Capítulo 7
Não sei por quanto tempo eu dormi. Talvez tenham sido horas, ou somente alguns minutos. O fato é que, com o mesmo cansaço que adormeci, eu acordei. Meu sono, seja lá quanto tempo tenha durado, não foi mais que um mergulho na escuridão. E quando emergi dela, e me recordei do fato de que estava no cativeiro, obedeci ao impulso de verificar a porta – que pelo despencar de minha cabeça para o lado, ficara ligeiramente fora do meu campo de visão. Continuava fechada.
Respirei fundo, tentando ignorar meus medos, e afundei novamente a cabeça no travesseiro. Eu não fazia ideia de que horas eram; talvez fosse ainda muito cedo e eu devesse dormir mais um pouco. Joguei a cabeça pouco mais para o lado oposto da porta, para evitar um leve torcicolo que já começava a me incomodar, e o que vi me fez dar um pulo de susto.
Em algum momento, enquanto eu dormia, o sequestrador havia entrado no quarto, tão silencioso quanto das outras vezes, e agora ele estava deitado ao meu lado na cama, a poucos centímetros do meu corpo, fitando o teto distraidamente.
– Bom dia – disse ele, sem se mover.
Recuei para o mais longe dele possível, sem, no entanto, sair da cama. Principalmente, porque tinha medo de qual seria a reação dele. O que eu menos queria agora era incitar uma perseguição que pudesse tornar os planos dele mais divertidos.
– Dormiu bem? – perguntou, em seguida, ainda sem esboçar o menor movimento.
– Há quanto tempo está aqui? – perguntei, apenas encarando-o, sentada na beira da cama.
– Algumas horas. Gosto de ver você dormir.
– O quê? – Foi uma réplica assustada, e saiu de mim quase sem querer.
Ele sorriu, e então olhou para mim, virando unicamente a cabeça, e sem fazer sequer menção de me tocar.
– Não se preocupe – ele disse, com o olhar divertido –, você não ronca. Na verdade, você fica bem serena. Acho que é o único momento em que você realmente parece tranquila.
Fiquei olhando para ele, desconfiada, ao mesmo tempo com vontade de pular da cama e correr, mas com medo de fazer isso e não ir muito longe.
Ele se virou de lado, de repente, com todo o cuidado para não encurtar a distância entre nós, e ficou de frente para mim, sustentando a cabeça com uma das mãos. Sua expressão era muito tranquila, e até meiga, eu tenho que admitir; mas a pergunta que ele me fez em seguida, deixou-me completamente desconcertada.
– Você tem medo que eu estupre você?
– O quê? – perguntei, chocada, encarando-o, parte com medo, parte com raiva por ele estar falando nisso.
Ele ficou me olhando, sem ameaça nem diversão; como se somente analisasse minha expressão em busca de uma resposta.
– É por isso que ficou assustada quando me viu deitado aqui? – insistiu ele.
Continuei a encará-lo, furiosa, sem me atrever a piscar nem por um instante, atenta e pronta para me defender, ao menor movimento dele. Mas sua expressão era desconcertantemente serena.
De repente ele sorriu.
– Acha que foi para isso que eu te trouxe para cá?
Aquele olhar tranquilo de quem conversa amenidades me deixava cada vez mais incomodada, e fazia meu medo crescer a cada batida acelerada do meu coração assustado. Ou ele era sádico e pervertido, ou louco. Mas eu não queria descobrir qual opção era a verdadeira. Num impulso desesperado, pulei para fora da cama, e comecei a me esgueirar para a porta, sem despregar os olhos dele. Ele se sentou, com toda a calma do mundo, sorrindo para mim o tempo todo. Como ele pode ser tão frio?, eu me perguntei, começando a tatear o espaço, até encontrar a maçaneta da porta.
Para minha infelicidade, estava trancada.
Droga!
Mas é claro que estaria trancada. Aquilo era um cativeiro!
Ele jogou os pés para fora da cama, e cruzou os braços à frente do peito, apenas me observando e sorrindo, provavelmente, adorando o show.
– Está com medo de mim? – insistiu ele, com uma expressão quase de escárnio.
– Me deixa sair daqui... – supliquei, quase sem encontrar a voz.
– Não esquenta. Se eu tivesse essa intenção, já teria feito – garantiu ele, levantando-se e caminhando na minha direção, bem devagar.
Recuei até onde pude, mas de repente meu campo de fuga terminou ao bater as costas numa parede. E ele continuava vindo; ficou a um passo de mim, e pôs as duas mãos na parede, cercando-me de ambos os lados. Engoli seco. Ele umedeceu os lábios.
– Tudo bem – garantiu ele, outra vez. – Abusar de você não está entre os meus planos.
– Por favor, me deixe ir embora? – supliquei outra vez, sibilando.
– Eu não vou deixar você voltar para a casa daquele tirano, se é o que está me pedindo.
– E vai me manter presa aqui pelo resto da vida?
– Eu já disse a você: quando confiar em mim... E eu sei que você vai... Vou te deixar livre para sair desse quarto. E quando eu confiar em você, eu te deixo sair da casa.
– Por que está fazendo isso?
– Porque eu quero ter certeza de que você volta.
Ele esquadrinhou meu rosto bem de perto, e por um momento eu pensei que ele estivesse prestes a me beijar. Eu me encolhi o máximo que pude, e engoli seco, tentando pensar numa maneira rápida de fugir, ou de detê-lo, ou de machucá-lo; qualquer coisa que o mantivesse longe de mim. No entanto, subitamente, ele se afastou. Tirou a chave do bolso, e destrancou a porta com um movimento rápido. Em seguida, apontou a bandeja sobre a mesa de estudos.
– Bon appétit – desejou ele, com um sorriso gentil.
E em seguida saiu do quarto.
Meu coração estava disparado. Eu estava tão assustada com aquela conversa, que deixei meu corpo deslizar junto à parede até o chão, e comecei a chorar. Só o que eu queria era acordar de repente na minha cama, e descobrir que tudo não passara de um pesadelo.
Depois de um tempo, consegui reunir forças para me levantar outra vez, e tomar o café da manhã, engolindo com dificuldade através do nó em minha garganta.
Um pouco mais calma, voltei a vasculhar minha bolsa em busca de algo que pudesse me servir para escapar dali. Quase tudo era inútil, como eu já havia constatado no dia anterior, mas de repente me ocorreu que talvez eu pudesse usar a ponta do espiral da minha agenda para tentar abrir o cadeado.
Usei uma caneta para desprender a ponta virada do espiral, e desfiz duas voltas, esticando o arame para que ficasse mais reto. Então me levantei, e enfiei a pontinha no cadeado. Entrou até com facilidade, porém, por mais que eu forçasse, não conseguia fazê-lo girar a tranca. Retirei o arame do furo, e dobrei a ponta, para tentar lhe dar o formato de uma chave, mas novamente foi inútil: a tranca se recusava a ser enganada e revelar seu segredo para mim. Forcei mais um pouco, desesperada, tentando não fazer barulho no ferro da janela, e então, alguns papéis que estavam entre as páginas da minha agenda começaram a cair. Ignorei-os, a princípio, e insisti em minha tentativa, mas, enfim, acabei por me render, ao ouvir a chave girando na fechadura da porta.
Empurrei a bolsa para o lado com o pé e sentei depressa na cadeira, pousando a agenda aberta no colo, tendo o cuidado de manter a ponta desenrolada do arame escondida sob minha mão. Fingi que conferia minhas anotações, embora não houvesse mais do que os valores das minhas contas do mês de março discriminados na página.
O sequestrador entrou, assobiando – era minha música favorita do Bon Jovi? –, trazendo o meu almoço. Olhou para mim tranquilamente e sorriu, enquanto recolhia a louça do café da manhã. Já estava se virando para sair quando seus olhos se prenderam em minhas pernas. Não havia expressão em seu rosto, mas ainda assim, não pude deixar de sentir uma pontada de terror ao vê-lo se aproximar e se abaixar diante de mim, esticando a mão em minha direção.
Sei que o meu rosto se transfigurou em horror, ao mesmo tempo em que tentei recolher minhas pernas para evitar que ele me tocasse. Mas não me tocou. Seu braço se esticou por baixo da cadeira, e seu rosto de perfil ficou a um centímetro dos meus joelhos. Em seguida, ele se endireitou, puxando algo de baixo da cadeira em sua mão. Ele encarou o pedaço de papel cortado que apanhara, e o canto de seu lábio se repuxou num sorriso. Em seguida, estreitou as sobrancelhas, encarando mais firmemente o papel. Seu olhar parecia confuso. E como percebesse que eu o encarava, deu um suspiro pesado, entregou-me a meia foto que tinha apanhado debaixo da minha cadeira, e saiu, sem nada comentar.
Esperei até que ele tivesse saído para ver o que o tinha deixado tão intrigado naquela foto. Chiara e eu estávamos sentadas numa mesa de bar – parecia o barzinho que ficava a quatro quarteirões da faculdade, mas o plano de fundo estava pequeno demais para que eu tivesse certeza. Ambas sorríamos para a câmera, com as mãos apoiadas no tampo da mesa. Realmente, não parecia nada demais, exceto que eu não me lembrava quem havia batido aquela foto – sem dúvida, aquela noite também estava entre as minhas lembranças perdidas –, mas supus que tivesse sido o Fernando ou o Leandro.
Eu mesma já havia estado intrigada com aquela foto algumas vezes, desde que a Chiara me deu, algumas semanas depois do acidente; principalmente por ela ter sido cortada ao meio, por estar ligeiramente amassada e com pedaços remendados com fita adesiva. Chiara tinha dito que ela era minha, e que a tinha encontrado no meio de um livro que ela havia me emprestado e que eu devolvera pouco antes do acidente. Tinha uma pequena dedicatória escrita no verso: "Sarah, o meu amor se renova cada vez que eu vejo esse sorriso lindo no seu rosto. Permita-me vê-lo todos os dias da nossa vida! Eternamente...". E mais nada. Ali a foto fora cortada, e junto com ela o resto da dedicatória; justamente a parte que devia conter a assinatura.
Eu já havia perguntado diversas vezes para Chiara quem escrevera naquela foto, mas ela insistia em dizer que eu é que deveria me lembrar. O problema é que eu não conseguia, por mais que tentasse; mas tinha a vaga ideia de que era a mesma pessoa cuja mão estava segurando a minha, e que fora cortada da foto. Eu não fazia ideia de quem poderia ser o dono daquela mão, mas desconfiava que, se eu o havia cortado da foto, e tentado rasgá-la, era porque, provavelmente, não queria me lembrar dele.
Guardei a foto de novo dentro da agenda, e coloquei-a de lado, em cima da bolsa no chão, para dar espaço no meu colo para o prato de comida. Comi devagar, mal discernindo o gosto das coisas. Não que estivesse ruim. O problema era que eu tinha a sensação de que a qualquer momento aquela porta iria se abrir, a gentileza do sequestrador iria acabar, e o meu pesadelo iria realmente começar. Tentava a todo custo afastar esse pensamento, mas era inevitável. Cada vez que eu ouvia o mínimo movimento do lado de fora, meu coração acelerava, e meu corpo inteiro se retesava, preparando-se para lutar.
Durante todo aquele dia, remoí a conversa que tivemos naquela manhã. Eu sei que é loucura, e que o meu cérebro provavelmente estava tentando fabricar provas para me manter tranquila, mas as palavras do sequestrador, sobre não ter intenção de me tocar, pareciam sinceras. Ainda assim, eu não seria louca a ponto de baixar completamente a guarda.
Mais ou menos no meio da tarde, tudo ficou muito quieto do lado de fora do quarto. Antes eu conseguia ouvir vozes muito baixas, e vez ou outra, uma porta abrindo ou fechando, e os passos de alguém andando pela casa. Mas naquele momento, o mais absoluto silêncio reinava lá fora.
Grudei o ouvido na porta por alguns minutos, esforçando-me para escutar qualquer coisa que denunciasse a presença de alguém do outro lado, mas não ouvi nada. Recuei até a beira da cama, e espiei a fresta debaixo da porta, e nenhuma sombra aparecia diante dela.
Esperei mais alguns minutos, sem desgrudar os olhos daquela fresta, e depois me aproximei novamente para escutar, com o ouvido colado à porta. Nada, outra vez; apenas silêncio. Deduzi, então, que o sequestrador – ou sequestradores – não estavam na casa.
Esta conclusão me animou a arquitetar mais um plano de fuga. É claro que eu não podia descartar a hipótese de que houvesse alguém vigiando do lado de fora da casa, mas talvez eu não tivesse outra chance como aquela. Com um pouco de sorte, o vigia estaria montando guarda na porta da frente, e, se eu me recordava bem, a janela do quarto onde eu estava confinada não ficava do mesmo lado. Se conseguisse abri-la, talvez eu pudesse sair sem ser vista, e ganhar alguma distância antes que alguém notasse minha fuga.
A questão era: como abrir a janela? Eu já havia esgotado todas as possibilidades em que tinha conseguido pensar para tentar abrir o cadeado. Mas, talvez, sozinha na casa, podendo fazer um pouco mais de barulho, eu pudesse quebrar a janela, arremessando alguma coisa pesada contra ela. Mas o quê? Tudo ali parecia pesado demais para eu levantar. Por outro lado, o peso também poderia ser usado como alavanca: se eu conseguisse pegar impulso com os dois braços, a velocidade faria o peso do que quer que fosse se ampliar ao bater contra a janela, mas diminuir em minhas mãos. Qualquer coisa ali poderia literalmente voar contra a janela lacrada. Isto é, se eu tivesse força o bastante para tirar o que quer que fosse do chão.
Mas a verdade é que a única coisa que eu tinha certeza de que poderia levantar era a cadeira onde tinha estado sentada a maior parte do tempo. Tive que parar um momento e refletir. Eu só teria uma chance de arremessá-la. Se desse certo, liberdade! Se não, eu nem queria imaginar qual poderia ser a reação daquele homem quando descobrisse a cadeira quebrada...
Resoluta, convenci-me de que não havia tempo a perder, nem o que pensar. Era minha única chance. Então, peguei a cadeira pelo espaldar com as duas mãos, e fiquei diante da janela na melhor posição que consegui encontrar para acertar a cadeira bem no meio entre as duas folhas. Ergui-a do chão, dei um impulso jogando-a para trás, e joguei os braços com toda força para frente, rápido o bastante para não conseguir me deter pelo fato de a cadeira ter sumido de minhas mãos.
– Estou curioso: depois de quebrar esta janela, o que pretendia? Acampar na floresta? – perguntou o sequestrador, atrás de mim, segurando a cadeira com as duas mãos, como se ela não tivesse absolutamente peso algum.
Meus olhos se arregalaram, enquanto eu o encarava, me perguntando como foi que ele entrou no quarto sem que eu ouvisse nada, nem mesmo a chave girando no miolo da fechadura? Talvez fosse a adrenalina correndo no meu sangue, que tivesse tornado o ruído imperceptível, mas, seja lá como for, ser apanhada no flagra daquela maneira fez transbordar todo o pânico que eu havia reprimido até então.
Ele repousou a cadeira novamente no chão, e tomou uma de minhas mãos, arrastando-me até a janela. Não me segurava particularmente com força, mas seu aperto era firme, sua mão era macia, e ele parecia estar se esforçando para ser delicado. Ergueu minha mão, e usou os nós dos meus dedos para dar batidinhas na janela.
– Percebe isso? – perguntou ele. – É aço! Não vai estourar, mesmo que você arremesse a cama nela!
Ele sorriu, soltando minha mão, e me deu as costas. Eu o olhava, apavorada, já procurando um caminho para correr para longe dele, quando, como para provar o que me dizia, ele mesmo tirou a cadeira do chão e se arremessou com ela com toda força contra a janela, exatamente como eu pretendia fazer. Eu somente tive tempo de sair de seu caminho, antes de a cadeira se fazer em pedaços contra o aço impenetrável.
– Viu o que eu disse? – zombou ele, contemplando sua obra. Apesar do estrondo, a janela sequer estremecera.
Então ele se voltou para mim, caminhando com a mesma expressão tranquila daquela manhã, fazendo-me recuar, até perder o equilíbrio e cair direto contra o colchão. Ele não se deteve desta vez, apoiou um joelho ao meu lado na cama, e cercou-me com as duas mãos no colchão, como fizera naquela manhã quando me encurralara contra a parede. O rosto dele estava a um centímetro do meu agora, e ele me olhava intensamente.
– Tudo seria tão mais fácil se você se lembrasse... – murmurou ele, esquadrinhando meu rosto, com uma expressão torturada. Seu hálito de hortelã soprava no meu rosto, deixando-me ao mesmo tempo incomodada e perturbada.
– Se eu me lembrasse do quê? – perguntei, mal encontrando a voz, o medo dominando cada membro do meu corpo.
Ele hesitou, respirando fundo. Meu olhar era de puro pânico, e o dele só se afastou dos meus olhos ao sentir que eu colocara a mão em seu peito, tentando impedir sua aproximação. Ele baixou os olhos para a minha mão, segurou-a um instante, acariciando gentilmente com o polegar, e respirou fundo, jogando-se de costas na cama, ao meu lado. Ele ficou encarando o teto, segurando minha mão ainda junto ao peito. Pôs o outro braço atrás da cabeça e ficou muito quieto, com uma expressão extremamente desanimada.
Eu não conseguia tirar os olhos de seu rosto, e lutava para disfarçar o desespero por ele ainda estar segurando minha mão.
– Já disse que não vou tocar em você – murmurou ele, como se lesse meus pensamentos.
Respirei fundo, tentando me acalmar – ou, ao menos, tentando parecer calma –, e me esforçando para acreditar nele. Comecei, de repente, a ponderar que, o que ele disse que queria para me deixar sair do quarto era que eu confiasse nele; pois bem, eu podia fazer um esforço. "Ganhe a liberdade do quarto, e para ganhar a da casa é só mais um passo", eu disse a mim mesma, em pensamento.
Ele virou a cabeça para mim, e ficou olhando nos meus olhos por um longo tempo. Talvez seus pensamentos voassem longe, ou talvez não pensasse em nada. De repente, ele se levantou e saiu do quarto, fechando a porta atrás de si.
Depois que ele saiu, fiquei algum tempo sentada na beira da cama, fitando os destroços da cadeira espalhados no chão perto da janela, com desalento. Por um lado, a reação do sequestrador ao flagrar minha tentativa bizarra de fuga me deixava aliviada; afinal, ele não me agredira. Por outro lado, eu sabia que aquela havia sido minha primeira e última tentativa de fugir do cativeiro, pois eu não acreditava que fosse receber o mesmo tratamento se fosse flagrada uma segunda vez.
E não bastasse meu fracasso na fuga, ainda perdera a cadeira em que podia me sentar no canto mais distante da porta, de onde podia vigiá-la o dia todo. Restava-me agora ficar sentada na cama, na ponta mais próxima da janela, de onde eu esperava poder saltar e correr, caso fosse necessário.
Passadas poucas horas, um incômodo crescente, que eu tentara ignorar o dia todo, começou a se tornar insuportável: eu precisava de um banho! Sei que devia ser a minha mente alucinando, mas eu começava a sentir um cheiro ruim na minha pele, e, além disso, me sentia terrivelmente suja. E apesar de o sequestrador ter dito que eu podia usar as roupas que estavam no armário, e que podia me banhar quando quisesse, essa ideia me apavorava.
Fui até o banheiro quatro vezes, e conferi minuciosamente cada canto dentro e fora do boxe, do chão até o teto, procurando qualquer vestígio de uma câmera, por menor que fosse. Claro que não vi nada que parecesse suspeito, mas ainda assim, não queria me arriscar. Além disso, mesmo o banheiro ficando dentro do quarto, e podendo trancar a porta, eu não conseguia me sentir segura. As paredes daquela casa decerto não seriam grossas o suficiente para que ele não ouvisse o chuveiro, e isso me inquietava demais, porque ele ouviria assim que eu girasse o registro. Eu não confiava na tranca da porta; e se fosse vencida, bastava apenas um puxão para abrir o boxe.
Eu pensei e repensei durante horas, inventando mil maneiras de me lavar sem que ele soubesse. Pensei em esquecer o chuveiro, e usar a pia do lavatório. Provavelmente faria uma bagunça horrorosa, mas ao menos, o sequestrador não ouviria – não se eu abrisse a torneira devagar, apenas o suficiente para que descessem pequenos fios de água.
Depois percebi que não daria certo. Se tentasse me lavar no lavatório, eu acabaria me expondo ainda mais, pois ainda não me sentia segura sobre a inexistência de uma câmera escondida no banheiro, e eu não teria como transportar a água por muito tempo na palma da mão.
Após uma longa deliberação, decidi me arriscar. Fui até o armário e escolhi uma camiseta preta e uma calça de pijama cinza, folgada nas pernas. Percebi, inspecionando rapidamente as roupas, que nenhuma delas era curta ou decotada. As roupas de baixo também eram simples e confortáveis, nada ousado. O sequestrador parecia querer assegurar e reafirmar o tempo todo que minha presença ali não tinha qualquer relação com sexo. Mas esta conclusão não era suficiente para me fazer baixar a guarda. Eu não tinha como ignorar a situação em que me encontrava.
Apanhei também um roupão, e me dirigi ao banheiro, trancando a porta atrás de mim. Esperei cerca de dez minutos, com os ouvidos bem abertos a qualquer movimentação do lado de fora. E como nada aconteceu, pendurei as roupas limpas num gancho atrás da porta, e me fechei no boxe, vestida com as roupas que usava desde que saíra de casa no sábado para ir ao shopping.
Abri o registro. O som da água correndo pelo cano e em seguida caindo em pequenas gotas pelo chuveiro, misturado às batidas descompassadas do meu coração, pareceu ensurdecedor. Olhei novamente para a porta – ou melhor, encarei o vidro do boxe fechado, tentando enxergar através da textura embaçada a escura porta de madeira do banheiro. Nada. Nenhum movimento.
Avancei, então, um passo, decidida a acabar com isso o mais rápido possível, e me enfiei embaixo do chuveiro, completamente vestida.
Não lavei o cabelo. Queria sair rápido dali. Enfiei as mãos com o sabonete por dentro das minhas roupas, e tentei ser mais rápida e eficiente possível, rezando em silêncio para que todas as minhas paranoias não tivessem fundamento. Em seguida, deixei a água correr sobre mim e sobre as minhas roupas, enxaguando o sabonete da minha pele. Apesar de funcional, não foi o melhor banho da minha vida; a água quente não conseguiu me fazer relaxar. Mas, pelo menos, agora eu me sentia limpa.
Fechei o chuveiro, e coloquei o roupão em torno dos ombros, fechando-o em volta da minha cintura, deixando meio frouxo. Usei meu elástico de cabelo para amarrar as pontas, prendendo-o em volta do pescoço, de modo que não abrisse com os meus movimentos. Em seguida, olhei mais uma vez ao meu redor, tentando me certificar de que não havia nenhuma câmera. Não sei se alguma vez me senti completamente segura de que não havia, mas sei, com certeza, que, naquele momento, não senti segurança alguma. Percebendo, porém, a urgência de me livrar das roupas molhadas e fedorentas, respirei fundo, e comecei a me despir debaixo do roupão, sempre tendo o cuidado de mantê-lo fechado.
Senti como se estivesse no Big Brother, sendo forçada a me trocar debaixo de um edredom; com a diferença de que o que eu tinha em volta de mim não era um edredom, mas apenas um roupão – um roupão comprido, verdade seja dita. Por um momento me senti grata por aquele pedaço de tecido atoalhado, como se ele tivesse sido deixado ali por algum anjo caridoso e consciente da minha paranoia. Aliás, uma paranoia que me assombrava desde a primeira vez que me vi forçada a usar aquele banheiro. Eu tinha criado o sistema de me cobrir com uma toalha para urinar, evitando expor qualquer parte do meu corpo. Eu só não tinha como me assegurar de que não havia nenhuma câmera dentro do vaso, mas estava evitando pensar nisso. Seria doentio demais. E a imagem de um pervertido, embora a mais plausível naquelas circunstâncias, era a que menos parecia se encaixar ou combinar com aquele homem. Mas é claro que eu não podia descartar que houvesse outros homens nos arredores daquele quarto, mais pervertidos do que ele.
Depois de substituir as roupas molhadas pelas secas, pendurei o roupão e as roupas molhadas no boxe, usando a blusa para esconder as roupas íntimas molhadas. Por mais que isso pareça ridículo, afinal, talvez o sequestrador jamais olhasse para dentro daquele banheiro, eu não queria deixar aquelas peças à vista.
Destranquei a porta devagar, ainda com o coração batendo forte no peito, e lentamente saí do banheiro. E então, meu coração acelerou ainda mais, chegando ao ponto de quase começar a subir pela garganta, tão rápido ele batia. O sequestrador estava deitado na cama, com uma postura completamente relaxada. Tinha um livro nas mãos e parecia realmente compenetrado na leitura.
Por um segundo, uma pontada de alívio me invadiu. "Acho que não tem câmera no chuveiro, afinal", pensei, mas aquela conclusão me pareceu irracional. "Ou talvez seja apenas um truque para que eu confie nele". Pois, evidentemente, eu não desconsiderava que os cúmplices dele poderiam estar lá fora, diante de algum monitor, se divertindo muito à custa da minha paranoia, e do meu "banho Big Brother".
Assim que deu pela minha presença, e sem me lançar nem um mínimo olhar de esguelha, o sequestrador começou a ler em voz alta e cadenciada, sem jamais tirar os olhos do livro.
– "Quando me viu à entrada da sala, já eu ali estava havia alguns minutos, a observá-la. Comparei a sua atitude com a das outras moças aqui presentes. Todas elas tinham estampada no rosto a mesma expressão, uma expressão muito diferente da que notei no seu. A senhora deixa transparecer na face tudo o que lhe vai no pensamento. Não foi amor à Causa, nem interesse pelo hospital que li na sua fisionomia, mas sim o desejo de dançar, a necessidade de se divertir e o desespero de não poder sair daqui. Vamos, seja sincera e confesse que tenho razão".
E alterou a voz para um tom ligeiramente agudo, como se tentasse imitar uma voz de mulher, ao prosseguir:
– "Não lhe direi nem mais uma palavra, capitão Butler – replicou ela, o mais cerimoniosamente que pôde, tentando envolver-se nos farrapos de dignidade que ainda lhe restavam. – A sua fama de 'herói do bloqueio' não lhe dá direito a insultar senhoras".
Então, subitamente, ele parou, erguendo apenas os olhos para mim, sem, todavia, mover sequer o pescoço. Seu olhar me fitava, meio de lado, e, a julgar pela expressão em seu rosto, parecia esperar pela minha reação, sem, na verdade, me inquirir nada. Talvez avaliasse se eu reconhecia as palavras, ou se eu tentava descobrir se havia naquele trecho alguma ideia implícita que me provocasse qualquer reação.
E, na verdade, eu reconhecia o trecho que ele acabara de ler: era um diálogo entre Scarlett O'Hara e Rhett Butler, durante a festa beneficente em favor dos hospitais que atendiam os militares de Atlanta durante a Guerra de Secessão americana, na segunda parte de E O Vento Levou. Ironicamente, um dos meus livros favoritos; e aquele trecho que ele estava lendo, por acaso, também era um dos meus favoritos na história.
– Já leu? – indagou ele, sorrindo suavemente. – Imagino que sim, você parece uma garota inteligente. – E ergueu o livro, com a capa voltada para mim, um de seus dedos enfiado entre as páginas, marcando aquela em que parara a leitura. Era a mesma capa antiga em que Clarke Gable apanhava Vivien Leigh pela cintura, e ela o olhava com uma atração mal disfarçada em orgulho, que eu vira na livraria no dia em que vi o sequestrador pela primeira vez. – Margaret Mitchell; um clássico.
– Sim, eu já li – respondi, decidindo que era melhor tentar acabar com a tensão entre nós, já que estava claro que ele não planejava me libertar tão cedo. Se já tinha feito contato com a minha família, não me deixou saber; não pediu que eu chorasse ao telefone, como seria natural, para provar que estou viva e poder pedir mais dinheiro, aproveitando-se do desespero e do sofrimento deles.
Ele pousou o livro no colo, e me fitou suavemente. Eu permanecia em pé, parada junto à porta do banheiro.
– Pode se aproximar – disse ele, gentilmente –, já deixei claro que não precisa ter medo.
Mas minha tranquilidade acabaria se desse qualquer passo na direção da cama. Foi então que vi a cadeira que ele tinha posto diante da mesa de estudos, no lugar daquela que havia destruído contra a janela. Os destroços da outra haviam sido removidos enquanto eu me banhava. O jantar também estava ali, sobre a mesa de estudos, mas eu estava sem apetite. Respirei fundo, dando-lhe um olhar breve, atravessei o quarto, e me sentei na cadeira, virando-a um pouco para ficar de frente para a cama; de frente para ele.
– Tudo bem... – murmurou ele, dando um longo suspiro, e sentando-se na cama, tendo o cuidado de manter os pés com os sapatos fora do colchão. Ele se recostou contra os travesseiros na cabeceira da cama, e ficou olhando para mim, com o livro fechado no colo, um dedo ainda marcando a página onde tinha parado. – Olha, Sarah, eu não estou feliz com o progresso que estamos fazendo aqui. Acredito que tenha começado do jeito errado, então, vamos tentar recomeçar, ok? Meu nome é Enzo. Esse é meu nome, mesmo; não é um codinome que eu estou inventando para que a polícia tenha dificuldade para descobrir quem eu sou quando você sair daqui. Sou formado em filosofia pela Universidade de São Paulo. Dou aulas – ou melhor, dava aulas – desta mesma disciplina na Universidade São Francisco, e antes disso, na PUC. Cresci no Parque das Nações, em Santo André. Tenho um irmão e uma irmã mais velhos. Nunca fui particularmente bom em nenhum esporte, exceto natação. Também lutei boxe por algum tempo, mas você não precisa ficar preocupada, porque eu não pretendo bater em você, nem se você me pedisse. – Ele deu uma risadinha, mas pareceu se arrepender logo em seguida, ao ver o medo retornar aos meus olhos. – Nunca toquei em mulher nenhuma contra a vontade dela, e pode estar certa de que não vou fazer isso com você, também. Gosto de bons livros, boa música, lugares calmos, vinho tinto... e de você. Isso é tudo o que precisa saber sobre mim, por enquanto.
Então ele se levantou, colocou o livro no meu travesseiro e começou a caminhar para a porta.
– Ah, e mais uma coisa... – disse ele, detendo-se e voltando-se para mim outra vez. – Essa casa é minha. Se quiser me colocar em cana quando sair daqui, basta dar o endereço à polícia. A escritura está no meu nome.
Dito isso, ele saiu do quarto e trancou a porta. Mas aquela conversa me deixou confusa. Por que ele estava me contando tudo isso? Ele queria ser preso quando meu cativeiro terminasse? Ou ele era tão presunçoso a ponto de ter certeza de que eu nunca conseguiria sair dali? Presunçoso, ou...
Naquele exato minuto, meu coração congelou no peito, e eu não sei quanto tempo se passou até que eu voltasse a respirar normalmente, porque a hipótese que me ocorreu a seguir dava luz aos meus piores pesadelos. Talvez ele não fosse simplesmente presunçoso. Talvez o que ele estivesse me dizendo nas entrelinhas, disfarçado em cordialidades e gentilezas, era que não fazia diferença eu saber quem ele era ou onde estávamos, porque eu não sairia viva do cativeiro.
Não sei quanto tempo demorei para retornar à cama, só sei que se passou um longo tempo desde que ele saíra do quarto. Quando finalmente o fiz, percebi que o perfume amadeirado que ele usava ficara impregnado nos lençóis. Peguei o livro que ele deixara sobre o travesseiro. E o Vento Levou... Um livro que eu já tinha lido pelo menos cinco vezes, e que adorava do início ao fim. Naquele momento sentia-me exatamente como Scarlett O'Hara. Eu precisava ser forte como ela. Scarlett suportou tudo, perdeu tudo o que amava, mas nunca perdeu a confiança em si mesma. E principalmente, nunca perdeu a esperança, nem o otimismo.
– Amanhã será um novo dia – eu disse a mim mesma, tentando pensar como Scarlett.
E adormeci abraçada ao livro.
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