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700 a.C
Acredita-se que os sentimentos são as memórias mais marcantes que um ser humano pode ter, ser e sentir. Entende-se que através de sentimentos, memórias possam ser tocadas, modificadas e transmitidas. No processo de evolução conseguimos quase tudo ou tudo, mas ainda pecamos por coisas pequenas e sem compreensão. Compreender aquilo que se passa dentro de uma memória pode ser a coisa mais difícil do mundo. Durante todos os momentos que me foram proporcionados, nenhum deles foi tão cruel quanto a ilusão de amor e a psicopatia que obtive ao perdê-la.
Hoje, olhando para a cidade que construí baseada no sorriso de uma mulher, me sinto vazio. Sinto que todos os nossos momentos foram maiores para mim, do que para ela. A sua alma não absorveu o mesmo que os meus olhos quando avistaram a sua presença. Ao longo de todas as memórias e todos os processos que necessitei ter para compreender o que sentia por ela, existem detalhes que não possuem definição. Por mais que usasse todos os meus conhecimentos para entender, nunca compreenderei o motivo do seu sumiço.
Gostar de alguém, mesmo que inconscientemente, significa renunciar a você e aceitar o outro por completo. Alguns instantes ao lado de alguém pode modificar aquilo que você compreende como você, e, em simultâneo, abranger aquilo que você sabe sobre o mundo. O mundo que conheço é pequeno e os seus detalhes não são importantes para descrevê-los neste desabafo. Porém, os momentos que aqui quero deixar são aqueles que não sei descrever por não saber a sua intensidade. Por não conhecer o tamanho do meu coração e a imensidão do seu significado em mim.
Acredito que em outra vida, se chegar a fazer parte desse mundo e encontrar esses momentos descritos em algum lugar, eu os consiga compreender. A compreensão é a única saída para um mundo diferente, um mundo onde cada um de nós sonha de uma forma desigual. Um mundo onde compreendemos de várias maneiras possíveis o que chamamos de possessão amorosa.
Os Deuses nos ensinam a procurar a resposta em sinais, mesmo que eles sejam pequenos e sem sentido. Procurei por isso, vaguei por lugares procurando descobrir a fonte dos detalhes dos sentimentos que sentia. Não encontrei nada, apenas ruínas de momentos que, de novo, foram somente sentidos por mim. Hoje, a minha tirania se baseia em algo que não sinto. Essa história sempre será o motivo das mudanças que realizei e, as mudanças que fiz, sempre serão histórias de um amor partido que me deixou.
Para a minha infelicidade, a mulher que entreguei todos os sentimentos que possuía em mim, morreu. Ela levou consigo todas as respostas para as perguntas que tinha e todos os detalhes formados em incógnitas permaneceram suspensos no ar, com o ódio que vive em mim. Sabendo que tenho toda a nação aos meus pés, posso concluir que não significa nada perto dos momentos ao seu lado e da pequena vontade que tinha de ser seu para o resto da eternidade.
A mulher que dominou o meu coração era mais que uma mulher, ela tinha algo que nem os Deuses conseguiriam decifrar. Ela tinha brilho no canto dos seus olhos e o seu coração era tão grande que consumia metade do meu quando estávamos na presença um do outro. Algo que não acontecia muito, pois, ambos tínhamos receios de momentos fracos e quebrados, vivenciados em momentos de guerra.
A sua beleza vinha de outra região do mundo. Os seus olhos pequenos e feições doces me conquistaram assim que a observei nas ruas dos nossos comércios. De longe, observei que ela não sabia o quão perfeita era e tudo o que carregava consigo era ouro. Os seus lábios chamavam-se: desejo; o seu sorriso chamava-se: felicidade; e até mesmo as suas lágrimas tinham um nome para combinar com a sua graciosidade.
Nunca soube o seu nome, apenas sei que ela se intitulava Kytzia. O nome me arrancava sorrisos bobos apenas por pensar no seu significado e como ele encaixava na pessoa que ela era. Kytzia trouxe consigo desejo e segredos, entretanto, ela não se atreveu a contar a sua real intenção em meu solo. Ela apenas apareceu e me concedeu momentos que seriam difíceis de esquecer. Segundo os Deuses, esses são os sinais certos para descobrir o significado dos momentos que vivemos. Se pudesse nascer em outra vida, necessitaria fazer com que ela pagasse por toda a dor que me causou, ao me deixar só e sem resposta.
Kytzia deixou o meu mundo e levou consigo algo maior, algo que não encontrarei de novo e não estarei disposto a procurar. Algo que nem mesmo os Deuses conseguem decifrar e o meu coração se rejeita a aceitar.
O meu amor.
***
SÉCULO XXI
Kytzia
Eu acreditava no amor.
Eu sempre acreditei que a minha felicidade estava escrita no sorriso de outra pessoa. Que, com o esforço certo, seria uma das pessoas mais felizes do mundo, pois, não havia nada mais forte do que o amor. Porém, ao me perder no amor de outra pessoa, esqueci o perigo que me cercava desde que nasci. Nascer como nasci e ser como sou é a única certeza que tenho: de que jamais andarei sozinha pelos caminhos escuros do mundo.
Ao nascer no centro de uma família paranormal, tudo o que você mais deseja é liberdade. Todas as pessoas, situações e momentos que você vive são pequenas motivações para mudar a sua vida. Ao contrário da minha linhagem, eu não queria ser alguém assim. Não queria sentir momentos assim e não desejava carregar o meu povo e a linhagem que tanto me amaldiçoava comigo. Desejei o amor e o amor me traiu, sonhei com ele e ele sonhou com outra. A pior decisão de um coração será sempre aquela que o leva ao limite, a decisão que arranca tudo de si em silêncio.
O meu amor roubou tudo de mim, ele arrancou a minha vontade de viver e levou consigo tudo de bom. Durante alguns anos, cresci cultivando amor por várias culturas, assim como as pessoas cultivaram ódio por mim e por algo que os meus ancestrais fizeram. Aprendi que pagaria pelos erros do meu povo, mesmo não fazendo parte dos errantes. Assim é a vida de alguém nascido no antro de uma família envenenada e cheia de inimigos.
Assim era a minha vida, pagando pelos pecados dos meus antepassados.
O meu nome é Kytzia, filha de pessoas poderosas, porém, sem poder nenhum. Acreditei que, ao nascer sem poder ou sem sentir o que a minha família sentia, eu conseguiria viver uma vida normal e me apaixonar por pessoas normais. No entanto, encontrei um homem que, além de me iludir com a falsa ilusão de amor, arrancou tudo de mim e me deixou em um abismo de solidão.
A minha história começa quando o amor perdeu a sua intenção e a maldade virou casa. O homem que procura por mim, enquanto fujo das suas emboscadas, chama-se: Julian. Cruzamos caminhos em alguns lugares e, em todos eles, ele tinha o mesmo discurso. Por um lado, ele tentava vingar a sua família, vítima da minha e eu, pelo outro, tentava explicar que não tinha nada a ver com a situação; que também não possuía culpa por seu amor sem respostas; e que eu jamais magoaria o seu coração.
Hoje passo os meus dias correndo de alguém que deseja a minha morte e encontrará sempre o caminho até mim, mesmo esse caminho sendo feito das maldades que ele chama de "amor".
— Finalmente nos encontramos. – ouvir a sua voz me causava arrepios. — Passei um bom tempo procurando por você.
— A sua intenção ao me procurar sempre foi acabar com a minha vida. – respondi. — Acredito que finalmente chegamos ao momento certo.
— Acabar com a sua vida seria simples, manter a sua presença sem você perceber as minhas intenções foi desafiador. – o meu coração estava acelerado. — Você foi fácil de enganar. – a sua psicopatia era nítida em seus gestos.
— Você me usou para provar um ponto de vista. E, agora, o que fará após a minha morte?
— A sua morte não significa que eu cumpri os meus objetivos. – a sua voz nunca perdeu a arrogância. — A sua morte significa que os Deuses me possibilitaram terminar o que começamos.
— Mesmo que eu não saiba do que você está falando? – não conseguia acreditar.
Neste momento, pagava pelos erros dos meus ancestrais. Por culpa deles, eu estava perdendo o meu rumo e a minha vida. O homem ao meu lado sempre foi o meu ponto de apoio, alguém que eu poderia confiar para qualquer coisa. No entanto, tudo mudou após descobrir que estivemos juntos em uma vida passada e que eu fiz algo ruim para ele. A sua decisão de me matar foi a melhor solução encontrada para o seu coração.
O homem que dizia ser a reencarnação de um Deus egípcio, precisava da minha morte para continuar com a sua vida. Algo tenebroso, mas que para ele fazia todo o sentido. Ele passou todas as suas vidas e reencarnações procurando pelo rosto da sua amada. O seu plano sempre foi o mesmo: se vingar do rosto que partiu o seu coração, mesmo que o rosto atual não possua nenhuma relação com a sua vida.
Após conquistar o meu coração e me fazer acreditar em tudo, me vejo assim. Sei que morrerei por motivos incompreensíveis, porém, também sei que o meu coração o ama ao ponto de ceder e aceitar a minha morte. Morrerei por ele e por mim, pelo amor que sentimos em uma outra vida e pelo amor que ainda sinto aqui dentro do meu peito. O amor nunca é resposta para nada, preciso me lembrar disso para uma outra vida.
Por qual motivo não acreditei nestas palavras antes?
— O nosso primeiro amor foi aquele que você arrancou de mim. – continuou. — Então, jurei para mim mesmo que me vingaria de você, mesmo que isso precisasse de anos para acontecer.
— Tudo bem. – já não possuía forças para lutar. — Aceito as suas decisões e o meu destino, acredito que morrer será melhor que conviver com a dor desse momento. – não esqueceria a sua crueldade se continuasse viva.
Eu estava presa, amarrada como uma malfeitora. Me sentia assim, sentia que estava pagando por meus pecados e, que a tortura que sofri por ele, era correta, por isso, não deveria discutir. Esse foi um longo processo, entre mim e o meu subconsciente. Ao ver que não possuía saída, aceitei o meu destino e a morte que em breve me encontraria. Para a minha alegria, o meu sofrimento acabaria em breve e eu poderia continuar em paz, com ou sem o homem que amei.
— Prometo que você não sentirá nenhuma dor. – a sua voz me proporcionava dor. — Não esperei encontrar a sua reencarnação em uma civilização distante da minha, porém, encontrei. Você é a melhor decisão que tomei alguma vez.
— O que acontecerá com a minha morte? – me atrevi a perguntar. — Somente o seu coração estará em paz?
Em seguida, o homem soltou uma gargalhada horripilante e começou a andar em círculos, em volta do lugar onde eu estava sentada. Senti arrepios por todo o meu corpo, como se ele estivesse tocando em mim com os seus olhos e pensamentos impuros. Julian foi, por um bom tempo, o meu ponto de paz. Hoje, ele era o meu inimigo e eu o amava tanto ao ponto de não me importar com a sua crueldade.
Dizem ser assim mesmo, que o amor muda você. Que relações como a nossa, não se relacionam por completo e sim por meio-termo.
— No final, todos estaremos bem. – não acreditava nisso.
— Como tem certeza disso? – questionei.
No momento seguinte, ele se aproximou de mim e encostou o seu rosto próximo ao meu. Elevando a sua boca ao pé da minha orelha, ele continuou com a sua sessão de terror envolta de amor e possessão.
— Anjos não voam. – sussurrou em meu ouvido.
Inesperadamente a dor me invadiu, pude sentir os meus órgãos doerem. A minha cabeça girava com muita força e os gritos que queriam sair, não saíram. Essa era a sensação de morte, seria esse o sentimento que ele queria me proporcionar ao longo de toda essa história, ao longo de todo o nosso relacionamento? Não vi sangue em minha própria morte, mas pude sentir o gosto dele, como se sangrasse de dentro para fora. Provavelmente, isso estava acontecendo. A dor que ele prometeu que não sentiria, estava presente e doía mais do que o esperado.
Ao encontrar a morte, percebi que ele tinha razão. No final de tudo, depois de todas as decisões, momentos, reações, memórias e detalhes.
Anjos não voam.
***
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