11 - Antagonista
Após ver aquela nódoa de sangue na camisa do "pretendente" de sua mãe, Violeta subiu para o seu quarto. Correu com tanta pressa que chegou no seu quarto ofegante. Jogou-se na sua cama com o telemóvel nas mãos, acima de seu peito. Respirou tão fundo que sentiu a cabeça girar.
O seu telemóvel vibrou tão inesperadamente que sentiu o seu coração dar um pulo que o fez parar por um breve instante. Era uma notificação de uma das redes sociais que fizera há pouco tempo. Isso das redes sociais era algo novo para si, mas uma hora ou outra admitiria para si mesma que precisava daquilo para tornar seu mundo um pouco mais vasto. Estava tão fechada sobre si mesma sem nem sequer ter essa noção.
Era a rede social com o logótipo de uma máquina fotográfica. Abriu na setinha e tinha lá uma mensagem. Abriu e foi reencaminhada para um site, ou um aplicativo, não teve bem a certeza. Não soube como foi ali parar, só que fez clique atrás de clique e foi então que se viu emergida onde nunca imaginara.
Levantou-se em sobressalto, como para ter certeza que estava vendo direito. Entendera bem? Ela estava a ser convidada para ser uma espécie de produto sexual? Pelo menos foi essa a sua perceção das coisas, ainda que isso não estivesse implícito no que lia.
Aquilo a deixou curiosa. Apesar de tudo aquilo fôra parar do nada na sua caixa de mensagens. Ela só seguira o pessoal da escola e até o próprio Instagram escolar, não havia razão para aquilo chegar até si e mesmo assim chegara.
Abriu o link que lhe foi enviado.
Não parecia ser um site pornográfico comum, era algo um pouco mais gourmet, ainda que distinto. As jovens queriam homens que as bancassem e os homens estavam ali para sentirem o seu ego inflado, causado pela beleza das garotas que lhes davam atenção e para isso gastavam o que fosse preciso.
A vaidade gera custos. Ela é um luxo que muitos homens não se importam de pagar. Violeta não teve dúvidas disso quando olhou cada pedaço da tela de seu telemóvel. Apareceu uma mensagem instantânea de boas-vindas algures no site e então recebeu um convite para ser um Sugardaddy, uma Sugarmammy, ou um Sugarbabies. Apareceu um formulário para preencher.
Questionou a sua sanidade mental por ainda estar ali no site. Ela nunca seria a Sugarbaby de ninguém. Tinha demasiados complexos para isso.
O computador pareceu ler os seus pensamentos, pois apareceu mais uma mensagem instantânea explicando que as Sugarbabies na maioria colocavam uma máscara de Carnaval nos olhos para protegerem a sua identidade, usavam inclusive cabeleiras. E então abriu-se uma pequena janela onde ela devia clicar como promessa de sigilo.
Clicou, não porque queria preencher o formulário, apenas porque algo a impelia a continuar. Como se soubesse que aquilo ia-lhe dar algumas respostas.
E deu, pois quando aparecerem alguns vídeos de apresentação dos integrantes, ela pôde reconhecer um quarto num dos vídeos.
Olhou o vídeo de uma moça de cabelos castanhos avelã que com certeza era uma cabeleira. Tinha uma máscara glamorosa que fazia lembrar os filmes antigos. A máscara era preta com uma rosa vermelha de lado, tapava apenas a parte de cima do rosto, mostrando os lábios carnudos da garota.
Leu a descrição e lá estava escrito "Miss Rosia, a diva que faz as rosas ficarem mais brilhantes".
Clicou.
O vídeo tinha apenas cerca de um minuto. Era uma espécie de apresentação. Quem quisesse ver mais tinha de falar com ela, pagar para ter algo mais.
Perguntou-se sobre o que a garota faria para quem pagava. Dançava? Mostrava o corpo? Seria pior? Talvez fosse muito pior. Abanou a cabeça para não pensar no que não queria, pois surgiu-lhe uma ideia que teve medo de cogitar. Era a primeira vez que pensava naquela industria como um assunto real. Sabia que a industria da pornografia estava aí, mas nunca havia sido confrontada com esse mundo, tão distinto do seu.
E ela sabia, vendo aquele quarto, aqueles lábios carnudos, quem era a Miss Rosia e não podia estar mais surpresa do que estava.
Pensou que talvez o certo seria ir até à DIC e falar sobre aquilo à inspetora Áurea. Ela acreditava em si, ao contrário de seu colega carrancudo.
Um outro lado de si falava-lhe que ela não devia manchar a imagem de alguém que já morrera.
Sentiu-se contra a espada e a parede. Esse sentimento estava ficando bastante comum, cada vez mais familiar.
Normalmente Violeta sentia a presença de sua mãe invadindo o seu espaço, mas Filomena fôra sorrateira e Violeta estava demasiado absorta no ecrã de seu computador e em seus próprios pensamentos. Quando Filomena falou, Violeta saltou em sua cadeira, assustada.
— Mas que merda tu andas a fazer? — perguntou a sua mãe. — Sou mãe de uma puta.
Violeta sentiu as suas bochechas arderem. Não sabia como explicar aquilo. Sentiu tanta vergonha!
Quando deu por si estava dizendo a frase mais clichê que poderia ter dito.
— Isto não é o que pensas. Não me chames isso.
— Chamo sim, chamo mil vezes, tu andas a prostituir-te. Espera até o teu paizinho saber. Tu és mesmo igualzinha a ele, a promiscuidade está-vos no sangue.
Violeta ficou sem reação. Soube o que iria acontecer quando a sua mãe saiu de seu quarto. Não era só o seu pai que iria tomar conhecimento, era toda a sua família, a sua avó... Não podia acreditar que aquilo estava acontecendo.
Nesse momento tomou uma decisão. Não podia trancar a porta do seu quarto à chave, mas podia fazer algo para impedir a sua mãe de invadir a sua privacidade assim como bem entendesse.
Filomena tirara as chaves de todas as portas da casa, menos a de seu próprio quarto com suíte. Era por essa razão que Violeta não podia trancar o seu quarto, mas podia fazer outras coisas, afinal das contas, ela tinha um pai que tentava sempre compensar a sua falta de presença e afeto com bens materiais, com coisas que o dinheiro podia comprar. Por uma vez, ela ía usar isso a seu favor. Ó se iria! Talvez assim, de uma vez por todas conseguisse que as pessoas entendessem enfim quem era Filomena. Era extremamente exaustivo, angustiante ser a pessoa que sempre é mal vista pela família.
Antes que a sua mãe fizesse qualquer coisa, ligou para o seu pai. Roberto atendeu no mesmo momento. Violeta até estranhou a rapidez. Pediu ao pai o que queria e soube no mesmo instante que ele estava face a um ecrã providenciado no exato momento o que ela queria. Naquele momento sentiu-se uma riquinha mimada, tendo tudo o que pede ao pai. Se ao menos ele a compreendesse, se ao menos ele lhe desse o que ela queria de fato, talvez ele não sentisse essa necessidade constante de dar tudo à filha.
— Daqui a uns dez dias vai chegar o que queres, filha. Mas posso perguntar para que precisas disso? Tu estás bem, filha? Se quiseres eu coloco um polícia de vigília aí à frente da casa da tua mãe, vinte e quatro horas por dia. Queres?
— Não, pai, que é isso?
— Cuidado nunca é demais. E eu sou promotor público, filha. Arranjo isso com uma perna atrás das costas.
— Com isso já vou estar mais protegida.
— Filha, o pai ama-te.
Violeta ía falar, mas ao abrir a boca pensou que não valia a pena. Sabia que a resposta iria ser mais uma vez "não". Era outra vez aquele pedido, em forma de imploração, talvez até de chantagem emocional.
"Se me amas, porque não posso viver contigo?"
Em vez disso apenas respondeu aquilo que nunca diria à sua mãe, pois não era mentirosa.
— Também te amo, pai.
E ela amava, às vezes não sabia o quanto, às vezes questionava até o que seria amor, mas ela amava sim, pois sabia que o problema do seu pai era não saber gerenciar seu próprio amor. Talvez ele só estivesse imitando seu próprio pai, pois o seu registo de amor paternal era apenas prover e não cuidar, mas ele a amava também. Ele o demonstrava, não da maneira certa, mas demonstrava.
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Por muito difícil que fosse admitir tal fato, Violeta tinha de se lembrar constantemente de uma coisa sobre si mesma, pelo menos a partir do momento em que se lembrava de si por gente: ela era a antagonista de sua própria história, fizesse ela o que fizesse. Um sentimento de culpa a acompanhava constantemente fosse para onde fosse, assim como o sentimento de impotência, o sentimento de não conseguir ser apenas um ser humano normal e claro, o sentimento de não pertencer a lugar nenhum. Normalmente esse último sentimento era calado pela calmaria da fazenda de seu tio Gilberto, mas até isso Filomena conseguira tirar de si.
Até há um ano, Filomena e Gilberto eram irmãos unidos, e nos últimos anos haviam-se tornado ainda mais, provavelmente por partilharem os dois do mesmo desfortúnio matrimonial. Os dois haviam sido abandonados por amantes, uma dor e tanto, sobretudo para o ego dos dois. A família Sousa tinha doses elevadas de ego inflado. Os dois irmãos haviam igualmente ficado com a guarda de seus filhos únicos. Filomena havia ficado com a guarda simplesmente porque era a mãe, Gilberto havia ficado com a guarda porque o filho felizmente pôde escolher com quem ficar.
Dado isto tudo, Violeta e Hugo haviam sido criados lado a lado praticamente como se fossem irmãos, para compensar os irmãos que nunca haviam nascido e os dois eram muito unidos, bem mais que os próprios pais.
A família Sousa tinha uma curiosidade deveras engraçada: todos eles tinham o mesmo calcanhar de Aquiles: o dinheiro.
Ai, o dinheiro! O salvamento de uns e a perdição de outros.
A família Sousa vivia nos dois limiares e isso gerava discórdia, porém, no fim, havia sempre um elemento que era visto como o herói e independentemente de quem fosse o seu oponente, esse seria o vilão. Por inacreditável que isso pudesse parecer, Violeta era a única a perceber esse padrão repetitivo e o papel de herói era sempre o de sua mãe. No momento em que Gilberto percebeu isso, quando ele mesmo foi feito de vilão sendo a vítima, ele pôde ver a sua irmã, apenas três anos mais velha que ele, despida de máscaras. A sensação foi de que vivera uma vida com uma cortina tapando a sua vista e enfim a tirara, porém, só a cortina... só mesmo isso. A janela de sua visão ainda estava fechada. Seria preciso viver na pele de Violeta para entender.
Uma coisa ele entendera muito bem, quando Hugo chegou a casa e lhe disse que Violeta estava sendo acusada de assassinato. O comportamento de Hugo era de puro desespero, de pura preocupação. Não era uma prima, para ele era uma irmã e custara bastante saber disso através de Margarida, mas entendia Violeta. Ela já era reservada naturalmente, dificilmente nesse tipo de situação falaria com alguém, mesmo que precisasse e Hugo sabia que ela precisava, assim como Margarida tão sabiamente dissera.
Hugo era um adolescente cheio de boas intenções, um pouco rebelde, mas valente, um pouco fora da linha, mas inteligente, um pouco desligado das pessoas, mas empático. O único grande defeito que Violeta via nele, aquele defeito que a impedira de lhe contar o que se estava a passar em sua vida, era o fato de Hugo ver Filomena assim como o resto da família via, como uma heroína.
Violeta até já se perguntara se Hugo sabia sobre aquela situação toda onde havia sido enfiada e sendo o caso, se ele acreditaria na sua culpa.
Ao fim e ao cabo, como duas almas unidas por uma força reencarnatória, Violeta estava pensando e se questionando sobre Hugo e Hugo estava falando sobre Violeta com o seu pai. Não era à toa que as orelhas dos dois estavam fervendo, os abraçando numa onda de calor.
Violeta quase saltou com o telemóvel tocando. O nome afixado era o de seu tio. Atendeu com um sorriso, com a sua voz mais doce e amou ouvir aquilo que deixara de ouvir há quase um ano atrás:
— Vem passar uns dias cá na fazenda. Quem sabe o Natal... Claro, se a tua mãe não colocar problemas.
Esse sim, seria um obstáculo, a sua mãe deixar ou não. Violeta sabia que a sua mãe só deixaria se por alguma razão isso lhe fosse vantajoso.
Pensando bem, poderia dar certo, tendo em conta todas as circunstâncias onde estava inserida. E seria vantajoso para si, precisava de respirar ar puro.
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