Capítulo 3 - Faça uma pausa para o café
A mulher colocou minha xícara de café do lado do prato cheio de macarons que eu tinha acabado de comprar e eu lhe fiz um aceno com a cabeça para agradecê-la. Meu francês estava longe de ser bom e, depois de ter passado por alguns momentos desconfortáveis no último dia, achava melhor não arriscar começar assunto com ninguém.
Não que um merci fosse um convite para a mulher se sentar na minha frente e me contar de toda a sua vida, esperando conselhos espertos de uma americana estranha, mas eu já tinha percebido que parecer receptiva demais fazia as pessoas pensarem que podiam me pedir referências da cidade e fazer comentários curtos para elas e enormes para minha incompetência com a língua. E aquilo não estava me ajudando em nada a me sentir menos como um fracasso.
Mas eu precisava admitir que a cidade ainda me parecia muito bonita. Era realmente pequena, mas o que lhe faltava de tamanho, sobrava de beleza. Aquele cara do avião, quem quer que ele fosse, sabia do que estava falando. Além de que eu tinha desenvolvido rapidamente um vício em macarons, que antes nem sabia que existiam. Eram pequenos doces redondos com recheio, dando uma impressão quase de sanduíche, que tinham uma textura um pouco mais resistente que suspiro, mas delicada e macia o bastante para me fazer fechar os olhos quase todas as vezes em que dava a primeira mordida em um.
Não sei como os franceses conseguiam trabalhar aqui. Se fosse eu, passaria o dia inteiro só comendo macarons.
E era exatamente o que vinha fazendo.
Era meu segundo dia ali e sabia que estava enrolando, mas não era minha culpa. Além da distração dos macarons, estou começando a achar que a paisagem não me deixar focar no que preciso fazer. Tem como algum lugar ser bonito demais? Ontem, tinha feito minha mochila e saído do hotel determinada a comprar uma passagem de volta para Paris, quando parei na primeira ponte para olhar outra vez para o castelo.
Parecia de novo que era de mentira, de tão maravilhoso. E eu nem estava levando em conta o sol calmo de primavera que refletia no movimento que a brisa fresca produzia nas águas do rio Loire. Nem estava me preocupando com o céu azul claro sem uma única nuvem que servia de fundo para tudo aquilo. Não. Meus olhos outra vez só conseguiam ver o castelo e cada casinha de paredes brancas e telhado cinza escuro que formavam a vista. Tinha parado na metade da ponte, quando me virei para olhar para ele, e comecei a andar de volta sem perceber o que fazia, cada passo lento me deixava mais perto castelo, e andar em câmera lenta foi a única coisa que conseguiu me fazer não tropeçar ou acidentalmente me jogar na frente de um carro que passava.
Aquela era uma hipnose perigosa.
Meu hotel não ficava longe, era logo no começo de uma rua que cortava a que passava na frente do castelo. Por sorte, ou medo de só ter passagens depois de outros dias, eu tinha esperado para fazer check-out e não precisei encontrar outro lugar para dormir. Voltei para ele por entre as casas antigas e pitorescas, me convencendo a ficar só mais um dia, intoxicada por aquela sensação de que estava tendo uma experiência linda e inspiradora, que acabou não resultando em nada quando me sentei na frente do computador. E eu jurava que funcionaria. Era daquilo que eu precisava, de um lugar maravilhoso, um lugar incrível, um lugar diferente de tudo que eu conhecia. E estava pronta para escrever, só precisaria chegar ao meu hotel e tentar.
Então me explique por que tudo que tinha conseguido fazer foi começar o mesmo capítulo milhares de vezes e apagá-lo inteiro depois de cada uma? Amboise era uma cidade linda, já estava até cansada de repetir aquilo para mim mesma, ainda que só na minha cabeça, mas não estava me ajudando em nada. Não era como se eu pudesse fazer a minha personagem, Marianne, ir para a França, encontrar vampiros na última morada de Leonardo da Vinci (sim, eu realmente considerei essa opção) e se empanturrar de macarons. Devia ter pedido para a atendente no aeroporto uma passagem para a Romênia.
Era uma quarta-feira, o que significava que a maioria dos restaurantes finalmente se abriria. Pelo menos ontem eu tinha conseguido comer direito e hoje tinha a opção de almoçar macarons. Minha sobrevivência já não estava mais em jogo. Tinha pelo menos um micro-ondas no quarto de hotel, e eu comprara todos os macarrões prontos do Carrefour.
Era assim que eu estava vivendo, de macarrão e macarons.
Podia jurar que o atendente do Carrefour já estava de marcação comigo, regulando minha alimentação depois de eu levar treze pacotes da última vez. Essa era uma das coisas das quais eu já sentia falta, dessa liberdade que tinha em Nova York, de poder simplesmente entrar no Google quando tivesse fome e encontrar um restaurante que entregasse, mesmo que às duas da manhã. Quão ridículo era aquilo? Agora eu estava até com medo de esquecer algum dia e só lembrar quando voltasse para o hotel que não tinha o que comer ali.
Bati minha caneta mais algumas vezes no meu caderno. Era por isso que estava ali, naquele café, me empanturrando de macarons. Não era nada mal, café era meu melhor amigo e macarons já tinham se tornado meu novo vício. Estava ali fazia algumas horas, já era minha terceira xícara e já tinha escrito o nome de Marianne várias vezes a folha. Já a tinha desenhado, de chapéu, de vestido, com o arco e flecha dela. Já até tinha acrescentado um bigode em um dos desenhos, escrevendo 'J'aime la France' em um balãozinho.
Mas esse tinha sido o máximo de palavras que tinha escrito. Sentada naquela cadeira de metal levemente desconfortável, eu tinha uma vista muito bonita. Era uma rua antiga, por onde não passava carro. Vários cafés e padarias tinham suas mesas para fora. E, bem no meio, havia uma torre estilo ponte que combinava perfeitamente com o resto da cidade, ligando um lado da rua ao outro. Paredes brancas, telhados pontudos e detalhes em cinza. A diferença era que as casas costumavam complementar com chaminés de tijolos vermelhos.
E eu quase queria abrir os braços e dar de ombros para a torre, como se ela fosse viva. De que adiantava ser tão bonita? De que adiantava eu estar ali? Ela não me diria o que escrever! E eu não conseguia nem decidir como resolver a questão final da trilogia da Marianne.
A pior parte era que eu sabia que isso acabaria acontecendo. Quando meu livro tinha sido escolhido para publicar, três anos atrás, no começo de tudo, sabia que tinha uma ideia boa, mas ainda não tinha tido a chance de desenvolvê-la. E, conforme ia deixando que ela tomasse seu rumo sozinha, podia jurar que ia acabar chegando em um impasse. Sempre tive essa impressão, mas a ignorei todas as vezes em que começava a pensar naquilo.
Só para ela acabar tomando conta da minha vida.
Soltei da caneta para pegar mais um dos macarons amarelinhos na minha frente. Nem tentei esconder quando a mordida me fez fechar os olhos de novo, por alguns segundos só percebendo o jeito que meus dentes quebravam a casquinha perfeita dele, logo sentindo o gosto de limão doce e ainda azedo se espalhar pela minha boca. Aquilo era maravilhoso, mas não foi o suficiente para evitar a suspirada que eu dei ao abrir os olhos e ver minha falta de progresso logo à minha frente.
Tinha outra coisa a alguns metros na minha frente, entrando no café de macarons (deviam vender outras coisas lá, mas era difícil desviar o olhar quando a pilha de macarons coloridos aparecia na minha frente). Não tinha tido tempo de formar uma opinião sobre o povo da cidade em questão de aparência, mas agora achava que era porque ninguém ainda tinha chamado minha atenção como deveria. Ninguém antes dele.
As primeiras coisas que me chamaram atenção no cara que entrava no café foram completamente superficiais. Ele era classicamente bonito, rosto bem simétrico, alto, ombros largos e tinha cabelos castanhos só um pouco mais compridos do que deveria ser a intenção. Mas, à segunda vista, percebi algo a mais no jeito em que andava, em como não se incomodava com o vento bagunçando seu cabelo, mas parecia tê-lo deixado assim de propósito. Tinha algo em seu sorriso também, despreocupado e despretensioso, que prendia meus olhos nele e me fazia me perguntar o que poderia estar passando pela sua cabeça.
Era uma mania de escritor, ou pelo menos era como eu a explicava. Não conseguia olhar para uma pessoa sem me imaginar, nem que por alguns poucos segundos, contando uma história pelo seu ponto de vista. E ele especialmente me fazia querer saber o que pensava, o que o fazia sorrir como se fosse um movimento involuntário de seu rosto e, principalmente, porque ele trazia uma caixa ao café, em vez de levar uma cheia de macarons como eu.
Assim que passou pela porta de volta, seus olhos encontraram os meus, e ele hesitou um segundo antes de sorrir e me fazer um pequeno aceno com a cabeça. Eu lhe devolvi, mas atrasada demais, a ponto de ele nem ter visto direito o sorriso, quem diria quando eu abaixei minha cabeça como uma incompetente deslocada. Para a sorte da minha autoestima (ou não), na hora em que vi o caderno aberto à minha frente, me lembrei de que tinha outras preocupações mais urgentes do que minha falta de jeito para interações meramente sociais.
Para me sentir ocupada e como quem estava tomando uma atitude, joguei o resto do macaron na boca e peguei a caneta outra vez. Escrevi Marianne bem no meio da página, depois a primeira coisa que precisava resolver. Humanos ou vampiros?
E então passei mais dez minutos só batendo a ponta da caneta outra vez no papel.
Pela milésima vez desde que tinha chegado àquela cidade, me distanciei de tentativas de escrita e comecei a considerar que tipo de desculpa me livraria de ter que terminar esse livro tão cedo. Até cheguei a me perguntar se seria tão ruim assim se fizesse um final um pouco mais simples e nem tão épico. Mas eu não tinha escolha. Não, porque a minha história não estava acabada, e não correria com o final só para escrever, entregar e me livrar daquilo. Essa era a pior parte. Precisava ser bom! Eu devia isso à Marianne! Devia isso aos meus leitores, que tinham me acompanhado desde o começo, que ficavam em casa, torcendo para o próximo livro ser lançado logo. Eu precisava terminar aquela história com chave de ouro, precisava fazer cada palavra ter valido a pena para eles.
E, para isso, só precisava escrever o final, pensei comigo mesma, me aproximando do caderno com a caneta em punho. O mundo já estava criado, os personagens já tinham histórias e romances, aliados já tinham se juntado e a guerra já estava declarada. Eu só precisava saber solucioná-la.
Escreve alguma coisa, Audrey. Qualquer coi...
Meu celular começou a tocar do nada, me fazendo sentar direito outra vez. Ele era uma das mil coisas que eu tinha deixado em cima da mesa e, assim que vi quem me ligava, corri para atender.
"Kendra, ótima hora para me ligar!" Falei, levando-o ao ouvido.
Ela riu do outro lado. "Te salvei de algum encontro terrível?" Perguntou, fazendo referência a todas as vezes em que eu marcava com ela de me ligar quando saía com um cara novo, só para poder ter uma desculpa para ir embora se precisasse, ainda que na maioria das vezes perdesse a coragem de usá-la.
Em minha defesa, eu faria o mesmo por ela, se ela já não fosse casada quando nos conhecemos.
"Não, nada desse tipo," respondi. "Mas é tão, tão bom poder conversar com alguém que fala minha língua!"
Ela riu outra vez. "Tendo problemas com os franceses? Escuta, Audrey. Desculpa não ter ligado de volta antes. Sabe como é, eu estava com Tony na casa dos pais dele e com toda a situação da irmã dele, ficou difícil de parar para pensar!"
"Eu entendo," falei, querendo sair daquele assunto o mais rápido possível.
Kendra já tinha me explicado a situação da irmã do seu marido milhares de vezes, mas, por mais que tentasse muito, não conseguiria me lembrar do que se tratava! Não queria que ela me testasse agora e descobrisse que era uma péssima amiga.
"Mas, e aí? Você está gostando da cidade?"
Suspirei fundo, olhando à minha volta. "Acho impossível alguém vir para cá e não gostar. A cidade é muito bonita," admiti, mesmo que as palavras já tivessem começado a perder sentido na minha boca.
"Mas?" Ela me conhecia bem demais.
Bufei uma risada. "Mas é tão pequena, Kendra! É minúscula! Acredita que tive que vasculhar para conseguir encontrar um ponto de ônibus? Só para depois descobrir que o único ônibus que passa ali leva para outras cidades!"
"Você tem que fazer tudo a pé?" Ela perguntou e eu murmurei que sim. "Ah, veja pelo lado bom! Você vai voltar no verão toda torneada!" Eu quis rir, mas aquilo nem me importava. "Conseguiu escrever pelo menos?"
Apoiei com o cotovelo na mesa e esfreguei a testa. Por um segundo, pensei em mentir e dizer que já tinha algumas páginas novas, pelo menos, mas acabei desistindo.
"Adivinha," falei.
Ela suspirou do outro lado. "Nada ainda, Audrey?" Ela parecia quase mais desanimada do que eu. "Sabe, eu estava lendo um negócio na internet esses dias," ótimo, pensei. Outra teoria inovadora dela que não duraria dois dias. "Se você está com um bloqueio, precisa escrever sobre outras coisas."
"Tipo o quê?"
"Bom, você disse que a cidade é linda, não? Por que faz alguns desenhos por aí e escreve como se fosse um guia? Ainda tem seu caderno?"
"O que o Esteban me deu?" Bufei uma risada sem humor, passando minha mão pela página aberta.
"Eu sei que ele é um canalha e que você está melhor sem ele," ela continuou. "Mas não tem porque desprezar presentes bons! A culpa de ele ter te traído não é do pobre caderno! Vai dizer que você não o levou?"
"Não, ele está aqui, do meu lado," o fechei para olhar sua capa odiosa, com a foto mais mentirosa do mundo, em que ele aparecia rindo e me abraçando como se não estivesse escondendo um caso com outra mulher no exato momento em que o flash saiu.
Essa era a razão para eu guardá-lo sempre aberto em alguma página na minha mochila, evitar ver aquela foto; e a razão para eu usá-lo ainda eram seu papel incrível e o tempo que eu já tinha gastado escrevendo os esquemas dos meus livros e desenhando os personagens pelas suas folhas.
"Então! Faz alguns desenhos e escreve sobre eles! Por que você não faz como se fosse sua personagem pela cidade? Escreve as impressões dela!" Kendra estava tão animada do outro lado da linha, que já podia imaginá-la abrindo os braços e com olhos brilhando, enquanto eu estava afundando minha cabeça cada vez mais, quase a ponto de deitá-la na mesa.
"Até que não é uma má ideia," falei, apesar de já ter a impressão de que não ia funcionar. Se estar naquela cidade não estava ajudando, por que desenhá-la seria melhor?
"Escuta, eu preciso ir agora, tenho um almoço com os sócios. Mas a gente se falar mais tarde?"
"Pode deixar."
"E aproveita para conhecer algum francês incrível aí! Quem sabe você não precise é de uma boa distração!"
Eu ri, me forçando a não pensar no cara do cabelo adoravelmente bagunçado. "An-hãm, claro. Beijo, Kendra."
"Beijo, amo você! Se cuida! E tome champanhe por mim!"
Depois de esvaziar minha terceira xícara e comprar mais alguns (vários) macarons para levar para o hotel, deixei o café para trás. Comecei meu caminho em direção à torre, passando por baixo dela e acabando do outro lado, na rua principal da cidade. Além de uma chocolateria famosa que ficava na esquina, ali era onde todos os restaurantes se encontravam. Estava estranhamente vazia hoje, parecia o dia em que eu tinha chegado, só uma sorveteria ainda tinha suas mesas para fora. E, do outro lado da rua dos restaurantes, estavam as costas do castelo.
Dali, tudo que via era o muro, mas, se olhasse para cima, podia avistar a pequena capela onde Leonardo da Vinci estava enterrado. Sabia disso, porque passei minha primeira noite ali lendo blogs sobre a cidade, procurando segredos para me instigar, e porque já tinha ido no dia anterior.
Honestamente, só estava levando a sugestão de Kendra adiante por duas razões. Primeiro, porque não tinha muito o que perder. Não era como se eu fosse aumentar meu bloqueio desenhando o castelo. E segundo, porque sabia que ela ficaria no meu pé se eu pelo menos não tentasse. Precisaria ter algumas boas dez imagens com descrições em cada centímetro que dava para que ela nunca mais usasse aquilo contra mim. Senão, da próxima vez que eu reclamasse com ela que não conseguia escrever mais um capítulo, ela ficaria repetindo que era porque eu não queria, que, se quisesse, tinha aceitado sua ideia.
Subi a rampa até a entrada do castelo quase arrastando os pés. Minha mochila estava pesada, pendurava no meu ombro direito, tinha algumas coisas que não confiaria deixar no hotel. Tentava nem pensar em reclamar, já que eu mesma tinha decidido aceitar o peso, mas era difícil quando começava a me machucar.
Paguei outra entrada, evitando os olhares curiosas da garota que me vendeu. Ela já devia estar percebendo que, para alguém que ia a segunda vez, nunca parecia muito animada. Mesmo assim, me sorriu e entregou um folheto sobre o castelo. Guia da visita, era o que estava escrito, logo abaixo de uma flor de lis francesa e o nome do castelo. Nada muito original, só Castelo real de Amboise.
Eu já tinha dois daquele sendo colecionados no hotel. Um em inglês e outro em francês, da primeira vez, quando a garota ainda não sabia que eu mal conseguia pedir um café na sua língua. Mesmo assim, eu o abri, como se nunca o tivesse visto antes. Seguia logo atrás de um grupo de turistas que já tinha visto pela cidade. Eram pessoas mais velhas, mas pareciam bem mais familiar ao conceito de férias do que eu. E também pareciam ter bem mais dinheiro.
Fui andando atrás deles, passando os olhos pelo folheto. Era entranho ficar vendo as fotos do castelo ali, quando ele estava bem na minha frente. O grupo de turistas continuou o caminho lógico de ir visitar a capela para ver o túmulo de Leonardo da Vinci, mas eu parei no meio, olhando para a construção na minha frente.
O castelo era em formato de L e não muito grande. Segundo um desenho que estava em algum lugar dentro dele, costumava ser bem maior. A capela já tinha feito parte, como só um detalhe um pouco mais alto, levemente mais pontudo que o resto, mas agora estava a alguns bons metros de distância, quase como uma casinha no final do quintal.
Fui andando na sua direção, respirando fundo. Não era como se aquilo me entediasse. Ainda era um castelo na minha frente, o tipo de coisa que eu nunca conseguiria encontrar nos Estados Unidos. Não que Nova York deixasse a desejar em questão de história, mas só aquele castelo e aquela cidade tinham sido construídos séculos antes que descobrissem a América. E aquilo não era de se jogar fora.
Mas ainda não me ajudava em nada. Não tinha nada a ver com a minha história, e eu estava começando a considerar simplesmente voltar para casa. Nem Paris, nem Amboise, só minha casa. Ou até tentar outra cidade, se meu cartão de crédito não tiver estourado completamente.
Antes que desistisse de vez, me sentei na grama e peguei meu caderno. Minha intenção era só começar a desenhar despretensiosamente, mas foi impossível não notar o descascado na contracapa, o que me levou direto ao dia em que ele me deu.
Nós tínhamos finalmente tirado férias e viajado para Los Angeles para comemorar meu aniversário. E ele tinha esperado nós escalarmos até o letreiro de Hollywood para me dar meu presente. Mal tinha tirado da caixa, e eu já derrubava o caderno, que saiu deslizando morro abaixo. Esteban só riu, depois segurou meu rosto com as duas mãos e disse que não seria meu se não tivesse algum defeito.
Eu bem que poderia simplesmente tirar as fotos com meu celular e desenhar depois, em qualquer outro caderno. Bem menos memórias ali. Mas não queria trapacear e talvez tentar de verdade, ainda que não tivesse algum resultado, pelo menos provaria que meu bloqueio era maior do que qualquer coisa que Kendra tivesse lido na internet.
Nem entrei no castelo. Me levantei outra vez e dei a volta nele, passando por um caminho rápido de paredes feitas de árvores no jardim e cheguei a um dos canteiros de que eles mais tinham orgulho. Era feito de arbustos redondos, como bolas, e não tinha nem uma flor. Moderno, mas combinava estranhamente com o resto da paisagem.
O castelo já estava longe, mas me escondi atrás de uma árvore para ficar ainda mais difícil de vê-lo e comecei a desenhar. Não queria que meu desenho saísse como se fosse de qualquer um.
Estava com meus olhos ainda vidrados nela, quando eles foram distraídos para um cara que andava a alguns metros de mim. Demorei dois segundos distraídos para perceber que era o mesmo cara do café. Na hora em que ele me notou também e sorriu para mim, lembrei do que Kendra tinha falado. Um francês bonito seria uma ótima distração, das melhores. E, antes que pensasse direito, lhe sorri.
Mas me obriguei a voltar a mirar o caderno e reforçar traços que não precisavam ser reforçados. Eu não precisava de distrações, não estava ali para esquecer meus problemas, mas solucioná-los. Tinha vinte dias para entregar o manuscrito final do livro, não poderia perdê-los com um cara qualquer, ainda que precisasse me segurar para ignorar a vontade de olhar de novo para ele.
Não aguentei por muito tempo. Exatamente como eu queria, mas não devia querer, ele ainda estava ali quando levantei meu rosto devagar e sutilmente. E ele andava na minha direção! Eu queria continuar logo ali, bem onde estava, mas me levantei antes que fosse tarde demais. Como explicaria para ele em francês que o problema não era ele, que era eu e tudo que eu precisava fazer e não estava conseguindo? Que eu tinha um prazo e que minha carreira dependia disso?
A única ideia que tive foi correr de lá antes que ele terminasse a frase ça va.
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