Capítulo 2
Passou da meia-noite e eu estava me divertindo, conversando com um grupinho de ex-colegas, tanto que nem detestava mais a ideia de ter ido ali. Antonela também não falou nada sobre o traidor, não era o momento certo de jogar a bomba no colo de Ana Paula.
— A gente deveria dar uns beijos na boca... — Toni falou assim que voltamos do banheiro e paramos perto da pista de dança. Alguns dos nossos ex-colegas dançavam, outros estavam conversando em rodinhas.
— Uma com a outra? — Lancei a ela uma piscadela sugestiva e lambi os lábios, causando um ataque de riso da minha amiga. — A psicóloga acha que eu deveria me abrir para novas experiências, mas não sei se estou pronta para variar tanto.
Brincadeiras à parte, esse ponto era tocado na terapia há mais de ano, porém, no setor amoroso, eu continuava na seca.
— Vou te arrumar um macho hoje!
— Eu não quero um homem...
Toni levantou a mão, me parando:
— Quem falou em homem? Eu disse que ia te arrumar um macho.
— Qual a diferença? — Me preparei para o absurdo que sairia de sua boca.
— Macho é para reprodução, só que sem bebê envolvido, se é que me entende.
Gargalhei, sabia que a loucura viria em algum momento.
— Não entendo, porque você está bêbada e não fez sentido algum.
— Miga, você precisa de um macho para montar e ter orgasmos, não importa se ele é legal, trabalhador, inteligente ou qualquer uma dessas merdas que faria sentido saber em um romance. O que importa é que não seja um maníaco, tenha um pênis e saiba usá-lo.
Pelo menos ela mantinha as prioridades em ordem.
— Ele pode ser razoavelmente bonito aos meus olhos também?
— Claro! — Deu de ombros. — Senão você vai ficar mais seca do que o deserto do Saara.
Não era a primeira vez que tivemos aquele tipo de conversa e, com certeza, não seria a última. Bastava um pouco de álcool em sua corrente sanguínea para ela relembrar de sua missão na Terra de me fazer transar com alguém que não fosse movido a pilha. Toni nunca admitiria, mas eu tinha a impressão de que não me contava todas as suas conquistas porque não queria "esfregar na minha cara" o quão a vida dava certo para ela. No entanto, nunca ficaria chateada por minha amiga se dar bem, eu a amava do fundo do meu coração. Por isso, fazia de tudo para sorrir o máximo que pudesse, assim ela se preocuparia menos.
Era irônico que a gente cuidasse uma da outra ao mesmo tempo que escondíamos sentimentos em prol da boa convivência. Eu poderia quebrar o ciclo, mas algumas verdades eram melhores sem serem ditas.
Antes que pudéssemos analisar as opções disponíveis, a organizadora do evento — que também era uma ex-aluna — chamou no microfone:
— Fiquem em pé e se aproximem, chegou o momento esperado por todos! Não temos o rei e a rainha do baile, pois a tradição do nosso colégio é muito melhor, teremos o Gostosão e a Gostosona do rolê!
Minha nossa, eu tinha esquecido disso. Dez anos atrás, não fui para a aula da saudade, mas estava presente no baile de formatura e na maluquice que a nossa turma foi precursora: sortear um encontro. Ainda bem que o tributo era voluntário porque nunca que eu participaria daquilo. Imagina sair com alguém que pode ser um maluco qualquer?
Wanessa, que era bonita na adolescência e ficou ainda melhor como adulta, desfilou no meio da pista de dança em seu salto agulha de quinze centímetros e vestido rosé que moldava o corpo violão. Claro que o show estava sendo filmado para as suas redes sociais, uma vez que ela era influenciadora fitness. A máscara de veludo com pluma e paetê que ela usava para ser a nossa Femme Fatale da noite não era eficiente para esconder as feições da celebridade do colégio.
— A desgraçada ficou mais bonita — Toni reparou o óbvio. — Deveríamos começar a fazer as receitas que ela ensina ao invés de apenas sermos seguidoras.
— Concordo, não é Photoshop. — Era uma dúvida que tínhamos, se tamanha perfeição vinha de filtros e edições nas fotos ou se eram reais. Os caras e muitas garotas foram à loucura, com gritos e assobios. — Sei que é uma brincadeira, mas não acha errado objetificar as mulheres?
Assim que terminei de falar, um cara com um terno aberto e sem camisa caminhou com extrema confiança para o meio da pista de dança, os assobios ao nosso redor duplicaram — e até Toni se juntou à algazarra —, eu me estiquei para ver quem era, porém não pude reconhecer o homem com máscara de Don Juan e um cravo vermelho na lapela.
— Esse aí é mais do que "razoavelmente bonito". — Ela fez aspas no ar.
Babei um pouco quando, depois de alguma insistência por parte do público, ele deu uma volta ao redor de si, exibindo o peito desnudo sem pudor e causando uma nova onda de aplausos e gritaria.
— Ai, um tanquinho desse lá em casa...
Meu murmúrio foi recebido com um levantar de sobrancelha por parte de Antonela. Ora, eu estava celibatária, mas ainda possuía ambos os olhos, e admirar o físico alheio não era nada demais.
— Quem está objetificando agora?
Dei de ombros, dispensando o seu comentário. A apresentadora, que já tinha terminado de falar sobre Wanessa, começou a elencar os atributos do rapaz.
— Nosso Don Juan é um loiro de um metro e noventa e cinco de altura, olhos escuros, advogato... ops, advogado! — Ela deu uma risadinha. — Em um pacotão de pura gostosura, músculos, inteligência e desenvoltura! Morou fora e fez especialização nos Estados Unidos, mas está de volta para o nosso deleite. Então, meninas, vamos preparar o bolso em prol da caridade para o nosso sorteio de um encontro com o Gostosão! Cada uma deve colocar no papel o valor que deseja doar e será sorteado o vencedor.
Quando a gente se formou, o Don Juan da minha sala foi Pablo, cujo único atributo admirável era a beleza exterior, mas os anos não lhe fizeram bem e, o cara que achava que ser bonito era mais importante do que se dedicar aos estudos, se tornou um adulto frustrado ao perceber que o mercado de trabalho não se importava com os olhinhos brilhantes. O cara ficou tão azedo que a feiúra interna parecia vazar de seus poros e ninguém mais queria ficar perto dele.
Era meio triste vê-lo fazendo careta de desgosto e enchendo a cara por ter sido substituído, se eu fosse uma pessoa mais pura de coração, sentiria pena. No entanto, em meu peito só crescia a certeza de que a justiça divina foi feita. O que podia fazer se Pablo não foi o "rei do baile", e sim, o rei do bullying? Em seu caso, o carma o alcançou ligeiro. Nós colhemos o que plantamos.
Toni me tirou dos meus pensamentos ao pegar dois dos envelopes e canetas distribuídos pelos garçons.
— Você vai dar um lance?! — questionei, abismada.
Antigamente, fazíamos piada de quem embarcasse no surto coletivo que era fazer um "Gostosão e Gostosona do rolê". Até o nome era ridículo!
— É pela caridade, por que não?
— Mas ele é advogado e você disse que todos não passavam de enganadores e mentirosos!
Dei uma conferida na bunda do cara, agora que ele estava de costas, percorrendo o caminho para o final da pista de dança. Era muita gostosura em uma pessoa só, logo, havia algo de errado com ele para permanecer solteiro. No mínimo, era um escroto comedor que se pendurava com uma mulher diferente a cada noite para dispensá-la na manhã seguinte.
— Isso foi antes de eu ver o tanquinho desse aí, lembre-se que essa noite a gente quer um macho, não um homem.
Até dois segundos atrás, era só eu que precisava de um desse, mas considerando o espécime que desfilava diante de nós, exceções podiam ser feitas.
— É um bom ponto.
— Você não vai dar um lance também? — Ela me passou o segundo papel e caneta.
— Se eu tivesse dinheiro sobrando, sim. — Dei de ombros. — Esqueceu que sou um caso de caridade também?
Ok, talvez eu estivesse exagerando, mas não estava tão longe da verdade. A minha lojinha começou a render lucro, mas era quase nada em comparação ao custo que foi para abri-la. O pouco que consegui a partir do divórcio foi investido todo em um negócio que pudesse me sustentar sem depender de ninguém. Deveria ter prestado mais atenção ao acordo pré-nupcial, era óbvio que o meu marido não pretendia passar o resto da vida comigo quando me fez assiná-lo.
— Não fale isso nem brincando, Lia! — ralhou comigo pela milésima vez naquela noite. — Poxa, amiga, você tem a sua loja e a gente divide as contas, não se diminua assim. — Me cutucou com o cotovelo. — Não precisa ser um valor alto, entre no jogo...
— Se eu for sorteada, vão ver que eu coloquei dez reais e serei motivo de chacota pelo resto da vida.
Apesar da reclamação, escrevi um valor no envelope e entreguei ao responsável, que colocou na urna adequada. O primeiro sorteio foi de Wanessa, arrematada por um cara bonito, porém baixinho, que mal alcançava o ombro dela. Segurei a vontade de rir da sua expressão de desgosto. Poxa, devia estar feliz! Não conhecia o vencedor, mas ele parecia simpático e a altura era mais um padrão ditado pela sociedade. Fomos ensinadas a admirar homens mais altos, quando nos menores frascos poderiam vir os melhores perfumes.
O que ela pensou que iria acontecer? Que o Jacob Elordi iria aparecer e tomá-la em seus braços em um beijão na frente da escola toda? Não era a Barraca do beijo! Se bem que o tal Don Juan apresentava a altura e físico de um astro de cinema.
— A Gostosona já tem dono, vamos ver quem será a pessoa sortuda que levará o nosso Gostosão para jantar? — O baterista da banda ao vivo fez um rufar de tambores enquanto a mão de unhas compridas e bem cuidadas descia ao meio da urna, misturava os papéis e puxava um deles. — E a vencedora é: Giulia Lima com uma doação de mil reais!
Puta merda! Quantos zeros eu coloquei no papel? Suei frio e uma vertigem deixou a minha cabeça zonza.
O bonitão estava embaixo de um holofote e um segundo foi direcionado para mim, todos os olhares seguiram a mesma direção e eu devia estar com a expressão de quem tinha acabado de se deparar com um fantasma.
— Quê? Houve um equívoco, eu doei dez! — Finquei os pés no chão quando a galera me instigou a me juntar ao Don Juan.
— Quem doou mil fui eu, mas escrevi o seu nome — Toni sussurrou em meu ouvido. Pela segunda vez naquela noite, ela colocou as mãos em minha lombar e me empurrou para a cova dos leões. — Relaxa, amiga. Só quis duplicar suas chances, te disse que arrumaria um encontro esta noite.
Não era para ser um macho em quem eu pudesse montar e ter múltiplos orgasmos? Aquele cara gostoso iria apenas cumprir sua obrigação e vazar para longe de mim na primeira oportunidade que tivesse.
O pessoal ainda batia palmas quando o bonitão estendeu a mão e eu não tive alternativa a não ser ceder à pressão, indo para os braços do Gostosão do rolê. Uma música romântica começou a tocar e os gostosões levaram os seus pares para a primeira dança. Em menos de um minuto eu fui de tímida no canto do salão a mulher sendo pressionada contra um tórax seminu com...
— Tem glitter no seu peito?
Sim, essa foi a primeira coisa que falei para ele, sua resposta veio logo após um suspiro resignado.
— Não foi escolha minha.
Ri com escárnio, nem um pouco acreditando em sua palavra.
— Quer dizer que você deixou alguém tirar sua camisa, besuntar seu peitoral de loção corporal com glitter e te leiloar como um pedaço de carne sem querer?
Ele me rodopiou com habilidade, gerando uma rodada de gritos dos espectadores, e colou de novo os nossos corpos juntos. O que foi ótimo, porque de outro modo terminaria caindo, pois ainda estava com resquícios de vertigem.
— Primeiro me disseram que eu participaria de uma brincadeira inocente para a caridade... Depois... Bem... — Ele se atrapalhou com a explicação. — Elas começaram a desabotoar minha roupa e aí eu pensei que...
— Você achou que ia transar em plena festa de reunião?
Com que frequência aquele tipo de coisa acontecia em sua vida? Com um corpo como o dele e um sorriso fácil, a mulherada devia se jogar em seu colo.
— Em minha defesa, eram duas mulheres — que deveria ser Wanessa e a apresentadora — e a gente estava no camarim que tem lá atrás, com ninguém por perto.
— Essa é a sua defesa?
Não era das melhores! O homem deu de ombros e se inclinou, a respiração tocou no meu pescoço, arrepiando minha pele.
— Acho que a resposta certa deveria ser não — um centímetro separava seu lábio da minha orelha —, mas veja pelo lado bom, pensei com a cabeça de baixo e me dei mal. Terminei sendo leiloado.
Ele não parecia se importar em ser admirado por todos na festa enquanto desfilava. Fiquei tão distraída com o papo que demorei a perceber que eu estava longe de ser o sonho do Don Juan.
— Não se preocupe, podemos considerar essa dança como o encontro e você nunca mais precisará me ver de novo. Não sei se a apresentadora vai topar, mas Wanessa não parece muito feliz com o cara que está dançando com ela, tenho certeza que preferiria ficar contigo. É o certo, né? O Gostosão e a Gostosona combinam muito mais juntos.
Que interessante! Acabei de descobrir que eu ainda tinha um ego a ser ferido, achei que Guilherme havia destruído o meu no divórcio.
Tentei me afastar porque por mais que fosse gostoso me esfregar em um tanquinho — algo que meu ex não tinha —, não queria que o cara se sentisse constrangido em estar comigo em seus braços, entretanto, ele não deixou e me manteve mais perto ainda:
— Espera, você me interpretou errado.
— Acho que não, entendi perfeitamente. Não estou chateada, nem fui eu que dei o lance alto, foi a minha amiga. Tinha colocado cinquentinha só — menti, envergonhada do que ele poderia presumir ao saber que doei apenas dez.
— Então, eu só valho cinquenta reais?
Sua cabeça pendeu para o lado e os olhos escuros perscrutaram o meu rosto. Deveria ser proibido ser bonito daquele jeito, por um segundo até perdi a fala, lambi os lábios, recobrando o juízo.
— É, que nem aquela música da Naiara Azevedo.
— Você sempre foi engraçada, Lia. — O Don Juan jogou a cabeça para trás e riu.
Ou melhor, gargalhou. Não o acompanhei na risada, chocada pela intimidade com que ele falou comigo.
— Como sabe o meu apelido?
A maioria das pessoas achava que seria Gi ou Giu.
— Não lembra de mim, né?
Foi a sua vez de me encarar com um toque de julgamento. Abri a boca e fechei, puxando da memória quem poderia se encaixar naquele físico escultural e me conhecer na adolescência ou na vida adulta! Não veio ninguém à mente além do marido de Berta, mas ele estava sentado na mesa junto a ela e não podia estar em dois lugares ao mesmo tempo.
A banda parou, assim como nós, que nos viramos em direção ao palco, onde a organização tinha mais surpresas.
— A primeira dança foi emocionante, pessoal! Estão de parabéns. — A apresentadora, que eu me lembrei se chamar Carmem, pediu por aplausos. — Está na hora de dividir essas belezuras com o restante de nós, meros mortais. Vamos animar, galera!
— Talvez você descubra durante o nosso encontro, sou obrigado a dançar com outras mulheres, mas a gente vai continuar esta conversa outra noite.
O que diabos foi isso?
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Félix chegou para abalar as solteiras de plantão!
Alguém esperava que sua entrada triunfal seria em um leilão?
Ah, um detalhe! Quem não reconheceu, Berta e Matheus são personagens de Meu ex-melhor amigo, que foi postado aqui no Wattpad ano passado está disponível na Amazon. Foi só uma brincadeirinha que fiz fazer com as leitoras. <3
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