10 - Só sugar
Toda a gente com um senso comum sobre a vida em sociedade, sabe que quando não temos hora marcada com um médico, a gente vai ter de esperar e muito, porém às vezes surge alguém pensando em sua mais mesquinha plenitude de superioridade que por ser rica, pode passar à frente dos outros, como se isso lhe desse algum tipo de privilégio sobre o comum dos cidadãos com um salário mais baixo. Assim era o caso da adolescente que acabara de chegar no consultório Lages Lda..
A adolescente de corpo avantajado, olhou a secretária com o máximo de arrogância que lhe era possível. Praticamente ameaçou a mulher que estava apenas fazendo o seu trabalho com a maior das competências. Depois olhou para as pessoas esperando a sua vez e quedou o seu olhar em alguém da escola, alguém que costumava andar com Bruna, quem sabe a sua melhor amiga.
Nesse momento foi interrompida pelo dentista saindo da porta, junto de seu último paciente que colocara a mão no rosto, claramente paralisado de um lado e com a sensação de inchaço. O seu olhar saiu da garota sentada, para se fixar no olhar do dentista.
O dentista a olhou sem entender, mas rapidamente a secretária o meteu a par do que se estava passando.
— Nem pensar, Silvana — respondeu ele à secretária — Tenho muitos pacientes para atender. Ela não é mais que ninguém. Não me parece estar com algo assim tão grave que seja urgente, é só estrelismo por ser filha de pais ricos.
A adolescente aproximou-se da orelha do dentista, com os pés esticados.
— Eu acho melhor você me atender, Mr. Machão. Senão vou jogar muita merda no ventilador. Será que me faço entender? Faço, Mr. Machão?
Os olhos do dentista arregalaram-se e mudou de atitude da noite para o dia.
— Silvana, eu vou atendê-la. Será rápido!
A adolescente fez um sorriso diabólico, enquanto a secretária olhava o patrão com surpresa e desaprovação, mas que poderia ela fazer? Só estava ali cumprindo horas. Não tinha nada a ver com aquilo, mas não achava justo com os pacientes que tinham marcado hora e seriam atendidos com atraso. E no fim das contas era ela que tinha de lidar com o descontentamento dos outros pacientes, e houve logo uns três que o manifestaram. Ela tentara acalmá-los com palavras que desculpavam o seu patrão, mas no fundo ela dava-lhes razão, ela sabia que eles tinham razão para reclamar.
E enquanto se formou essa agitação no consultório, ela nem percebeu a adolescente que se levantara para tentar ouvir atrás da porta do consultório. A porta não se encontrava frente à sala de espera, era preciso andar um pouco por um corredor que só estava visível para quem estava frente à secretaria e olhasse para o lado direito, porém, ainda que todos olhassem para a secretária, não a estavam vendo. Porém ela percebeu que perante aquela madeira maciça da qual a porta era feita não ouviria nada, então desistiu e foi à casa-de-banho aliviar a barriga. Tinha muita vontade de urinar quando ficava estressada com alguma coisa. Pensou em como Bruna devia estar às voltas no caixão e pediu perdão por ter esses pensamentos sórdidos sobre a amiga já morta. Nunca pensara que esse fim fosse sequer possível, e pensar que ela começara... aquilo!
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O dentista olhou para a adolescente e foi curto e grosso, o bastante para deixar a adolescente impressionada.
— Quanto queres para fechar o bico?
— Como assim, o que eu quero? — perguntou a adolescente — Está-me a falar de dinheiro? Você sabe por acaso quem eu sou?
— Uma menina da mamã, rica, que pensa que pode tudo, inclusive ameaçar adultos com telhados de vidro.
— Talvez, mas não quero o seu dinheiro, quero informações.
O dentista olhou a adolescente atento. A olhou de cima a baixo, olhou as suas curvas impressionantemente grossas, mas definidas, os seus seios fartos, sobretudo tendo em conta a idade, as ancas grossas. Ele a olharia com interesse, se estivessem noutras circunstâncias.
— Que tipo de informações? — perguntou o dentista.
— Sobre a Rosângela, ela também é...
— Quem?
— Rosângela, Rosi. Ela também é uma das suas sugarbabies?
— Eu já entendi que sabes o meu segredo, embora eu não saiba como, mas lamento ter de te informar, jovenzita, que eu conheço esse nome tanto quanto conheço o teu.
— Quer saber o meu nome?
— Quero, por favor.
— Você já sabe! Você já me conhece, pelo menos virtualmente.
— Como? Tu és uma das minhas Sugarbabies?
— Nãoooo, eu sou a Sugar, só Sugar.
Rui não entendeu à primeira, mas depois lembrou-se da aplicação onde abrira perfil há menos de um ano, lembrou-se de como era gerido e que havia uma certa ordem para proteger o interesse de ambos os lados dos relacionamentos Sugardaddy – Sugarbaby.
Ele pensava que Sugar era um robô, nunca pensara que era uma pessoa de carne e osso. Agora entendia como ela sabia exatamente quem ele era e como encontrá-lo. Ela tinha os seus dados e sabia os seus segredos mais ocultos. Aquilo nunca poderia sair dali e ele ainda queria saber quem ela realmente era, queria o seu verdadeiro nome. Só Sugar era muito pouco.
— Se tu és a Sugar, não deverias saber isso? Se eu me relaciono com essa pessoa ou não? És tu quem recolhe os dados dos participantes do aplicativo.
— Não é assim que funciona — respondeu a adolescente. — Eu sei os dados das pessoas, mas nem toda a gente é sincera no perfil como o senhor. Afinal das contas é a internet, atrás de uma tela toda a gente se pode transformar naquilo que quiser.
Rui sentiu-se levar um chapadão na cara. Ele fôra muito burro, muito ingénuo. Ele poderia ter mentido sobre quem era e nunca ninguém iria saber que era mentira. Agora aquele seu fetiche por moças com idade para serem suas filhas, poderia ver a luz do dia e ele estaria arruinado. Talvez ainda houvesse tempo de alterar os seus dados, tirar a sua fotografia. Devia haver algo que pudesse fazer para se proteger de cair na ruína e ser exposto.
— Claro que elas não sabem quem você é, a menos que você queira. Para elas você é o Mr. Machão e fica por aí, assim como para si elas têm variados pseudónimos.
A moça parou um pouco para pensar. Ficou melancólica. À frente do dentista não estava mais uma jovem empoderada bancando a dona do mundo, estava uma adolescente vulnerável, que nem se apercebera da rapidez com a qual abandonara a sua postura altiva.
— Pensei que ela fosse a Miss Rosia, pelos dados, a morada, pelo nome, por amor de Deus, tem de ser ela... Doutor, esqueça que estive aqui, você não me viu, não me ouviu, não falou comigo.
A moça começou a recuar e a virar o seu corpo em direção à porta.
— Não vais dizer a ninguém sobre o meu segredo? — perguntou o dentista.
— Não, corro o risco de também ser exposta, não é mesmo?
— Mas eu nem sei o teu nome, como poderia expor-te? — perguntou o dentista.
A moça voltou atrás e aproximou-se dele.
— Eu até entendo. Sério mesmo! Você é um homem bem charmoso, bonito, viúvo, solitário, com um fetiche bastante comum por meninas mais novas, sinto-me até lisonjeada por você ter cogitado em mim.
As bochechas de Rui erubesceram na hora. Ela percebera muito bem o que ele estava tentando fazer. Como combater uma esperteza tão vespertina? Ela era inacreditavelmente sagaz para a sua idade.
— Eu percebi você me analisando de alto a baixo. Não sou ingénua.
— Percebi que sim — respondeu, e mais confiante perguntou —, mas se tenho todas essas qualidades, como bem trataste de mencionar, porque não me dás hipóteses de te conhecer melhor?
Ela sorriu, divertida com a situação.
— Porque eu não gosto de homens.
Ele ficou surpreso por um instante.
— És lésbica!
— Não gosto de usar essa palavra, mas sim, sou homoafetiva.
— Ah, claro, então é por isso que querias saber dessa moça Rosalinda.
— É Rosângela — corrigiu Sugar.
— Que seja. Não conheço.
— Tem mesmo a certeza que não é a Miss Rosia?
Ó sim, ele tinha a certeza absoluta, analítica e sintética, porque a Miss Rosia, a sua Miss Rosia estava nesse momento sendo embalada pelos braços da morte. Ele pôde ver em primeira mão o desdobramento de seu trágico fim. Miss Rosia nunca mais seria a sua baby, não lhe mandaria mais fotos ou faria webcam consigo. Um golpe de faca em seu pescoço acabara com tudo, mesmo antes de poder começar algo mais atrás dos ecrãs, como ele quisera. Mas Miss Rosia não quisera avançar, se dependesse dela seria para sempre só virtual e realmente foi só virtual até ao fim de sua curta vida.
A vida, ela consegue ser exaustivamente muito curta.
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