LEIS DE CONVIVÊNCIA
As cinco horas da manhã na Arca, os corredores e comércios estavam silenciosos sob a escuridão costumeira do espaço. Os cidadãos dormiam pacificamente em seus aposentos, enquanto os seus líderes já estavam de pé a algumas horas, reunidos em uma sala secreta e aprova de som, duplamente vigiada com dois dos melhores guardas do lado de fora.
As fracas luzes frias rasamente contornavam as feições atentas e instigadas dos 12 membros do conselho, que se sentavam em uma mesa oval comprida dentro do cômodo sem janelas, suas cadeiras rebuscadas viradas para a ponta oposta à de onde o chanceler Jaha estava, permitindo assim que todos analisassem com cuidado os dados expostos por Abby na projeção na parede.
Com a tecnologia da avançada, o que a mulher manipulava com a ponta de seus dedos na mesa, era jogado para todos na tela, essa que agora exibia os perfis dos jovens prisioneiros em dois grupos, eram 51 ao lado de 47, coloridos contra cinzas, vivos versus mortos.
— Os dados indicam que, em maior parte, foram os criminosos mais violentos do grupo que tiveram seus sinais cortados ontem à noite. — Explicou Abby sem tirar os olhos das fotos das crianças. Seus dedos deslizaram no painel da mesa, comandando que os próximos dados fossem projetados, estes indicando o crime cometido por cada jovem e as palavras categorizadas em cores de acordo com sua gravidade.
Alguns de seus colegas conselheiros assentiram leve e inconscientemente com a cabeça, os vários pares de olhos duros estudando o quadro a sua frente. As informações eram irrefutáveis, enquanto um lado estava praticamente limpo, o outro era sujo de dizeres em vermelho: homicídio, roubo à mão armada, sequestro, agressão múltipla...
— Acredito que isso signifique que os jovens estão tirando suas pulseiras por opção.
Observando as reações a sua teoria discretamente, Abby sentiu-se confiante por um instante, até seus olhos pousarem no homem a sua frente. Kane respirava fundo e negava toda e qualquer palavra que havia saído por seus lábios com grande desprezo.
— Como você explica Wells e Joan? — A voz calma escondia mal e porcamente a sua amargura. — Você esperava que eu não percebesse que minha filha não está na sua demonstração bonitinha? — Juntando sua coragem, o peito da mulher subiu bravamente ao sustentar o olhar feroz que ele a lançava.
As sobrancelhas franzidas de Marcus aprofundavam quase bestialmente suas feições pesadas e revoltas sob a luz baixa, para Abby, ele estava irreconhecível. A barba por fazer não lhe era comum, e seus olhos carregados com olheiras profundas e escuras, eram visivelmente dadas por noites em claro e lágrimas torturantes.
O luto destruía o conselheiro Kane aos poucos.
— Eles são um caso à parte, eu ia chegar lá. — Abby nem piscou ao afirmar, seus olhos firmes nos dele em busca de algum resquício do amigo que antes tinha. — Joan e Wells tiraram suas pulseiras em momen...
— Eles morreram Abby — Ele a cortou abruptamente, seus dedos apertados ao fechar em um punho sobre a mesa, o ódio saindo por meio de palavras entredentes. — Eles não "tiraram suas pulseiras". Morreram.
Seus olhos flamejantes cobriam cada pedaço sem reação da médica que buscava encobrir sua culpa com falsas esperanças. Apesar do olhar firme e estável, o peito de Kane oscilava brusca e descompassadamente debaixo da jaqueta que usava, e ele comprimia seus lábios com força na tentativa de disfarçar o queixo trêmulo e fraco.
Ele não podia perder sua compostura diante do resto do conselho, tinha de provar estar capaz de exercer seu cargo, pois não salvassem a Arca, sua filha teria morrido em vão.
Fechando os olhos ao respirar profundamente, e enfiando seus sentimentos goela abaixo, Kane virou-se para quem realmente importava ali no momento, o chanceler que sentava ao seu lado, na ponta da mesa.
— Nossos filhos morreram, temos de aceitar isso e focar em não deixar que o mesmo aconteça com o resto da humanidade.
A frase pesou no ar, condensando-o em uma massa grossa de silêncio. Todos esperavam uma resposta de Jaha.
O chanceler, porém, tomou seu tempo ao mastigar as palavras. Seus olhos negros percorrendo os rostos dos conselheiros calmamente, antes de fitar as fotos dos prisioneiros que não conhecia, suas feições livres de qualquer emoção, ao contrário de Abby, que apesar de tentar esconder, irradiava ansiedade e desespero em seus olhos castanhos brilhantes e profundos.
— Ele está certo. — O homem soltou com sua voz potente entre um suspiro, e os lábios da mulher se partiram em assombro, as palavras de Jaha afundando o coração em seu peito.
— Vocês estão propondo matar nosso próprio povo. — Abby relembrou em um murmuro pesado, seus olhos suplicantes passando de Jaha para Kane involuntariamente. — Eu não tenho certeza de que essa é nossa única saída, vocês têm?
Tomar banho no rio era mais gostoso pela manhã, a água estava gelada a ponto de seus lábios ficarem roxos e seus dentes baterem ao tremer o queixo, mas a sensação da brisa quente de verão tocando suas curvas úmidas ao sair da água, era impagável.
Além de que, por volta deste horário mais ninguém vinha se banhar, então não havia olhos para vê-la nua sob os raios de sol, com as gotas cristalinas escorrendo pela pele pálida e refinada ao vestir suas roupas íntimas, sentando apenas com a calcinha e o top cinza como uma sereia nas pedras da beira do rio, desemaranhando os cabelos cobres com os dedos, assim absorvendo o calor do sol da manhã por alguns instantes, esperando estar seca o suficiente para não molhar o tecido grosso de sua calça e camiseta.
Desde que pousaram, esta era a primeira vez que estava sozinha. Ou ao menos que pensava estar, pois na floresta sempre havia companhia.
Um estalo não muito preocupante que soou no topo de uma das árvores, a fez olhar para cima calmamente. Não viu nada entre as folhagens, mas acabou percebendo pela posição do sol que tomou muito tempo apreciando sua experiência solo na natureza.
Ela então pôs suas outras peças, calçou as botas amarrando-as firmemente em seus pés, e cobriu seu pulso ainda em recuperação com uma meia preta que havia cortado para virar uma espécie de luva de proteção.
Sem demoras saltou da pedra, e seguiu caminho até o acampamento.
Mais cedo naquele mesmo dia, tinha deixado Clarke responsável por organizar a coleta de mantimentos do bunker, ajudada por Charlie e Finn a distribuí-los. Eles separavam as roupas de cama para aqueles que não conseguiram montar suas barracas, e os medicamentos e alimentos para as duas cabanas que Jasper e Monty divertiam-se ao coordenar a construção. Wells, por outro lado, não recebia ajuda das coisas do bunker, sendo desafiado ao tentar liderar um grupo pequeno a montar um sistema de coleta d'água da chuva.
Todos seus amigos possuíam um papel significativo naquele dia tão importante, o primeiro após a separação, e Joan não era diferente. Octavia reuniu alguns jovens para criar lanças, machados e facas, e as duas os auxiliariam na caça de animais assim que ela voltasse.
Coisa que não tinha pressa a fazer.
Joan subia o pequeno morro que levava a clareira em passos demorados, afastando a folhagem em seu caminho sem se preocupar com rastos, apenas contemplando a vista ao seu redor.
As anomalias da Terra tóxica eram fascinantes e não conseguia deixar de observá-las.
Borboletas passavam de um musgo florescente para outro nas árvores, suas asas azuis luminosas e belas ao bater, provavelmente um efeito proporcionado pelo pólen radioativo que consumiam. Alguns esquilos também passavam por seu caminho, subindo nos troncos e indo para seus ninhos deixando marcas de patinhas para trás em uma gosma rosada e cheirosa, geleia doce que saia dos cogumelos que carregavam em suas bochechas redondas. Era um bichinho adorável de se ver, quando não possuía uma estranha deformidade em seu focinho. O sapo gordo e verruguento, porém, continuava sendo o favorito de Joan, era o mais engraçado com a boca que brilhava em tom azul das borboletas que engolia, sua língua longa e fina sendo quase uma lanterna projetada no ar.
A floresta em si era um lugar inimaginável, que parecia abraçar Joan em seu silêncio profundo e mágico. Sentia-se protegida debaixo do manto das árvores, entre as sombras das folhas e os aromas naturais na terra molhada. Quanto mais se aproximava do acampamento, porém, mais essa sensação de tranquilidade, calmaria e paz se esvaia.
Ao cruzar a última planta que separava a mata da clareira, o agito prevaleceu ao seu redor, e o abrigo confortável da floresta parecia uma realidade distante.
— Joan! — Longe em seus ouvidos sem ao menos ter dado cinco passos, a voz agitada da garota a fez parar onde estava.
Harper era seu nome, e Joan o repetiu diversas vezes em sua mente enquanto ela se aproximava, suas passadas rápidas sendo seguidas por uma menina magra de traços finos e longos, e o rapaz mais novo com uma franja lisa que cobria sua testa.
Fox e Myles. Fox e Myles. Fox e Myles...
Harper, Fox e Myles vinham em sua direção apressadamente, a loira na frente dos dois sendo claramente a líder temporária entre os três, sua postura firme e suas feições sérias, enquanto até mesmo os pés dos outros dois pareciam assustados, seus olhos cintilando receio como animais indefesos.
Alguma coisa estava errada, e ela já podia sentir o peso da liderança em seus ombros.
— O que aconteceu? — Perguntou Joan quando chegaram perto o suficiente para lhe ouvir, seu olhar diretamente para Harper.
— Murphy roubou as coisas que recebemos hoje. — Explicou ela, aos poucos diminuindo o ritmo de seu andar, e os lábios rosados curvos em desgosto por ao menos mencionar seu nome.
Murphy.
Com todos os problemas que teve de lidar desde a primeira fogueira, Joan havia se esquecido do rapaz enquanto ele apodrecia na nave, lentamente se recuperando dos ferimentos bem dados pelos punhos de Wells. Agora pelo visto havia ganhado forças suficientes para retomar sua missão de causa discórdia.
— O que ele roubou exatamente? — Joan rolou seus olhos impetuosos sobre o acampamento inimigo, estudando-o por inteiro ao anotar cada indivíduo e barraca, buscando o que fosse.
— U-um lençol, e... e dois cobertores, um de cada um de nós. — Gaguejou o menino mais novo, passando seus dedos nervosamente pela sua franja lisa e comprida. — Você sabe se tem outro para nos dar? Podemos nos virar com qualquer coisa, de verdade. Pedaços de roupa, ou colchão, ou...— Ele abruptamente continuou a falar e falar até Joan não ser mais capaz de ouvir, suas palavras correndo de sua boca depressa, como se houvessem aberto uma torneira que nunca ficava sem água. — Não queremos problemas, principalmente depois d...
— Não se preocupe. — Ela o cortou simples e rapidamente, trocando olhares sutis com as outras duas meninas ali, ambas a mirando em mesma confusão e estranheza quanto ao rapaz.
Deixando o fato de lado, Joan umedeceu seus lábios ao voltar sua busca pelos sem pulseiras, imediatamente encontrando a figura conhecida passando pela cortina de entrada da nave a qual dividiam.
Sem dizer mais nada para os três antes de deixá-los para trás em pisadas leves e apressadas na terra fofa, Joan mediu o impostor da cabeça aos pés ao se aproximar.
Ele descansava suas mãos na cintura, apreciando os raios de sol na parte mais alta da rampa com os olhos fechados e um sorriso leve em seus lábios. Respirando fundo o aroma fresco da Terra, Bellamy estranhou a proximidade do delicioso cheiro de água doce, soltando o ar de seus pulmões de uma só vez ao abrir os olhos.
Um sorriso cresceu em seus lábios ao ver Joan subindo na plataforma de metal, seus cabelos molhados respingando no piso a cada passo que dava em sua direção.
— Gracinha. — O comprimento provocativo foi instintivo, e Joan trincou os dentes em desagrado, engolindo o nó em sua garganta ao lhe lançar um olhar repreensivo.
— Precisamos conversar. — Murmurou ela tocando seu ombro, não o esperando para entrar na nave.
Bellamy cogitou não a seguir, familiarizado demais com os dramas raivosos de Joan e sem vontade para ter de lidar com eles no momento. Porém sua mente curiosa foi para o possível motivo de tal conversa, não tinha feito nada que pudesse a afetar de alguma maneira, então a única coisa que ambos tinham para discutir era...
Octavia.
A preocupação e a fúria preencheram seu peito antes leve, e em passos fortes ele abriu as cortinas brutalmente ao entrar na nave.
— Que merda aconteceu com a minha irmã Jo...
— Nada aconteceu com O. — Ela o cortou levantando uma de suas mãos para o ar, sem querer desgastar-se com uma briga ou sermão inútil. Ao contrário do que ele esperava, estava ali em paz para estabelecer a ordem, e tentou o mostrar isso ao dar um passo em sua direção, seus olhos âmbar firmes ao dissipar a confusão nos olhos dele. — Vim falar sobre Murphy.
O impostor quase riu da virada que tomou.
— Murphy? — O impostor cruzou os braços no peito com graça, apoiando-se lateralmente na parede fria de metal, a luz natural que passava pelas cortinas contornando sua silhueta, iluminando sutilmente seus traços intrigados. — Que droga você quer com Murphy?
— Ele está roubando coisas do meu acampamento. — A garota cruzou os braços finos, a amargura em seus olhos contrastando drasticamente com sua voz serena, insatisfeita com o que dizia. — Você precisa fazer algo.
— Eu?! — Bellamy deixou sua risada desacreditada sair livremente, descruzando seus braços ao se afastar da parede em puro impulso. Ela estava pedindo ajuda para ele? Não. Isso não podia ser real. — Não... Se ele atacou seu acampamento, você que se defenda.
Ele deu de ombros em descaso, e uma onda de raiva subiu pelas entranhas de Joan, seu rosto até então neutro fechando-se de imediato.
— Ele atacou o meu acampamento, mas ele é dos seus. — Cuspiu em desgosto, dando um passo raivoso instintivo para frente, ficando a um palmo dele.
Esse impostor egoísta, rude e sarcástico... Não importava o quão próximo seus rostos estavam, ela só conseguia sentir ódio fluindo por suas veias. Seu coração batia forte, mas em puro malgrado, a fúria correndo em cada pulsada, sua voz rasa saindo entredentes sem conter um pingo de aversão.
— Eu mantenho o meu povo em ordem e você mantém o seu. — Seu indicador fino afundou no peito do impostor, pressionando o peitoral firme ao vagarosamente empurrá-lo para trás com o único dedo.
Irritado com o toque hostil, Bellamy bruscamente pegou a mão a dela com a sua, segurando-a com força entre os nós de seus dedos quase na altura do queixo de Joan. Ele não rompeu o contato quente de seus olhos, moendo os dela em uma batalha ameaçadora, porém sua mente estranhamente focava na aspereza do tecido grosso sob a palma de sua mão, sabendo que era o que cobria o ferimento da noite da fogueira.
De repente tudo pareceu claro, e o gosto podre da decepção subiu por sua garganta.
— E como eu deveria te vingar, hun? Pondo a cabeça dele no fogo como ele fez com você? — Os olhos dela sustentavam os deles profundamente, ambas as respirações ofegantes e os peitos descontrolados pela tensão presa no ar.
— Eu não busco vingança Bellamy, mas justiça. — A voz de Joan saiu em um suspiro sereno e sincero, e assim como poeira, a exasperação dos dois foi baixando aos poucos entre o olhar intenso que carregavam, os dedos de Bellamy perdendo a força sobre os dela, que deslizou sua mão da dele suavemente, fitando o chão ao dar um passo para trás, acalmando-se com a falta de seu calor. — Vamos fazer uma regra... Uma lei de convivência.
— Uma lei? — Ele não foi rude ou sarcástico quanto ao comentário como geralmente o fazia, porém também não pareceu convencido, franzindo as sobrancelhas ao renegar a ideia. — E por que meu povo obedeceria a essa lei?
— Porque senão eles serão banidos, de ambos os lados. — A onda estável e confiante de sua voz não condizia com seus olhos alheios em pensamentos, era quase como se estivesse surpresa com as palavras que saíram de sua boca.
Joan não sabia como a ideia chegou em sua mente, mas ela era boa e Bellamy precisou de um tempo para absorvê-la, fitando o piso de metal com veracidade, embolado em contradições mentais.
Observando-o por um curto período, ela percebeu que precisaria insistir um pouco mais para convencê-lo.
— Nós não estamos nos unindo. Você lidera como quiser o seu lado e eu o meu, só não atacamos um ao outro. — Ela estudou sua reação em meio as palavras, vendo os olhos escuros subirem para os seus ainda incertos, o maxilar duro em conflito. — Sabendo que são os meus 68 contra o seus 30, o acordo só devia ser visto como vantajoso para você...
— Ok. — Cuspiu asperamente a contragosto em um suspiro derrotado. — Aceito sua lei idiota.
— Ótimo. — Joan assentiu, um sorriso satisfeito dançando em seus lábios ao dar alguns passos para frente, esticando sua mão para selarem o acordo.
Por alguns instantes o impostor apenas fitou a mão coberta pelo que parecia uma meia rasgada, mas no final embraçou sua mão tão pequena e firme com a dele, o toque lhe parecendo estranho, como se segurasse a coisa mais delicada e poderosa do mundo, a ponta de seus dedos formigando com o veneno extasiante de sua pele aveludada, seu peito nervoso em conflito por conter a necessidade de acaricia-la ali.
— Um lençol e dois cobertores. — Joan comentou subitamente entre o aperto de mãos, seus olhos encontrando os deles ao subir para seu rosto. — Foi o que Murphy roubou. Eu quero de volta.
— Vou ver o que posso fazer. — O impostor escorregou sua mão da dela ao responder, pousando-a novamente em sua cintura.
— Melhor conseguir. — Joan jogou baixo em um murmuro, e sem esperar mais respostas passou por ele, caminhando até a saída.
Cada passo seu era leve e calmo, mas para Bellamy pareciam curtos e agitados, rápidos demais para dar-lhe tempo de raciocinar sobre o que seu peito gritava para fazer. Ele foi puramente movido por suas emoções ao vê-la indo.
— Joan. — Escorregou por seus lábios ao segurá-la pelo bíceps, virando-a subitamente para si. A garota não estava preparada para aquilo, para o calafrio que subiu por sua espinha ao encontrar seus olhos agitados afundados em sinceridade e confusão. — Ahm... Obrigada por tentar fazer Octavia ficar do meu lado ontem.
A essa altura os lábios de Joan estavam pregados juntos, sem a menor condição de pensar em palavras para lhe responder, suas forças focadas em regular a respiração descontrolada e buscar ignorar o fervor do toque quente de sua mão. Mesmo que conseguisse formular alguma frase coerente, o nó em sua garganta não permitiria que ela saísse por seus lábios.
Bellamy também enfrentava seu coração querendo sair pela boca, atordoado com guarda baixa de Joan ao fitá-lo. Os olhos brilhantes dela pareciam tão impressionados e perdidos naquele instante, que ele se sentia culpado.
Em que momento ele ser uma boa pessoa deixou de ser algo normal, e se tornou surpreendente?
Com o peito pesado ele não aguentou muito mais a dor de sustentar seu olhar, escorregando os olhos dos dela para qualquer outro lugar possível, por acaso pousando em sua própria cintura.
O que viu ali era um sinal para concertar as coisas.
— Você deveria ficar com isso. — Sua mão deslizou pela pele macia da garota até deixá-la de vez, pegando a faca profissional presa em seu cinto.
A razão voltou para o corpo de Joan quase no mesmo instante que o toque se rompeu, a desconfiança tomando conta de seu olhar para Bellamy, que sorriu fraco ao virar o cabo da arma branca para ela, realmente parecendo lhe oferecer a faca.
— Assim talvez você consiga proteger Octavia se alguma coisa acontecer.
Os lábios de Joan partiram em indignação, mas ela fisgou o sorriso divertido nos lábios do garoto antes de dizer qualquer coisa, percebendo a provocação proposital suave de suas palavras.
— Ou matar você se descumprir nosso trato. — Joan segurou o cabo da faca, puxando-a para si, e brincou com ela entre seus dedos finos agilmente, aprofundando o olhar provocante que agora sustentavam, levantando as sobrancelhas presunçosamente.
Bellamy molhou os lábios, passando a língua em seus caninos ao rir para os próprios pés, preparando-se para entrar no jogo dela. Apesar do ar parecer queimar ao redor dos dois, o clima nunca esteve tão bom.
— Uma gracinha como você não mataria uma gracinha como eu. — Ele deu um passo para frente, testando os limites da garota.
Não imaginou, porém, que ela daria outro passo brusco em sua direção, chocando os seus corpos e deixando apenas três dedos de distância separarem seus narizes, suas respirações misturadas em um hálito quente, e o bater de seus corações juntos fora de ritmo. Se fosse qualquer outra garota, ele a beijaria ali e agora, mas Joan não podia deixar tão fácil, mirando a ponta afiada da faca a centímetros de seu pescoço
— Eu podia, e você sabe disso. — Murmurou em sua voz macia, seus olhos âmbar leves nos castanhos.
— Você podia, mas não vai. — Sua voz rouca tão próxima arrepiou a pele de Joan, e ele teve o prazer de sentir o efeito que causou ao subir levemente seus dedos sobre o braço da garota que segurava a faca no ar.
Seus olhos admiravam a beleza de seus traços ao fazer, submerso aos sentimentos extasiantes do calor de seus corpos unidos. Esse foi seu erro, pois sem ver o que fazia Bellamy segurou o pulso de Joan com a intenção de baixá-lo, e assim que o fez ela saltou para trás arfando de dor, puxando seu braço para si.
— Merda! Me desculpe.
— Está tudo bem. — Joan engoliu seco, acariciando o próprio pulso coberto ao retomar o controle de sua respiração, hesitantemente dando mais um passo para trás. — Um lençol e dois cobertores. — Quase como se nada tivesse acontecido, ela retomou suas palavras, guardando a faca em seu cinto e lançando-o um olhar incisivo. — Não esquece.
Bellamy apenas assentiu sem condições de dizer mais nada e Joan passou pelas cortinas para fora da nave, reprimindo o sorriso em seus lábios, uma corrente gelada ainda viva em seu estômago.
Aquilo era realmente bom, a sensação era boa, apesar de assustadora. Era como imaginava ser quando se estava no topo de uma montanha, sentia o medo de cair emaranhando em suas entranhas, e seu coração livre no peito, maravilhado com a beleza da vista.
Ela sabia, porém, que não deveria se permitir sentir aquilo.
Não foi difícil para Joan entender que tinha uma queda por Bellamy, ela se conhecia o suficiente para isso. O problema era que ela não o conhecia. O seu belo rosto — e corpo — pertencia a duas personalidades completamente diferentes: O impostor egoísta e sem noção, a qual ela odiava com todas suas forças, e Bellamy, um rapaz sincero e atencioso que merecia sua atenção.
Temia que o segundo fosse uma farsa do primeiro, e sinceramente, não tinha tempo para descobrir a verdade enquanto tinha de carregar um acampamento nas costas.
Fosse o que fosse, ao menos agora tinha sua faca de volta, e sabia que se jogasse direito, conseguiria o que mais quisesse do rapaz.
Os passos apressados e cuidadosos mal faziam barulho ao tocar no piso de metal, ao contrário do par de pés desordeiros e afobados as suas costas. Abby os ignorava, varrendo os olhos pelos corredores praticamente vazios da ala pouco habitada da Arca, certificando-se de que ninguém a seguia além do rapaz esguio.
Tyler não fazia ideia de onde estava sendo levado, porém pelas atividades suspeitas da mulher, não lhe parecia algo bom.
Abriu a boca para perguntar-lhe pela quinta vez aonde estavam indo, porém cortou as palavras pela raiz ao vê-la parar diante de uma porta larga a qual também nunca havia visto antes. Todos os corredores que passaram até ali eram novos para ele.
Assim que Abby encostou seu cartão de acesso no painel e a porta se abriu, a tensão caiu dos ombros de Tyler dando espaço a admiração. Seus lábios entreabertos em choque ao dar passos maravilhados para frente, os olhos brilhando ao ver prateleiras altas e intermináveis com peças mecânicas históricas, algumas tão antigas que nem ao menos fazia ideia do que eram.
Nunca havia entrado no galpão da engenharia, nenhum aprendiz jamais havia o feito. Era um labirinto secreto, com partes de pouco uso para a manutenção da Arca — mas ótimas para construção de foguetes.
A porta se fechou atrás de si no som conhecido de pressurização, e Abby avançou por entre um dos corredores estreitos, seus olhos bondosos exibindo a graça que viu no sorriso encantado do menino.
— Você não viu nada ainda. — A doutora murmurou em um curto e leve sorriso, a poeira sob suas botas baixando ao parar de andar. — Vamos, é por aqui.
Tyler não hesitou em segui-la, apressando o passo animadamente e deslizando seus olhos por cada peça de motor no caminho, o sorriso curioso crescendo mais em seus lábios finos a cada descoberta.
Quando as sombras causadas pelos grandes muros de tralha tornaram-se menos escuras, deixando que a luz fria do lugar chegasse até seus rostos, Tyler parou de olhar para os lados, e não conseguiu dar nem mais um passo a frente. Maravilhado.
Uma nave. Uma larga e bem construída nave.
— Uau! — Ele não conteve o riso extasiado com o que via, os olhos mel cobrindo cada centímetro da lataria satisfatoriamente, até de repente encontrar os propulsores, onde Raven apoiava um de seus braços, sujando sua testa de graxa ao secar o suor que por ali escorria.
— Surpresa. — Disse ela entre a respiração ofegante, o sorriso incerto em seus lábios pela expressão confusa no rosto do garoto.
— O que é isso? — A frase escorregou pelos lábios de Ty, e ele negou sabendo que não era a pergunta correta, virando-se para Abby em curtos passos. — Por que me trouxe aqui?
A conselheira fitou rapidamente o chão, antes de trocar olhares com Raven em uma conversa silenciosa e demorada. Os dedos nervosos de Tyler contornando a carne de suas unhas com agressividade entre o silêncio, a ansiedade por respostas o desestabilizando.
Quando a mulher respirou fundo em derrota, ele só conseguiu se sentir aliviado. Mal sabia ele que o que estava por vir.
— Em três dias o conselho quer executar 260 pessoas no setor 17 para economizar ar, pois os sistemas da Arca estão falhando. — Abby sustentou seu olhar em pesar, sua voz macia e penosa. Tyler podia sentir a culpa acumulada no peito da mulher, mesmo não concordando ela fazia parte dessa decisão. — A única chance de salvá-los é entrando em contato com os 100 prisioneiros que foram mandados para a Terra.
— Estávamos certos então. Eles foram mandados para a Terra. — Tyler sorriu realizado, rapidamente olhando para Raven, que nesse sentido parecia tão contente quanto, levantando suas sobrancelhas presunçosamente ao cruzar os braços, seus lábios formando silenciosamente as palavras "eu te disse". — Ok. Qual é o plano?
— Concertar a nave antes do abate acontecer. — Respondeu Abby, atraindo um olhar novamente perdido do rapaz, acreditando ter errado os cálculos.
— Dois dias — Raven interferiu, afirmando seu temos em um suspiro pesado e cansado. — É quase impossível, mas não totalmente. — A garota forçou um sorriso, suas duas mãos firmes na cintura ao encontrar o olhar penetrante do rapaz, aprofundando-o em busca da confiança que acreditava ter, a força que ela precisava dele para seguirem com o projeto.
Tyler respirou fundo, um tanto pressionado pelos olhos redondos cheios de esperança. Ele não podia a decepcionar agora.
— E depois que conseguirmos? — Tyler enfatizou suas palavras positivas atrevidamente e um riso fraco veio de Raven, contente e com sua resposta.
— Depois vamos para a Terra — Abby pousou sua mão madura no combro fino do garoto, os olhos mel dele encontrando os seus cheios de expectativas.
Mesmo com os anos treinando em um simulador e sendo o melhor piloto entre os jovens engenheiros da Arca, ele nunca imaginou que um dia teria a chance de realmente sentar em uma nave de verdade, pilotá-la pelo espaço e passar a atmosfera.
Nunca em sua vida cogitou a possibilidade de por seus pés no solo da Terra.
Ele assentiu para a doutora com um sorriso, deixando a mão dela deslizar por suas costas ao ir em direção aos propulsores. Abby ficou sozinha ali, seus olhos doces distantes em pensamentos ao observar os dois adolescentes trabalharem juntos na máquina que mais uma vez se tornou um símbolo de esperança.
— Vamos ir para a Terra e encontrar minhas filhas. — Abby sussurrou, dessa vez apenas para si.
NOTAS.: Hey!! Deixe seu apoia a história votando em Leis de Convivencia e seguindo a escritora para notícias sobre os próximos capitulos!
Estavam preparadas para esse momento Belloan? Joan não é nada boba minha gente hahahah
E o que vocês acham? Essa lei ai entre os dois acampamentos vai durar?
Ansiosa pelos próximos capitulos, até quinta que vem meus amores!!!
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