Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Capítulo Único

1.958

Podia ser – e para a maioria das pessoas era – um dia normal, mas não para Luis Otávio, o entregador de sorvetes. Ele nem sabia, mas estava envolvido em um efeito em cadeia que começara há alguns dias.

Madalena, a filha, recebera do pai a incumbência de pagar a conta de luz, mas a menina quase mulher se encantara com Joaquim, o entregador de jornais. Talvez fosse o bigodinho fino ou o sorriso por baixo dele, ou mesmo, os olhos grandes como duas jabuticabas. O fato era que Madalena queria impressionar Joaquim, ser notada em meio a tantas outras moças enlaçadas no encanto do portuguesinho e, no caminho do banco, deparou-se com um bonito vestido azul na vitrine. Joaquim gostava de azul, talvez, gostasse de Madalena também. Num impulso – algo tão característico de Madalena – a moça entrou na loja e experimentou o traje. "Perfeito!", pensou ao se olhar no espelho, rodopiando em volta de si mesma. Com um sorriso, desenrolou a conta de luz e tirou o dinheiro de lá para pagar pelo vestido. A conta de luz? Ficara esquecida no chão da praça enquanto Madalena saltitava de volta para casa.

Luis Otávio nunca perdia a hora. Nunca! Porém, como nada é tão previsível como o imprevisto, naquela manhã tudo foi diferente. O entregador tomava seu banho matinal, a cabeça toda ensaboada, o sabonete servindo de microfone ao cantar "Conceição", de Caubi Peixoto em meio ao vapor do chuveiro quando uma rajada fria acabou com todo o calor da cantoria.

— Mas que raios! Era só o que me faltava! — praguejou, secando os olhos ardidos na toalha. — Madalena! Ferve água! O chuveiro queimou e eu estou com a cabeça toda cheia de espuma!

Madalena? Nem estava em casa. Havia saído mais cedo para a escola na tentativa de encontrar Joaquim pelo caminho, indo entregar os jornais na vizinhança. Sem receber resposta e ainda praguejando, Luís Otávio se enrolou na toalha e, meio caolho pois ainda tinha a cabeça ensaboada, rumou até a cozinha. Como ainda era muito cedo, tentou acender a luz do corredor e só então se deu conta de que o problema não era o chuveiro. O dia só melhorava.

Após ferver a água, voltou para o banheiro e finalmente tirou aquela maçaroca dos cabelos e dos olhos. Ao entrar no quarto ainda escuro, porém, tropicou o dedo mindinho na quina da cama. O grito preencheu o ar e assustou os passarinhos das mangueiras no quintal da casa. Para quê existia aquela porcaria de dedo inútil? Só se fosse para ter uma unha estranha e topar nos cantos do mundo!

Estava atrasado. Muito atrasado!

Enquanto Luis Otávio sofria com o dedo mindinho e Madalena suspirava triste por não ter visto Joaquim, Roberto Pimentel fumava de forma tranquila na varanda do salão onde acabara de tomar o café da manhã.

Um ano antes, ele era apenas um investigador alcoólatra (agora reconhecia) às portas da aposentadoria e sem maiores perspectivas. Isto até conhecer sua atual parceira, Cecília Venturini. Vinda de São Paulo e recém-nomeada na primeira turma de mulheres da polícia paulista, ela chegou como um vendaval na pequena e pacata Aurora do Norte. Ninguém na cidade acreditava que um bêbado e uma mulher pudessem resolver o crime e, surpreendendo a todos, foi exatamente isso que a dupla fez. Após atravessar um inferno com a bebida, Roberto conseguira largar o vício que agora substituía por cigarros, chicletes de hortelã e...sorvetes. Não qualquer sorvete, mas sorvete de creme. Era seu preferido.

— Não sei como você gosta disso. Não tem gosto de nada! — dizia Cecília, sempre que frequentavam a sorveteria da cidade.

— O que seria do amarelo se todos gostassem do azul? — era o que ele sempre respondia.

Após a solução do caso, Siqueira, o delegado e seu amigo de muitos anos, o intimara a sair de férias.

— Férias para quê? Para onde eu iria? — indagou Pimentel, sentado na mesa do chefe.

— Porque é seu direito e a corregedoria está pegando no meu pé, Pimentel. Desde quando você não tira uma folga? — Siqueira limpava o suor do rosto avermelhado com o seu lenço habitual.

— Sei lá. — deu de ombros — Acho que desde...

A frase morreu ao lembrar-se da ex-mulher. Não saía de férias desde que ela o havia deixado e levado a filha do casal para morar com outro. O coração pesou no peito, quase deixando-o sem ar.

Relutou, mas um belo dia, ao chegar à delegacia, seus colegas haviam trancado a porta. Bateu, gritou, chamou a atenção de todos ao redor, mas Cecília se limitou a mostrar um cartaz pelo lado de dentro do vidro: "Boas férias! Divirta-se!". Gumercindo, Nelito, Siqueira e ela o observavam do lado de dentro, fazendo gestos para dispensá-lo.

Sem outra saída, Pimentel arrumou uma pequena mala, colocou no carro e saiu sem rumo pelas estradas de chão batido.

Parou em uma cidadezinha não muito longe de Aurora do Norte e lá se instalou na pequena pensão onde desfrutava seu cigarro. O livro, presente de Cecília, descansava no colo, de um tal "José Saramago". Nunca tinha ouvido falar, porém, a parceira lhe dissera ser uma edição portuguesa, sem publicação no Brasil com o estranho nome de "Terra do Pecado". Pimentel alisou a capa ao soltar outra baforada, batendo o cigarro no cinzeiro.

— Pois é, parceiro. Parece que agora somos só você e eu — disse, abrindo o volume na primeira página.

Sem querer, viu-se envolvido pela leitura que só deixou de lado quando sentiu o ciático atacar por ficar horas na mesma posição. Levantou-se e, após guardar o livro em seu quarto, deixou a pensão. Era hora do sorvete!

Com passos lentos, cruzou as ruas de paralelepípedos do centro da cidade, cumprimentando um ou outro habitante que também o cumprimentava. Era um costume do interior.

Tão logo entrou na sorveteria, dirigiu-se ao balcão de vidro onde enormes potes de sorvete, das mais variadas cores, estavam dispostos. Todas as cores, menos uma.

— Bom dia, seu Roberto — saudou a dona da sorveteria, limpando as mãos no pano de prato.

— Bom dia, dona Tereza. — Pimentel não levantou os olhos da vitrine, observando um a um os potes ali dispostos. Não! Não podia ser! Ele poderia estar escondido, certo?

— Huumm...que pena! Hoje o senhor vai ter que escolher outro sabor — disse a mulher — O entregador ainda não veio. Parece que machucou o pé e meu sorvete de creme acabou.

"Naaaaaaaaao!" Um enorme eco se formou na mente do detetive. Como assim não tinha sorvete de creme? Onde estaria o entregador?

— Tem certeza de que ele não vem? — perguntou, tentando disfarçar a decepção.

— Disse que viria mais tarde, só não sei quando. Mas, olhe...temos tantos outros sabores! Chocolate, morango, nata...

Não! Nenhum deles conseguiria satisfazer Pimentel. E agora? Afastou a gola da camisa, afrouxou um pouco a gravata. De repente, a temperatura havia subido.

— Bem, vou esperar então. Quem sabe?

Dona Tereza apenas assentiu e Roberto foi se instalar em um banco, à sombra da árvore da praça em frente à sorveteria. Tirou um chiclete de hortelã do bolso e quando ia colocá-lo na boca, um choramingo vindo de muito perto, lhe interrompeu o movimento.

Ali ao lado, um par de olhos negros e respiração ofegante observavam, não, cobiçavam o chiclete que ele segurava. Roberto levantou, abaixou, levou a mão para um lado, para o outro, fez círculos e os olhos negros continuavam ancorados em seus movimentos.

— Ah, tenha dó! Desde quando cachorros gostam de chiclete?

Já ia colocando na boca quando o animal começou a latir sem parar. Era um vira-lata, de porte médio e pelos negros como a sombra onde estivera deitado, quase passando desapercebido. Estava magro, como Roberto pode observar e a contragosto, diante de tanta insistência por parte do peludo, dividiu o chiclete ao meio. Levou um pedaço à boca e o outro, jogou para o cão que o pegou no ar.

Roberto permaneceu sentado, mascando seu chiclete e ao olhar para o lado, quase caiu do banco.

— Era só o que me faltava! Cachorro mascando chiclete!

E era isso mesmo: o vira-latas estava sentado bem ao lado do banco, mascando a goma assim como o humano. Olhou para Pimentel por breves segundos e voltou a olhar para frente.

Roberto ficou um bom tempo por ali, assim como o cachorro. Assim que viu o carro do entregador de sorvetes, Pimentel levantou-se e jogou seu chiclete numa lata de lixo próxima. Ao virar-se, deparou com o cão...cuspindo também o seu!

— Se estivesse bêbado e visse uma cena dessas, não ia acreditar — resmungou o detetive, passando pelo animal em direção à rua.

Pimentel ajudou o entregador manco a levar os potes de sorvete para dentro e após dona Tereza lhe entregar uma generosa casquinha do seu sorvete preferido de todos os tempos, o detetive fechou os olhos, pronto para dar a primeira mordida.

—Au!

Ouviu uma vez, mas ignorou.

— Au! Au!

Bufou, mas continuou a ignorar.

— Au, Au, Au!!

—Ah, mas o que é dessa vez, cachorro? Vai me dizer que gosta de sorvete também?

\\\\////

— Eu não posso acreditar que estou sentado num banco de praça dividindo sorvete com um cachorro! — bufou o detetive enquanto observava o animal que, ao lado do banco onde ele estava, afundava o focinho no pote de manteiga cheio de sorvete que a dona da sorveteria havia lhe arrumado.

— Parece que ele gosta de você! — dissera dona Tereza ante aos latidos incessantes do cachorro.

— Talvez não seja exatamente de mim — retornara Pimentel, aproximando-se do balcão. — A senhora pode me ver mais uma bola de sorvete?

— De qual sabor?

— Sei lá. Chocolate, morango, qualquer um.

Dona Tereza estranhou, mas fez o que Roberto pediu e lhe entregou uma casquinha de chocolate. O detetive se aproximou do cão e assim que se inclinou, o vira-lata farejou o sorvete de chocolate e virou a cara.

— Como assim? Vai rejeitar meu sorvete??

— Acho que ele prefere o de creme. — Dona Tereza gesticulou com a cabeça na direção da outra casquinha que Pimentel segurava e o cão, agora, lambia generosamente.

— Que nojo!

Não houve outra saída que não comprar outra casquinha de sorvete de creme enquanto o vira-lata também se deliciava. Ao terminar, com o focinho todo manchado, o cão voltou a sentar-se naquela pose altiva de antes.

Pimentel terminou seu sorvete e se levantou, indo em direção à pensão. O cão? Fez o mesmo.

— Pare de me seguir!

O detetive gritou uma vez, fazendo o animal sentar-se e olhar para os lados, encolhendo as orelhas como se não fosse com ele. Pimentel voltou a andar, o cão também. Pimentel gritou, o cão sentou. Pimentel voltou a andar, o cão também e assim por diante até chegarem à pensão onde o animal ficou na porta, olhando o detetive se afastar.

No dia seguinte, lá estava o cachorro, deitado na porta e tão logo o detetive passou por ele, se pôs a segui-lo.

— Parece que ele... — começou a dona da pensão, já no terceiro dia em que isto acontecia.

— Que ele gosta de mim. Tá já sei, mas eu não gosto de você! Vá embora! — Roberto se voltou para o cão que, de novo, o ignorou.

Naquela noite, uma forte tempestade se abateu sobre a cidadezinha e, por algum motivo, Pimentel não conseguia pregar o olho. Virou de um lado, virou do outro e nada! Irritado, foi até a janela e de lá viu, quase passando despercebido na noite alta, o cachorro molhado até os ossos, sentado na porta.

O detetive bufou, voltou para a cama, tomou um copo de água e deitou. De novo, rolou de um lado, de outro e por fim, levantou-se outra vez. Agarrando a maçaneta com força, saiu pisando duro e desceu as escadas. Abriu a porta e viu o pobre coitado do cachorro, encharcado, levantar-se e abanar o rabo.

— Vai. Entra logo — disse de mau-humor.

Mais do que depressa, o vira-lata passou ao seu lado, não sem antes se chacoalhar todo para retirar o excesso de água e molhar quase totalmente o detetive. Pimentel podia jurar que o cão ainda o havia olhado divertido antes de avançar escada acima.

Pimentel foi logo atrás e, pegando duas toalhas, levou o cão para o banheiro. Após ligar o chuveiro, pegou um cigarro do bolso do pijama e o acendeu enquanto o cão o encarava.

— Ah, não! De jeito nenhum vou te dar cigarro! Era só o que me faltava! Vai, entra logo na água. Você está fedendo!

Após lavar o cão e se lavar também, o detetive voltou para o quarto onde encontrou o vira-lata confortavelmente instalado em sua cama.

— Desce agora!

O cão se enfiou embaixo das cobertas, deixando apenas o rabo de fora.

— Pode ir saindo, vira-lata!

Pimentel arrancou as cobertas. O animal permaneceu deitado, olhando-o com ar de piedade. Roberto insistiu mais um pouco e por fim, com sono, acabou se deitando do lado vazio da cama. O tapete negro se arrastou pelo colchão até pousar o focinho no peito do detetive.

Roberto era durão, a vida o tornara assim. A bebida, por muitos anos, fora a companheira, a amante que lhe tirava a alma até não sobrar mais nada, além de pele e osso. Fora assim até a chegada de Cecília, quando redescobriu o valor da amizade dos colegas da delegacia. Esses acontecimentos já o haviam amolecido, pequenas sementes lançadas no solo infértil de seu coração. Agora, era o vira-lata que completava o serviço. Como poderia enxotar uma criatura que só queria sua companhia?

Mirou os olhos pidões do cão e então, lhe fez carinho. Eram sozinhos na vida: ele e o animal. Com um sorriso breve, pegou o livro da cabeceira buscando na leitura uma forma de conciliar o sono.

Abriu-o na página e em seguida, a cabeça negra de seu novo companheiro se assomou entre ele e o livro.

— Vai me dizer que você também lê? — o animal apenas o olhou, com a cabeça pousada perto do ombro de Roberto. — E lê Saramago?

Roberto acariciou o cão que, virando os olhos, quase os fechou.

— Do jeito que está magro, você bem que podia se chamar Saramagro.

O cão levantou-se com as orelhas alertas e começou a lamber o detetive daquela forma que só os cachorros muito felizes são capazes de fazer. O rabo frenético era quase as hélices de um avião.

— Calma! Calma! Assim você vai me derrubar!

Mas Saramagro nem ouvia. Apenas prosseguia em sua felicidade, lambendo seu humano preferido.

E assim, depois de Madalena se apaixonar por Joaquim, deixar de pagar a conta de luz, fazer o pai bater o dedo mindinho na quina da cama e atrasar a entrega do sorvete de creme, Pimentel encontrou um novo parceiro e Saramagro, alguém que gostava de chiclete de hortelã e sorvete de creme.

Tudo em uma reação em cadeia.


* Conto escrito para o embaixador secreto 2019 com alguns elementos que meu amigo gosta: sorvete e cachorros! 
Personagens do livro A Árvore dos Frutos Envenados, completo no Wattpad

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro