Capítulo 3
Giulia
Já ouviu a frase "se nada der certo vou viver da minha arte"? Geralmente era dita como uma piada, entretanto, levei ao pé da letra. Foi por isso que abri no centro da cidade, em uma ruela esquecida por Deus, uma lojinha com enxovais para bebê. Comprava os kits e personalizava, colocando o nome e tema escolhido pelos pais. Também fazia lembrancinhas de biscuit, mas a minha especialidade eram três tipos diferentes de bonecas artesanais, que podiam ser feitas de ráfia, sabonete ou de lã com cabeça e membros de porcelana ou biscuit.
Quando pequena, passava horas com minha avó, que adorava me ensinar a criar beleza com as próprias mãos, após a sua morte parei com o artesanato, foi apenas durante o casamento — quando eu dividia o dia entre cuidar da casa, cozinhar, ler e ver televisão — que retomei o hábito de fazer crochê para passar o tempo. A partir daí resgatei as técnicas mais difíceis. Ocupava a minha mente e me distraía do relacionamento afundado em que havia me metido.
O que foi maravilhoso, pois de outro modo eu não saberia o que fazer do meu dia.
— Então, ele estava com o peito brilhando? — Janete me ajudou a dobrar um cobertor que eu tinha terminado de bordar.
— Quando a gente terminou de dançar parecia que eu tinha me esfregado no bonequinho do Guy Diamante.
— Quem?
— O personagem do desenho Trolls. — Ela fez um bufar e passou as mãos pelos curtos cabelos encaracolados marcados de cinzas, antes de me entregar o pacote fechado. Terminei de recortar a etiqueta personalizada e colei na embalagem.
Janete era mãe da dona da loja vizinha e tinha orgulhosos setenta e cinco anos. Não trabalhava mais, porém adorava andar pela galeria e nos fazer companhia, pois se sentia muito sozinha em casa. Desde que descobriu sobre o meu ex, se tornou minha amiga. De macho escroto ela entendia bem, o seu marido a abandonara um mês antes de completar quarenta anos de casamento por uma mulher que tinha a metade da sua idade.
— Não assisto essas coisas, mas eu quero saber é do encontro! Quando vai ser?
Ela se sentou na cadeira alta que ficava do outro lado do balcão de vidro, onde eu costumava passar o dia de olho na porta enquanto fazia os bordados. A minha loja era simples, porém arrumada. Em tons claros, predominantemente brancos, com vitrine e prateleiras de vidro, à esquerda ficavam roupinhas e enxoval para recém-nascido e à direita os enfeites de porta, lembranças de maternidade e kits de higiene.
Uma mesa também de vidro ficava no meio com uma cesta de vime repleta de doces bem-nascidos feito por Janete, que rejeitava a alcunha de "dona" ou "senhora", apesar de ser septuagenária, até a neta a chamava de Jane e não de vó.
— Nunca, né? — Terminei de empacotar o pedido e o guardei atrás do balcão. — Ele tinha a obrigação de dançar com as outras mulheres na festa, então eu fiquei mais meia hora com Toni e voltamos para casa.
— Nem um beijo? Vocês jovens não sabem curtir, se fosse nos anos setenta, teria dividido um cigarrinho enquanto enfiava a língua na garganta dele.
Balancei a cabeça, afastando a imagem mental da velhinha descalça, com flores na cabeça e vestido colorido — no estilo mais hippie que a minha imaginação conseguiu invocar — beijando o tal Don Juan com o corpo brilhando de glitter.
— Não conheço o nome dele, imagina o sabor de sua boca? — falei.
— Sabor da sua boca? Quem de nós duas passou pela menopausa? Pelo amor de todos os santos, precisa parar com esses livros de romance docinho que você gosta e ler uns de banca, tipo Sabrina ou Bianca, com uma pegada mais quente. Daqueles que tem um cara fortão e cabeludo na capa, com um cavalo correndo ao fundo.
Uau, aquilo foi bem específico!
Eu estava segurando agulhas entre os lábios para dar um ponto final e quase engasguei, sabia muito bem que tipo de livro ela estava falando, mas a minha mãe não me deixava lê-los quando mais nova e Guilherme comprava o que eu podia ler durante o casamento. Tendo garanhões ou não nas capas do que eu lia, sabia muito bem do que ela estava falando.
— O que acha que vai acontecer? Ele vai entrar aqui na loja com flores e uma caixa de chocolate para me levar em uma limusine até um restaurante chique com direito a champanhe e morangos, depois teremos um encontro perfeito, nos apaixonar, casar e ter filhos? — falei em um fôlego só, com o máximo de sarcasmo que podia.
Seria perfeito, se não fosse o plot de uma comédia romântica de sessão da tarde. Na verdade, um lado selvagem meu que implorava para ser liberto preferia que ao invés de flores e chocolates, ele derrubasse tudo da mesa e pegasse ali mesmo! Então, eu seria o jantar. Ri dos meus próprios pensamentos, nunca que eu teria coragem de colocar tal desejo em prática.
— Acho que uma limusine é exagero. — Deu de ombros.
Terminei de costurar o ponto que faltava e fui para o depósito nos fundos em busca do restante do pedido que deixei guardado.
— Concordo! — gritei de lá.
Janete se apoiou no beiral da porta, braços cruzados e me observando com atenção.
— Não lembra mesmo quem é ele?
— Antonela também não lembra e perguntamos para os que estavam sentados perto de nós na mesa, eles não faziam ideia.
Era um mistério que não fiz um grande esforço para resolver. Afinal, de que importava? Não iria revê-lo de qualquer modo.
— Nem a chifrudinha?
Minha nossa! Eu e minha língua grande, poderia ficar quieta, mas não, tive que contar todo o evento para a senhorinha. O que eu podia fazer se poucas coisas emocionantes ocorriam em minha vida e cada detalhe da noite de sábado foi repassado para ela durante a manhã toda?
— Pelo amor de Deus, não a chame assim.
— Relaxa, ninguém vai ouvir e se ouvirem — olhou para os lados, como se precisasse se certificar de que a loja estava às moscas, e cochichou —, você diz que sou velha e esclerosada.
Como se alguém fosse acreditar! Ela era a pessoa mais lúcida que eu conhecia e sua memória era melhor do que a minha.
— Tenho que aprender a filtrar o que falo para você.
— Ligue para a chifrudinha e marque uma saída, vocês podem contar do marido dela e saber do galã misterioso.
De vez em quando Janete me dava ordens como se fosse uma mãe e muitas vezes acatava porque ela estava mais próxima de mim do que minha própria mãe. O relacionamento com os meus pais era bom, principalmente quando eles ficavam no canto deles e eu no meu.
— Isso faz parte da esclerose?
— Posso estar com o pé na cova, sabia? — Levou a mão ao peito, boca aberta em um "o" perfeito e olhos arregalados. — Você não pode começar uma fofoca e me trazer só metade, se eu morrer antes de saber tudo venho puxar o seu pé durante a noite.
Do jeito que era curiosa, não duvidava nada.
— Primeiro, você vai viver por muitos anos. — Separei a fita dourada para fazer um laço elaborado e fechar o pacote. — Segundo, por que acha que Ana Paula acreditaria em mim? Eu não acreditei quando a secretária de Guilherme me disse que ele estava me traindo.
Nunca esqueci a primeira pulga atrás da orelha, quando fui visitar o escritório de Guilherme e Rochela me chamou em um canto para conversar, informando que o chefe começou a agir estranho. Eu sempre a achei simpática e solícita, quase uma amiga.
Às vezes dava raiva o quão ingênua podia ser.
— Mas acreditou quando descobriu que era ela quem abria as pernas para ele.
Diante de fatos não havia argumentos. Se Rochela tivesse dito logo: "estou dando para o seu marido há três anos e engravidei dele", eu teria acreditado de imediato.
Não queria conversar sobre aquilo. Na verdade, nem sabia como havíamos chegado ao assunto proibido.
— Olha a hora! — Bati no relógio de pulso. — A loja da Janaína vai abrir.
Assim como eu, a sua filha não precisava de ajuda para gerir o estabelecimento, apesar de apreciar as visitas da mãe. Era uma pequena galeria com três lojas no andar de baixo e três no de cima, não podia pagar uma funcionária, então precisava ser multiuso.
— Você não vai se livrar de mim fácil.
Voltei a fazer o laço:
— O que quer que eu faça?
— Mande uma mensagem para saber quem é ele.
Ora, não ia sossegar enquanto não desse um basta na história do bonitão, eu iria dizer a ela que descobri tudo, falei com ele não deu certo.
— Pode deixar que vou assim que chegar em casa.
Bastou fechar a boca para o telefone da loja — que, por acaso, era o meu celular — começou a tocar. Não precisei pedir que atendesse antes que ela se adiantasse para o aparelho e o levasse ao ouvido.
— Ateliê Baby Boom, boa tarde. Hum... Sei... Acho que podemos atender o seu pedido. — Ela tampou o bocal do fone e sussurrou pedindo pela agenda, avisei baixinho que estava na gaveta. — Certo, sim... uhum. Tem uma vaga para hoje. Oito horas? Perfeito. Sei onde é. Aviso sim.
Estranhei, normalmente as pessoas vinham à loja para ver as amostras do material, eu não ia na casa delas. A menos em raros casos quando a gestante estava em repouso e não podia sair de casa.
Não durante a noite, entretanto.
— Como assim oito horas? Vou ter que ficar até tarde para fazer um orçamento?
— Não, querida. — Ela se aproximou e deu batidinhas em meu ombro. — Você vai fazer essa entrega e sair mais cedo para se arrumar.
Sinais de alerta soaram em minha cabeça, ela estava com cara de quem tinha aprontado algo.
— Por quê?
— Porque você tem um encontro com o bonitão da voz grossa às oito.
Saltei em pé tão rápido que por pouco não derrubei a caixa com pedido e tudo no chão.
— Era ele? — pergunta estúpida, mas que precisava ser feita.
Ela balançou a cabeça feliz, como uma criança que ganhou um belo presente de natal:
— Pelo menos não vai precisar ligar para ninguém para descobrir quem o bonitão é.
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Gostaram da Janete?
Félix deu um jeito de garantir que o encontro de mil reais acontecesse e Giulia nem sabe (ou melhor, não lembra) o nome dele ainda!
Ela precisa realmente aprender a recordar... rs
Beijinhos!
completo na Amazon!
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