bom tempo. Não tinham mais nada a ser dito, a não ser...

— Eu vou proteger Clarke, se ela estiver lá... Eu nunca deixaria de cuidá-la. — As palavras saíram naturalmente de sua boca, sendo a mais pura verdade. — Wells também.

— Eu a agradeço por isso. — Abby riu fraco, quase sem acreditar na força da garota. Ela estava beirando as lágrimas naquele momento, enquanto Joan respirava fundo, segura de que fazia o certo. Abby queria ter aquela certeza de que tudo ficaria bem. — Também quero que cuide de você mesma, ok?

— Eu vou. — Joan assentiu com a cabeça. – Prometo.

— Ótimo. — Abby se levantou sorrindo, apesar da lágrima escorrendo em sua bochecha. — Seu pai? – Ela fungou, secando seu rosto com as costas da mão.

— Não veio. — O peito de Joan se afundou no peito, mas ela forçou um sorriso para o teto ao jogar a cabeça para trás, a apoiando na cama.

Esse era seu maior fardo, seu pai.

Marcus sempre tentou protegê-la. Desde que ela era pequena ele implantava o que conhecia como certo para mantê-la segura. Eram regras atrás de regras, segredos atrás de segredos e punições atrás de punições... Ela quebrou todos os limites que ele a impôs durante esses anos em uma única noite.

Ela só podia imaginar como ele se sentia com toda a história se repetindo, mais uma pessoa que ama determinada a abandoná-lo para ir a terra. Seu pai devia a odiar no momento, assim como sempre demonstrou odiar sua mãe.

— Ele te ama Joan. — Abby murmurou e Joan decidiu que era hora dessa conversa acabar, nem ao menos olhando para ela quando o fez. — Que nos encontremos novamente.

— Que nos encontremos novamente...

Griffin afastou-se da cela e indicou algo para um dos guardas à porta. O homem negro e bem afeiçoado de uniforme, assentiu com um sorriso e dirigiu-se a Joan segurando uma caixinha de metal debaixo do braço. A menina se perguntou o que estava acontecendo assim que ele mandou que escorasse na parede, afinal, só faziam isso quando lhe davam comida, e aquela caixa de metal não era nem remotamente parecida com a bandeja enferrujada onde serviam a ração pegajosa da arca.

— Erga seu pulso direito por favor mocinha. — Demandou ele novamente com sua voz grossa, suave e amigável. A garota obedeceu sem fazer objeções.

O guarda repousou a caixinha em cima da cama e a abriu, tirando de lá um lencinho branco, pouco maior que uma moeda, e um tipo de pulseira grosseiramente larga de metal. Ele se aproximou de Joan e ela relutou um pouco quando o homem segurou seu braço estendido, virando o lado de dentro dele para cima, assim exibindo suas veias debaixo da pele pálida.

— Não se preocupe. Até agora sou o melhor nisso. — Ele comentou ao passar o lencinho no pulso exposto da garota, que logo sentiu o líquido refrescar sua pele.

— Álcool? — Perguntou a ele, que assentiu.

— Você vai sentir só uma picadinha, ok? — O segurança avisou nem meio segundo antes de fechar a pulseira grossa em seu punho, fincando três pinos finos como agulhas em suas veias. Joan soltou um raso silvo de dor, pois ao mesmo tempo que ardia, também a incomodava. Podia sentir os picos de eletricidade correndo por suas veias nos primeiros segundos.

O guarda olhou nos seus olhos como com um ar de preocupação e Joan assentiu para ele, informando-o que estava tudo bem. O homem então sorriu discretamente, segurando-a pelo bíceps com uma de suas mãos e com a outra chamando um segundo guarda pelo rádio. Este era loiro e parrudo, sua pele grosseiramente manchada e vermelha, ele não era nada delicado e amigável como o que a levava no lado esquerdo.

Assim, com um braço quase solto e outro pulsando de tão firme que a continham, Joan foi guiada pelos corredores, passando pelo salão principal novamente vazio e seguindo até o nível Engenharia, onde filas de prisioneiros esperavam para entrar em uma nave.

Seus pés de repente ficaram gelados e seu coração acelerou como se tomasse uma pequena carga elétrica. Ela não podia acreditar que realmente estava acontecendo, ela finalmente viajaria pelo espaço, atravessaria a atmosfera e seria uma das primeiras em muitos anos a pisar no solo fofo da terra, veria as árvores, os pássaros, o céu azul... A cada passo que dava em direção à nave a sua barriga revirava mais.

— Liberem o caminho, por favor! – Ela pode ouvir os guardas duas filas para a direita, onde a fila tornava-se um pequeno tumulto.

Quatro seguranças tinham dificuldades em passar por entre os jovens prisioneiros, carregando uma maca com o que parecia uma garota desacordada.

— Clarke... – Ela murmurou, chocada quando a reconheceu.

Por conta do tumulto de seguranças e prisioneiros, Joan não conseguiu ver se a colocaram dentro da nave, se estava de fato segura, mas também sabia que não havia outro lugar que pudessem ter a levado.

Olhou em volta, buscando por alguém que pudesse esclarecer o porquê de Clarke ter sido apagada, um coordenador talvez, alguém como o comandante Candu ou quem sabe até mesmo o chanceler Jaha.

Cerca de três pessoas para trás na fila, porém, seus olhos encontraram os de Wells.

— Joan? — Wells cerrou o cenho, desacreditado.

— Wells! — Joan sorriu, lutando um pouco contra os braços de seus guardas que só a contiveram mais.

Joan.

Ela parou subitamente ao ouvir a voz tão conhecida vinda de sua esquerda. Era firme e calma, como sempre fazia quando tentava repreendê-la. Ela sabia que se virasse o rosto para ele desabaria em lágrimas, mas o fez de qualquer maneira, podendo vê-lo ali, de pé segurando um livro de capa prata em suas mãos.

O livro de sobrevivência de sua mãe.

Seu pai não soltou uma palavra por seus lábios. Aproximou-se de Joan em alguns passos e os guardas a libertaram, permitindo que a envolvesse em um abraço. Joan não esperava por isso, apostava todas suas fichas que ele a pediria para ficar quieta e obedecer aos militares, depois seguiria seu rumo com o livro que logo mais seria destruído, mas não. Kane a abraçou forte, acariciando seus cabelos cobre enquanto ela desabava em lágrimas no seu ombro, apenas sentindo o último calor de amor paterno que receberia em um bom tempo.

Joan precisou relembrar-se milhões de vezes que eles não possuíam muito tempo. Ela se afastou aos poucos dos braços de seu pai, enxugando as lágrimas com as palmas da mão e desceu o olhar para o livro que ele segurava. Afinal, o que estava fazendo com isso?

— Você vai precisar. — Marcus respondeu seus pensamentos, seus olhos fundo nos dela, lentamente pousando o livro em suas mãos.

— Eu consigo recitar tudo que tem aqui de trás pra frente... — Joan voltou a mirar o livro, passando seus dedos pela sobrecapa prata, onde a caligrafia de sua mãe pairava em branco, deixando tudo mais bonito e delicado. Quantas vezes não adormeceu lendo este livro? Quantas vezes não se pegou imaginando como seria cada um destes animais e plantas? — Você vai precisar.

Seu olhar sustentou o de Kane até que as mãos dela não segurassem mais o livro. Assentindo ao dizer-lhe, sem soltar uma palavra, que eles se veriam novamente.

— Joan eu...

— Eu também. – Joan o interrompeu, abraçando-o novamente. As palavras não precisavam ser ditas.

A fila à sua frente andou durante este tempo e os prisioneiros que aguardavam na fila faziam reclamações em cochichos nada discretos. Pai e filha se desvencilharam do seu último abraço e trocaram suas últimas palavras em sussurros quase individuais.

"Que nos encontremos novamente."

NOTAS.: Sei que é um capítulo meloso e já garanto que a maioria não será assim não, tá? :)

Também é um dos mais curtos que escrevi até o momento, o próximo será realmente longo, e todos a partir dele seguem a mesma linha... Espero que gostem de capítulos grandes =P

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