7 - Equalizando
(Eu amoo essa música)
"E eu acho que eu gosto mesmo de você
Bem do jeito que você é
Eu vou equalizar você
Numa frequência que só a gente sabe
Eu te transformei nessa canção
Pra poder te gravar em mim"
Pitty - Equalize
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"Equalizar está relacionado ao ato de ajustar, equilibrar ou harmonizar algo, especialmente no contexto do som e da música."
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QUARTA FEIRA DE TARDE:
Ok, Delfina tinha sentimentos. Muitos deles. E Cornélio não sabia o que fazer ao vê-la chorando daquela forma, com os olhos vermelhos e em silêncio.
Não era esse o conceito que tinha dela, e a cada minuto que passavam juntos descobria algo novo. Mas isso, essa parte frágil, foi a que mais o surpreendeu.
Já fazia algum tempo desde que ela revelou sobre sua irmã falecida e Cornélio ainda não tinha dito nada. Porém, sabia que deveria dizer, deveria ser gentil, quem sabe pudesse realmente ajudá-la a perceber que ser gentil era bom. Talvez ela se desse conta de que precisava de bondade em sua vida.
Coçou a garganta e pediu, em um gesto de compaixão:
— Me conta mais sobre ela.
Delfina fungou e olhou para ele, desconhecendo o sentimento que surgiu em seu peito ao ouvi-lo. Alívio, talvez?
Não queria se importar com isso, só precisava colocar para fora.
— O nome dela era Janice, ela era três anos mais velha do que eu. Tinha leucemia, morreu com quinze anos — Delfina revelou e Cornélio ficou chocado. — A Janice foi a melhor pessoa que eu conheci na minha vida, não que eu tenha conhecido muitas, mas eu sei que nunca vou conhecer ninguém melhor.
Ele continuou em silêncio, enquanto suavemente se balançava, olhando para o chão, sem ter coragem de olhar para ela tão vulnerável, porque talvez ele começasse a chorar.
A história estava só no começo e ele já se encontrava emocionado.
— Desde que éramos pequenas, de hospital em hospital, a Janice nunca demonstrava tristeza ou fraqueza, ela só queria que a gente ficasse bem. Aí ela ficava me contando histórias, falando sobre sonhos bonitos e de como eu deveria me esforçar ao máximo para realizá-los e eu só conseguia pensar que nada faria sentido se ela não estivesse aqui.
Memórias e mais memórias estavam sendo repassadas na mente de Delfina e seu peito se apertava cada vez mais. A saudade só aumentava, ainda mais naquela semana em específico.
— Na sexta-feira vai fazer cinco anos que ela morreu e eu, eu sinto a falta dela todo maldito dia, porque ela me fazia ser um pessoa melhor.
Continuaram em silêncio por alguns instantes e Delfina já tinha parado de chorar, se sentia bem só por ter alguém com quem falar sobre Janice.
— Foi ela quem te ensinou a cantar?
Ela sorriu, gostando das memórias envoltas nesse assunto.
— Janice falava que as pessoas são como músicas. Com ritmos diferentes, histórias diferentes, gêneros diferentes, e que algumas sintonizavam umas com as outras, mas que nem sempre as músicas combinam. São muito distintas.
Cornélio se impressionou, isso era lindo. Finalmente olhou para Delfina e seu coração se aqueceu um pouco ao perceber que agora ela estava perdida em lembranças felizes.
— A cada vez que eu ia no hospital, ela me mostrava suas músicas favoritas da semana, depois ela cantava para mim. Não era uma voz bonita, mas eu gostava porque quem cantava era a Janice e parecia que estávamos em sintonia o tempo todo. Depois comecei a cantar também, e foi ela quem me disse pela primeira vez que a minha voz era bonita e que eu tinha a música nas minhas veias. Eu me acalmava sabe? Quando a gente cantava juntas, sentia uma coisa boa dentro do peito, todo o caos dentro de mim sumia.
Ele apenas concordou com a cabeça, porque isso era exatamente o que sentia quando colocava seu fone de ouvido e cantava, se esquecendo do mundo. Criando um universo só seu que era explicado em letras e acordes.
— Na semana que ela morreu, a Janice me deixou uma lista com as músicas favoritas dela, e no final, ela escreveu pra mim "você é a minha música favorita".
Só de pensar nisso, Delfina voltou a chorar. Sentia tanta, tanta saudade e não sabia o que fazer com esse sentimento que dilacerava todo o seu interior.
Cornélio não sabia o que dizer, como iria consolar ela? Quais palavras poderia dizer para fazê-la se sentir melhor ao perder a pessoa que disse que Delfina era sua música favorita?
A única coisa que conseguiu pensar em fazer foi se levantar e puxá-la para seus braços em um abraço apertado, permitindo que ela chorasse ali.
E como ela chorou!
Mesmo com o sol rachando, mesmo com o ar seco e desconforto do calor emanando de seus corpos, ele continuou ali, fazendo carinho no cabelo dela.
E foi quando lhe faltou lágrimas que Delfina se afastou. Olhou para Cornélio e decidiu que gostava muito dele, e que pela primeira vez desde que sua irmã morreu, gostava muito de alguém.
Não era fácil para ela fazer amizade. Desde pequena passava muito tempo em hospitais ou pensando em ir no hospital e gostava de afastar seus colegas porque sabia que não precisava de mais ninguém além de Janice. Mas quando ela morreu, ficou sozinha. Completamente sozinha.
Foi bem na fase da rebeldia, e seus pais não conseguiam entender seu sofrimento. Acabou afastando eles também. Quando não tinham mais ninguém para visitar e se compadecer, os parentes sumiram. E o único meio de esquecer toda essa merda era cantando as músicas que Janice gostava, ou qualquer outra música.
E claro, importunar seus colegas. Pelo menos fazendo isso ela conseguia se divertir, conseguia imaginar que não tinha problema que ninguém gostasse dela, que não tinha problema ter uma reputação ruim, porque nada mais importava mesmo.
Contudo, ali estava, percebendo que gostava de outra pessoa, que se sentia bem perto de outra pessoa, que talvez, só talvez mesmo, Cornélio pudesse ser seu amigo.
E que talvez, só talvez mesmo, ela precisasse disso.
— Obrigada — falou e apoiou sua cabeça no ombro dele — Por me ouvir, acho que eu precisava disso.
— Por nada. Eu achei linda a história de vocês e sei que se a Janice estivesse viva, gostaria de conhecê-la. Ela realmente foi uma pessoa incrível.
Delfina sorriu e levantou o olhar para o rosto dele, que fez o mesmo.
— Sei que ela também ia gostar de conhecer você. Acho que vocês estariam em sintonia, que o ritmo ia combinar.
Só de pensar nisso, o coração de Cornélio se apertou, se sentindo mal por nunca ter tido a chance de conhecer Janice, de imaginar o tipo de pessoa que ela poderia ter sido.
Mas ele conheceu Delfina, e por mais que fossem pessoas completamente diferentes, de alguma forma, a música combinava. Conversavam entre si sem dizer uma palavra, apenas olhando nos olhos um do outro, com o mesmo pensamento de consonância.
Ele queria dizer algo, queria mesmo. Mas estava com medo, com o coração acelerado. Será que era cedo demais? Será que isso era errado?
Olhou para Delfina mais uma vez, limpou os últimos resquícios de lágrimas dos olhos dela e constatou que, em toda a sua vida, pensou que estivesse sozinho, que deveria esconder o que sentia para não magoar os outros, que apenas a música o entendia.
Com ela, mesmo após três dias, foi ele mesmo. Se expressou, se identificou, cantou e se divertiu. Não se sentiu sozinho ou vazio em nenhum momento.
E ele precisava falar isso pra ela.
— Sabe Delfina, acho que o nosso ritmo combina também — confessou enquanto olhava dentro dos olhos dela.
Viu um brilho diferente surgir ali e um sorriso abrir nos lábios dela, não era de deboche ou presunção, parecia algo como felicidade.
— Nós estamos nos equalizando, Cornélio — ela completou.
Ambos sorriram outra vez. Apesar das lágrimas, das faltas, do abandono e da dor, estavam se encontrando, se ajudando e se permitindo. Ditando promessas um para o outro em silêncio, esperando que tivessem tempo o suficiente para cumpri-las, que o sentimento bom permanecesse.
Que a música tocasse repetidas vezes, porque não se cansariam.
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Oiê! 😎
Enquanto estava revisando esse capítulo, me lembrei do epílogo 🥺
Eu nem terminei de escrever os capítulos e já escrevi o epílogo kkk que modéstia parte, ficou muito bom!
Ficou muito diferente de todos os finais que geralmente eu gosto de escrever 👀
Mas eu gostei! E espero que você também goste!
E desse capítulo, gostou?
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