4
Aderval sentou-se no sofá, próximo de onde Cleiton estava sentado. A TV estava ligada, mas nenhum dos dois prestava muita atenção ao que estava passando. Cleiton estava lendo alguma coisa em uma revista.
— Eu estava pensando... — começou Aderval, e Cleiton quase deu um pulo de susto, interrompendo a leitura.
— Estava pensando no quê, cara?
— Deve estar acontecendo alguma coisa com a Juliana.
Cleiton suspirou.
— Por que diz isso?
— Você viu a arma que ela guarda no carro?
— É. Eu vi. — Um novo suspiro. — Bem, ela passou por aquela coisa na floresta. Sebastião e todos os outros morreram...
— É. Às vezes eu fico pensando: o que realmente terá acontecido lá?
— Bem, eu é que não vou perguntar a ela.
— Não. É claro que não.
Paula apareceu na sala, já vestida para a ceia de Natal, e deu um beijo em Cleiton.
— O que estão conversando, garotos?
— Estávamos falando sobre a Juliana. — Explicou Aderval. — O que terá acontecido naquela floresta?
— É um assunto delicado. Por favor, não falem nada a respeito disso com ela. É bom evitar o assunto.
— Pode deixar. Não vou falar nada.
— Ela já passou por maus bocados. Não precisa ficar remoendo essa merda.
— É claro que não.
Juliana apareceu na sala.
— Olá. Feliz Natal a todos.
Paula abraçou a prima.
— Vamos até a cozinha ver se a Dericéia precisa de ajuda.
— Vamos.
As duas saíram.
Cleiton pegou o controle e mudou de canal. Aderval balançou a cabeça, desanimado. Perguntou-se onde estava com a cabeça quando concordara em passar aquele monótono Natal na casa de uma pessoa tão obscura quanto Juliana. Era exatamente assim que a via: como uma pessoa obscura, um poço de incógnitas, e ele não gostava disso. Aquilo lhe causava uma má impressão.
— Vou fumar lá fora, cara.
Cleiton não respondeu, estava indiferente, como se dissesse: "Para mim, você pode fumar até na puta que pariu."
Aderval se levantou, abriu a porta e saiu na varanda.
Pegou a carteira de cigarros no bolso e acendeu um, soltando a fumaça no ar. Olhou para o pacato jardim que circundava a casa de Juliana.
Podia estar em qualquer lugar agora. Ter ido passar o Natal na casa de seu pai, no sul de Minas, teria sido um negócio bem melhor.
Ele pensou em Juliana e no que ela tinha passado naquela floresta. Conhecia bem Sebastião e pelo menos outras três pessoas que morreram. O que teria acontecido era uma incógnita que, pelo jeito, se arrastaria sem resposta para sempre.
"Bem, que se foda", pensou ele. "Não é parente meu."
Desceu o pequeno lance de escada até o gramado e caminhou até o portão, observando a pitoresca paisagem urbana ao seu redor. Era uma noite enluarada, a temperatura devia estar uns dezoito graus, muito para as montanhas, ótimo para ele. Sem dúvida, ele não gostava de frio e não conseguia entender por que as pessoas pagavam uma fortuna para se hospedarem em um hotel naquela cidade somente para sentir frio.
Olhou para a casa e se aproximou do portão.
Ali havia uma pequena cerca de sebes.
Aderval sentiu uma necessidade urgente de "tirar água do joelho".
Abriu o zíper da calça e começou a urinar.
Assobiava com o cigarro no canto da boca enquanto o fazia, e balançava o pênis de um lado para o outro, fazendo a urina sair em círculos.
Aderval viu um par de botas pretas e quase teve um colapso.
Cortou imediatamente a urina e olhou para a frente.
Havia uma sombra negra (um cara) parado ali.
— Puta que pariu! Ei, cara, quem é você, porra?!
Aderval viu que o cara estava segurando alguma coisa.
Ele arregalou os olhos e abriu a boca para gritar.
Levou uma foiçada no pescoço e sua cabeça despencou.
Ainda havia uma expressão de pânico em seu rosto quando ela bateu no chão, bem na poça de urina.
★
Por volta das nove da noite, todos estavam na sala, conversando, tomando vinho e comendo aperitivos. Cleiton propôs uma partida de baralho. Juliana saiu da sala e voltou pouco depois com uma caixa de baralhos.
— Vamos jogar o quê? — Perguntou Paula.
— Truco. — Respondeu Cleiton.
— Não sou muito boa nisso. — Afirmou Juliana.
— Você aprende logo. Não é tão difícil.
Ele embaralhou as cartas, pediu para Dericéia cortar e distribuiu. Deu uma pequena aula de como se jogava truco e o jogo começou.
Juliana desligou a TV e ligou o som. Depois abriram uma garrafa de espumante e Paula os serviu.
— Onde está o Aderval? — Perguntou Dericéia, em determinado momento.
— Ele foi lá fora fumar. — Disse Cleiton. — Deve ter ido dar uma volta.
Dericéia ficou preocupada. Sabia que Aderval poderia estar achando a pequena festinha de Natal uma bosta, e talvez ele tivesse razão, mas precisavam se lembrar de que estavam ali principalmente por causa de Juliana, e a pedido de Paula. E, afinal, era apenas uma noite. Logo de manhã cedo, os dois pegariam o ônibus e rumariam para o sul de Minas, na casa dos pais de Aderval.
Ela tomou mais um gole de espumante e disse:
— Vou dar uma olhada no peru. Já deve estar bom.
— Traz mais uma garrafa de vinho quando voltar. — Pediu Juliana.
Dericéia saiu da sala e foi até a cozinha.
Olhou para a porta que ia dar na parte de trás da casa de Juliana e viu que ela estava aberta.
Sorriu e caminhou até a porta. Olhou para fora.
— Aderval. Amor. Você está aí?
Ninguém respondeu. Lá fora, havia apenas o jardim tomado pelas sombras.
Dericéia balançou a cabeça e foi até o forno. Abriu a porta e olhou o peru, concluindo que estava mais do que bom.
Sentiu alguém atrás de si e abriu um sorriso.
— É você, Val? Eu estava...
Dericéia olhou e viu um homem parado atrás dela, mas não era Aderval.
Seus olhos arregalaram-se. Ela gritou e levou um forte chute no meio da cara.
O homem a agarrou pelos cabelos e a empurrou para dentro do forno.
Dericéia começou a se debater. O homem bateu a porta do forno violentamente contra seu peito e a segurou lá dentro enquanto ela se debatia em estado de terror.
Logo, ela não se mexeu mais.
★
Os gritos de Dericéia fizeram a partida de truco parar. Juliana deixou o copo de espumante que estava segurando cair.
— O que foi isso?! — Perguntou ela, assustada.
Ouviram um barulho de pancada vindo da cozinha.
Cleiton deixou as cartas sobre a mesa de centro e começou a se dirigir para a cozinha. As duas mulheres o seguiram.
Abriram a porta e viram Dericéia enfiada dentro do forno. Seu corpo agora estava em chamas. O cheiro acre de carne humana queimando impregnava a cozinha.
Paula e Juliana imediatamente começaram a gritar.
Cleiton correu para tentar ajudar Dericéia, mas já era tarde.
— Puta que o pariu! Mas que merda está acontecendo aqui?!
Juliana e Paula viram um homem entrando pela porta da cozinha, que estava aberta. A princípio, Juliana pensou que era Aderval, mas então viu que não.
— CLEITON! CUIDADO!
Cleiton recuou e pegou uma faca na pia.
— QUEM É VOCÊ, SEU FILHO DA PUTA?! O QUE ESTÁ FAZENDO AQUI?!
O homem que invadia a cozinha era enorme e estava vestido de preto do alto da cabeça até as pontas dos dedos dos pés. Em sua mão direita, ele segurava algo que parecia ser uma foice.
— FIQUE ONDE ESTÁ, SEU PULHA! — Gritou Cleiton. — NÃO SE APROXIME!
O homem deu dois passos em sua direção.
— VOU LHE DAR UMA LIÇÃO QUE VOCÊ NUNCA MAIS VAI ESQUECER, SEU PULHA!
Cleiton avançou, brandindo a faca, e a fincou no peito do homem.
Não houve qualquer reação por parte dele. Ele simplesmente puxou a faca e a jogou no chão.
Cleiton arregalou os olhos em pânico.
— MAS QUE PORRA É ESSA?!
Ele avançou para tentar golpear o homem, que segurou seu braço e simplesmente o arrancou.
Cleiton soltou um berro de dor, horror e indignação. Um jato de sangue lavou a roupa preta do assassino. As mulheres começaram a gritar ainda mais.
Cleiton caiu no chão, e o homem de preto pisou em sua cabeça. Paula e Juliana escutaram quando os ossos do crânio de Cleiton começaram a se partir. Ele se estribuchou no chão como um peixe arrancado de fora d'água e, então, a parte de cima de seu crânio explodiu, o cérebro se esparramou como manteiga caída no chão. Miolos explodiram e ficaram grudados na parede.
As mulheres gritaram novamente. O homem de preto olhou para elas e atirou o braço de Cleiton.
— Corre, Paula! Corre!
Juliana saiu correndo e arrastou Paula.
Elas voltaram para a sala e viram o corpo sem cabeça de Aderval sentado no sofá. Ele estava segurando a própria cabeça, uma expressão de assombro congelada no rosto morto.
O homem de preto arrancou a porta da cozinha.
Juliana correu para as escadas, levando Paula, que agora parecia estar em estado de choque.
As duas avançaram corredor acima e embrenharam-se pelo corredor.
Era ele! Era o assassino das sombras que aterrorizara na floresta. Agora ele estava de volta. Ele perseguira a sua trilha durante aquele ano todo e agora estava de volta para terminar o que começara na floresta.
Juliana olhou para trás e viu a sombra negra parada no final do corredor. Parecia flutuar como um fantasma, mas Juliana sabia que aquilo não era um fantasma, era alguma coisa de outro planeta, alguma coisa que estava além de sua compreensão.
Ela podia sentir a coisa. Aquilo falava dentro de sua mente em uma língua desconhecida, mas, de alguma forma, Juliana conseguia compreender.
"Venha, Juliana, seja minha. Eu quero a sua alma. Me dê sua alma!"
Juliana gritou em estado de total pânico:
— Não!!!!
As duas correram pelo corredor e entraram em um quarto. Juliana bateu a porta e a trancou. Caminhou até uma cômoda e olhou para Paula.
— Paula! Me ajude a arrastar isso!
Paula deu um pulo como se tivesse levado um tapa.
Correu até Juliana e a ajudou a arrastar a cômoda, bloqueando a porta.
As duas se afastaram da porta. Paula estava chorando e em estado de choque. Juliana a abraçou.
— Você... Você está bem?!
— O que... O que está acontecendo?!
— É... É ele!
— Ele quem?
— A coisa da floresta!
Paula arregalou os olhos.
— Você deve estar de brincadeira!
— Não! Não é brincadeira! Eu tenho certeza que é o mesmo assassino da floresta!
— Mas o que ele está fazendo aqui?!
— Ele me seguiu! Durante todo esse tempo ele me seguiu!
Paula balançou a cabeça, ainda chorando.
— Meu Deus! O que vamos fazer?! Precisamos... Precisamos chamar a polícia!
— O telefone está lá embaixo!
— E o celular?
— O meu está lá embaixo. E o seu?!
— Está no meu quarto. Mas que droga!
A maçaneta começou a se mover freneticamente. As duas olharam para a porta e se afastaram.
O assassino investiu contra a porta do outro lado, fazendo-a tremer no batente.
As duas mulheres gritaram em pânico. Juliana olhou à sua volta, sentindo-se encurralada, buscando alguma coisa que pudesse usar como arma.
O assassino meteu o pé na porta e a cômoda foi afastada, depois voou na direção das duas. A porta se escancarou. O assassino deslizou para o quarto.
Paula e Juliana afastaram-se em direção à vidraça e começaram a pedir por socorro, mas Juliana sabia que o socorro não viria de parte alguma.
A coisa atacou com uma agilidade descomunal. Juliana jogou-se por cima da cama e tentou puxar Paula. O assassino foi mais rápido e golpeou o braço dela, que caiu no chão.
Paula gritou, esvaindo-se em sangue, e Juliana também gritou, sentindo as garras do terror agarrarem-na.
Viu uma TV de 14 polegadas perto da lareira. Agarrou a TV e a atirou em cima do assassino, acertando-o na cabeça. A TV esmiuçou-se, mas o assassino permaneceu impassível.
Juliana viu quando ele meteu a foice no peito de Paula e praticamente a rasgou ao meio. Suas vísceras caíram no chão e esparramaram-se no piso de tacos de madeira.
— Paaaaauuuullllaaaa! Nããããããããooooo!!!!
O assassino olhou para ela.
Juliana divisou a porta aberta e começou a correr.
A coisa a seguiu. Arrastava-se pelas paredes.
(Não é humano! Não é humano!)
Juliana podia sentir seu séquito terrível, a respiração fétida atrás de si.
Ela continuou correndo. De repente, o corredor parecia interminável, como se ela se arrastasse pela paisagem tenebrosa de um pesadelo.
Uma parte dentro dela tentou convencê-la de que aquilo era um pesadelo, que logo acabaria quando ela acordasse, mas era um embuste. Ela sabia que não era um pesadelo. Estava bem acordada e sabia que aquilo era real, tão real quanto o fato de respirar.
Ela olhou para trás e viu a coisa, agora disforme, enchendo o corredor com sua presença tenebrosa.
Juliana chegou à escada, colocou o pé no primeiro degrau, escorregou e, então, despencou.
Sua visão ficou turva. Agora ela ouvia como se estivesse dentro de um caixão.
Sua cabeça doía. Seu nariz e pelo menos dois dentes estavam quebrados.
Juliana cuspiu uma crosta de sangue e tentou ficar em pé. Escorregou novamente e gemeu de dor.
Olhou para a escada e viu o assassino, agora uma forma humana negra novamente, descendo lentamente.
Juliana rastejou-se para longe. Tentou ficar em pé novamente e apoiou-se no sofá. O corpo sem cabeça de Aderval despencou, caindo em cima dela. Juliana gritou desesperada, livrou-se do corpo, ficou em pé e saiu correndo para a porta.
Ela saiu na varanda, desceu o pequeno lance de escada e correu para a garagem.
Abriu desesperadamente a porta do carro e entrou.
Juliana suspirou. Seu coração batia a mil.
Ela fechou os olhos e segurou o volante, chorando em estado de total pânico.
Juliana abriu os olhos. O assassino estava em pé do lado de fora.
Ela gritou.
A coisa bateu a foice no vidro e o quebrou. Os estilhaços atingiram Juliana.
Mãos potentes se fecharam sobre seu pescoço.
Em desespero, Juliana estendeu a mão para a chave e ligou o carro.
— Me solte, seu filho da puta!
Juliana olhou para o rosto do homem que tentava matá-la e quase teve um colapso. Ela não viu nada. A coisa não tinha rosto, ou seu rosto era feito de escuridão e ocultava sua aparência.
Ele brandiu a foice perto de seu rosto e Juliana viu que não era uma foice, e sim uma enorme lâmina metálica que parecia ser o próprio braço da coisa.
Juliana engatou ré e pisou fundo no acelerador.
O carro se moveu, arrastando o assassino por alguns metros.
Finalmente, ele a soltou e caiu se estatelando no chão.
Juliana passou por cima do portão, fazendo-o em pedaços, e foi parar na rua.
Olhou em direção da casa. O assassino se levantou e começou a correr em direção a ela.
Juliana engatou a primeira e saiu queimando os pneus.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro