Capítulo 12
O silêncio pairava sobre a casa. O único som era dos talheres em contato com o prato e a fome intensa e desesperada da garota. Aliás, a comida de sua mãe em nada se igualava a da prisão. Deu graças por sua mãe tê-la recebido, mesmo que no fundo, os pensamentos de sua mãe a condenavam. Seu olhar perante a filha era algo desanimador e triste. Queria orgulhar seus pais, mas lhe foi tirado essa oportunidade.
O silêncio e os olhos de acusação de sua mãe estavam lhe incomodando. Por um instante a comida não lhe pareceu mais agradável e então resolveu quebrar toda a quietação da cozinha.
– Mamãe, não me olhe assim – lamenta-se.
– E como quer que eu a olhe? – sua voz estava seca.
– Como você me olhava antes. Com ternura, amor.
– Não posso. Você me decepcionou muito, mas apesar de tudo eu sou sua mãe e a amo, mas não me peça para lhe olhar com ternura.
– Eu ainda irei provar mamãe. Provarei a todos a minha inocência e farei jus a minha prisão.
– O que quer dizer, Carmela?
– Por que insiste em me chamar pelo segundo nome?
– Porque o primeiro fora de sua falecida avó. Ela não merece tal desgosto.
– Já disse que sou inocente. – largou o garfo com grosseria, mas logo se recompôs.
– Você confessou o assassinato de dois rapazes. E ainda foi mandante de outro crime. – sua mãe levantou incomodada com a conversa.
– Mãe, eu fiz isso para proteger vocês. Fui ameaçada.
– Chega! Me poupe de suas desculpas, pois eu não acredito. – gritou.
– Eu vou provar. Provarei a todos e me vingarei dos culpados um a um. Aí sim, mamãe, você poderá me olhar com esses olhos, mas dessa vez será por uma razão. – voltou a comer enquanto os olhos de sua mãe controlavam as lágrimas.
...............................................................................................................................................
Meg aproveitava as manhãs para fazer faxina na casa. Era o horário em que Melany estava na escola e, portanto, tinha mais tempo. A rotina lhe era agradável e apesar da idade, conseguia fazer bastantes coisas. Costurar era o que lhe tomava mais tempo e tirava ela do estresse do dia a dia.
Entretanto, de uns tempos para cá, sentia-se cansada, mais do que o normal, e hora ou outra sua pressão oscilava. Para ela era o cansaço acumulado à idade. Sentia algumas dores em alguns momentos e estava perdendo peso com facilidade, talvez pela falta de apetite que tinha, além das constantes cefaleias.
Não havia muito que fazer. Sua casa era pequena, simples, mas totalmente aconchegante, então a limpeza não lhe era pesada. Melany também não lhe dava trabalho. Era uma menina adorável que sempre ajudava em alguma coisa, e Meg sentia a necessidade de cuidar dela e de Aurora, mesmo que esta estivesse seu marido para lhe proteger.
A antiga enfermeira havia sido de suma importância na vida das duas garotas. Desde a morte de Charles, cuidou como se fosse a mãe delas, e por mais que Aurora lhe contasse muita coisa, Meg não desconfiava nem de metade do que devidamente acontecia. Um pouco pela vergonha que Aurora sentia, e porque a jovem temia que Meg ficasse preocupada, pudesse agir de forma que colocasse a todos em perigo.
Estava limpando o guarda roupa de seu quarto. Apesar do cansaço, queria organizar ou jogar algumas coisas sem utilidade, assim como alguns brinquedos de Melany. Separaria tudo dentro de sacolas antes de pedir autorização a pequena ou de Aurora, sabia que as duas irmãs tinham coisas consideradas relíquias.
Por mais que abrisse constantemente o armário, ele parecia um completo desconhecido. Objetos que fazia anos que estavam guardados e que cheiravam mofo. Foi tirando um a um dos objetos e das roupas, e então chegou a uma caixa que ficava na última prateleira. Era pouco mexida desde que se mudaram e nem sequer lembrava-se dela.
Cuidou de abri-la para ver o que se tratava e surpreendeu-se com o que nela estava contido. Sentou-se em sua cama para que pudesse ver com mais cautela. Viu algumas fotos que deduziu ser de Aurora quando mais nova, assim como algumas poucas de Melany. Uma mulher em uma foto preta e branca lhe chamou a atenção. Ela tinha os cabelos ondulados e vestia algo um tanto indecifrável. Um tecido que lhe cobria os seios e mostrava parte do seu colo. A mulher era muito bonita, pensara, e notou certa semelhança na filha mais velha de Charles.
Provavelmente seria Helena. Uma mulher tão bonita e tão jovem seria digna de uma vida mais longa, mas infelizmente não foi possível. Em meio a tantas fotos, havia dois envelopes, um destinado à própria Meg, e outro destinado a Aurora. Estranhou por nunca ter visto aquela carta e o fato de ninguém tê-la entregado. Não havia remetente, o que a deixou ainda mais intrigada, abrindo-a, no mesmo instante.
A carta datava dezembro de 2004, poucos dias antes da família Hough se mudar para a antiga casa da ex enfermeira, em Monterrey. Franziu o cenho e pôs-se a ler.
" Meg
Não usarei tratamento antes de seu nome, pois como sabes não sou querido, muito menos simpático ou amigável. Quero que saiba que a ideia de morar com a senhora foi de Aurora, eu recusei de imediato, pois não tinha condições de bancar-lhe o aluguel. Porém eu sei que meu fim está próximo, e talvez ao ler essa carta eu já esteja a sete palmos.
Não assuste, depois que Helena morreu a morte não me pareceu inimiga, pelo contrário, poderíamos nos dar muito bem e eu pouparia a vida de minhas filhas com o meu temperamento. Sendo assim, pensei bem e vi o apreço o qual adquiriu com Aurora e Melany e sabia que não recusaria a elas um prato de comida e muito menos um teto.
Quando eu partir, saberei que fiz a coisa certa em deixá-las com a senhora. Você daria a ela o amor que eu desaprendi a dar. A verdade é que meu coração se enterrou junto com o de Helena e agora estaremos juntos. Eu precisava me redimir de algum jeito por não ter sido o pai que eu havia prometido a minha esposa.
Meg, esse homem que vos escreve é um monstro. Um monstro da pior espécie, mas saiba que tudo o que fiz, por mais bizarro e hediondo que possa parecer, foi para o bem das meninas. Pelos menos achei que estaria fazendo a coisa certa. Peço que reze quando tiver um tempo para que Deus possa me perdoar, entretanto, minha alma somente será livre quando Aurora for capaz de tal proeza. Aurora a quem eu mais fiz o mal por se parecer tanto a sua mãe. Melany também porque a culpava da morte de minha esposa e eu praticamente a aturei ao invés de amá-la.
Mas a pequena Melany sofreu de menos. Ainda é uma criança que mal conhece o mundo e nem se lembrará de mim. Mas Aurora não. Aurora sofreu e sofre demais pela morte da mãe e por ter que aturar meus caprichos, e como se não bastasse, pela morte de sua filha. Sofreu por ter que seguir um caminho o qual eu escolhi a ela, mas eu sei Meg, que fiz o melhor e um dia ela me entenderá.
A senhora é a única pessoa que elas têm, a única em que elas confiam, então eu peço, cuide delas para mim. Cuide delas e dê a elas todo o amor que eu não pude dar. Não permita que minha doce Aurora sofra, e faça com que Melany cresça sabendo que foi muito amada. Talvez o fato de eu querer protegê-las, deixando-as a seu cuidado seja a maior prova do amor que tenho por elas.
Meg, há mais uma carta. A carta mais importante e que poderá fazer uma imensa diferença a vida de Aurora. Ela saberá os motivos pelos quais eu agi do jeito que agi, os motivos pelos quais eu me tornei esse homem autoritário e sem sentimentos. Mas eu lhe peço, aliás, eu lhe imploro, somente entregue essa carta a ela quando tiver a certeza de que ela me perdoou. Do contrário, jamais a entregue. Prefiro continuar com minha alma inconsolável ao ver minha filha me odiando mais do que ela já está.
Peço também, sem querer abusar, que não conte nada e nem pergunte nada a ela. Deixe que parta de minha filha o seu perdão de forma natural. Eu confio em você Meg, por favor, pela primeira vez eu tenho a certeza que essa é a melhor coisa a se fazer. E não me desobedeça. Saiba o quanto eu fico bravo quando isso acontece.
É isso.
Charles".
Meg ficou assustada. Sentiu o peito estremecer e ficou na dúvida se obedeceria ou não Charles. Se a carta era importante, Aurora teria o direito de lê-la, mas as palavras de Charles invadiam sua mente. Guardou rapidamente do mesmo jeito que estavam antes, com as mãos trêmulas e o peito acelerado.
– Velho miserável! Até morto dá medo. – ela bufa e tenta respirar, sentiu sua pressão fraquejar e a visão ficar distorcida, cambaleou, quando então caiu. Mal teve tempo de chegar até a sua cama.
.......................................................................................................................................................
Melany chegou a casa gritando por Meg a fim de lhe avisar que havia chegado. Como de costume, colocou sua mochila em cima do sofá e foi até a cozinha procura por ela, mas não a encontrou. Franziu o cenho achando aquilo estranho e continuou procurando pela casa, chamando-a.
Passou pelo corredor procurando no quartinho onde costurava, mas nada. Nem sinal da antiga enfermeira. Gritou mais uma vez e então se assustou quando a viu, caída em seu quarto. Desesperou-se e gritou, aproximando-se da pobre senhora desmaiada. Balançou seu corpo, mas ela não se mexia. Melany começou a chorar, um tanto perdida e assustada.
Levantou de pressa e foi a até a sala ligar para sua irmã. Era a única naquele momento que poderia ajudá-la.
Aurora estava deitada contemplando o sol de sua piscina, aproveitou a ocupação de Marcus e em seu escritório e a ausência de Cassandra. Os únicos presentes além dela eram os empregados.
Enquanto estava ali, lembrou-se dos últimos acontecimentos. Deixou escapar uma lágrima teimosa quando as palavras de Chris ecoaram em sua mente e ao mesmo tempo as de Melany em relação a Will. Sentia-se confusa. Presa. Perdida. Chris parecia perfeito e ele havia prometido em dar um jeito para eles fugirem. Will era o seu melhor amigo e abandoná-lo lhe apertava o coração, ainda mais se o que sua irmã tivesse dito fosse verdade. Precisava ser fria, ser forte e não deixar desabar. Precisava pensar em si primeiramente, havia cansado de sofrer e queria dar uma vida melhor a sua irmã. Depois pensaria em Will. Respirou fundo tentando não pensar e se concentrar apenas na vista maravilhosa de sua piscina.
Deu um gole em seu Martine e ajeitou os óculos escuros, foi interrompida quando uma das empregadas chegou lhe estendendo o telefone.
– Com licença, senhora Connor, mas é a pequena Mel na linha.
Aurora levantou-se rapidamente. Sentiu o peito arder no mesmo instante em que pegou o telefone. Agradeceu Goretti e fez um gesto para que a mesma saísse.
– Mel, o que houve? – a jovem engoliu seco no instante em que ouviu os soluços da irmã.
– Aurie, Meg está desmaiada. Não consigo fazê-la acordar.
– Desmaiada? Como assim? Por quê?
– Eu não sei. Eu cheguei da escola e a encontrei caída. Eu não sei o que fazer Aurie, vem pra cá – suplicou.
– Não se preocupe, eu estou indo.
Desligou o telefone correndo em disparada para as escadas, foi até o escritório sem se importar se Marcus estava ou não ocupado, era urgente.
– Espero que tenha algo muito importante para me dizer, sabe que não gosto que me interrompe.
– Marcus, eu preciso que me leve para ver Mel, Meg, está desmaiada. – informa aos prantos.
Seu marido finalmente a olha, apenas levantando os olhos. Arqueia uma sobrancelha e tira os óculos analisando o corpo de Aurora entre o biquíni vermelho.
– Aurora, minha querida, eu disse para me interromper com assuntos importantes, não com as lamúrias de sua irmã. Deve ser apenas uma queda de pressão, deixa de bobagem.
– Bobagem, Marcus? – esbravejou. – Melany ainda é uma criança, está desesperada e não sabe como agir. Preciso ajudá-la.
– Droga Aurora! Sempre a pirralha. – gritou.
– A pirralha é minha irmã.
– E daí, o que quer que eu faça?
– Me leve até lá, eu preciso vê-la.
– Estou ocupado – diz voltando sua atenção aos papéis.
– Certo, eu peço para o motorista.
– Aurora! – chama-a, mas ela já havia ido.
Trocou de roupa rapidamente e entrou no carro. partindo até a casa de sua irmã.
– Me espere aqui, Ramon, aproveite e chama uma ambulância.
Entrou indo ao encontro de sua Melany que chorava velando o corpo caído de Meg. Aurora estremeceu, sentiu a pele fria e assustou fazendo a jovem rezar internamente para que Meg ainda estivesse viva.
Assim que a ambulância chegou, Aurora abraçou a irmã que estava inconsolável e juntas foram ao hospital.
– Aurie, não quero que Meg morra. O que será de mim? Ela é como minha família. – a garota chorava.
– Vai ficar tudo bem, Mel, eu prometo. – abraçou-a tentando parecer confiante e firme.
As incansáveis horas de espera dentro do hospital deixavam a dançarina ainda mais aflita. Andava de um lado para o outro, perturbada, incomodada, com coração apertado. Melany balançava as perninhas freneticamente. Tinha medo de que fosse levada a um orfanato caso Meg viesse a falecer, ao mesmo tempo em que sentiria falta da antiga enfermeira.
– Com licença, senhorita Aurora?
– Sou eu! – manifestou-se perante o médico.
– Podemos conversar em particular? – sua expressão não era nenhum pouco feliz.
– A minha irmã...
– Vou pedir para que as enfermeiras cuidem dela, não se preocupe. – ele responde antes que a moça terminasse e Aurora apenas consente.
– Mel, vou conversar com médico rapidinho, eu já volto. Comporte-se.
Mesmo preocupada, Mel acaba consentindo.
..............................................................................................................................
– E então doutor? O que Meg teve?
– As notícias não são boas.
– Como assim? – a moça sentiu as mãos tremerem e a voz fraquejar.
– Fizemos alguns exames e foi constatado um tumor no cérebro numa região um pouco delicada, e, portanto eu não recomendo uma cirurgia.
Aurora não conseguiu proferir nenhuma palavra sequer. Tentava processar as palavras ditas pelo médico, mas não conseguia aceitá-la, não poderia. Meg era como da família. Fora mãe e pai para ela e para Mel, o que acabou criando um carinho especial.
– Doutor, tem certeza? – ele consente.
– E digo mais, infelizmente o tumor é maligno e alguns cuidados serão necessários, pois ela pode sentir muita fraqueza, vários enjoos, tonturas, falta de coordenação motora, enfim, dificuldades de realizar as atividades do cotidiano. Eu não quero assustá-la, mas não há muito o que se fazer.
– Oh meu Deus – foi a única coisa que conseguiu dizer.
...................................................................................................................................
Tadinha de Meg....
O que Aurora irá fazer? Como será a vida das duas irmãs? Quem será a moça misteriosa? O que contém na carta?
Algum palpite?
Beijiiinhosss e até Sábado
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro