PRÓLOGO
Os cabelos cor de cobre da mulher estavam suados e sujos, grudavam em sua testa enquanto andava a passos ligeiros pelos corredores da Arca. Estava fraca demais para correr, porém desesperada demais para descansar. As suas pantufas ecoavam um som áspero em contato com o piso de metal, e sua roupa fina de paciente hospitalar estava manchada, deixando seu próprio sangue marcar o caminho percorrido gota por gota.
Enrolado em um amontoado de retalhos, e cobertos com um líquido pegajoso e avermelhado, um bebê era carregado em seus braços. Ainda era muito pequeno, raramente emitia grunhidos, apenas se pronunciando contra os panos ao chutar e socar o ar, tentando se soltar do que o continha.
— Deuses, você é uma lutadora, hein? — A moça sorriu carinhosamente para a criança, sem diminuir o ritmo turbulento em que andava.
— Amanda! — A voz antes calorosa e amada de seu marido ecoou pelos corredores de forma fria, forte e ameaçadora. — Pare!
Ela olhou para trás para conferir a distância que ele estava dela, queria poder respondê-lo, explicar que tudo ficaria bem, queria pedir-lhe mais uma vez que viesse com ela, porém sabia que não era possível. Ele nunca entenderia, nunca a perdoaria e nunca abandonaria a arca. Seu povo era seu bem maior.
Amanda respirou fundo, espantando qualquer fagulha de simpatia que sentia por Kane e se concentrando em sua fuga. Ainda não conseguia vê-lo atrás dela no corredor, mas podia escutar os passos dos diversos guardas pesando ao se aproximar.
A arca nunca foi o lugar mais são quanto a penalidades, se usar um fósforo em casa te submete a retenção, imagina o que aconteceria com ela?
Seu coração deu um salto, afogando em um mar de medo. A adrenalina da perseguição a atingiu como uma bala, ela segurou firme seu bebê, juntando-a ao seu peito e logo estava correndo. Não podia ser pega, não agora, faltando tão pouco para conseguir o que sempre sonhou.
Amanda abriu com dificuldade a porta do galpão de engenharia com seu cartão de acesso e passou por ela como um vulto, fechando a porta atrás de si quando o fez. A sensação de alívio foi inevitável, os longos corredores com prateleiras altas de metal formavam um labirinto a ser desvendado, e ela era a única que sabia exatamente onde precisava ir.
Ela voltou a correr, agora mais confiante. Um leve sorriso convencido formou-se no canto de seus lábios enquanto ofegava, suas chances de conseguir eram boas e ela se sentia, de certa forma, vitoriosa quanto a Kane e tudo que ele representava. Quanto a Arca.
Ela viajaria pelo espaço. Ela atravessaria a atmosfera... Ela seria a primeira em muitos anos a pisar no solo fofo da terra.
A nave de fuga a qual trabalhou durante toda sua gestação estava a esperando com a porta aberta e as luzes ligadas. Ela parou por um segundo para analisá-la, apenas para sentir seus pulmões arderem ao ofegar, buscando por mais ar. Suas condições não eram as melhores, ela estava exausta, acabara de passar 3 horas em trabalho de parto, empurrando aquele pequeno ser vivo em seus braços para fora de si. Suas pernas estavam bambas, não aguentavam o peso de seu corpo, mas ela não poderia descansar agora, a viagem seria longa.
Amanda sentou no banco de couro do piloto e acomodou sua amada filha em uma caixa presa no banco ao seu lado. Respirando fundo ela acariciou a cabeça pequena da recém-nascida com jovens cabelos cor de cobre.
— Hora de sermos duronas meu amor... — Ela sussurrou antes de beijar o topo de sua pequena cabeça.
Amanda afivelou os cintos que prendiam a caixa com segurança, e desviou sua atenção para o painel de controle, apertando os olhos para conseguir focar na tela e apertar o botão que selava a porta da cápsula de fuga.
Fora da nave, os guardas corriam com seus capacetes fechados e as armas sobre os ombros, preparados para atirar a qualquer surpresa. O único homem com uma pistola dispensava uniformes, ele era acompanhado por dois guardas esguios, correndo por entre o labirinto de peças seguindo o caminho que os rastros de sangue os levavam. Seu cérebro funcionava com —maior velocidade do que o normal, seu coração pulsava em agonia. Não bastava perder sua mulher para a insanidade, perderia ele sua filha?
"Porta G19 iniciando processo de descerramento. Esvaziar área."
— Não Amy... — Murmurou Kane, apressando o passo.
— Senhor! Deveríamos recuar. — Alertou um de seus companheiros militares — Se a porta abrir e estivermos aqui seremos sugados para o espaço!
— Temos 1 minuto até elas abrirem. Se voltássemos agora não conseguiríamos. Nós vamos em frente. — Kane respondeu firme, sem parar de correr. – Ao menos assim temos uma chance.
Não estava mais tão difícil encontrar Amanda, bastava seguir o som que os propulsores da nave emitiam ao ligar de motores. O grupo encontrou a cápsula de fuga rapidamente e os homens começaram a atirar contra o metal velho da espaçonave.
— Mirem nos propulsores! — Gritou Marcus Kane.
"Portas abrirão em 10 segundos"
— Vamos... precisamos conseguir. — Murmurou Amanda dentro da nave, analisando todos os parâmetros para sua decolagem. Apenas escutando os sons abafados dos tiros contra a lataria.
"09"
— Vamos... vamos... — Kane murmurou para si mesmo, rondando a cápsula que continha seu pequeno e maior bem.
"08"
Analisando a lataria com mais atenção ele notou um ponto logo entre os quatro propulsores. Era um pequeno buraco de cerca de 10cm aberto pelos tiros de seus companheiros, lá dentro diversos fios de energia estavam a mostra. Ele nunca foi um grande atirador, andava com sua pistola no cinto por mera demonstração de poder e falsa sensação de segurança, mas não demorou para sacá-la e iniciar sua tentativa.
Ele faria de tudo para impedir aquela decolagem.
O primeiro tiro foi mais para esquerda, acertando uma escrita no metal.
"07"
Mirando com todas suas forças, o segundo tiro acertou o alvo soltando pequenas faíscas pelo ar, porém ainda não foi o suficiente para romper qualquer um dos fios e desligar o motor, como necessário.
Kane estava praticamente desistindo, seu peito se contraiu de desgosto, não por Amanda, mas por ele próprio. Ele não salvaria sua tão amada filha, assim como não conseguiu salvar sua mulher. Nunca deveria ter deixado isso acontecer.
"06"
Com lágrimas brotando nos olhos ele atirou mais uma vez, toda sua fúria transbordando através de uma única bala que acertou o ponto precisamente, explodindo os fios em milhares de faíscas e fagulhas brancas e vermelhas. O zunido da energia das turbinas diminuía gradativamente após o som do grande estouro.
"05"
O aviso foi o bastante para ele perceber que não tinha muito tempo, as portas ainda precisavam ser fechadas por dentro da nave e ele tinha certeza de que os guardas não sabiam como o fazer.
"04"
Ele correu em desespero para a porta da cápsula, onde chegou pouco antes do aviso anunciar o número "02", logo escancarando-a.
No rosto delicado e exausto de Amanda lágrimas corriam silenciosamente, encarando sua derrota. Marcus ignorou sua mulher na pressa de salvar todas aquelas vidas, esticando-se por cima dela para desativar as portas em um apertar de botão. Ela o ignorou da mesma forma, encostando-se no banco de couro sem mais um pingo de energia.
"Porta G19 cancelando processo de descerramento."
Ofegante, Kane saiu de perto da nave, deixando com que os dois guardas retirassem sua esposa do banco do piloto. Amanda não lutou contra eles, apenas permitiu que a levassem carregada pelos ombros, arrastando seus pés no chão e pendendo bruscamente sua cabeça para frente, vencida pelo cansaço.
Marcus não sabia como deveria se sentir. Amava sua esposa, porém sabia que nunca a perdoaria por tentar sequestrar sua filha, por tentar matá-la ao viajar para uma terra envenenada, por tirá-la a força de seus braços e da segurança da Arca.
— ...Joan... — Amanda sussurrou ao ser levada. Era parte de uma frase incompleta, inaudível.
— O que? — Perguntou Kane se aproximando da mulher.
— Nomeie ela de Joan... — Ela repetiu respirando ofegantemente antes de continuar — Joan of Arc... uma guerreira, uma sobrevivente.
— Joan of Arc morreu queimada, Amanda... — Kane rebateu em tom terno.
— Ela não queimará... não há fogo no espaço.
Marcus não sabia como a responder. Suas palavras possuíam mais significados do que aparentavam, e isso o consumiu por muitos anos.
Ele temia o futuro de sua filha, pois apesar do que Amanda afirmou, fogo existia sim no espaço. Na arca, porém, ele era contido e muito bem controlado, e Joan sempre foi e sempre será uma guerreira.
NOTAS.: Eu precisei pesquisar isso, mas Joan of Arc é Joana D'arc viu gente? Eu só não quis colocar o nome dela de Joana e achei muito massa ser of Arc (da Arca) pq né.
+ Joan se pronuncia Jôun :)
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