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Marionette


"Como uma boneca manequim

De A a Z, é tudo tão estranho."

— Dumb Dumb.

Acalentada em meio a singela brisa de um outono que parecia infindável, Min-ah ouvia em silêncio o pequeno rio a sua frente, seguindo o seu curso por um horizonte que não podia ver. Pequenas margaridas cresciam na margem do flume, dispersando seu doce aroma como um presente, atiçando a curiosidade da jovem ao aspirar tal fragrância.

A garota de longos fios escuros moveu os finos dedos das mãos empalidecidas pela grama ainda verdejante à procura de tais flores, que sempre afloravam, ainda que o inverno estivesse prestes a chegar. Tateando o chão vagarosamente, a morena sentiu certo arrepio correr por sua pele devido a baixa temperatura, fazendo-a tremer por mínimos segundos antes de recolher a pequena planta próxima de si, indefesa e invisível, como a própria moça sentia-se no pequeno vilarejo esquecido em que vivia. Min-ah ouvia os sons e resquícios de vidas alheias à dela, que pareciam seguir sem que sequer tocassem a sua, o que não era de todo apenas uma paranóia.

Com um suspiro, a jovem balançou a cabeça, em uma tentativa de livrar-se de pensamentos tão melancólicos, o que em nada lhe condiziam, e levantou-se, buscando ao seu redor o que lhe ajudasse a se locomover em seu mundo cheio de trevas: uma pequena bengala, feita de madeira desgastada que seu pai há muito tempo lhe fizera, o instrumento que a auxiliava a vislumbrar a pequena realidade diante de si. Contudo, foi com confusão que a Park não encontrou o objeto, ainda que pudesse garantir que este estava exatamente ao seu lado. Quase em desespero, a moça arrastou os pés pelo chão coberto pelas folhas que caíam das árvores, sentindo que sua própria respiração ficava mais apressada devido ao seu temor. Seus pés cobertos por calçados maltrapilhos enfim encontraram algo, porém longe daquilo que desejava; uma pequena pedra foi de encontro aos dedos magros, e a morena, sem equilíbrio, tropeçou, levando seu corpo ao chão.

Dores repentinas se fizeram presentes no corpo esguio, mas nenhuma delas era mais alta do que o som das risadas que atingiram seus tímpanos, risos infantis carregados de malícia e escárnio, que Park Min-ah sempre tivera que ouvir.

— Seu monstro! Espírito demoníaco! — Min-ah se manteve encolhida, afundando o rosto sob as mãos, em um silêncio quase resignado; esta já havia se cansado de responder, pois até mesmo suas palavras eram levadas como maldições ou feitiços, lançados em meio a sua dor, seus olhares cegos eram tidos como maus presságios e sua simples existência era um sinal de mau agouro. Afinal, a Park tinha também, além de sua cegueira, o seu reflexo perfeito, uma garota que, embora fosse idêntica a ela, era tão diferente de si quanto o sol e a lua ou, como a mais velha bem sabia, como a luz e a escuridão.

— Parem com isso! — a jovem ouviu passos apressados a se aproximar, junto a sua própria voz repetida nas cordas vocais de So-ah, porém com uma determinação e raiva que a mais velha havia, há muito, escondido dentro de seu coração machucado. Min-ah sentiu então que as lágrimas, que também tentava esconder sob um véu de bravura, deslizaram por suas bochechas coradas, guiando o choro engasgado em sua garganta para que enfim deixasse os lábios corados em uma lamúria de angústia. O som entristecido preencheu o ambiente como se ali estivesse uma criança desamparada, exatamente como a Park sentia-se em sua solidão. As fatídicas risadas ainda permaneciam, porém logo cessadas pela recém-chegada, que arremessou o vaso vazio que carregava na direção daqueles que amedrontavam aquela que permanecia imóvel, fazendo o tal objeto de barro estilhaçar-se em mil pedaços, feito pedaços de um céu amarronzado.

Os pequenos moradores se afastaram dos estilhaços, temendo a garota que os olhava com fúria, sem se importar se estes fossem muito mais novos que ela.

— Vão embora daqui, ou o próximo que lançar atingirá um de vocês! — gritou So-ah, agarrando um dos pedaços sobre o chão em uma ameaça, o suficiente para que os agressores da irmã fugissem como em uma revoada descaminhada, levando consigo as zombarias e escárnio que ainda ressoavam nos ouvidos alheios. Com um suspiro, a mais jovem das gêmeas largou o material, encaminhando-se na direção de Min-ah, que ergueu o rosto com desconfiança, atenta a qualquer movimento além daquele que já lhe era comum. Tímidas lágrimas escorriam pelo rosto corado, algo destoante ao sorriso que surgia e iluminava a tristeza presente em seu olhar.

— So-ah! Obrigada.

A dita cuja não respondeu de imediato, recolhendo em uma das mãos a bengala largada a alguns metros dali, e com a outra, auxiliou sua interlocutora a se pôr de pé, observando a lama que manchava o hanbok descolorido que a vestia. O tom azulado dos olhos cegos de Min-ah não viam tamanho desastre, mas tal visão incomodara a mais nova; seu reflexo, às vezes, poderia lhe mostrar um lado que não gostaria de ver.

— O que você estava fazendo aqui? — perguntou a própria ao entregar o pedaço de madeira à dona, que segurou o objeto como se este fosse feito do mais puro ouro. Esta respondeu com um suspiro, arrastando a bengala ao seu redor para garantir maior segurança à sua caminhada.

— Queria ouvir o lago. Logo o inverno chegará e não poderei sair da nossa casa; levarei muito tempo para estar aqui mais uma vez. Desculpe-me, mas o mundo já me é pequeno sem que eu enxergue; impedir-me de andar pela aldeia seria o mesmo que prender um pássaro em uma gaiola — Min-ah ditou, sabendo que palavras de repreensão novamente adentrariam sua audição.

Sem esperar por alguma resposta, a mais velha das irmãs iniciou seu vago caminhar, sentindo em seus pés pequenas pedras que, sabia ela por pura experiência, antes estavam nas mãos das crianças que haviam partido há alguns minutos. Seus olhos encheram-se de lágrimas mais uma vez, as escondendo de qualquer um para que ninguém a visse daquela forma, como a garota indefesa que não entendia tamanho ódio apenas pelo simples fato de viver no escuro. Por vezes, a Park imaginava se não havia nascido em um lugar e época errados, ou se haveria alguém existente que não temeria suas orbes de pérola, suas lágrimas ou mesmo sua voz. Min-ah sentia que era uma pequena flor murcha, enquanto todas as demais haviam florescido.

— Olhem só quem encontrei no meu caminho? Se não são as mais belas desta vila! — Em meio ao silêncio de vidas alheias e de uma caminhada quase solitária, uma voz animada interrompeu tais devaneios melancólicos, trazendo um sorriso quase imperceptível à faceta pálida da moça, torcendo para que suas bochechas não demonstrassem certo rubor. Um jovem parou diante ambas as moradoras, cumprimentando primeiramente So-ah, que o retribuiu somente com um aceno e um baixo "olá", esfregando as mãos sobre o colo com veemência. Logo, o rapaz de cabelos curtos e escuros, vestido em um hanbok de algodão azul que indicava sua posição, direcionou-se a outra Park, lhe sorrindo com alegria.

— Boa tarde, Min-ah. Você sumiu por umas boas horas! Me pergunto o que tanto prende a sua atenção. — indagou ele com certa curiosidade. A irmã da garota fora a que respondeu, no entanto:

— Min-ah adora o rio, desde que éramos crianças; o que faz de você uma corajosa invicta — admitiu ela, reprimindo um arrepio. — Sei que lá também é sagrado, mas a história sobre monstros que o protegem são o suficiente para mim, Hyun.

— São os guardiões de Habaek — Hyun, que era filho do único sacerdote presente em Bitgaram, ditou como se viajasse para as inúmeras histórias que o pai lhe contava. — Ele só permite que dignos de estar em Hayun possam mergulhar no lago. É o que meu pai diz.

Min-ah ouvia com atenção, o que acontecia sempre quando histórias e contos lhe eram passados. Para ela, imaginar um lugar fantástico como aquele que tais palavras descreviam, lhe parecia melhor do que o pequeno cosmos que era sua vila, que mais lhe lembrava uma prisão; ali ela era apenas uma peça que não se encaixava no quebra-cabeça.

— E falando em Si-u...Vocês irão para a comemoração, não é? — o rapaz indagou, recriando um ar de mistério em sua voz, o que fez ambas as irmãs franzir as sobrancelhas com a atitude. — Não me olhem assim! Já temos idade para ir ao festival e ver quem será a escolhida para chegar a Hayun!

Min-ah engoliu seco, sentindo que o próprio corpo tremia ao ouvir aquela afirmação. Já fazia mais de uma década que tal solenidade não era realizada, no entanto, a moça memorava-se da última como se houvesse sido no dia anterior. Ela não conhecia a noiva na ocasião que assistira há tantos anos, nem seu rosto ou sua voz, mas jamais esqueceu dos seus gritos, do momento em que a jovem percebeu que não queria ser uma isca lançada por sua vila, para uma suposta divindade que, em troca, traria chuva e uma colheita farta, mesmo que assim a estivesse arrancado do homem que, preso por outros dois, clamava pela jovem como se esta estivesse a desaparecer para sempre. E, de fato, estava.

A Park, ainda uma menina, lembrava-se da música, da alegria que podia ser sentida através das falas animadas dos demais aldeões, e até mesmo do sabor de um ou outro quitute que sua mãe lhe entregava, enquanto So-ah corria e brincava no bosque cuja cores se misturavam ao vermelho do pôr-do-sol, feito tinta rubra derramada sobre uma paleta de múltiplas cores.

A melodia logo mudou, e o sacerdote proferiu, alto, que a nova noiva para aquele que guardava a vila esperava pelo "encontro".

A tal moça, talvez com 20 anos, dava passos vacilantes, deixando o recinto em que era preparada para a ocasião; em seu rosto, o luto era escondido entre camadas de maquiagem e, no entanto, era perceptível no olhar perdido, nos olhos lacrimejantes e melancólicos.

A escolhida para tal festividade, vestida em um belo hanbok com bordados em dourado, deixou que suas lágrimas fossem levadas pelo vento, percorrendo então a pequena enseada, na direção do barco a remo, do infortúnio e de seu destino.

O homem a qual antes havia sido prometida continuava a chamar seu nome que, agora, a menina que assistira o terrível espetáculo já não conseguia mais lembrar, porém, o desespero presente na simples palavra permanecia a lhe perseguir.

Min-ah, naquele instante, não ouviu nada; a música cessou, o barulho da água parou e até os gritos do pobre homem que observava seu amor partir se extinguiram, e somente o silêncio mortal permaneceu. A menina não gostava do silêncio; pois, no túnel escuro em que vivia, a falta de som lhe deixava desnorteada, mas ainda com uma certeza: a calada guarda a perturbação.

Por fim, um grito estridente, uma voz carregada pelo temor e desespero, atravessou o ambiente, junto do barulho agonizante de algo a ser engolido, o barulho horripilante de ossos a serem quebrados. Gritos infantis se erguiam na pequena multidão, e dos próprios aldeões, que tão esperavam tal situação. A Park não podia ver e mesmo assim, sentiu o bile voltar para sua boca, o colocando para fora diante da cena que se desenhava em sua mente; os jujeong, os seres que guardavam a passagem, haviam tragado a noiva de Habaek.

— Devo admitir que estou curiosa para saber quem será — admitiu So-ah com certa tristeza em suas palavras. — De qualquer forma, não é da cerimônia que quero participar. Prefiro ajudar no templo. E você, Min-ah?

A dita cuja piscou, despertando dos devaneios que a tiravam de órbita. Ela sequer cogitava em participar de algo que ainda a marcava. Logo, balançou a cabeça, em negação.

— Ficarei em casa. Não quero presenciar aquilo mais uma vez.

O silêncio permaneceu por alguns segundos após a sua resposta, o que, para a jovem, era uma eternidade já que não podia enxergar suas expressões. A confusão se fez presente em sua mente e ela temia ter sido pega por uma das famigeradas brincadeiras da irmã.

— So-ah? Você ainda está aqui? — indagou. Para seu alívio, não demorou para a garota responder, com a animação que antes lhe convinha.

— Claro, boba! Não fui embora sem você. Desculpe. Mas acontece que uma certa pessoa tem audição de lobo e não quero que descubra o que planejei com Hyun para o festival, especialmente para você. Não é justo que guarde memórias ruins sobre um dia em que devíamos ficar felizes. Afinal, fazem anos que o último foi realizado.

A mais velha franziu a testa ante aqueles dizeres, visto que, ainda que tal data fosse velada por refeições fartas, danças e festejos que quase não existiam na convivencia de Bitgaram, ainda era uma data um tanto lúgubre; afinal, uma pobre moça seria dedicada a um ser que, definitivamente, não era amigável. Ou não levaria tantas vidas para nunca mais voltar.

— Porque eu deveria ficar feliz, sabendo que mais alguém será arrancado de sua vida? — proferiu ela, baixinho, com um suspiro longo e pesado. So-ah, no entanto, não parecia entender o porquê da irmã negar-se tanto a algo que, desde que o lugar onde viviam havia surgido, sempre se manteve como uma tradição.

Afinal, os fins justificam os meios.

— Porque é para um bem maior! Se não o fizermos, não haverá chuva e, consequentemente, colheitas para que possamos nos alimentar.— Tentou justificar a mais nova, mas diante da negação da irmã, falou: — É cruel, mas necessário e você não deveria se importar tanto, pois, no fim das contas, não é você que será oferecida em Si-u.

Um arrepio correu pela espinha de Min-ah, embora o que ouvira fosse a mais pura verdade. E, mesmo com tal certeza, a garota, que não era em nada uma medrosa, sentiu um misto de receio e ironia na voz de sua interlocutora, o que logo se dissipou com a risada, um som alegre e quase sem nexo, visto o assunto que tinham em mãos.

A morena permaneceu a seguir a outra Park, que iniciou outra conversa paralela cheia de entusiasmo mesmo que a seriedade estivesse estampada no rosto da irmã.

Ela ainda não entendia, nem sabia o porquê daquele sorriso que, imaginava, estava radiante como o sol que surgira naquela manhã, nem que aquele mesmo gesto seria apenas parte de uma lembrança que iria apagar e sumir entre seus dedos.

Afinal, a chuva também leva em sua enxurrada as maiores dores que já não se podia mais carregar.

[...]

Em meio a sonhos e pesadelos que não passavam de escuridão, Min-ah ouviu o som que, certa vez, anunciara o destino fatídico de uma vítima e marcaria a voz dela em sua memória para sempre: o tilintar de sinos repetido em diversas nuances e na mesma melodia pelas moradias que se estendiam pelo pequeno vale, como uma música aterrorizante de ninar.

A moça levantou em um sobressalto, torcendo para que nem seu pai e nem So-ah aparecessem para tentar convencê-la a sair e participar. O barulho de pequenas gotículas e o próprio toque das minúsculas gotas sobre seu rosto a alertou sobre o clima, um dia tempestuoso para um evento mórbido. Ela, de certo modo, adorava a chuva, quando, por pouco tempo, podia fingir que não era excluída ou considerada um fardo. Sozinha, Min-ah sorriu ao ouvir o som do chuvisco e o cheiro de petricor que adentrava suas narinas, a fazendo esquecer que, lá fora, uma tormenta estava para acontecer.

Contudo, seu breve devaneio se findou logo que a porta amadeirada e úmida foi aberta com um rangido fantasmagórico, o que fez a garota ali reprimir um grito. Min-ah agarrou a bengala que lhe servia de apoio e a apontou para aquele que era um invasor.

— Saia daqui!

— Calma, Min-ah! Sou eu. — Um timbre que era quase idêntico ao de Min-ah preencheu o quarto escuro, feito uma brisa fresca de verão a adentrar.

A recém-chegada sorria e, vestida em um hanbok de seda branca com detalhes intrincados em dourado. So-ah parecia feliz. Ela se apressou em ir até a irmã, que tentava normalizar a respiração devido ao susto e segurou sua mão, animada:

— Vamos, preguiçosa! Venha ver a sua surpresa!

A interlocutora franziu a testa por um minuto, levando certo tempo para lembrar do que era aquilo que sua gêmea falava com tanto júbilo, curiosa para descobrir do que se tratava. So-ah lhe preparara surpresas poucas vezes e todas acabavam em brincadeira, sendo elas boas ou ruins. No fim, acabava por ser divertido e ela sempre esquecia de qualquer mau momento que a outra Park lhe proporcionava, visto que a irmã era sua confidente, defensora e melhor amiga, a única em quem poderia certamente confiar.

Com tais memórias em mente, a moça levantou-se e, apoiada pelo cajado que a auxiliava a andar, direcionou-se à irmã, que a segurou pela mão como faziam quando crianças e Min-ah tinha medo do escuro, daquele que seria para sempre o seu companheiro. No escuro do quarto que dividiam, sem a devida iluminação de velas ou do sol, pareciam ser a mesma pessoa, refletida sob um espelho manchado. Os cabelos escuros, a pele pálida, a voz meiga, eram exatamente os mesmos; todavia, seus olhos não eram iguais.

So-ah carregava o castanho da terra, daquela em que sempre pudera andar sem ter medo de tropeçar. Já Min-ah, tinha os olhos tingidos pelo azul da cegueira, o mesmo azul do lago que, ainda que lhe trouxesse paz, também era o lugar em que nunca se atrevera a enfrentar. Suas perspectivas eram destoantes e naquele instante nada da similaridade que possuíam se aplicava. Min-ah sempre se imaginara em outro lugar, um em que não seria tratada como aberração. So-ah queria estar na vila de Bitgaram, sem nada para lhe prender nas amarras que sempre estivera em seus pulsos.

Assim, ela sorriu mais uma vez, deixando sobre uma das camas um conjunto de roupas novas, brancas, em contrapeso a vestimenta um tanto suja que a outra usava, e assim, acendeu uma vela com as mãos livres.

— Um dia especial exige algo especial. Trabalhei por meses no templo para lhe comprar isso. — E estendeu as roupas novas para Min-ah, que franziu a testa sem compreender. Não reclame, Min-ah. Você tem o direito de ter dias bonitos e não cinzentos. E esse será o primeiro deles.

A garota levou as mãos para o tecido próximo a si, surpreendendo-se ao notar que era feito de seda pura, um verdadeiro luxo visto que coisas caras como aquilo eram raras em um lugar irremediavelmente pobre, encontradas somente quando mercadores se atreviam a adentrar a floresta que tornava isolada a vila de Bitgaram. A garota arregalou os olhos descoloridos ao identificar que era realmente o que pensava.

— Mas isso é seda! Porque gastar tanto dinheiro?!

— Min-ah, deixe disso, ok? Eu trabalhei e o comprei, não importava o preço, pois era para você. Venha, experimente! Ficará incrível!

A morena desejou poder rejeitar o presente, mas So-ah parecia tão enérgica que Min-ah não queria apagar aquela felicidade com as suas negativas. Com um suspiro quase derrotado ela assentiu, colocando assim um sorriso no rosto alheio:

— Todos da vila verão como você é, Min-ah! Vamos, os festejos já vão começar e não quero perder nenhum momento. — Esta se apressou então, convencendo a mais velha, que retirou o hanbok marrom e maltrapilho que usava, ficando apenas com as roupas de baixo, o que lhe causou arrepios devido ao clima frio e chuvoso. A outra moça a auxiliou a vestindo peça por peça, com cuidado e dedicação impecáveis, como se estivesse brincando com uma frágil boneca de porcelana que se quebraria com qualquer movimento brusco. O tecido, em nada esfarrapado ou sujo, parecia acariciar a pele pálida, cuja dona não segurou o sorriso ao sentir-se como uma princesa e não como o mau agouro que os aldeões costumavam lhe chamar; ali era outra pessoa, um alguém que estava finalmente em um pedestal.

Por fim, ao ter toda a vestimenta colocada em seu corpo, a jovem sentiu os fios escuros de seu cabelo serem meticulosamente penteados, o ajustando em um perfeito coque, decorado por enfeites prateados que lembravam estrelas sobre o céu noturno; o rosto coberto por pequenas sardas foi maquilhado em pequenas nuances de vermelho nos lábios e nas bochechas, e de azul-claro as pálpebras que se abriam sem nada ver.

Soah bateu palmas, orgulhosa pelo que fizera, com um sorriso dissimulado de admiração. Era realmente um bom trabalho.

— É uma pena que não possa ver o quanto está linda, irmãzinha! Hoje, ninguém a maltratará.

Min-ah sorriu e, mesmo sem enxergar, sabia que estava bonita por simplesmente esquecer de seu temor e tentar, o que não fora tão ruim, no fim das contas.

— Obrigada, So-ah. Você é como as bromélias que me acompanham no lago— riu ela, animada —,pois elas estão sempre lá, como você sempre está aqui para mim.

— Deixe de sentimentalismo — brincou a outra, lhe entregando a bengala e abrindo a porta com um quê de impaciência. — Assim, vamos perder o festival.

E assim, ambas as garotas deixaram a reclusão da pequena casa, aproveitando da leve garoa que as abraçava como presentes advindos do céu, se apresentando entre as brincadeiras, dança e música que se espalhavam pelo terreno.

A mais nova das Park então se desvencilhou de sua companhia, parando em frente a ela feito um reflexo, ditando enfim:

— Espere apenas um momento aqui, sim? Ainda resta algo para que possamos velejar. Não saia daí! — Soah pronunciou, afastando-se de Min-ah e correndo na direção da multidão, sem aguardar por uma resposta. A jovem que ficara franziu a testa, mas sorriu diante tamanha animação que escutara na voz alheia, como se aquela fosse a sua, uma felicidade que também a consumia ao simplesmente saber que aquela mais próxima de si estava feliz.

Com um suspiro, a jovem deu passos lentos, apenas para deixar a escadaria de sua casa e contemplar o som das músicas e os chamados dos vendedores bem como o burburinho de conversas e risadas, o que a fazia imaginar como o lugar estava, se havia flores espalhadas no campo e se o céu era pintado por um arco-íris logo que o chuvisco passasse. Ali, ela poderia esquecer por um momento que a tempestade ainda chegaria para lhe assustar.

— Senhorita? Senhorita, com licença? — Ao ouvir tais palavras proferidas tão perto, Min-ah deu um salto para o lado, assustada. A julgar pela voz, um senhor idoso estava perto, e esta nem sequer o ouviu chegar.

— Desculpe-me, moça. Não queria assustá-la. ,— O homem riu bondosamente, embora uma tosse pertinente o incomodasse entre seus dizeres, o que não escapou aos ouvidos alheios.

A Park se apressou em estender a mão, procurando ao redor onde o recém-chegado estaria, com certa preocupação.

— Senhor? Com licença, o senhor está bem?

O velho tossiu mais uma vez antes de responder, observando os olhos cegos daquela com quem conversava. Enfim, respondeu após uma longa respiração, buscando o ar que se perdia sempre que a maldita tosse o atingia.

— Claro, claro, estou sim, menina. Não é nada. Apenas não estava em minha lembrança o quanto este lugar é difícil de se encontrar. Ah, e essas fogueiras? Essa fumaça é fatal! Meus pulmões não aguentam esse cheiro.

A garota assentiu com a cabeça, em concordância.

— Meu pai sempre disse que Bitgaram fica muito distante da capital. É um verdadeiro labirinto para chegar aqui, é o que ele fala — falou ela, com um sorriso amigável. — O que o trouxe aqui, a propósito? — indagou, com curiosidade.

— Ah, vim para negociar meus produtos no festival. Sempre aproveito dele quando acontece, embora seja uma fatalidade. — O estranho falou com certa tristeza, observando os detalhes da festividade com atenção em seu olhar. Por um único segundo, seus olhos pararam no pequeno templo que havia, fitando ambos os homens que deixavam o lugar. Era o sacerdote da vila, Minho, e Hyun, que se despediu do pai e se encaminhou com pressa na direção de uma certa garota em meio a multidão.

— Posso entender sua melancolia, senhor...Desculpe-me, ainda não sei seu nome — indagou a moça, sorrindo com bondade.

— Não se preocupe, foi erro meu não me apresentar. Que grosseria a minha. Sou Dakho, senhorita. É um prazer.

Min-ah assentiu, abrindo a boca para se apresentar, porém fora interrompida pela tosse quase ininterrupta de seu interlocutor. Alarmada, a Park levou a bengala em suas mãos na direção do chão, em busca de um pequeno assoalho de pedras, construído por seu pai para que a filha não tivesse dificuldade em identificar sua casa. E assim, a moça se apressou pelos poucos degraus, gesticulando com igual pressa para o homem com quem conversava.

— Um minuto! Por favor, me espere aqui!

E, sem esperar por qualquer resposta, a jovem adentrou a casa, tateando os poucos móveis que havia à procura do que a levara ali. Enfim, após poucos minutos, encontrou o pequeno cantil de seu pai, que o utilizava nas poucas saídas da vila, e o encheu com a água que sua irmã trouxera mais cedo; levando o receptáculo consigo ao sair da casa.

Min-ah retornou para o setial onde conversava com o visitante, estendendo o cantil na direção do idoso, que observou o que lhe era oferecido com indagação.

— O que é isto, senhorita?

— É um presente — disse ela com um leve sorriso. — Notei pela sua voz que não bebe água há algum tempo e, talvez, possa lhe ajudar com sua tosse. Leve consigo quando for embora, assim não terá problema com água na sua viagem.

O homem demorou certo tempo para entender, negando com a cabeça o presente.

— Não, não, não posso aceitar. Um cantil com água, quando estão enfrentando um período de seca, é muito precioso.

A Park empurrou o objeto contra o estranho, o deixando sobre as mãos enrugadas. Ela não aceitaria uma recusa.

— Não se preocupe. É por ser preciosa que acredito que será indispensável para a sua volta para casa. Não se nega um presente.

O idoso suspirou, trocando o olhar entre o presente e a garota que o oferecia, com certa indecisão. E, diante da insistência alheia, deu um sorriso agradecido, curvando-se em agradecimento, ainda que a jovem não pudesse notar.

— Eu agradeço muito, minha jovem. Por que não aproveita o festival? Uma garota está chamando por você.

— Ah, é minha irmã! Ela demorou — afirmou ela, direcionando seu caminhar para o som de passos apressados, que sabia ser de So-ah.

— Desculpe pela demora! Enfim, sua surpresa está pronta! A deixei sozinha aqui, que egoísmo o meu. Desculpe — disse a recém-chegada, tentando regular a respiração descompassada. Min-ah assentiu, apontando para o banco em que se encontrava Dakho, animada.

— Está tudo bem. Estava conversando com o senhor Dakho, então não vi o tempo passar.

So-ah franziu a testa, sem entender.

— Você tem certeza? Não tem ninguém aí.

A Park mais velha riu, acreditando que aquela era mais uma brincadeira.

— Não é hora de brincar, Soah!

— Não estou brincando — respondeu a outra.

— Esse banco está vazio.

A mais velha a fitou, ainda que não pudesse enxergar, com confusão. E, com pressa, se voltou na direção de onde o senhor estava, não encontrando nada além do vazio. O homem fora embora, sem o seu conhecimento.

— Ele foi embora... — admitiu finalmente, tristonha.

A irmã desta balançou a cabeça e a pegou pela mão, sorrindo como uma criança travessa.

— Você deve ter imaginado coisas. Não fique triste, irmãzinha. Pode ter ouvido um barulho e achado que fosse uma voz.

A interlocutora se irritou por poucos minutos, ao perceber que, indiretamente, estava sendo chamada de "louca".

— Não estou louca, So-ah! Como é possível ter mantido uma conversa por minutos, se está dizendo que não havia ninguém?

— Não sei. Mas esqueça isso, tudo bem? Talvez houvesse alguém aqui e lhe pregou uma peça. É possível. Enfim, não fique pensando muito nisso, ou não vai aproveitar o que lhe preparei.

E, levada pela irmã, uma garota confusa se encontrou correndo entre as barracas e pessoas que se entretinham com qualquer coisa que não fosse sua presença, como sempre fora. Feito uma simples sombra, a garota passava por estes até, finalmente, pararem a beira do lago tão conhecido por ela, vazio embora logo a cerimônia fosse ter início. Soah a levou até certo ponto, olhando em volta e cobrindo o rosto com um chapéu de palha, conferindo se o tal barco estava em seu lugar, um pequeno bote de madeira com dois bancos, deixado a apenas alguns metros de onde estavam.

O chuvisco que antes caía havia se transformado em uma tempestade. Um suposto presente pelo festejo realizado ali ou, pelo menos, algo que em muito ajudaria a jovem sacerdotisa, que suspirou ao guiar a irmã ao barco, a auxiliando a sentar-se. Logo, acomodou-se no banco em frente a ela, o que, mais uma vez, lhe parecia um reflexo que ganhara vida e se materializava sob sua visão.

Esta engoliu seco e com o remo, levou o pequeno veículo pelas fracas correntes de Si-u, que se movia devido as gotas de chuva. A Park observou o sorriso tímido de sua acompanhante, a vila que se distanciava e o templo Iseul-dong, que se iluminava com lanternas coloridas e traziam luz em meio a neblina que se formava. So-ah fechou os olhos por poucos segundos para encorajar-se e realizar aquilo que lhe traria a felicidade: seu adeus a Bitgaram.

O barco parou no meio do lago levemente, feito uma folha carregada pela brisa e que se perdia em uma poça. Min-ah notou a falta de movimento, animando-se, pois sua surpresa devia estar próxima. Sem evitar a animação, ditou:

— Porque está fazendo suspense? Estou curiosa pelo que você tanto fala.

A outra respirou fundo, encarando um ponto qualquer, perdendo-se em meio aos próprios pensamentos. Suas palavras saíram dos lábios rosados, em um sussurro que aumentava por conta do clima, uma confissão que ela nunca se atrevera a fazer.

— Ah, Min-ah... Não imagina como o mundo é bonito... Já imaginou como ele deve ser, depois dessa maldita floresta que nos esconde? Como deve ser na capital, vendo a vida passar, cheia de oportunidades. Um lugar em que você pode realmente viver?

Min-ah franziu a testa, confusa com tais dizeres.

— So-ah, você está bem?

— Não, você não pode imaginar — continuou a moça, assustando ainda mais aquela que a acompanhava. — Você está presa a esse lugar e eu também estou, já que tive o azar de nascer igual a você. Não quero mais ser julgada, irmãzinha. Nem carregar um fardo que não aguento mais carregar.

A outra moça afastou-se no banco, ainda que não houvesse para onde ir. Estava com medo, não conhecia aquela face da irmã nem entendia o que aquela confissão significava. Se viu a tremer, não pelo frio, mas por um sentimento que nunca encontrara ao estar com So-ah.

— D-Do que está falando, So-ah? Por favor, está me assustando.

— Assustando você? — repetiu a Park, com um suspiro. — Não, estou me despedindo. Estou dizendo adeus para a vida que fui obrigada a viver, para a garota que sempre tive que dar a mão. Dessa vez, eu não estenderei a minha mão, não para você. Mas para o futuro que finalmente vou ter quando você se for.

Min-ah, naquele instante, não entendeu o que ouvia, nem o significado, nem o porquê. O medo se fez presente por algum motivo que não sabia identificar, correndo em um arrepio por sua pele. A garota engoliu seco, se perguntando se aquilo era ou não uma nova brincadeira, uma em que Soah só queria assustá-la como fizera milhares de vezes. Era a única explicação plausível em sua mente confusa, a única que fazia sentido.

— V-você vai embora? — Min-ah se viu a gaguejar, sentindo os olhos cegos se encherem de lágrimas que se escondiam sob a chuva que a molhava. A moça segurou sua bengala com mais força, como a uma âncora, uma que lhe garantia que não era um sonho. So-ah, o que está acontecendo?

A tal tocou a irmã com um ato singelo, um gesto carinhoso em sua bochecha, em que lágrimas a manchavam. A jovem sentia o medo naquela voz e o desejo de estar entendendo errado o que ouvia. É claro, Min-ah nunca desconfiaria da irmã.

— Está tudo bem — sorriu ela, um sorriso um tanto fantasmagórico que a outra não podia ver. — Você ficará bem, boba. Tenho certeza de que Jiyun tem um bom lugar para você.

E, antes que Min-ah compreendesse o peso daquelas palavras, a mão alheia empurrou seu peito, a desequilibrando do lugar nada seguro. A moça balançou os braços em uma tentativa de se ajustar, mas sua nuca foi de encontro a madeira, batendo sobre ela em um baque surdo e causando um grito de pavor da pobre Park. Ela estendeu a mão e, no entanto, So-ah não a segurou enquanto via o corpo alheio cair do barco e afundar sob a água gélida feito uma âncora, cujo líquido adentrava em suas roupas as tornando pesadas.

Min-ah, apavorada, gritou por ajuda sem saber se tentava nadar ou se agarrar a nau, mas sabia que So-ah ainda estava lá. Parte de sua mente rezava para que a outra garota estivesse apenas aprontando alguma, mas os segundos passavam sem que houvesse uma resposta ou ajuda.

O corpo afundava no rio, ainda que tentasse nadar, levando-a para o fundo, pouco a pouco. A padecente implorou pela irmã e esta, de fato, a respondeu. Todavia, em nada era a resposta que esperava.

— Adeus, Min-ah.

O mundo de Min-ah logo se tornou azul, a levando por metros abaixo d'água, adentrando seus pulmões e arrancando dele o oxigênio. A vida e a realidade ingênua de alguém que estava a se findar.

[...]

"Você finalmente apareceu."

Em meio a escuridão de sua cegueira, Min-ah abriu os olhos, levando as mãos ao próprio corpo, em uma pequena garantia de que ainda estava viva. Seria todo aquele horror um simples pesadelo?

— So-ah? So-ah, você está aí? — Chamou a jovem inocentemente, ao acreditar que tudo não passava de uma peça pregada por sua mente. Logo, ouviu passos em sua direção, acompanhados de um longo suspiro, e então, uma voz masculina, que em nada lhe lembrava a irmã.

— Fico feliz que acordou. Tive medo de que eu houvesse a tirado de lá tarde demais.

— Q-Quem é você? Onde está a minha irmã? — perguntou a moça, sentindo que o corpo tremia. Tinha medo, e sem visão, não conseguia saber onde estava.

— Sua irmã? Bem, torço eu que os jujeong a tenham julgado. É difícil saber por agora. — O desconhecido respondeu, pensativo. Os olhos escuros feito petróleo encontraram os de sua visita, focando no olhar que nada podia ver, nas lágrimas e no tom ingênuo de sua voz. Para ele, era perceptível o porquê daquela garota ter sido poupada.

— O-os jujeong? Está dizendo que minha irmã foi devorada?!

— É possível. Afinal, ela não é em nada digna de compaixão. Você entende porque, não é? — indagou ele, com seriedade. Os dedos pálidos de suas mãos foram de encontro aos fios escuros que caíam sobre seus olhos, que notaram o frio que acometia a moça. Ou, talvez, fosse o medo, o que era compreensível. Com um suspiro, o rapaz ajustou o cobertor que antes a cobria, o que não adiantou para que ela parasse de tremer.

— Desculpe a minha ignorância, sequer me apresentei a você. Tenho muitos nomes, mas pode me chamar de Dakho.

A garota em questão piscou, para absorver tal informação.

— Que estranho. Havia um senhor na vila, com esse mesmo nome.

O desconhecido sorriu, travesso.

— É estranho mesmo. Bem, por favor descanse, Min-ah. Virei vê-la depois.

O homem se virou para a porta e, surpreso, notou que a jovem havia agarrado o hanbok acinzentado que usava, impedindo a sua saída por um momento. Ela o fitava com atenção, mesmo sem conseguir ve-lo. Parecia apavorada.

— C-Como você sabe o meu nome?

— Você o disse para mim — disse ele, com convicção.

— O quê? Não me lembro disso.

— Talvez, minha voz estivesse diferente quando o disse. E, a propósito, obrigado pelo cantil — falou ele, entregando-lhe o objeto, mesmo que há poucos segundos não houvesse nada em suas mãos.

A Park o encarou boquiaberta, sem entender. Ou, ao menos, sem acreditar.

— N-não é possível...V-você é...?

— Habaek, muito prazer — disse o rapaz, lhe estendendo a mão. — Você pode respirar agora. Sabe, não precisa se preocupar em ser a marionete da sua irmã, mais uma vez. Ou com um amor que não é correspondido, por aquele garoto que também armou para você.

— E-Eu agradeço, senhor — A jovem falou, sem entender o significado de tudo aquilo. Talvez, entendesse, mas lhe parecia surreal o suficiente para ser apenas uma invenção. — — M-Mas Soah não poderia...... Ela é minha irmã. Ela sempre esteve comigo, mais ainda desde que nossa mãe faleceu. Ela não pode...

Min-ah repetia tais palavras em um monólogo, agarrando-se ao próprio corpo em um gesto desesperado. Seu cérebro confuso tentava formar duas fotografias diferentes: a garota que sempre lhe acompanhara, que fora sua melhor amiga e confidente, a única luz em meio a escuridão; e a So-ah que se apresentara naquele dia fatídico, uma versão egoísta e dissimulada que não condizia com a imagem que tinha da irmã.

— Imagino que deva ser difícil aceitar este tipo de traição. No entanto, não seria de meu feitio mentir, ainda menos para a única pessoa em milênios que conseguiu sobreviver aos meus guardiões. Deixarei que descanse e absorva o que não é fácil de entender, que compreenda toda a sua realidade em meio à traição.

— Como posso simplesmente aceitar suas palavras? Aceitar que minha irmã me odeia, que tentou me matar e que até mesmo planejou isso? Isso não é verdade — Min-ah ditou em um tom sério, este que se transfigurava em tristeza conforme as palavras deixavam os lábios rosados. — Você não pode estar dizendo a verdade... — repetiu ela, balançando a cabeça em negativa, como se o simples ato pudesse levá-la de volta ao mundo em que havia crescido. Seu coração batia rapidamente, um sinal acerca de todos os sentimentos conflitantes que a preenchiam e, ainda que lágrimas deixassem seus olhos sem cor, Min-ah permanecia a negar o que era óbvio.

O homem a observou por alguns segundos, com certa curiosidade. Para ele, um ser que via a humanidade por séculos, não parecia algo difícil de entender. Humanos erravam e, mesmo que isso machucasse outros de sua própria espécie, permaneciam no erro, no egoísmo e na ignorância. Era a sua certeza, desde que o céu se tornara azul.

O ser enfim suspirou, ajoelhando-se para se manter na mesma altura que a garota, desolada, se mantinha, assustada e confusa com as lembranças do ato da irmã, tentando convencer não só a Habaek, mas a si mesma, de que So-ah não era e nunca seria capaz de matá-la. Habaek tentava ajudá-la, trazendo na mente alheia cenas que, antes, não pareciam nada além de brincadeiras inocentes, mas que, somadas às ações naquele festival, constituíam uma única resolução, uma que a garota se recusava a aceitar.

— Bem, senhorita. Não posso forçá-la a compreender e nem mesmo a ficar aqui, se não desejar ficar. No entanto, eu me contentaria em integrá-la a Hayun, o lugar ao qual foi oferecida e que, a partir de hoje, pode se tornar seu lar. Todo coração tem conserto, e tenho toda a eternidade para livrar o seu do sofrimento e trazer-lhe de volta àquilo que sempre entregou à sua irmã. Encontre-me quando tomar sua decisão. E não se preocupe, você tem todo o tempo do mundo para aceitar ou não as minhas palavras. Estarei aguardando por você.

— Nenhum coração tem conserto, senhor — Min-ah proferiu em meio aos soluços e à negação a qual tentava se agarrar. Ela sentia que tudo se esmigalhava ao seu redor, a deixando sozinha em meio a um novo mundo que não era o seu. Todavia, ainda que parte de si desejasse levar tais palavras a sério, a maior parte de seu cérebro insistia que as mentiras estavam incrustadas na voz alheia, que o mundo não podia ser tão odioso e que, embora soubesse, não havia cura para alguém que crescera rodeada pelo ódio e pelo medo e que havia descoberto o pior da humanidade na pessoa a quem confiara a vida por tantas vezes.

— Talvez não agora, nem amanhã tampouco, mas a água tudo leva e ela também levará a sua dor — ditou o homem, sentando-se a apenas alguns passos daquela que o destino escolhera como a única em meio a dias sem fim. Este sorriu com bondade, sem desviar o olhar do rosto marcado pela tristeza e pela dúvida.

Min-ah era capaz de enxergar a bondade mesmo onde não existia, através de seus olhos cegos em um mundo completamente cinza. Ela era uma marionete que, ao ser solta de suas amarras, poderia ainda ser capaz de andar sem alguém para lhe guiar. Habaek sabia que a determinação que encontrara na garota ao simplesmente desejar ouvir o barulho de um lugar que não podia ver, seria o impulso para aceitar os espinhos de seu passado e encontrar uma nova vida que lhe era oferecida. A garota estendeu uma das mãos, até que esta encontrasse a mão masculina que lhe era estendida, em uma tentativa de sentir que não estava sozinha em meio às suas dúvidas e de que aquele ser não a soltaria, como So-ah havia feito.

Finalmente, Min-ah não seria mais uma boneca estúpida. Afinal, ela era capaz de guiar a própria cruzeta, retirando desta os fios que a manipulavam.

Ela seria sua própria marionetista. 

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