Capítulo 8
"O primeiro passe: mãos morenas e pequenas.
O segundo passe: Mãos negras e grandes.
O terceiro passe: mãos claras e grandes. Visão turva. Pernas bambas. O choque entre a árvore, o choque entre as pernas. Um grito abafado.
Uma camisa vermelha
Um pedido de socorro inaudível".
O Red Blush estava lotado como já era de se esperar. O barulho das pessoas gritando e conversando pra quem quisesse ouvir, anunciavam que o local estava aberto. As luzes vermelhas invadiam a rua, e todos que passavam, sentiam-se intrigados. Aurora estava feliz, apesar de tensa. Seus pesadelos vieram em constância absurda. Ela se desesperava a cada detalhe novo que encontrara. Mas as cenas eram sempre repetidas e o medo era cada vez mais intenso. Porém, o fato de ver Chris novamente, fazia com que a dançarina suspirasse, ela teria que tomar cuidado pelos sentimentos que estava criando, mas se arriscar era a sua meta principal.
O cabaré funcionava de quinta a domingo. E sábado era o dia em que havia fila para entrar no tão luxurioso ambiente. Entretanto, com a crise, o peso mexicano estava diminuindo. Mas o grande cartaz que estampava o anjo seminu, deram uma mudada nos negócios.
Melany estava aflita. Olhava-se no espelho diversas vezes e por mais que estivesse ansiosa, seu olhos revelavam uma tristeza profunda.
– Melany, vamos logo, ou irá se atrasar.
– Eu não vou Mag. – ela diz olhando para baixo e com os olhos molhados.
– E por que não? O que aconteceu.
– Eu queria que meus pais e minha irmã me vissem. Principalmente mamãe e Aurora. Eu vou cantar na apresentação, e queria que Aurora sentisse orgulho de mim. Mas ela não vai me ver. O marido dela não vai deixar.
– Oh minha querida. – Meg se abaixa para ficar da altura de Melany. – Sabe que Aurora é louca por você e faz de tudo para te vem bem não sabe? – Mel consente com a cabeça. – Então, não se preocupe. Ela vai aparecer. – Meg tenta confortá-la, mas duvida de suas próprias palavras.
– Você promete?
– Claro. – Meg a puxa para mais perto e lhe dá um abraço como consolo.
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Como de costume, Aurora estava em seu camarim, com sua piteira entre os dedos da mão direita, e com a mão esquerda manuseava os pincéis em seu rosto. Apesar de ser a estrela principal ela dividia o camarim com as demais dançarinas, pois Dom acreditava que conseguia ter detalhes de cada movimento de suas pupilas quando estavam todas juntas.
Alejandra e Maitê sentaram ao seu lado de forma que Aurora ficasse no meio das duas. Mesmo percebendo a intenção de suas rivais, a loira preferiu ignorar, apensar de não ser o tipo que leva desaforo para casa. Normal vindo de alguém que teve o silêncio como seu maior inimigo no meio de tanto sofrimento.
– Sabe Maitê, nosso chefinho chegou irritadíssimo hoje. Coçou a cabeça várias vezes antes de entrar no escritório. – Alejandra faz questão de dizer em alto e em bom tom para sua amiga do outro lado de Aurora.
– O que será que o incomoda tanto? – Maitê pergunta.
– Eu não sei. Acho que a queridinha dele andou brilhando fora do palco.
Aurora internamente sorria. As coitadas mal sabiam da verdade. Morreriam com o próprio veneno.
– Quando ele descobrir o que anda acontecendo Ale, eu quero assistir e aplaudir o que ele vai fazer.
– Pois estão esperando o quê para começar a aplaudir? – pergunta Aurora entrando na conversa das duas e dando uma baforada em seu cigarro. – Ele virá hoje me ver e fará negócio com o chefinho de vocês. Aproveitem e cheguem pra aplaudir. Se quiser peço até para eles esperarem por vocês. – Aurora sorri para elas de forma irônica e sai deixando as duas sem qualquer resposta.
– Tem coisa nessa história e eu ainda vou descobrir. – Alejandra acompanhou os passos da rival com os olhos.
– Ei! Os pincéis não se movimentam sozinhos. Quero ver essas mãos trabalhando dando um jeito nessas coisas horrorosas que vocês chamam de rosto. Andam! Faltam cinco minutos. – Dom chega batendo palminhas apressando o restante das melindrosas.
O Connor mais novo se aproxima de Aurora que termina de ajeitar sua fantasia.
– Como está minha estrela preferida? – ele pergunta animado.
– Bem, na medida do possível. Aurora diz ainda concentrada em seu espelho.
– Aquelas cobras estavam te enchendo?
– Eu já dei um jeito nelas. – a moça se vira para encarar o cunhado com um sorriso.
– Eu fiquei sabendo que você não é mais o anjo proibido. Sinto muito.
– Tudo bem Dom. O que eu posso fazer? Em todo caso eu tiver sorte de achar Chris. – coloca o chapéu em sua cabeça e volta a se olhar no espelho.
– O bonitão de olhos feito bolinha de gude? Um arraso, querida! – Dom vibra mordendo a pontinha do mindinho e Aurora ri.
– Eu não sei. Sinto como se já nos conhecêssemos. Temos tanta sintonia. Nos entendemos tão bem.
– Espero que ele seja corajoso o suficiente para te roubar de Connor. Mais do que ninguém, eu torço pra você sair desse lugar. – ele coloca as mãos nos ombros de Aurora e a olha pelo espelho.
– Obrigada Dom. – ela segura suas mãos. – E quem é esse tal de Roberto?
– Segredo de estado. – Dom ignora a pergunta de Aurora – Estamos atrasados, sem conversinha fiada – seu tom de voz é elevado e ardido para que atingisse o restante das dançarinas. – Temos três minutos.
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As barras de ferro estavam posicionadas sobre o solo. O uniforme de policial com uma pegada um pouco mais sexy, era a combinação perfeita para todo o espetáculo. Dessa vez a cortina não estava na frente, mas sim atrás. Uma única barra no centro do palco. As luzes escuras e lá estava Aurora, o segurando. Mão na cintura e cabeça baixa.
As luzes se acenderam, e Aurora começou a dançar, tendo a barra como sua companheira. Aurora tinha que incorporar Britney na apresentação, mas a dama mais cobiçada daquele cabaré, sabia ser muito mais expressiva.
– Everytime they turn the lights down ─Aurora solta a voz e num pulo, dá a sua primeira volta na barra.
"Entre um giro e outro
O corpo grita como louco.
A cada descida que se satisfaz
Eles pedem mais
– Gimme gimme more
"Uma trançada de pernas
A posição está correta
E a confiança é esperta
Seu tronco desce
Os espectadores fazem uma prece
E num mortal pra trás
Da barra ela se desfaz"
– Even when we're up against the wall
You got me in a crazy position (Yeah)
If you're on a mission (Unh huh)
You got my permission, oh!
"As mãos e as costas agora deslizam
É ali onde os desejos se realizam
Um abre e fecha
A cortina se revela
A dançarinas aparecem
E os corpos estremecem"
"Elas rebolam, elas descem.
Giram e enlouquecem
Seus instintos estão elevados
Seus sentidos aguçados
A visão do paraíso
Incendeiam a libido"
– Gimme more, gimme, gimme more.
Os aplausos vão a loucura. As meninas se preparam para sua apresentação fora do palco a fim de conseguir clientes. Aurora sorri ao ver Chris ali. Desce animada até ele e lhe deposita um beijo casto em seus lábios, recebendo um belo sorriso de canto como agradecimento.
Will olha com o olhar pesado. Engole seco e afrouxa sua gravata borboleta. O sorriso de Aurora, deveria ser o seu sorriso. O brilho em seus olhos deveria surgir quando ela olhava para ele. Quase um sentimento de posse, mas seu coração era egoísta a tal ponto. Aurora era o seu raio de sol, que sumia quando a tempestade surgia, além de seu irmão, seria a vez de Chris Trainor roubá-la de si. Socou a mesa ou daria um prejuízo a mais a Red Blush se quebrasse outro copo.
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– Vem – Aurora o puxa para o quarto sendo observada pelos lindos olhos de William.
Marcus a observava em seu escritório aquilo com raiva, poderia muito bem quebrar a câmera, mas ele precisava delas. Kerchak ria da fúria de seu patrão.
– Não ri seu idiota. Talvez se fossem velhos babões eu não ficaria tão incomodado, mas se Aurora teria nojo de ir pra cama com um cara asqueroso como aquele ali, por exemplo – ele apontou pra um velho que tinha alguns fios de cabelo em sua cabeça grande e redonda, a barba que fazia perfeitamente o cosplay de um homem da caverna. Sem falar da barriga que com certeza era igual ou maior que seu ego, além da camisa uns dois números menores que seu corpo, demonstrando um pedaço de gordura cheia de pelos. – Certamente eu teria nojo de ir pra cama com ela depois que toda essa merda acabasse.
– Pense, tudo por uma boa causa. Ou você quer vender o cabaré para Fresa Roja?
– Jamais. Me recuso.
– Então aceita que dói menos. – ele ri e Marcus o fuzila com os olhos.
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Chris chega ao quarto já abraçando e beijando a mesma. Estava com saudades dos beijos doces de Aurora e da forma como a jovem dançava em seu corpo. Mas ele sabia que dessa vez teria que esperar. Ele prometera a Aurora que iria ajudá-la, aliás, seu coração dizia que o anjo a sua frente precisava de algo além do que uma simples ajuda.
– Estou tão feliz que tenha vindo. Farei de tudo, para voltar mais cedo e te compensar de alguma forma.
– Não se preocupe, doçura. Eu estarei te esperando o tempo que for. – sua mão desliza pelo rosto macio de Aurora. A dançarina sentiu seu coração reagir ao seu toque ao mesmo tempo em que certo calafrio invadiu seu corpo. Talvez fosse o medo de seu marido descobrir no que sua cabeça pensava. Mas só talvez.
– Certo. Agora eu tenho que ir senão chegarei atrasada. – deu lhe um beijo e saiu, enquanto Chris deitava na cama pensando em como aquela mulher conseguiu mexer tanto com ele em apenas uma noite.
Aurora saiu pelos fundos dos quartos, que levava ao terraço. Ela havia combinado de se encontrar com Will.
– Você demorou. Estava dando para seu namoradinho?
Aurora estava horrorizada pelo comentário seu amigo. Nunca o viu daquele jeito.
– O que deu em você? Achei que tivesse entendido.
– Eu não consigo entender. Não dá para entender. Você mal conhece esse cara e já está toda boba.
– Will, eu já entendi. Está preocupado de eu sair desse lugar e te abandonar, não é? – ela se aproxima e tenta tocar em seu rosto. – Eu jamais irei me esquecer de você. Pelo contrário, assim que eu conseguir o que eu quero, eu volto pra te buscar e você poderá trabalhar com suas fotografias.
Seu cunhando respira fundo. Aqueles olhos azuis e a voz doce de Aurora amoleceram toda a sua pose. Não conseguia ficar bravo com todo aquele rosto ingênuo, de uma garotinha indefesa. Ele sabia o quanto ela era forte, mas sabia mais do que ninguém o que se passava em seu coração.
– Não é só isso, Aurie! – ele abaixa a cabeça.
– Então o que é?
– Eu... eu... – engolindo seco várias vezes ele se vira para encarar o nada. Era covarde demais a ponto de dizer o que sentia. Medo de seu irmão, medo por sua filha, medo por Aurora. O amor não poderia nascer no Red Blush. – Eu sou um covarde. Um covarde possessivo que não quer perder a amiga. É isso. – omite os fatos.
Aurora o abraça. Ela adorava Will como o grande amigo que ela era. Depois de Melany ele era a sua salvação. Jamais o esqueceria. A dançarina se sentia protegida em seus braços fortes e inteiramente tatuados, enquanto William sentia seu coração gritar sempre que sentia o calor de seu raio de sol.
– Agora vamos, senão nos atrasaremos.
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Melany olhava as cadeiras do teatro, impaciente. Somente Meg estava lá, e as outras duas cadeiras estavam vazias. Will viria ver Clair com toda certeza, mas será que levaria sua irmã consigo? Sentiu as lágrimas pesarem. Perdera todas as pessoas que amara quando muito nova e apesar de Meg e Aurora, sentia-se sozinha, muitas vezes um peso na vida delas. Sua irmã trabalhava o tempo todo e era difícil os dias em que se viam.
Algumas lágrimas rolaram. Ela não conseguiria apresentar. Ninguém a interessava mais do que sua irmã.
– Vai se apresentar para o nada Melany? – uma garotinha de cabelos encaracolados e olhos castanhos, riu.
– O gasparzinho veio ver ela. – a outra menina riu e Melany se escondeu atrás do camarim para que não a vissem chorando.
A pobre garotinha chorava de soluçar. Como era possível que alguém fosse tão cruel a esse ponto. Sentiu medo. Como se estivesse sido abandonada, era tanta dor em seu coraçãozinho tão frágil que não sabia se ia suportar. Encostou-se na parede fria e abraçou os joelhos.
– Ei, querida, o que faz aqui? – a voz da professora não fez com que Melany levantasse o rosto. – Sabe que pode confiar em mim, não sabe? – ainda não teve resposta. – Se você chorar assim vai borrar toda a sua maquiagem.
– Deixe que borre. – seu som era abafado já que estava com cabeça baixa.
– Mas você é atração principal, meu bem.
– E de que adianta. Eu não tenho ninguém para me ver. – ela diz entre soluços.
– Como assim? Aquela senhora que cuida de você está ali.
– Eu sei, mas eu queria que minha irmã estivesse me vendo e ela não vem. Não pode, porque trabalha demais.
– Se você cantar com o coração, eu tenho certeza que sua irmã ouvirá de onde quer que esteja. Não só ela, mas como seu papai e sua mamãe. Não chore, Mel. – ela toca as costas da garota.
Melany levantou seu rosto por um instante, pensando no que sua professora havia lhe dito. Ela estava inconsolável, mas era a única coisa que tinha no momento.
– Vem, vamos limpar esse rostinho e arrumar essa maquiagem.
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Melany estava nervosa. Seu peito estava arfando, subindo e descendo em velocidade absurda. Não tinha ânimo para se apresentar, mas não tinha como fugir. Respirou fundo. As cortinas abriram e a iluminação se instalou no ambiente.
– Chapéuzinho Vermelho, quero que leve essas cestas de gostosuras para a vovó, ela está doente e quase não consegue se alimentar.
– Sim mamãe. – concordou Melany em total desgosto.
– Mas, por favor, não vá pelo bosque. Lá mora um lobo feroz e perigoso.
– Está bem. Não irei.
Era hora de Melany cantar. Ela então se aproximou da plateia e como uma luz que a tivesse atingido, ela viu sua irmã, tão linda e radiante. Aurora e Melany tinham uma grande ligação. Um grande amor uma pela outra. Eram unidas não só no sangue, mas também na alma. Sorriu por vê-la ali e por um instante esqueceu-se da apresentação. Quando a música fez sinal para dar início a canção, Aurora fez sinal para que Melany continuasse.
– Pela estrada a fora eu vou bem sozinha,
Levar esses doces para a vovózinha
Ela mora longe, o caminho é deserto
E o lobo mal passeia aqui por perto.
Mas à tardinha, ao sol poente
Junto à mamãezinha dormirei contente.
No final da frase, Melany sentiu certa angústia. Não conhecera sua mãe e nem sabia o que era o amor de uma. Voltou a olhar para sua irmã a qual estava com os olhos cheios de lágrimas. Sorriu e continuou com a apresentação. Melany tinha a voz doce, afinada e pueril. Seria mais uma estrela na família Hough.
Para sair um pouco do clichê e deixar a estória mais madura, o caçador foi atrás do lobo que fugiu da casa da vovó, e nessa busca por ele, o caçador e a chapéuzinho se apaixonam, deixando um simples conto de fadas ainda mais envolvente.
Com a plateia de pé, e o encontro das palmas, Melany e as demais crianças que ali estavam, foram ovacionadas. Mel agora chorava de emoção. E Aurora vibrava ao ver sua irmã tão linda, acompanhada de Will, que a aplaudia amorosamente. A pequena olhou para Will e soltou um beijo para ele que pegou e levou até o peito.
A próxima apresentação seria de Clair. Era a vez de Will se emocionar, pois sua filha era o seu bem mais precioso. Clair tinha sete aninhos. Os cabelinhos loiros e os olhos azulados. William Connor sempre dizia que a mesma tinha os olhos de sua sogra. Clair estava vestida de uma florzinha vermelha. O macacãozinho em seu corpo era verde representando o caule da flor.
As crianças dançavam e sorriam, enquanto os espectadores se divertiam com a inocência delas, achando cada movimento algo incrivelmente fofo. Will deixou algumas lágrimas escaparem de seu rosto. Era o típico pai coruja. Aurora por sua vez estava estática. Seu corpo inteiro tremia, e não conseguiu parar de chorar. Voltou à sete anos atrás, lembrando da primeira e única vez que segurou sua filha no colo. Ela deu um suspiro ao lembrar, provavelmente ela estaria vendo uma apresentação de sua filha neste exato momento, se a mesma não tivesse morrido logo que nasceu. Não era só a noite em que foi estuprada que a atormentava em seus pesadelos, mas a da morte de sua filha que era ainda mais dolorida.
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Gente, os versos que eu coloco na música não é a tradução. É uma maneira que eu encontrei de dizer os movimentos das dançarinas em forma de versos. Espero que estejam gostando. Provavelmente os sonhos de Aurora virão repetidos, mas em cada sonho ela se lembra de mais um detalhe.
Beijiiinhos e até terça.
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