Passo número 2 - Seja genuína (Parte 2)
Edmund não parecia muito confortável, apesar de eu ter dito "sinta-se à vontade". Imagino que essa frase funciona tão pouco quanto "meus pêsames". Frustrante, mas o importante é tentar. Sentei em minha cama com o balde de pipoca no colo e uma caneca de Londres na mão. O notebook estava sobre a cama, chamando-me para mais uma rodada de episódios incríveis. Ele sentou em minha escrivaninha, olhando para mim com curiosidade. Não entendi sua reação, pois era eu quem deveria estar curiosa. E eu estava, bastante. Queria saber onde ele me vira pela primeira vez, e o que pensara. É engraçada essa situação, sabe? Eu sempre sou a primeira a saber da existência das pessoas, seja através de terceiros ou através de observações. Sempre sei algumas coisas antes de conversar com alguém. Sei o curso da pessoa, a reputação pela faculdade, às vezes até o que os professores dizem sobre ela. Só que a situação era inversa com Edmund. Era óbvio que ele já sabia algumas coisas sobre mim, talvez importantes até. Ele sabia uma parte de minha personalidade que ninguém sequer desconfiava. Todos achavam que eu passava meu tempo livre estudando, e por isso conseguia obter notas tão impecáveis. Mas essa não era uma verdade absoluta. Vez ou outra eu estudava, quando considerava alguma matéria um pouco mais difícil. Entretanto, geralmente preciso apenas prestar atenção nas aulas para lembrar de tudo nas provas. É uma vantagem e tanto, se quer saber. Quando eu estava na escola, isso funcionava muito bem para as Humanas no geral, além de matemática e química. Para as matérias que sobravam eu tinha que estudar, e muito. Agora, na faculdade, apenas tenho assuntos de Humanas, principalmente de História, então não é difícil entender tudo. Então o que eu faço com meu tempo livre? Além de sair com Nick para passeios históricos, a outra coisa que mais faço em meu tempo livre é assistir séries e filmes no Netflix. E isso Edmund sabia, muito bem. Portanto, tinha uma vantagem sobre mim.
— Pode sentar na cama, sabe? Eu não mordo. — Ri, batendo no espaço vago ao meu lado. — Ela é pequena, mas eu divido sempre com Nick.
— Você acha isso normal? — Perguntou, as bochechas vermelhas.
— Isso o quê?
— Deixar um cara sentar na sua cama.
— E por que não seria? Até parece que vamos fazer algo de errado!
— Não sei... — Ele olhou para o chão, encabulado. — Eu nunca entrei no quarto de uma garota.
— Certo. — Eu disse, depois ri. Ele ficou ainda mais envergonhado, o que me fez parar por alguns segundos e encará-lo, pensando no quanto isso era inédito para mim. — Está falando sério?
— Sim. — Disse, um tanto quanto baixo, mas eu consegui ouvir da mesma forma.
— Sua família é conservadora demais? — Perguntei, tirando uma conclusão precipitada de Edmund, o que geralmente não fazia, pelo menos não se pudesse evitar.
— Pode-se dizer que sim. — Bufou. — Não sabe o inferno que foi para eu conseguir vir estudar aqui! — Não devia ter sido tão mais difícil do que foi pra mim, não é? Não consigo pensar em um jeito mais difícil de entrar para Harvard além de ser estrangeiro, ainda mais de um país de terceiro mundo. O que me deixou com uma possível conclusão: que ele não era americano.
— Eles não queriam?
— Minha mãe não queria, e é ela quem manda em tudo.
— Entendo.
— Acho que não.
— Por que diz isso?
— Você teve problemas com seus pais para vir estudar em Harvard?
— Não.
— Então não me entende. — Pontuou.
— Verdade, mas eu posso tentar. — Sorri, batendo novamente no espaço vago ao meu lado. — Sente-se aqui e tente me explicar como é sua vida, Edmund. Prometo não te atacar.
— Você é a única garota que me faz acreditar nessa frase. — Riu, se afastando da escrivaninha. Devagar ele fez seu caminho até minha cama, mordendo o lábio ao chegar. Parecia realmente indeciso sobre o que deveria ou não fazer. Olhei para ele e dei um sorriso enorme, mostrando que poderia confiar em mim. E foi o que ele fez, sentando lentamente ao meu lado. — Você estava assistindo o quê? — Perguntou, indicando meu notebook.
— The Crown.
— É claro. — Balançou a cabeça e deu uma gargalhada rouca.
— Nick já me expôs?
— Eu não usaria essa palavra, mas...
— Ótimo, sempre tendo vantagem sobre mim, senhor Edmund.
— Pode me chamar de Ed, não gosto muito do meu nome.
— Ok então, Edmund. — Dei ênfase no nome, fazendo-o rir. — Brincadeira, Ed. Pode me chamar de Amy. Estamos tentando virar amigos, afinal de contas.
— Claro, Amy.
— E você quer assistir a um episódio de The Crown comigo? Creio que já tenha assistido algum episódio por aí. — Afinal, todos que eu conhecia tinham assistido pelo menos o primeiro episódio. Talvez por gostarem de história, mas poderia ser uma série apreciada também por diversos outros fatores. Pelo Matt Smith, por exemplo.
— Não, nunca assisti.
— Jura? — Isso parecia tão absurdo para mim.
— Juro.
— Caramba!
— Pois é.
— Eu vejo essa série o tempo todo, voltando episódios até para não acabar tão cedo.
— Eu nunca assisti nada além do trailer. — Confessou, olhando para as próprias mãos.
— Não teve interesse?
— Não.
— Ah, que pena! — Lamentei. E então dei uma de fangirl. — É uma série maravilhosa, sabe? Não é 100% fiel ao que aconteceu de verdade, pois isso é praticamente impossível, mas há muitas coisas que batem. É interessante ver como a vida da realeza não é fácil, sabe? — Sorri e ele balançou a cabeça, analisando-me enquanto eu falava. — Eu já tinha uma ideia de que ser da realeza não é tão maravilhoso assim, que há altos e baixos, mas não imaginava que o esforço fosse tão grande. Eu tenho muita dó e muita admiração por Elizabeth, ao mesmo tempo. Ela é uma mulher e tanto! — Ele tentou esconder um sorriso, mas não obteve sucesso. Estava sorrindo diante de minha animação. — O Philip passou por várias coisas também e acho muito bonito tudo o que fez, fosse para ficar com Elizabeth ou para conseguir alguma outra coisa. E mesmo para quem não sabe história a série é boa! Porque as pessoas já gostam da realeza, então não deixa de ser divertido.
— Eu não... — Ed murmurou.
— Você não? O quê?
— Eu não gosto de monarquias. — E foi como colocar fogo próximo a gasolina em minha mente repleta de detalhes sobre as monarquias.
— O quê? — Arregalei os olhos. Edmund, você acaba de perder uns pontos comigo. Já vi que não será um amigo como Nick.
— Eu não gosto de monarquias. — Repetiu, dando de ombros e pegando um pouco de pipoca do balde em meu colo. Eu não soube o que dizer, por isso apenas o observei mastigar. Peguei um pouco para mim também. Pelo menos estava gostoso. — Há muitas regras antiquadas, sabe? Não é uma idiotice não poder comer mais quando a rainha parou de comer?
— É...
— Ou as mulheres terem que usar chapéus em eventos matutinos e tiaras em eventos noturnos?
— Também...
— Não poder ter opinião! — Ele se levantou, as mãos em punhos. Parecia exaltado. — Imagine como seria não poder dizer que você gosta das coisas que gosta, Amy! — Então deu um soco na parede, sendo visivelmente tomado pela indignação. Não era a melhor das reações, mas ele não usou muita força e nem me pareceu algo que fazia com frequência pela forma como suas bochechas ficaram vermelhas.
— Edmund... — Minha voz saiu muito fraca. Estava espantada. Ele olhou para mim e foi como se toda a sua raiva se esvaísse. Então encolheu os ombros e voltou a se sentar ao meu lado. Eu o admirei por ser a primeira pessoa a afirmar não gostar de monarquia e usar exemplos reais, mostrando que seu desgosto não é sem fundamentos. Eu gosto disso, apesar de não apreciar muito pessoas que ficam um pouco agressivas quando frustradas, apesar de, como falei antes, ter percebido que não era algo recorrente.
— Perdoe-me, eu perco um pouco o controle ao pensar em como seria não poder ter opinião. — Murmurou, escondendo o rosto com as mãos, o que me impediu de ver sua expressão e saber de fato o que estava sentindo. — Nossa, que ótima primeira impressão para se dar a uma garota! Socar uma parede! — Sua voz estava abafada por suas mãos. E, quando ele as abaixou, o rosto todo estava vermelho de vergonha.
— Realmente. — Eu disse, levantando-me e colocando a caneca na mesa de cabeceira. — Socar uma parede! — Ele me observou e eu me virei para a parede do meu lado. Encarei-a e dei um soco, não tão forte quanto o dele, mas ainda assim machucou minha mão. Fiz uma careta e então olhei para ele novamente. — Nossa, que ótima impressão para se dar a um garoto! — Repeti sua frase, balançando a mão para a dor parar. Não era intensa, mas era como se estivesse com câimbra.
— Amy! — Edmund disse, preocupado. Se movimentou em minha cama e agarrou a minha mão, analisando-a. Então ele suspirou de alívio ao ver que, tirando a vermelhidão, estava tudo normal. Balançou a cabeça antes de dizer: — Eu não acredito que você fez isso!
— Ué, você estava desconfortável... — Dei de ombros, empurrando-o para o lado e retomando meu lugar na cama.
— Então fez a mesma coisa que me deixou com vergonha?
— Sim.
— Você é inacreditável, Amelia! — Ed riu, sem deixar de me olhar. — Viu por que eu me interessei em ter sua amizade? Porque você é diferente de qualquer pessoa que já passou pela minha vida.
— Ah, não é nada... — Fiquei envergonhada.
— É sim! — Disse, com intensidade. — Você é única, sabia?
— Você também, Ed. Você também. — Ele estava me olhando quando eu disse isso. Virei-me para olhá-lo. Eu sorri, ele sorriu. Ficamos nos olhando por um tempo, sorrindo. Imagino que ele estivesse pensando sobre o que acabara de acontecer. Eu estava pensando em como aquela situação era completamente inusitada. Para quebrar o contato visual, peguei a caneca novamente e tomei um longo gole de meu chocolate. Delícia!
— Amy... — Ed começou a falar e eu me virei para olhá-lo.
— Sim?
— Ah... — Ele me encarou, então começou a se aproximar.
— O que você...? — Não terminei de falar, pois a mão dele encostou em minha bochecha e eu recuei.
— Bigode de chocolate quente. — Murmurou com uma risada, então usou seu dedão para limpar.
— Obrigada. — Murmurei, extremamente envergonhada. Eu sempre odiei quando essas coisas aconteceram, mas eu não odiei mais do que naquele minuto, porque eu tinha acabado de conhecê-lo e ele me tocava como se já fôssemos amigos. Minha autodefesa não gostou nada disso, mas um lado meu parecia estar apreciando o momento, por mais bizarro que isso soasse. A pergunta que ficava era: por quê?
— Estamos quites. — Sorriu e eu sorri de volta, mas achei importante lhe informar uma coisa.
— Ed, eu tenho problemas com contato físico. — E foi estranho dizer isso logo de cara. Eu geralmente conseguia fugir das pessoas sem ter que chegar no assunto, ou elas conseguem perceber isso logo de cara. Nick percebeu isso e foi me ajudando a perceber que com ele não era a mesma coisa, porque ele poderia ser muito além do que eu já tinha assumido que as pessoas poderiam ser (um dos motivos para me afundar cada vez mais nos estudos, na verdade). E ele teve paciência comigo ao longo dos anos, o que ajudou muito e ainda ajuda.
Mas era o momento de lidar com Edmund.
— Por quê? — O sorriso deu lugar a uma feição de confusão pura.
— Acho que nunca houve um motivo firmado, eu apenas demoro muito para me acostumar com contato físico. — Informei, olhando para a tela do meu notebook. Não era totalmente verdade, eu sabia como isso iniciara, só não conseguia explicar o motivo para nunca ter parado de acontecer. — Para você ter uma ideia, demorei alguns meses para deixar o Nick me abraçar e...
— Tudo bem, eu entendo. — Ed não sorriu novamente, mas os olhos tinham um brilho de compreensão.
— Obrigada.
— Eu que agradeço por me informar coisas importantes.
— Há algo muito importante que precise me dizer?
— Há.
— Diga então.
— Eu preciso praticar canoagem pelo menos uma vez na semana, mesmo quando não é com a minha equipe.
— Para não perder a prática, a técnica, entendo.
— Não.
— Não? — Encarei-o, confusa.
— Para não estressar. Eu me estresso fácil. — Ele sussurrou. Percebi, em pouco tempo com ele, que tem alguns problemas para revelar a verdade. Acho que é tímido quanto à sua própria vida. — Então, às vezes, eu posso estar com o celular desligado, por várias horas, pois estarei exercitando meus braços com canoagem.
— Entendi. — Sorri. — Obrigada por ser sincero comigo. Acho que a sinceridade é muito importante para iniciar uma...
— Relação. — Ele disse.
— Eu ia dizer amizade, mas serve também. — Dei uma risada contida e ele ficou vermelho novamente. Acho que nunca vi um cara tão envergonhado antes.
— Eu não quis dizer que... — Ele piscou e olhou para sua própria mão. — Eu quis dizer uma relação de amizade. — Olhou para mim novamente.
— Eu entendi. — Sorri, tentando lhe passar conforto.
— Você é sempre assim tão compreensiva?
— Não diria que sou compreensiva, mas sou sempre assim.
— Legal.
— Legal.
Vários segundos de silêncio constrangedor e eu comecei a pensar se, por um acaso, teria que criar assuntos novos a cada segundo. Eu não sou muito boa nisso, se quer saber. Com Nick, eu não precisava pensar em assuntos, pois ele os criava constantemente. Mas estava evidente que não seria igual com Edmund. Ou melhor, eu não seria igual com Edmund. Ele precisava ser o Nick da amizade ou... Espera! O que eu estou falando? Que idiota! Edmund não precisa ser o Nick da amizade, muito menos eu. Edmund tem que ser Edmund e eu tenho que ser a Amelia de sempre. É, assim pode funcionar!
E eu percebi que eu na verdade tinha o que falar.
— Você falou sobre não poder fazer algumas coisas quando sendo da realeza, e eu acho que tenho algumas coisinhas que sei para te contar, até para talvez você ter uma visão geral sobre. — Comecei a dizer, e ele apenas me observou, atento, mostrando que estava interessado no que eu tinha a dizer. — Vamos imaginar que você é um rei, e que, apesar de ter muito poder, ter que seguir diversos protocolos e leis que não pode quebrar por n motivos. Consegue imaginar isso?
— Sim. — Apesar de visivelmente estar interessado no que eu tinha a dizer, ele riu, provavelmente pensando no absurdo que era a ideia de um estudante de Harvard ser rei.
— Ok, vou te contar um pouco do que estudo, se não se importar.
— Não me importo, pode dizer. — Ele cruzou as mãos sobre o colo, olhando-me com uma atenção que eu nunca vira antes. Era engraçado e acolhedor, ao mesmo tempo. E se tinha algo que me deixava à vontade era História.
— Henry VIII conseguiu seu divórcio com Catherine of Aragon através de um rompimento com Roma e com o Papa, certo? — Ele fez que sim com a cabeça, mas não sei dizer se ele sabia isso de fato ou se só estava concordando por concordar. — O principal motivo era porque ele queria se casar com Anne Boleyn, filha de um cortesão do rei. E, ao mesmo tempo, filha de uma mulher que participou da comitiva de Catherine. Ou seja, uma figura polêmica, pois são muitos os que acham que o casamento dela com o rei foi por interesse. De qualquer forma, tirando isso, e tirando o fato de que depois ela fez parte da corte da irmã de Henry, ela também não foi muito afortunada. — Por diversos motivos, na verdade, mas eu não tinha um ponto para entrar em todo o fundo histórico de Anne, porque não era exatamente ela meu ponto. — Antes de querer casar com Anne, Henry teve um caso com a irmã dela, Mary, o que já agravaria sua situação por poder ser, quem sabe, uma segunda opção. O fato é que ficou 4 anos na corte do rei até que ele a notasse, pelo que sabemos. E sabemos que talvez ela não fosse a mulher mais linda do mundo, e que os quadros que temos dela hoje foram feitos cerca de 50 anos após sua morte. Entretanto, ela sabia cantar, dançar, tocar alaúde e estava na moda, então...
— Era perfeita para o rei. — Edmund concluiu, fazendo-me sorrir.
— Tirando o fato de não ser princesa, é claro. Eles ficaram cerca de seis ou sete anos mandando cartas e namorando escondido... — Mas ainda tinha um outro lado que eu queria mostrar. — Enquanto isso, Henry alegava que queria se divorciar de Catherine porque ela não havia lhe dado um herdeiro homem, o que já é absurdo o bastante. Para piorar a situação, ele ainda argumentou dizendo que a dispensa concedida em 1500 pelo Papa Júlio II permitindo que Henrique se casasse com a viúva de seu irmão tinha sido inadequada.
— Calma! Catherine era viúva do irmão de Henry?
— Sim.
— Continue... — É, ele realmente estava prestando atenção.
— Ele então recorreu ao papa com duas propostas: a primeira permitiria que Henry tomasse uma segunda esposa enquanto ainda era casado com Catherine, o que pode imaginar bem que foi recusado na hora.
— Não sei nem como ele teve esperanças. — Balançou a cabeça, provavelmente também assumindo que aquela era uma ideia absurda. A Igreja nunca permitiria isso, pelo menos não naquela época.
— Exatamente. — Tive que rir, porque realmente era um fator muito absurdo. — A segunda previa uma dispensa que permitiria, caso o casamento de Henry com Catherine fosse declarado inválido, que se casasse com uma mulher com quem tivesse afinidade.
— E como isso terminou? — Algo me dizia que ele já sabia a resposta.
— Henry teve um azar e tanto. O homem que enviou foi finalmente admitido à presença do Papa em dezembro de 1527. Em maio, as tropas pertencentes a Carlos V, o Sacro Imperador Romano, saquearam Roma, e o Papa Clemente VII estava sendo mantido prisioneiro por Carlos em sua fortaleza de Castel Sant'Angelo. Carlos V era sobrinho de Catherine. Então se o Papa aceitasse a anulação naquele momento seria apenas...
— Imprudente.
— Sim. — Suspirei, porque eu estava demorando a chegar no meu ponto. — Foi apenas em 1529 que o julgamento sobre o casamento foi aberto, em solo inglês. Só que ele não esperava que a mulher aparecesse. Ela protestou que não poderia obter um julgamento justo na Inglaterra, recusou a autoridade dos juízes e comunicou sua intenção de apelar a Roma. Em julho de 1529, o Papa recebeu o apelo de Catherine, o tribunal foi suspenso e o caso revogado para Roma.
— Finalmente uma mulher conseguindo dizer o que queria.
— É justamente aí que quero chegar. — Sorri, porque finalmente estava conseguindo. — Dois anos tentando a anulação e Henry perdeu a fé que tinha direcionada ao Papa. Henry acabou tomando medidas mais drásticas. No final de 1529, nomeou uma equipe de estudiosos teológicos para estudar as escrituras e documentos antigos para reunir evidências que sustentassem seu argumento de que uma anulação era justificada e que o caso deveria ser decidido na Inglaterra, e não em Roma. — Como estava falando muito, acabei por tomar um longo gole do meu chocolate, tomando cuidado para não ficar com bigode. — Esse grupo produziu a Collectanea satis copiosa, que afirmava que a Inglaterra era um império, o que significava que os reis ingleses sempre desfrutaram de espiritualidade em seus domínios e reis da Inglaterra não tinham superior na terra. Assim ele conseguiu anular o casamento sem o Papa e ainda declarou que ele mesmo deveria ser o Chefe Supremo da Igreja.
— Ok, uma jogada de mestre.
— Infelizmente sim.
— Infelizmente?
— Não foi escolha de ninguém, muito menos das mulheres envolvidas. Foi apenas uma escolha exclusivamente dele.
— Ou seja, seu ponto é que ele pode fazer essas coisas principalmente por ser homem.
— Infelizmente sim. Ele nunca teve completamente o controle de tudo, mas até leis mudou porque queria mudar de esposa e, principalmente, se livrar da anterior. E não foi a última vez.
— Ah sim, ele teve seis esposas.
— Pois é, e tratou todas como objetos, sem que elas tivessem como escolher o que fosse. E ainda fez coisas com Anne que provavam a legitimidade de sua posição como rainha e da legitimidade de seus herdeiros como próximos a governarem. No entanto, foi tudo em vão.
— Em vão?
— Meio que ele só teve problemas, e acho que foi bem feito.
— Anne aprontou?
— Não mais que o rei. Em 19 de maio de 1536... Se eu lembro bem a data... — Comecei a pensar se era de fato a data certa, mas acabei percebendo que era o fato que menos importava. — Bom, de qualquer forma Anne foi executada sob a acusação de adultério, incesto e conspiração para a morte do rei, sendo que apenas o último era de fato um motivo pelo qual poderia ser acusada de traição, pois, com o Ato de Traição de 1534, tornou-se traição imaginar a morte do rei em palavras. E lembre bem disso: imaginar! — Suspirei, porque eu sempre teria em mente que Anne foi morta por nada, apenas para que Henry se livrasse de mais uma mulher. — Anne e seu irmão haviam sido presos apenas algumas semanas antes, em 2 de maio. E para piorar drasticamente o cenário, poucos dias antes, um músico da corte da rainha, um plebeu chamado Mark Smeaton, foi preso e interrogado por Cromwell, possivelmente sob tortura, e confessou relações sexuais com a rainha em três ocasiões. Isso claramente era uma mentira, mas temos apenas alguns indicativos disso, nada que prove.
— E assim a onda de se casar com um monte de mulher em tão pouco tempo começou.
— Por parte de Henry, sim. Só que para as mulheres isso significava quase sempre morte e desgraça.
— Sem chances de ela ser culpada, certo? Só para saber. — Ele parecia receoso ao me perguntar isso, como se eu pudesse me irritar. Sorri, para mostrar que não havia problema em perguntar.
— Há poucas evidências que apontariam para sua culpa, e muitos que apontam para diversas outras possibilidades.
— E quais são?
— Primeiro que foi uma jogada de Cromwell e seus novos aliados, a família Seymour, para expulsar Anne de sua posição e colocar sua candidata, Jane Seymour, em seu lugar, o que eles de fato conseguiram. Só que tudo isso, somado à possibilidade de Cromwell, antes aliado de Anne, não estar mais concordando com os ideais da rainha... Bom, tornaria o rei apenas uma peça de xadrez.
— O que sabemos que não era.
— O que nos deixa com a terceira opção: Henry arquitetou tudo para se livrar de Anne. Há inclusive relatos de que Cromwell dizia que todo o julgamento fora por ordem do rei, e assim a gente fica com a visão de que Henry era só um rei nojento que queria matar a esposa e ir para a próxima.
— E isso se assemelha da verdade?
— Não sabemos, não há como saber toda a verdade sobre um período da história que apresenta tão poucos arquivos sobre algo. O que nos deixa com a quarta teoria: De que Anne foi morta apenas por uma frase mal interpretada por todos, seguida de investigações que só fizeram pessoas alegarem culpa quando torturadas.
— E em qual acredita?
— Por tudo o que sei sobre Henry, acho que ele queria matá-la e ficar com alguma das amantes, e ter o filho homem que tanto queria, pois nem a primeira esposa nem Anne lhe deram isso. Talvez tenha achado que justificava, a mulher não "ter lhe dado" um herdeiro homem. — Como se fosse culpa dela! — Não dá para saber se ele tinha intenção de se casar com alguém que não fosse Jane, mas no fim ele acabou se casando com ela de qualquer forma. Isso também pode mostrar uma soma do desejo dele em se livrar de Anne com uma possível estratégia de Cromwell mesmo.
— Quanto tempo depois da morte de Anne foi o casamento dele com Jane?
— Se não me engano, um ou dois dias, talvez uma semana, tenho que checar isso depois. Sei que no dia seguinte à morte de Boleyn, que foi extremamente pública, e inédita em relação a ser a primeira rainha decapitada e tudo mais, Henry já anunciou noivado com Jane.
— Ah, agora entendo sua teoria. — Ele arregalou os olhos, como se achasse um absurdo. De fato era.
— E tudo ainda indicava que Jane foi escolhida porque Henry acreditava que poderia manipulá-la, pois todos diziam que não tinha nenhuma das características poderosas das rainhas anteriores. Só que ele também não teve chances de manipulá-la, pois quando foi dar a luz à Edward, ela morreu.
— Acho que Henry era o azar de todas as mulheres.
— Eu tenho certeza. — Suspirei. Talvez esse fosse um dos piores homens da história da Inglaterra por diversos fatores. — Ele se casou com Anne de Cleves depois, mas por uma infinidade de fatores considerou o casamento nulo e ela pareceu aceitar bem. Foi a única esposa dele que viveu muito.
— Que sorte a dela! — Mas eu sentia que ele também estava incomodado com isso.
— Depois teve Katherine Howard, que era inclusive mais nova que a filha de Henry com Catherine of Aragon, Mary, o que pode imaginar que foi um escândalo na corte. Ela nunca ficou grávida, e foi logo acusada de adultério, o que nunca ficou provado. Foi decapitada apenas 2 anos após se casar.
— Qual a fixação dele com decapitação?
— Não sei dizer. — Tomei mais um gole de meu chocolate, quase finalizando-o, então continuei: — Depois ele se casou com Kateryn Parr, e todos acreditam que fosse para que ela fosse uma espécie de babá para os filhos dele. E como pode ver, ele repetiu alguns nomes com as esposas. — Bufei, porque isso era realmente patético. — Ela teve bem mais vantagens que as esposas anteriores, tanto que foi a primeira rainha da Inglaterra a escrever seus próprios livros. Depois da morte de Henry, ela se casou com Sir Thomas Seymour, sim, da família da Jane, e sabemos que ele provavelmente era o amor da vida dela. Esse era seu quarto casamento, e a primeira vez que ficou grávida. Entretanto, morreu após o parto, igual Jane.
— Ou seja, tirando a Anne que ficou só alguns dias casada e Catherine of Aragon, todas morreram nas mãos do rei ou dando a luz.
— Infelizmente sim. E é aí que entra meu ponto: Tirando as vantagens que a última esposa teve, todas não tiveram escolha de quando o casamento começava, de quando o casamento terminava e não tinham permissão de ter poder algum como rainha. Foram apenas peças na mão do rei, o que a maior parte das mulheres acabaram por ser quando não conseguiram fazer os maridos executarem ações por elas. Ou quando não foram rainha, o que nos leva para a filha de Henry com Anne Bolyne, que, talvez tendo os casamentos do pai como exemplo, nunca se casou e governou por muitos anos.
— Elizabeth I?
— Sim, a última Tudor, mas acho que isso é história para outro momento. Já falei demais. — Fiquei vermelha de pensar em como falara sem parar, mas isso era comum quando começava a falar de História, principalmente quando era em relação à dinastia Tudor.
— É legal te ver falando assim. — Comentou, fazendo-me desviar o olhar. Eu não sabia se estava sendo sincero, mas apreciava o comentário. — E qual o tema da sua especialização?
— As mulheres Tudor.
— Faz sentido! — Ele riu, e eu fiz o mesmo, mas esse foi o momento em que o assunto morreu. Ficamos vários minutos em silêncio, até que ele se pronunciou: — Amy?
— Sim?
— Podemos assistir ao primeiro episódio de The Crown? — Ele perguntou, um pouco acuado. Arregalei meus olhos, incrédula. — Sabe... Só para eu ter mais motivos para falar mal.
— Uhum. — Eu sorri, realmente animada com isso. Algo me dizia que ele estava curioso para saber o motivo de minha paixão. E, oras, quem era eu para negar? — Vamos assistir The Crown, senhor Edmund.
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