@ZildaMariano-Cindy
Cinderela corria escada abaixo. Até percebeu que o sapato caiu, mas não voltaria para buscar. Nem gostava tanto assim dele. Coisa dura e desconfortável do caramba.
Antes de chegar em casa, já estava nas roupas simples de antes, os cabelos castanhos não ostentavam mais o penteado elegante, mas escorria em ondas pelos lados do rosto, dos olhos escuros, o delineado havia sumido e ela nem notou. Lembrava dos detalhes da festa. Decoração, música, comida... Tudo tão impecável! Uma ideia fez cócegas na mente e a empolgação fez apertar o passo.
Na manhã seguinte, quando a madrasta e as irmãs acordaram, não havia refeição preparada. Só um bilhete: ''faça seu próprio café''.
A moça já ia longe, batendo à porta da estalagem. A dona do lugar, uma senhora gorducha se surpreendeu ao ver a moça. Judite sorriu com bondade e aceitou ouvir o plano dela, que pareceu ser muito boa para as duas.
Semanas depois, a vila não falava em outra coisa. A filha do falecido mercador, agora conhecida como Cindy, e a dona da hospedaria inauguravam seu negócio de organização para eventos. Nobres menores, comerciantes e fazendeiros se acotovelavam para terem nas festas de suas residências os deliciosos petiscos e bom gosto impecável da moça, além das pratarias, porcelanas e tecidos finos da Judite que compunham eventos dignos da realeza, mesmo para quem não vivia num castelo.
Cindy fechava o contrato para o jantar de noivado de um duque, quando a comitiva chegou à recepção da estalagem, agora transformada em um elegante escritório, onde a moça morava além de trabalhar.
— O príncipe Ludovico II convoca todas as moças do reino a experimentarem este sapato.
— Aguarde um minuto, por favor – respondeu polida, enquanto se despedia dos clientes. – Sim. Em que posso ajudar?
— Sua alteza ordena que todas as moças solteiras experimentem este sapato.
— Por quê?
— Como assim, por quê? Sua alteza ordem...
— Tá, essa parte eu entendi. Quero saber porque Sua Alteza espera que eu enfie meu pé num negócio que rodou o país todo.
— Ele precisa encontrar a moça que o perdeu. Vai se casar com ela.
— Não.
— Como assim, não?
— Não, eu não vou colocar meu pé aí.
— Senhorita, por favor, só estou fazendo meu trabalho.
— E eu tenho o meu a fazer. Não vou colocar meu pé aí. – O assessor a olhava chocado e, sem solução, foi embora do lugar.
Ao fim da jornada, o relatório foi passado ao príncipe.
— Não deu certo em ninguém? Todas experimentaram?
— Na verdade, todas menos uma, Vossa Alteza.
— Por que uma não fez?
— Acho que ela estava com nojo do sapato e meio ocupada cuidando de um negócio.
— Ela estava ocupada demais para tentar se tornar a rainha? – O príncipe franziu a testa e sorriu intrigado.
— Se me permite, ela não parecia muito interessada.
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Era o fim do dia. Cindy se preparava para fechar a loja, quando o príncipe, dois soldados e o assessor ruivo e magricelo chegaram à soleira da porta.
— O que posso fazer por vocês – a frase saiu no automático.
— Soube que uma jovem do meu reino se recusou a cumprir a ordem de provar este sapato – o príncipe tomou a palavra antes de ser anunciado.
— Não vi motivos para obedecer. Vai me prender por isso?
— Não. Mas você atenderia a um pedido? – Ela encarou o rapaz. Bonito, sem dúvidas. Alto, forte, pele morena, grandes olhos negros e um sorriso gentil. Estaria mentindo se negasse estar interessada.
— Um pedido sempre é mais fácil atender. Mas desinfetem esse troço antes. Não quero que meu pé caia.
Logo depois de lavarem e secarem a peça, ela calçou. O rosto do príncipe se iluminou, e se inclinou para beijá-la.
— Opa, opa, opa, calminha aí, rapaz. Acha que vou sair te beijando e topando casar só porque um sapato me serviu? Você dançou comigo a noite toda e nem lembra da minha cara! Em nome do esforço de correr o reino todo, vou te dar a chance de um encontro. Amanhã às 8h você me busca aqui. A partir daí, conversamos.
Eles saíram no dia seguinte, e continuaram se vendo com a frequência que o trabalho permitia. Já estavam juntos há dois anos e tocavam juntos uma ONG de ajuda a órfãos, quando ela finalmente disse sim ao pedido de casamento.
Agora Cindy é empresária, rainha, esposa e mãe. A madrasta? Sei lá! Ninguém nunca mais pensou nela.
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