
2. O Impossível
Um casal. Unidos para sempre. Na alegria e na tristeza. Na saúde e na doença. Na riqueza e na pobreza. Até que a morte os separe.
Essa frase não parava de reverberar na mente inquieta de Margharet Duarte.
Ou Meghan, para os íntimos.
Seus pais sempre foram sua maior inspiração. Se conheceram na faculdade de medicina, se formaram juntos e depois se casaram.
Laura e Fábio. Os nomes até combinavam. Pelo menos na mente de Meghan. Entretanto, aquele encanto havia se dissipado drasticamente de maneira repentina.
Dias antes, após Meghan chegar da escola, notou um estranho objeto jogado no jardim de sua mãe. Uma caixa de papelão. Aparentemente nova, entretanto com um conteúdo que deixou a garota de cabelos em pé. Quando mostrou a rosa branca com uns pingos vermelhos (que felizmente não era sangue, como seu pai pôde confirmar) para seus pais, instantaneamente o caos se instaurou no relacionamento de ambos, repleto de discussões e alfinetadas. Como um pacote, por mais peculiar que fosse, iria destruir aquela relação de mais de vinte anos?
Meghan escrevia em seu diário, deixando o silêncio da casa predominar no ambiente. Por sorte seus pais estavam fora de casa. Sua mãe era pediatra e seu pai clínico geral do hospital da cidade, o que fazia ambos sempre estarem ocupados e distantes.
A cada dia que passava, a adolescente rezava para que as brigas cessassem e tudo voltasse ao que era antes. Sobre o possível remetente da caixa, ela nem se preocupou, imaginando ser alguns dos garotos da rua que viviam fazendo esse tipo de brincadeira.
O soar da campainha a tirou de seus devaneios.
Correu para a porta e pelo olho mágico pôde ver aquele cabelo loiro escuro muito familiar. Abriu a porta, e deixou a figura entrar, que rapidamente se jogou no sofá da sala.
— Alice? — suspirou, muito surpresa.
— Férias em Paris oficialmente canceladas — ela disse ao digitar algo em seu telefone. — Está ocupada?
— Isso é uma baita surpresa! — Meghan também se sentou no sofá. — Seus pais, tipo, acharam ok você ficar? Eles praticamente te forçaram a aprender o mínimo de francês pra poder ir pra lá!
— Eles vão ficar um mês inteiro num retiro bizarro. Me recuso a ficar sem celular trinta dias e com os dois ainda por cima. Por isso irei morar com minha avó. Ou seja — e então deu um sorriso imenso — seremos vizinhas.
Meghan ficou internamente feliz por ter sua amiga mais perto, mas não mostrou empolgação. O assunto de seus pais ainda estava fresco em sua mente. Alice percebeu.
— Tá tudo bem? Você não pareceu muito feliz com a novidade.
— Eu estou. Estou mesmo — sussurrou colocando uma mecha de seu cabelo curto preto atrás da orelha. — O clima aqui em casa é que tá péssimo.
— Puta merda, seus pais souberam que você não é mais virgem?
— Não, claro que não — Meghan riu, arremessando uma almofada em Alice. — O problema é mais com eles sabe...
— Acho que entendi... Muitas brigas?
— Na mosca!
— Se serve de consolo, até os meus brigam.
— Ah, não me diga — frisou bem irônica, já que o casamento de Vanessa e Carlos não era exatamente um mar de rosas.
— Tudo por causa de uma caixa misteriosa.
Alice bloqueou o celular e encarou a amiga.
— Acho que você não deveria fritar a cabeça por um problema que nem pode existir, criando teorias da conspiração que não vão dar em lugar nenhum. Pensa que pode ser algo bobo. De repente eles brigavam há tempos, mas só agora pararam de disfarçar.
Meghan riu, mas não conseguiu se acalmar.
— Nossa, isso ajuda muito.
— Desculpa, mas você já conhece o meu bordão — Alice então deu uma piscadela para Meghan, que revirou os olhos, rindo ao mesmo tempo.
— Sim, "eu digo o que você precisa ouvir, e não o que você quer ouvir" — respondeu, frisando cada palavra da frase. — Sua simpatia é o cartão de entrada do nosso grupinho.
Meghan riu, pensando em como os quatro eram ótimos como um grupo.
— A Karina chamou a gente pra jantar lá por falar nisso. No caso eu, mas tenho certeza que ela vai adorar a sua novidade — continuou dizendo.
— Pode ser, faz tempo que não vejo a Sheila e o Roger mesmo.
— O pai dela não tá lá. Tá de namorico com uma mulher.
— Finalmente né — disse Alice — um homem lindo daquele solteiro, impossível. E acho bom a Karina ter feito uma janta de milhões. Tô morta de fome. Vamos.
[...]
— Obrigada por virem — recepcionou Karina para as amigas. A adolescente morava há apenas alguns quarteirões da casa de Meghan. — E que bela surpresa, Alice. Achei que essas horas você já estaria tomando um drink na Riviera francesa.
— Eu estou muito à frente de Paris, querida.
Entraram e se sentaram na sala de estar. O luar invadiu o cômodo pelo imenso vidro que pendia na parede de frente para o quintal.
— E hoje a Karina tá cozinhando.
— Vamos ver se você tem dotes culinários. Espero não ir parar no hospital.
— Eu sei que você ama cozinhar Alice, mas não me humilha por favor.
— O Bruno não vem? — indagou Alice.
— Deve tá de encontro com alguém. Ele tá todo misterioso... — murmurou Karina enquanto ligava a televisão — Fiquem à vontade, vou ver o frango que tá no forno.
— É melhor mesmo, tô sentindo um cheirinho de queimado — ela respondeu.
— Engraçadinha, hein!
Enquanto olhava o frango no forno, a adolescente verificou a última mensagem mandada a seu pai, que por sinal ainda não havia sido visualizada. Mesmo confiando nele achou melhor mandar uma mensagem para Cintia. Por ser empresária ela provavelmente ficava de olho no telefone a todo momento, diferente de seu pai que era apenas um professor de história do Estado. Se pegou pensando em como o destino uniu os dois. Nunca chegou a perguntar como haviam se conhecido.
Deixou o celular na bancada e finalizou a comida. Aproveitou para chamar as amigas que esperavam no outro cômodo e pôs a mesa.
Distraída enquanto pegava os copos no armário, Karina acabou não percebendo seu celular tocando.
— Karina, tem alguém te ligando! — disse Alice, apontando para o visor do celular na bancada.
— Oi Cintia. Aconteceu algo?... Sim, meu pai disse que ia sair com você... Como?.... Ele não apareceu?... Ma-mas ele saiu daqui. Eu vi... Tudo bem, tô te esperando.
Meghan e Alice observaram curiosas e tensas Karina terminar a ligação. Ela então se sentou aparentemente desolada na cadeira e parou encarando a parede por alguns segundos, como se estivesse em transe. Colocou o celular na mesa e começou a roer as unhas.
— Karina — perguntou Meghan. — O que houve?
— Meu pai não apareceu no restaurante. E ele não respondeu às minhas mensagens e...
Alice puxou uma cadeira do lado da amiga, sem saber ao certo como agir.
— Não fica desesperada. — Tentou convencer ela que estava tudo bem — De repente o carro quebrou e ele tá sem bateria. — Concluiu, por fim.
— Vamos esperar sua irmã e a Cíntia chegar — disse Meghan, mais centrada. — Aí a gente vai atrás dele.
Karina não ficou convencida. Alice e Meghan tornaram a se encarar.
— Tenta ligar pra ele então. — sugeriu Alice.
Ela digitou o número de seu pai no telefone fixo da cozinha. Sua respiração estava pesada, à medida que seu coração acelerava, acometida pela possibilidade de algo horrível ter acontecido.
— Caixa postal. Só dá a merda da caixa postal.
— Não se desespera. — disse Meghan. — Vamos ligar pra Sheila e pedir ajuda. Fica calma. Provavelmente não aconteceu nada, senão ele teria te ligado no mesmo instante.
— Pode sim, eu devo estar paranoica.
Tentaram jantar enquanto a cada cinco minutos Karina olhava a tela de mensagens, permanecendo calada até a chegada de Sheila. Meghan e Alice tentaram alegrar a garota, dizendo que nada havia acontecido e que Roger apareceria sã e salvo, pois era o que realmente acreditavam.
[...]
O bar do restaurante tocava uma suave e cativante música de jazz. O barman preparava uma caipirinha para Cintia, que de vez em quando batia seu salto no chão do local no ritmo da música. A ruiva segurava sua bolsa firmemente no colo enquanto observava as mesas. Famílias e casais de todos os tipos preenchiam o luxuoso restaurante, enquanto Cintia estava isolada no bar, tendo sua única companhia o barman e uma mulher bêbada que chorava algumas cadeiras ao seu lado.
Desde que ligara para Karina, a cabeça da mulher palpitava num ritmo acelerado. Roger tinha suas peculiaridades, mas não costumava se atrasar, não sem avisá-la. Algo havia acontecido, era um fato. Entretanto, nem se importou em ligar para o homem, pensando ser apenas algo isolado, como a bateria do celular ter pifado de vez. Dias antes havia insistido para trocar. Ato em vão, por sinal.
Pegou a caipirinha, virando-a em um único gole. A garganta da mulher ardeu, e uma tontura momentânea se instaurou em seu corpo. Aquela era a quarta ou a quinta dose, não conseguia lembrar. Beber nunca foi o forte da mulher, mas naquele dia sentiu uma imensa necessidade de ingerir um pouco de álcool.
Deixou o dinheiro no balcão e saiu andando.
[...]
O som convencional de uma ligação encerrada cintilava no ouvido de Bruno Albuquerque, que há cinco minutos não tinha coragem de guardar o celular em seu bolso, como se ficar naquela posição fosse apagar suas recentes memórias, ou parar o tempo. A perna começava a falhar, a garganta estava trancada e o estômago do adolescente começava a fervilhar, ameaçando pôr pra fora tudo o que havia comido nas últimas horas.
Andava tão distraído que não sentiu a aproximação repentina de Otávio Garcia atrás de si. O adolescente pedalava tão rápido em sua bicicleta que não notou o semblante destruído de Bruno. Otávio, sempre isolado e excluído da sala, muitas vezes fora alvo de piadas de Bruno, que insistia em caçoar do jeito introvertido do garoto, que na maioria das vezes entrava na brincadeira, mesmo que por dentro se sentisse abalado.
— Oi Bruninho — Desceu da bicicleta e colocou-a ao lado do corpo, enquanto alcançava o adolescente. Ao ver o semblante arrasado de Bruno, instantaneamente tentou cortar o assunto, pensando ser muita grosseria sair de perto também.
— Otávio — suspirou Bruno, enquanto colocava o celular no bolso, não se importando de o adolescente ver seu estado deprimente. — Tudo bem?
Na escola, Bruno possuía uma fama tão grande de ser arrogante e não dar a mínima para os sentimentos dos outros que Otávio ficou verdadeiramente surpreso ao ver ele se importar, mesmo que as palavras do adolescente soassem como uma resposta automática.
— Olha, eu tô bem cara. Só não posso dizer o mesmo de você. Aconteceu algo? — deitou a bicicleta na sarjeta, colocando as mãos na cintura, aguardando a resposta do outro ali presente.
Bruno sentiu o corpo tremer ao lembrar dos acontecimentos recentes. Tentou segurar uma lágrima, não conseguindo impedir a tremedeira. Caiu de joelhos no chão, e sem ter mais forças para conter a emoção, começou a chorar ali mesmo.
— Cara, é... Vem aqui, chorar no meio da rua não vai ajudar muito. — Delicadamente, Otávio pegou o braço de Bruno, o passando por cima de seu ombro. Levou o garoto até onde sua bicicleta estava, o colocando sentado na calçada. Era algo inacreditável ver Bruno Albuquerque naquele estado. Otávio havia conhecido os pais do garoto durante uma confraternização do hospital, da qual Cintia havia sido convidada, por ser muito próxima do diretor de atividades humanas. Roberta e Flávio eram um casal imensamente poderosos, e não apenas por serem podres de ricos, mas sim por passarem uma imagem extremamente confiante, atitude que o filho provavelmente herdou dos dois. Pelo menos era o que parecia, até aquele momento.
— Eu ferrei tudo Otávio, eu fodi tudo! — as lágrimas desciam incansavelmente e o soluço do adolescente podia ser ouvido há metros de distância.
— O que houve? Tá a fim de conversar, cara? Sei lá, é... Posso ajudar com algo?
— Me tira daqui! Eu não posso chegar em casa nesse estado, meus pais vão surtar, e eu não posso falar nada do que aconteceu! — Bruno já estava mais calmo, sua respiração voltou ao normal e um alívio momentâneo foi sentido.
Otávio pensou um pouco, e mesmo com uma possível represália de Cintia, disse:
— Vamos lá pra casa.
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