Capítulo 1
"O primeiro passe: mãos morenas e pequenas.
O segundo passe: Mãos negras e grandes.
O terceiro passe: mãos claras e grandes. Visão turva. Pernas bambas. O choque entre a árvore, o choque entre as pernas. Um grito abafado.
Um pedido de socorro inaudível".
– Por favor. Pare! Eu não quero! Me solte!
– Aurora! Acorde. – pede Marcus se levantando e acendendo as luzes do abajur.
– Não! Eu não quero! – Aurora se contorcia na cama e chorava desesperada.
– Aurora! – Marcus gritou mais uma vez e deu-lhe uma leve chacoalhada.
Aurora se levanta assustada e com a respiração ofegante. Seus pesadelos estavam cada vez mais intensos e constantes. Era o mesmo sonho em sete anos.
– Outro pesadelo Aurora? Estou de saco cheio desses seus gritos à noite.
– Me... Me desculpa. Eu não tenho controle sobre eles. – ela olhava Marcus com os olhos encharcados e com o olhar amedrontado. Seu corpo inteiro tremia.
– Tudo bem. Me desculpe. Você sabe como eu fico irritado quando me acordam. – Marcus diz a envolvendo em seus braços e dando lhe um beijo no topo de sua cabeça. Não era o melhor colo para se pedir proteção, mas era o único que tinha naquele momento. Aurora o abraçou forte, mas nunca era suficiente, não só pelo tamanho de sua dor, mas porque Marcus estava longe de ser um rapaz carinhoso e dedicado. – Agora vamos dormir porque eu tenho que trabalhar e você tem que ensaiar, certo? Dom não suporta atrasos você sabe. – ele se afasta de Aurora, desliga o abajur e se vira para dormir.
Muitos esperariam. Ficariam com ela em seus braços e a acalentaria até que a mesma pegasse no sono. Porém, estamos falando de Marcus Connor.
Aurora juntou seu lençol ao peito, completamente aflita. Ela tentava abafar o choro, pois sabia que Connor se irritaria se a visse chorando. Deitou virada diante dele, pois o nada em meio à escuridão não lhe era confortante.
Não conseguiria dormir. A noite seria sua companhia, assim como o som que alguns grilos faziam no jardim da casa e o barulho insuportável que o relógio da cabeceira fazia ao anunciar a mudança de segundos. Ela encolheu seu corpo em posição fetal e tentou acalmá-lo, mas tudo era em vão, sua mente e sua alma estavam agitadas.
A manhã chegou e Aurora não precisou abrir os olhos. Ela se levantou primeiro que seu marido e acendeu um cigarro encarando o sol na sacada. De noite ela era uma completa desprotegida, mas de dia, quando o sol lhe sorria, ela era forte o bastante para aguentar as intempéries da vida. Pelo menos era o que ela queria que as outras pessoas pensassem.
A luz não lhe trazia mais medo, mas ainda assim, não lhe era confortável. A vida não lhe era agradável e a única coisa que a impulsionava a continuar, era sua irmã caçula. As cenas do pesadelo ainda martelavam em sua cabeça, mas ela não sabia que o pior ainda estava por vir.
Aurora vestia uma camisa branca e tinha o cabelo semipreso, marcadas de uma noite de amor, ou apenas prazer, diga-se de passagem. Jogou as cinzas de seu cigarro pela sacada deixando que as mesmas caíssem e fossem levadas com o vento. Talvez a alma de seu pai pudesse encontrá-las.
Marcus chegou a abraçando por trás, apertando seus seios e lhe dando um beijo em seu pescoço. Ela permaneceu imóvel, sem contemplar ou corresponder por qualquer toque, ainda concentrada na vista do belo jardim que sua casa possuía.
– Uma pena estarmos atrasados. Eu não me canso de você. Vou tomar banho. Você entra em seguida. – Marcus informa e lhe dá um tapa em sua bunda, fazendo Aurora fechar os olhos e se abraçar fingindo indiferença. O sol lhe era mais agradável do que o rosto de seu marido logo cedo.
Após se arrumar, ela desceu para tomar o café da manhã. A mesa estava farta de bolos, pães, frutas, um bom café preto, e uma jarra com suco de laranja. Cassandra já havia acordado com a cara mais rebocada possível e seu leque detestável o qual ela balançava freneticamente. A sua vaidade se sobressaía independente da ocasião e do horário.
– Bom dia querida! – ela sorria forçadamente sempre que tinha que se deparar com sua nora. Aliás, todas as suas noras eram deploráveis, mas a do filho do meio ela se livrara, com o filho caçula ela não tinha com que se preocupar, Aurora era a única que ela precisava aturar.
– Bom dia sogrinha! – Aurora dá um falso sorriso, sem esconder a ironia em cada palavra e se senta em frente à Cassandra.
– Olá meu filho querido, dormiu bem? – Aurora se enojava cada vez que sua sogra se dirigia ao filho preferido.
– Olá mamãe. Tirando o fato de que Aurora teve outro pesadelo. – ele dá um beijo no rosto de sua mãe e se senta ao lado de Aurora.
– De novo? Isso já está se tornando um hábito! Deveria se tratar, ou teremos problemas sérios. – ela encarava com sarcasmo Aurora. Para Cassandra seria mais uma desculpa para se livrar da esposa de seu filho, e por que não numa clínica psiquiátrica?
Aurora apenas revira os olhos. Pega a jarra de suco e deposita em seu copo. Ela prepara–se para beliscar um mini croissant, mas e interrompida pelo tapa do leque de Cassandra.
– Você não pode!
– Como assim, eu não posso? Desde quando isso? – Aurora semicerra os olhos, curiosa para saber o motivo da atitude de Cassandra.
– Você não contou a ela, Marcus? – Cassandra se dirige ao filho, enquanto o mesmo deposita um pouco de café em sua xícara.
– Não. Não tive tempo ainda, mamãe. – ele limpa a garganta respondendo sua mãe. Marcus estava um pouco nervoso, pois teria que contar sobre a mudança de planos. Evidentemente preocupado, mas não pela reação de Aurora, e sim por sua reputação e ego.
– Contar o que? Por que não posso comer um pão? – Aurora olha para Marcus e Cassandra, querendo que um dos dois se manifeste.
– Porque você tem que estar em boa forma, Aurora. Teremos uma mudança de planos. Você é uma dançarina e precisa ter disposição. – Cassandra começa com rodeios para dizer realmente o que se passa, beliscando um pedaço de queijo branco.
– Nunca precisou desse rigor todo. Nunca tive problemas em engordar. Tá... pode ser que eu tenha engordado dois ou três quilos, mas minha disposição ainda é a melhor. E Marcus não reclama quando vem me procurar na cama. Acredito que ele é o único que importa. – ela beberica um pouco de suco e tenta a sorte com uma maçã.
Novamente mãe e filho se entreolham escondendo alguma coisa. Ambos queriam passar a responsabilidade um para o outro.
– Já que tocou nesse assunto, Aurora, eu agradeço a sua fidelidade, mas algumas coisas irão mudar. – Marcus começa a falar e Aurora cruza os braços e as pernas com uma sobrancelha erguida, prestando atenção em seu marido.
– Estou ouvindo. – Aurora morde a maçã.
– Você não será mais o anjo proibido. – seu marido finalmente confessa.
Por um instante Aurora pensou não ter ouvido direito e por causa disso não conseguiu dizer uma palavra sequer. Seus olhos tremeram algumas vezes e sentiu seu peito arder.
– Está brincando, certo?
– Não. – Marcus a olha sério.
– Bem eu vou deixá–los a sós. – Cassandra sai e sobe as escadas indo até seu quarto. Por dentro ela vibrava de tanta felicidade pelo o que estava para acontecer. Entretanto, ela sabia que Aurora poderia ser uma mina de ouro.
Aurora ignora sua sogra ainda concentrada em Marcus.
– Não pode estar falando sério. – ela descruza suas pernas e seus braços, pois as sentia bambas. – Nós temos um acordo, Marcus! – ela grita tentando conter o desespero.
– Não grite. Eu sei o que temos e o que não temos! – agora era Marcus quem estava gritando. – Está querendo que os empregados escutem a nossa conversa?
– E então? – ela se levanta colocando uma mão na cintura e outra na testa. Ela precisava se acalmar ou ia acabar desabando.
– Você sabe que o Red Blush está em crise. Você sempre foi a atração principal e a procura por você sempre fora muito grande. Eu descartei ofertas milionárias pela minha reputação. – Marcus se levanta acompanhando Aurora.
– Claro! Tinha que ser. – ela dá um sorriso debochado. – Sua reputação. E a minha dignidade Marcus? – ela olha para ele com os olhos cheios de fúria. Marcus solta uma gargalhada em desdém.
– Que dignidade Aurora? – Marcus pergunta tentando conter o riso. –Você tem sorte por eu ter te aceitado do jeito que você era, e olha que eu ainda vou ser muito bonzinho com você. – ele diz sem conter a ironia. Aurora se sente extremamente ofendida por tais palavras. De certa forma ela se sentia do jeito como ele havia dito, mas ouvir assim era ainda mais cruel.
– Bonzinho? – Aurora desconfia.
– Claro. Pode até não parecer, mas eu te amo. Amo tanto, a ponto de continuar casado com você, te dando todo o luxo e conforto possível, mesmo depois que tudo isso passar.
– Não faz sentido nenhum. – Aurora andava de um lado para o outro. O medo corroia todo o seu interior, mas ela tinha que se mostrar o mais forte possível. O mundo em que ela pertence não é solidário, e muito menos vive de compaixão.
– Estou fazendo isso pelo nosso bem. E inclusive estou pensando na pirra... na sua irmã. – Marcus não suportava irmã de Aurora.
– Como pode dizer que está pensando em nós fazendo uma proposta como essa? Eu terei que me deitar com velhos babões e ainda assim terei que dormir com você? O que acha que eu sou? – Aurora não conseguia gritar, muito menos raciocinar direito.
– Aurora, pense, minha querida. Se eu tiver que fechar o cabaré, adeus fortuna, adeus casa. Estaremos na miséria, pedindo esmola, e então, como será a nossa vida? Como será para você cuidar de sua irmã? – Marcus sempre usava Melany para chantagear Aurora.
Ela andava de um lado para o outro sentindo nojo de si mesma. Mais uma vez o seu ponto fraco falara mais alto. Ela faria o que fosse preciso para cuidar de Melany e lhe dar uma vida da qual não pôde ter.
– Quer mais um prova do meu amor? – Aurora o olha sem muito ânimo. – Prometo que eu mesmo farei questão de escolher com qual cara você irá se deitar. Prometo não lhe arranjar velhos babões. Dê graças por eu não te manter trancafiada como boa parte das dançarinas. – Marcus começa com todo e seu charme e logo joga toda a sua fúria para cima de Aurora, sem paciência para aguentar as lamúrias de sua esposa.
– Se tiver que se arrumar ainda, ande logo. Eu vou buscar minhas pastas e partiremos em seguida. – ele sai indo até o seu quarto. Aurora se senta no sofá e sente seus olhos molhados. Ela não podia chorar. Ela tinha que aguentar calada por Melany, única e exclusivamente por Melany.
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– Cinco, seis, sete e oito. Girou, cruzou. Faz carão. Mão na cintura. Um, dois, três. Aurora, meu amor! Foco querida! – Dom estava coordenando a coreografia das dançarinas, mas Aurora estava ainda perdida com os acontecimentos do café da manhã.
– Desculpa Dom. – pede Aurora.
– Certo. Vamos tentar de novo. Todas vocês, de costas para mim, andem logo porque não tenho o dia todo! – Dom gira os dedos. – Certo, virem o rosto para mim como se fossem quebrar o pescoço. Isso! Virem para frente e façam esses movimentos, frente e trás seguido por estalos de dedo, cinco vezes.
As dançarinas fazem tudo como Dom pediu, mas Aurora permanece imóvel. Dançar, pela primeira vez não a anima.
– Aurora Hough Connor! O que há com você? – Dom pergunta gritando. Aurora olha para cima com as mãos na cintura e solta uma bufada.
– Desculpa Dom. Eu não estou num bom dia. – ela diz se virando a ele.
– A queridinha do chefe não está num bom dia? Deixa eu ver se eu adivinho, você pediu uma roupa da Channel e lhe mandaram uma Louis Vuitton? – debocha Alejandra atraindo a risada das outras dançarinas. Aurora prefere ignorar, aliás, a mesma já se acostumou com as provocações. Alejandra era muito bonita, tinha os olhos castanhos esverdeados e o rosto delicado, além de belos cabelos acobreados num tom queimado que terminavam no ombro. O seu rosto ingênuo e delicado, escondia toda a sua arrogância por dentro.
– Ou disse a ele que você queria ser a lua, mas ele só tinha o papel de estrela? – foi a vez de Maitê, esta por sua vez era loira assim como Aurora, porém, não natural, dona de um belo par de olhos azuis acinzentados. Esta não tinha nem o rosto como aliado para camuflar toda a sua prepotência.
– Me dá um tempo, Dom? Prometo não demorar.
– Vai lá! Cinco minutos! – Dom olha para o relógio. – O que vocês estão fazendo paradas aí? Quero ver essas bundas rebolando e essas pernas funcionando. – Dom bate palmas se referindo as dançarinas.
– Dom, por que ela pode sair e nós não? Estamos ensaiando à horas e a oxigenada ali não conseguiu acertar nenhum passo. – Alejandra cruza os braços e ergue uma sobrancelha.
– Quer mesmo saber? – Dom lhe encara segurando um de seus cotovelos com a mão e apoia o queixo entre o indicador e o polegar.
– Eu não perguntaria se não quisesse. – ela eleva o seu tom arrogante.
– Bem! Primeiro que aquela oxigenada, é loira natural, segundo é esposa do chefe, portanto, minha cunhada. E terceiro, que ela é uma estrela e a atração principal, então, quando uma estrela esta com o brilho ofuscado ela precisa se recuperar o quanto antes. Você é uma estrela querida? – Dom pergunta aproximando seus óculos de seus olhos, encarando-a fixamente.
– Eu...
– Não. Não é. Então volte a dançar. – Dom a interrompe e Alejandra bufa de raiva.
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– Me dá uma algo bem forte, Will. – Aurora pede sentada a mesa do bar fazendo um esforço enorme para não chorar.
– Uma tequila? Um absinto? – ele pergunta secando os copos.
– Qualquer coisa. Algo me mantenha distraída ao mesmo tempo em que focada. E que não tire meu equilíbrio.
– O que te incomoda tanto?
– Estou nervosa, Will, só isso. – Aurora acende um cigarro, não quer ter que dizer a Willian o que se passa. Sentiria eterna vergonha por ter que dizer a ele a verdade.
– Isso está nítido. – ele conclui colocando um pequeno copo sobre a mesa, abre a garrafa e despeja o líquido até a borda. – Sabe que eu não gosto que fume.
– Obrigada! – Aurora diz virando a bebida num só gole. – Considere Will, eu estou precisando. – ela espreme os olhos. – Mais uma, por favor, e chega.
– Vai me contar o que aconteceu? – Will prepara a bebida novamente, mas não a entrega. Aurora o encara fixamente, um pouco perdida pelo verde de seus olhos. – Aurora, eu sou seu melhor amigo, sabe que pode contar comigo. O que meu irmão aprontou dessa vez?
Aurora engole seco várias vezes e ameaça pegar o copo das mãos de Will, mas ele o desliza afastando-o do alcance de Aurora.
– Você é muito chato, William Connor. – Aurora finge estar brava. – Tenho medo do que você irá pensar. – ela o encara com ternura no olhar.
– Você só vai saber se me contar. E seja lá o que for, não pode ser tão ruim assim. Quero dizer... – ele para por um instante. – Vindo deste lugar e o fato de você morar com meu irmão, é meio suspeito.
– Tá vendo! – Aurora esbraveja.
– Desculpa. Mas ainda assim, você não tem culpa pelo o que acontece aqui. A verdade é que ninguém tem culpa. Só minha mãe, meu irmão e aquele ogro do Kerchak. Fora o restante que nós não vemos.
– Will... Eu... Seu irmão rompeu o acordo que fizemos. – Aurora diz sem conseguir olhar nos olhos dele novamente.
– Como assim? – Will franze o cenho.
– Pelo fato do cabaré estar indo a falência, eu... – Aurora engole seco. Dizer aquilo era ainda mais difícil do que pensar. – Eu vou ter dormir com outros caras. Eu serei como as outras dançarinas. Por mais que ele me dissesse que não é permanente, isso parece uma eternidade.
– Meu irmão não fez isso. Não pode ser verdade. E a reputação dele? E o orgulho?
– Foi o que eu questionei, mas ele disse que não havia feito isso antes, justamente pelo seu status, entretanto a situação piorou e precisamos de dinheiro.
– Claro, e você como é a atração principal eles pagam mais. – Will não conseguiu conter a dor por ter que ouvir o que Aurora acabara de dizer. – Não vou te abandonar nessa Aurora. Pelo contrário, você sabe que pode contar comigo e nós vamos dar um jeito de reverter toda essa situação.
– Que jeito, Will? Eu queria mesmo que houvesse um jeito, mas... Desde que entrei aqui a minha vida se tornou uma descrença total. Se é que eu posso chamar isso de vida. – Aurora revira os olhos e tenta disfarçar que os mesmos estavam encharcados.
Will vendo Aurora naquela situação lhe entrega a bebida e sente que mais do que nunca Aurora precisa dele. Ele tinha que pensar em alguma coisa para ajudá–la.
– Eu já sei. Tive uma grande ideia. – ele esboça um sorriso radiante.
– Que ideia? – Aurora pergunta.
– Aurora! Vamos! Já se passaram os cinco minutos. – Dom a chama.
– Só um minuto Dom. – Aurora pede.
– Nem mais nem menos. Ande logo!
Aurora olha William como se implorasse por uma saída.
– Depois a gente conversa.ng-b�7Y\<�
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