Assalto a caravana (parte 1)
Os primeiros navios começaram a chegar durante a noite em Rondar, principalmente os mais leves, que dois dias antes já tinham partido. A correnteza do Rio Pagari nesta época era um pouco maior devido a temporada de chuvas, em compensação os ventos favoráveis empurravam bem mais as embarcações, com seus ventos úmidos e carregados de grandes tempestades, provenientes do norte, quando nesta época, a viagem normal de três dias, diminuía para dois.
Todo material foi descarregado, uma grandiosa caravana partiu na manhã depois de dois dias do último navio zarpar de Tebas para aquele porto fluvial. Sem contar o grande rebanho bovino trago por gigantes balças que viria atrás da caravana ao longo de seu percurso.
Ultimamente Filipus não se preocupava com uma segurança tão forte, porque as rotas estavam seguras e os povos do extremo sul nunca tinham atacado os comboios mercantilistas.
Tudo correu bem nos primeiros dias, a marcha estava um pouco mais lenta, devido as tempestades que deixava a estrada em péssimas condições. Muitas árvores caídas no caminho que levemente subia lateralmente a serra e na parte que contornava o maciço de Rondar, que até então foi a mais crítica. Depois ficou um pouco mais tranquila a jornada, porque seguidamente ao ficar para trás a montanha, o planalto aos poucos decaia, quando ainda se encontavam em uma altitude onde desciam levemente para o oeste trazendo uma sensação de facilidade e uma bela vista do horizonte sem fim das partes baixas de Macabi e dos grandes pântanos do médio sul. Entretanto ao chegarem nos grandes charcos daquela vasta planície a seguir, em que ocasião transbordavam, isto impossibilitaria o tráfego de carroças. Aí não teria jeito, a parada daria-se obrigatória, assim como esperar a água baixar a níveis transitáveis. Mas com todas aquelas chuvas daquele ano, provavelmente seria isto que enfrentariam em breve.
A viagem tornava-se árdua naqueles dias, em que as forças da natureza faziam-se implacáveis, todavia a alegria e a sensação de segurança deixavam os integrantes da caravana bem a vontade com as mazelas naturais. Eles diziam, "É melhor chuva, alagamento e árvores caídas, do que um assalto". A lembrança do passado ainda estava na memória daqueles homens, que perderam muitos amigos na época dos assaltantes do planalto de Rondar. Muitas histórias eram contadas, de fugas providenciais e de tragédias sangrentas. Contudo eram apenas contos para entreter os mais novos que não viveram aquela época difícil.
Aqueles piratas costumavam matar quase todos integrantes, os que sobravam eram feitos escravos nas cidades de Rondar, Makabi, Calato e também em pequenas aldeias e fazendas do médio sul, principalmente nas que rodeavam a estrada de Milod e os vilarejos locais, que não estavam na guarda das leis de Tebas, que recriminavam tanto o tráfico de escravos, quanto a própria escravidão. Agora tudo corria bem e mais de uma década que não se tinha notícias de roubos e mortes, na estrada que ligava Rondar a Milod.
O tempo melhorou e a velocidade da caravana aumentou. Pararam em um dos pontos de descanso, que Filipus tinha construído a muitos anos passados. Aquele governador, junto com Marcílius, eram muito caprichosos nas suas obras e aquele posto era o maior de toda a estrada. Ficava na metade do percurso, e ali, acabou formando-se um pequeno vilarejo devido a grande quantidade de pessoas e mercadorias que transitavam por aquela, que era a maior estrada do sul, e também a rota mais lucrativa de comércio do mundo. Neste ponto, também tinha um entroncamento de uma velha estrada para o extremo sul, sem a pavimentação e os iguais cuidados, pois não encontrava-se na responsabilidade dos países da Aliança. Era usada pelos povos tribais do médio e extremo sul, os mesmos de quem Ubalto, o príncipe refugiado em Tebas falara e este caminho não se sabe até onde findava-se, apenas os que de lá provinham, mas a quantidade de pessoas e carroças era tão grande quanto na grande estrada de Milod. Diziam alguns que as terras eram vastas e tão distantes no limite meridional, que naquela extremidade o clima quando mudava, a neve caía nos locais mais altos.
Estabeleceram-se ali por dois dias, abasteceram de água, alimentos, cuidaram dos animais e de alguns enfermos que durante o percurso adquiriram doenças e machucados. Seguiram para Milod com coragem e relativa pressa e para falta de sorte deles, a chuva que cessara antes, novamente começara a massacrar a caravana incessantemente depois de dois dias que reiniciaram. As condições da estrada que já não eram boas, devido as águas anteriores, tornaram-se intransitáveis e foram obrigados a fazer uma parada. Estacionaram por dias no mesmo lugar que não era nada bom, porque estavam no centro dos grandes pântanos.
Muitas carroças quebraram, os animais também estavam exaustos devido ao excesso de força que fizeram, por causa da atual condição deste acesso que os conduziria a cidade de Marcílius, tudo com muita lama e buracos. Animais perigosos caçavam homens e animais enfraquecidos e desatentos nas bordas da estrada. Realmente aquela época não era recomendada para uma viagem, ainda mais com tanto peso, quantidade de mercadoria e animais que eram levados.
Já passara quinze dias que estavam no mesmo lugar, a chuva não parava, os homens estavam começando a ficar angustiados. Muitos caíram doentes, a maioria ficou resfriado e alguns até com febres altíssimas, pois os charcos ao norte que iniciavam ao lado da beira direita da estrada não era um lugar recomendado a uma pausa tão longa. Não estavam com estoques suficientes de medicamentos e começou a morrer alguns integrantes e animais juntamente. Perderam-se muitos naqueles dias, mas a chuva começou a diminuir e a alegria aos poucos voltou aos corações de todos, menos naqueles que tinham perdidos amigos e parentes de doença.
Mesmo com a chuva passando, a condição da estrada não melhorou, tentou-se seguir viagem, contudo encontraram muitos alagamentos no caminho, alguns até com fortes correntezas. Os rios que cortavam a estrada estavam bem acima dos níveis normais e muitas pontes destruídas atrasavam ainda mais a caravana. Parecia que a sorte não estava do lado deles e começou a murmuração dos integrantes, principalmente dos de menor escalão. Muitas ações para disciplinar os trabalhadores foram tomadas, algumas até com alto rigor, chegando a crueldade, todavia a maioria queria abandonar a caravana e seguir a pé, deixando todo material largado no caminho.
Deu muito trabalho para os poucos guardas que estavam na jornada. Tiveram que controlar pequenas revoltas, o clima estava muito tenso, os trabalhadores também queriam substituir os líderes, alegando que deveriam ter ficado por mais tempo no posto de controle, que também forçaram muito a barra, quando deveriam ter parado muito antes. Colocavam a culpa das mortes neles e foi muito tempo, até que chegaram a um concenso. Neste, prometeram pagar o dobro do salário e indenizar as famílias que perderam seus entes querido.
Passado todo este tempo de revolta e negociação, a estrada melhorou visivelmente, pois a água baixou. Só tiveram que conviver com o excesso de buracos que ficou depois de toda chuva. Uma calmaria tomou conta da caravana, até o tempo firmou com o sol sem nuvens, no típico calor de verão no sul.
Passavam-se os dias e tudo parecia estar perfeito, quando durante uma das muitas noites que descansavam a beira da estrada, uma grande horda de homens característicos do sul, cercaram a caravana, não atacando-a. O líder corajosamente tentou sair de seu lugar para fazer uma negociação, entretanto a cada passo dele na direção dos sitiadores, uma flecha era lançada a seus pés, mostrando que se viesse morreria. Ele desistiu e ficou parado em seu lugar, a noite passou deste jeito misterioso, ninguém conseguiu dormir, uma grande tensão estava entre os que integravam a caravana.
Os primeiros raios do sol começaram a iluminar, mostrando o tamanho real daqueles que cercavam o comboio de mercadorias de Filipus. Não eram como em um assalto do passado, parecia uma grande divisão de milhares de guerreiros, tão grande que o líder da caravana se pronunciou:
- Guerreiros do sul... o que querem? Se é o material podem levar... mas nos deixe seguir em frente, iríamos a pé e deixaríamos tudo para vocês.
Um dos guerreiros andou na direção do que tentava negociar, e falou na língua dele:
- Qual o material que vocês transportam?
- Grãos diversos, rapadura, frutas rececadas e cristalizadas, linguiça, carne e peixe salgados, barris de vinho, de cerveja, de capalo, de mel, de fumo, o rebanho que vedes também, algumas ferramentas, objetos e artesanato. Falou o caravanista.
- Deixe toda comida e leve o resto... assim poderão viver e partirem agora. Resistam... e morrerão. Gritou o arauto dos guerreiros do extremo sul. Pois sabiam de onde vinham aqueles e viam-se frente a frente, caravanistas e soldados. O pavor se instaurou, pois eram negros, fortes, muito bem armados de lanças de ferro e com grandes escudos ovalados, uma grande parte a cavalo e quase todos de porte alto.
O homem não entendeu a resposta, estava acostumado a ouvir que os assaltos eram violentos, quando não eram mortos, tornavam-se todos os integrantes escravos. Uma dúvida no que fazer ficou clara na sua atitude parada com aquela resposta, quando o sulista tribal falou mais uma vez:
- Vai resistir ou não entendeu o que falei? O caravanista arregalou os olhos como acordando de um devaneio que não conseguia julgar ainda se era bom ou ruim e o guerreiro gritou com maior intensidade o despertando:
- Não queremos machucar ninguém, só estamos famintos e vamos confiscar seus alimentos. Fale para seu líder de Tebas ou de Milod, que esta parte da rota agora é nossa, se eles quiserem usar, terão que deixar o preço da passagem, que é a terça parte de todo o carregamento, só aceitamos alimentos, nada mais... nem nada menos. Vão agora!
- Sim, sim, iremos. Respondeu aquele cidadão ainda desorientado.
O líder separou as carroças que estavam sem comida e depois seguiu em frente levando o resto, sem ao menos os guerreiros conferirem. Aquela que era a maior encomenda que se tivera notícia de comércio entre os dois países, fora saqueada junto com o rebanho de gado que seguia o comboio de carroças.
Depois, com apenas alguns batedores, os assaltantes a uma grande distância os seguiram, que por todo aquele dia caminharam naquela planície. Ao anoitecer não pararam, devido ao medo que tomou conta de todos, então seguiram em frente a noite também, como uma decisão unânime, que nem foi perguntada para os integrantes, simplesmente seguiram. Na escuridão era pior a sensação de medo de ataque e durante toda aquelas horas que se seguiram a marcha continuou.
No início do dia o líder pediu uma parada, ninguém o obedecia, mas ele insistiu falando:
- Se não descansarmos durante o dia, pondo guardas... a noite seremos obrigados a parar pelo cansaço, e poderemos ser pegos de surpresa... pensem?
- Sim, ele está certo. Respondeu um dos líderes daquela rebelião de dias atrás, que fora levantado como um representante que ainda perguntou para o mesmo:
- Então como faremos?
- Colocaremos sentinelas em cima daqueles pequenos montes, aqueles ao norte a ao sul. Apontou o caravanista para os dois lados, enquanto os ouvindes olhavam e acompanhavam o raciocínio, e deu prosseguimento ao plano:
- Trocaremos a cada duas horas, para todos descansarem. Falou o líder da caravana, quando era aconselhado por um dos guardas, naquele local de transição entre Milod e os mangues, onde já havia pequenos montes, principalmente ao sul.
- Então está bem, assim será feito.
Colocaram as sentinelas em pontos estratégicos, os dois líderes foram pessoalmente nos pontos de observação, perceberam que o do sul não tinha uma boa visão, pois tinha outro monte obstruindo a frente, foram até este e colocaram mais alguns homens. Prepararam uma fogueira no topo, para ser acendida no caso de perigo e servir de alarme, o outro sentinela da colina anterior veria e daria o aviso aos demais. Passou toda manhã e antes de anoitecer, todos queriam partir.
A segunda marcha durou mais de vinte e quatro horas, sabiam que não estavam longe de um posto de parada num pequeno vilarejo, este já fazia parte do estado de Milod. Neste costumava ter um a guarnição de cem soldados, que fora mantida desde a época dos assaltos, apesar das ocorrências terem sido todas na parte das montanhas de Rondar e no início da descida para a planície. Mas, era uma forma de ter um pouco mais de segurança, passar uma sensação de que o governo de Milod estava ali, para defender seus interesses de estado soberano.
Conseguiram chegar a este posto, um mensageiro foi enviado instantaneamente com a chegada dos integrantes da caravana, levando uma carta para Marcílius, relatando todo o incidente nos mínimos detalhes. Desde a postura dos assaltantes, suas características, o diálogo e a fuga. Ficaram ali por muitos dias, até que voltou uma resposta de Marcílius em uma carta.
Amados irmão, homens de Tebas, é com muita tristeza que escrevo esta carta, precisaríamos muito daquele alimento, mas sabemos que fizeram o possível para conduzi-los para nós. Está com meu capitão o pagamento da caravana, integralmente e com os salários. Fui informado das dificuldades da rota, da chuva e coloco um extra nos pagamentos dos integrantes, assim como um prêmio por suas coragens e determinações. Existe uma carta para Flipus, por favor, entregue em mãos.
Marcílius de Milod.
O pagamento do serviço foi feito a todos, a maioria dos integrantes da caravana não quis voltar naquele momento e seguiram para Milod. Existia outra rota seguindo o rio Pagari pelas montanhas, mas só passavam burros de carga e homens a pé, era muito acidentada e longa, todavia o único caminho que todos escolheram para voltar, quando por esta rota que os levaria a cidade de Calato e depois encontrariam o lago Macabi, de lá navegariam até o antigo cais na estrada para Tebas, próximo a ponte sobre a garganta profunda onde Rave atravessou quando subiu a trilha para o planalto de Rondar no caso que destruiu o acampamento dos ladrões de caravana.
Já pelas planícies, seguindo direto para cidade de Calato, só andavam caçadores e gente que conhecia muito a região, que era formada por pântanos intermináveis, onde só um homem muito conhecedor daquela geografia se arriscaria. O capitão chamou aquele líder da caravana para uma reunião, o outro que se rebelara ficou olhando e pelo seu valor nas últimas horas foi também convidado para participar.
- Qual é seu nome cidadão de Tebas? Perguntou aquele capitão.
- Me chamo Lamaka, este meu acompanhante é Bastio, sou o líder da caravana e este é a liderança que os integrantes elegeram em um momento de dificuldade, a princípio não gostei muito dele. Olhou para seu novo amigo que fez uma cara estranha, mas prosseguiu:
- Mas devido sua coragem e honestidade com os ideais do grupo, sei que será um bom caravanista a seu tempo. Isto fez seu novo companheiro sorrir.
- Meu nome é Darius, sou capitão de Marcílius, não de caravana ou do posto que estamos, mas da sua guarda pessoal. Agora vocês entendem a natureza da missão que tenho que desempenhar com vocês?
- Sim, parece ser importante... fale conosco! Disse Lamaka.
- Claro! Umm... Como posso começar? É... Vamos ter que voltar para Tebas imediatamente, não poderemos ser muitos, cavalgar a noite com muita velocidade, apenas nós e mais três homens meus, aceitam a empreitada?
- Sim, aceitamos, mas com que intenção teremos que fazer isso agora?
- Você tem uma carta endereçada a Filipus que precisa ser entregue. Nós faremos a sua segurança, se tivermos que entrar nos pântanos, nós entraremos, mas esta carta precisa ser entregue. Lamaka olhou para o capitão, com o semblante confuso e continuou a conversa:
- Não que eu não queira ir, também sou um guerreiro e não tenho medo de luta, mas porque eu? Disse Lamaka.
- Você viu todos os inimigos no dia, conversou com eles, viu suas caras e efetivos, também porque é o homem de confiança do senhor Filipus e pela importância de nossa missão, não poderia ser outro. Lamaka fez uma careta habitual com as palavras do capitão, que prosseguiu:
- Meu Senhor fala que será primordial estes relatos para o seu senhor Filipus, que conseguiria tirar toda informação de você, algo que não seria posto totalmente em uma carta, e antes que você pergunte, temos muita pressa, não haverá tempo para irmos por outro caminho, deveremos arriscar o mais rápido, se não for possível, tentaremos um alternativo.
- Sim senhor, e quando partiremos? Perguntou o caravanista.
- Agora.
- Agora! Senhor Darius.
- Sim, humm... estamos com tudo preparado.
O grupo seguiu para a única estalagem deste posto da guarda, que como os outros, tornaram-se vilas. A noite estava quase começando e era a hora oportuna para partirem, fizeram lá uma refeição e depois cavalgaram com muita velocidade a noite toda. Durante o dia paravam fora da estrada do lado norte, a algumas centenas de metros de distância, sempre em pontos de boa visualização e bem escondido. Fizeram isso nos últimos três dias, quando viram centenas de homens na estrada, num ponto em que o contorno seria muito difícil. Passava o maior rio da região, eram de águas lentas, profundas e com muita lama, com animais perigosos em seus leitos, crocodilos e diversas outras criaturas ferozes que nem sabiam relatar seus nomes. Aquilo não foi a toa, apesar de Darius saber que um grande exército de Milod estava vindo, não daria tempo para esperar, nem voltar e ir pelas montanhas, pois levaria semanas. A falta de alimento era a maior dos últimos anos, muito em breve haveria um desabastecimento total.
- Vamos ter que seguir pelo pântano, este era meu medo. Disse Darius.
- Por que? Perguntou Bastio.
- Por que? Nunca ouviu falar dos pântanos? Acha que é só água e lama? Eu conheço a direção, não me perderia no meu caminho, mas há feras e coisas mais perigosas que em qualquer outra parte deste continente. Respondeu o capitão.
- Então porque iremos por este caminho? Retrucou Bastio.
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