Capítulo 5
Mesmo com o carro em movimento, tentei abrir a porta, mas ele as tinha travado.
– Pare esse carro, por favor, me deixe ir embora! – supliquei, mas ele ignorou, e continuou acelerando, em direção à via expressa. – Para onde você está me levando?
Ele continuou me ignorando, e eu agora esmurrava o vidro, na esperança de que, ainda que eu não conseguisse quebrá-lo, alguém visse meu desespero e chamasse a polícia – o que era pouco provável, pois os vidros do carro dele tinham filme escuro, e com o cair da noite, era praticamente impossível enxergar qualquer coisa através deles pelo lado de fora.
Tateei meus bolsos, mas eu tinha colocado a porcaria do meu celular dentro da bolsa, que ele tinha arrancado de mim quando me jogou dentro do carro.
– Por favor, me deixe sair... – continuei a suplicar.
– Fique calma – disse ele, baixinho, me olhando através do retrovisor. – Eu não vou machucar você.
Mas é claro que eu não acreditava. Eu não conseguia ver direito o rosto dele por causa da sombra do boné e do capuz da jaqueta preta, mas por alguma razão, achei que o conhecia.
– Fique quietinha aí atrás!
O tom dele era firme, mas não exatamente ameaçador; porém, a maneira como ele disse me deixou apreensiva. Fiquei imaginando se ele tinha uma arma no colo, e talvez estivesse pronto a dispará-la a qualquer momento.
Acabei me encolhendo no banco de trás, e tentei prestar atenção no caminho. Ele dirigia a uma velocidade vertiginosa, mudando de pista a todo momento; o balanço do carro já começava a me deixar enjoada, e isso piorou quando ele entrou na rodovia. Vi o velocímetro marcar cento e vinte quilômetros por hora, mas o ponteiro continuava subindo; e o meu almoço também.
Acabei me jogando de lado no banco do carro, torcendo para não vomitar, e rezando para não morrer. Primeiro, porque o carro estava correndo demais; segundo, porque aquilo só podia ser um sequestro, e eu não queria nem pensar no que me aguardava quando aquele veículo finalmente estacionasse.
Demorou quase uma hora, e então percebi que nós saímos da rodovia, e entramos numa estrada de terra, onde o sequestrador teve que diminuir um pouco a velocidade, mas a estrada acidentada aumentou o balanço do carro, e também o meu enjoo.
Quando finalmente estacionou, eu sentia um bolo na garganta, e meu coração batia acelerado e aflito pelo que viria a seguir. Tudo o que eu queria naquele momento era acordar na minha cama, e descobrir que aquilo não passava de um pesadelo.
Nós sempre ouvimos notícias de pessoas sequestradas como algo distante, sem jamais acreditar que possa acontecer com alguém que conhecemos, muito menos conosco. Nossa mente prefere acreditar que o noticiário é ficção, e que, como protagonistas de uma novela pessoal, nenhum mal extremo pode nos suceder.
Admito que eu era assim. E agora me sentia aflita, esmagada pela dura realidade de que ninguém viria em meu socorro na última hora, para me livrar das garras dos bandidos, e evitar que me fizessem qualquer mal. Eu estava entregue à própria sorte, quem sabe a quantos quilômetros das pessoas que me amavam, e sem nenhuma esperança de ser resgatada imediatamente. Pois, mesmo que a Chiara tenha agido rápido ao perceber minha ausência, ou que qualquer outra pessoa tenha visto esse homem me jogando com violência dentro do carro, quem sabe que tipo de barbaridade já terá me acontecido quando alguém finalmente me encontrar?
Subitamente a porta por onde fui arremessada dentro do carro se abriu, e aquele homem agarrou meu braço, puxando-me para fora. Eu lutei, me debati, tentei chutar a cara dele, mas ele se desvencilhou dos meus golpes como se já os previsse, e rapidamente me colocou de pé fora do carro, e começou a me conduzir à força para dentro de uma casa. Estava escuro demais para eu ver onde estávamos, mas percebi que só havia mato do lado de fora. Estávamos isolados no meio do nada. Não restava dúvidas: aquele seria o meu cativeiro.
Continuei a me debater, enquanto ele me arrastava pelo interior da casa, até me lançar dentro de um quarto e fechar a porta.
Comecei a esmurrar a porta, implorando para me deixarem sair, mas ninguém apareceu. De repente me ocorreu que era melhor que ele demorasse a voltar, pois assim eu teria tempo para procurar com que me defender. Se é que havia alguma coisa naquele quarto. Tudo era escuridão ao meu redor. Ouvi os passos dele se afastando, e pouco depois, o som da porta do carro batendo. Em seguida uma chave girando na fechadura. Depois silêncio.
Prendi a respiração – não sei direito por que; talvez com medo –, e comecei a tatear a parede, procurando o interruptor, mas me detive ao ouvir um ruído do lado de fora. Ele estava perto da porta, talvez escutando detrás da madeira. Fiquei bem quieta, e me concentrei em ouvir o som da respiração dele do outro lado. Após quase um minuto daquele silêncio torturante, ouvi o som de uma chave girando na fechadura, e então a porta se escancarou diante de mim.
O vulto do sequestrador deu um passo para dentro do quarto, e eu comecei a recuar devagar. Ele continuou parado na porta, emoldurado pela luz que vinha do outro cômodo, enquanto eu recuava passo a passo na escuridão, até que bati com a parte de trás do joelho em alguma coisa, perdi o equilíbrio e caí no chão.
Então ele esticou o braço para o lado, e acendeu a luz do quarto. Meus olhos se arregalaram, com uma mistura de medo, assombro e incredulidade. Pois o homem que estava parado na porta, a poucos metros de mim, vestindo uma jaqueta preta e um boné para tentar esconder suas feições, o homem que tinha me sequestrado, era o cara da livraria!
Levantei-me depressa, e percebi que tinha tropeçado numa cama. Eu estava realmente num quarto; bem mais comum e espaçoso do que eu teria imaginado. Na verdade, era até um pouco maior do que o quarto que eu tinha na casa dos meus pais.
A visão da cama de casal me encheu de horror, a tal ponto que minha primeira reação foi me afastar dela. Ele não fez o menor movimento. Apenas ficou parado na porta, me observando com uma expressão difícil de interpretar, pois continha tudo – todos os sentimentos e traduções possíveis –, exceto ameaça.
Eu olhava para ele, e nada fazia sentido. Por que aquele homem estava me fazendo isso? Por que sequestrar alguém? Não parecia um criminoso, nem alguém desesperado por dinheiro. Ao contrário, parecia um homem bem resolvido, e eu o tinha visto no restaurante Bonaventura, jantando com aquelas pessoas, como qualquer pessoa normal. E, naquele momento, ele não pareceu ser alguém capaz de cometer um crime hediondo. Mas afinal de contas, qual é a aparência de um criminoso?
– Espero que goste dessas acomodações – disse ele, gentilmente; e não era uma gentileza forçada.
– Por favor, me deixe ir embora – supliquei. – Minha família não tem dinheiro nenhum... Por favor, eu não valho nada para você.
– Não é dinheiro que eu quero – afirmou ele, com tranquilidade.
E ouvir isso me deixou ainda mais apavorada.
– O que você quer, então? – perguntei, mas na verdade, tinha medo de conhecer a resposta.
Ele examinou cada centímetro do meu rosto, e mudou o peso para um dos pés, sem ameaçar qualquer aproximação.
– Você pode não acreditar em mim agora, Sarah, mas eu conheço você – disse o sequestrador, com muita tranquilidade.
– Me conhece? – repeti, com desdém.
– Você estuda psicologia na PUC graças a um financiamento estudantil – começou ele, com o que parecia ser uma lista do que ele sabia sobre mim –; mora com seus pais; não tem muitos amigos, mas é amável com todo mundo... E eu sei que o seu pai não é flor que se cheire.
Arregalei ainda mais os olhos. Há quanto tempo aquele homem estava me observando sem que eu percebesse?
– Aquele homem te maltrata – prosseguiu o sequestrador –, mantém você e sua mãe prisioneiras, coagidas, afastadas do mundo. Já estou farto de ver isso!
– E o que eu sou aqui, senão uma prisioneira? – questionei.
– Vai ser por pouco tempo. Só até você aprender a confiar em mim. Vou deixar você descansar. Quero que se sinta à vontade. Eu sei que você gosta de ler, então, deixei algumas coisas ali para você.
Ele apontou uma mesa de estudos no canto do quarto, perto da janela. Era um desses modelos altos, com uma pequena estante embutida, e estava abastecida com uma boa variedade de livros.
Franzi o cenho, confusa. Mas antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, ele me deixou sozinha, e trancou a porta atrás de si.
Assim que ele saiu, e ouvi seus passos se afastando da porta, comecei a vasculhar o quarto, procurando um meio de escapar. A janela estava trancada. Mexi nas gavetas, procurando qualquer coisa que eu pudesse usar para abrir o cadeado. Havia uma Bíblia na gaveta da mesa de cabeceira. Era curioso encontrar uma Bíblia no cativeiro. Mas, fora isso, não achei mais nada particularmente intrigante, além, é claro, da mesa com os livros. Também não encontrei nada que pudesse me ajudar a abrir o maldito cadeado.
Havia um guarda-roupa do outro lado do quarto, abastecido com algumas roupas femininas – a maioria calças jeans, camisetas e calças de pijama. O mais estranho, é que tudo ali era do meu tamanho; como se aquele homem tivesse preparado o quarto inteiro para me receber – não a uma vítima aleatória, mas especificamente a mim. E pela quantidade de coisas ali dentro, estava preparado para me manter ali por um longo tempo.
Ao lado do guarda-roupa havia outra porta, que dava para um banheiro de bom tamanho, também completamente abastecido com itens de higiene básica: xampu, condicionador – curiosamente, da marca que eu usava –, um frasco de sabonete líquido sobre a pia, um sabonete novo para banho, ainda fechado, um tubo de creme dental e uma escova de dente lacrada, toalhas de banho e de rosto.
Fiquei me perguntando se não estava trancada, na verdade, num quarto de hotel?
Examinei a janela do banheiro: de ferro, com vidros quadriculados, pequenos demais para a passagem de qualquer coisa maior do que um gato ou um cachorro chihuahua.
Quando retornei ao quarto, levei um susto: o sequestrador estava parado na porta, me encarando com a mesma expressão indecifrável de antes. Ele tinha destrancado a porta, silencioso como o diabo, e ficou ali, quem sabe por quanto tempo, assistindo minha exploração do banheiro.
– Imagino que esteja com fome – disse ele, indicando um prato com hambúrguer em cima da cama, e um copo de refrigerante na mesa de cabeceira.
Estaquei ali mesmo, na porta do banheiro. Apenas a ideia de me aproximar da cama na presença dele já me enchia de pavor.
– Bon appétit – disse ele, sorrindo.
Em seguida, saiu do quarto e fechou a porta novamente.
Eu hesitei por algum tempo. Estava realmente com fome, e o cheiro daquele hambúrguer era delicioso, mas pensei sinceramente em não comer. Queria compreender o que ele pretendia com tudo aquilo, e principalmente, queria encontrar um modo de escapar do cativeiro. Mas depois pensei: de quê me adiantaria fazer greve de fome? Só serviria para que eu ficasse mais fraca e vulnerável, o que certamente facilitaria que ele fizesse comigo o que bem entendesse. Naquelas circunstâncias, mais do que nunca, eu precisava de energia para lutar.
Mas eu não me sentia à vontade para comer naquela cama. Puxei a cadeira que estava diante da mesa de estudos, carreguei até o fundo do quarto, de onde eu podia ver qualquer movimento na porta, e me sentei para comer, com o prato no colo.
O sabor do sanduíche, sem dúvida, fazia justiça ao cheiro: estava uma delícia. E minha fome também era maior do que eu supunha, pois terminei de devorá-lo em dois minutos. Eu não tinha mais nenhum vestígio do enjoo que tinha sentido no carro; felizmente, pois a última coisa que eu precisava naquele momento, era que o sequestrador me percebesse fraca.
Só depois que terminei de comer e de beber todo o refrigerante me ocorreu que ele poderia ter colocado qualquer coisa ali para me dopar.
Se fosse este o caso, era tarde demais. Tentei manter a cabeça ocupada para evitar um possível torpor.
Comecei a pensar nas coisas que ele havia dito. Ele parecia ter me estudado com muita atenção. Sabia do FIES, e dos meus problemas familiares. Na certa, devia estar me observando, à surdina, esperando pelo melhor momento de dar o bote. Mas com que propósito, afinal? Pois, se ele tivesse observado direito, saberia que minha família não tinha dinheiro; e, ainda que tivesse, eu duvidava que José Carlos estivesse disposto a dar um centavo que fosse pelo meu resgate. Embora nunca tenha deixado nos faltar nada em casa, ele não era exatamente um pai amoroso, e eu não conseguia acreditar que ele se importasse tanto assim comigo.
Ou será que o sequestrador pensava que a tia Alice iria pagar meu resgate? Porque ela, sim, se importava comigo, e, principalmente, com o desespero da minha mãe, ao saber que eu tinha sido sequestrada. Eu não duvidava que a tia Alice, tio Frederico, marido dela, Chiara e Leandro fizessem até o impossível para levantar qualquer quantia que ele pedisse em troca da minha liberdade. E desconfiava que o sequestrador havia observado o bastante para saber disso. Eu tinha uma família maravilhosa que me amava, para compensar a ausência do amor paterno.
Enquanto pensava sobre isso, comecei a brincar com a pulseira que Chiara me dera poucos minutos antes de descermos para o estacionamento do shopping. Sem saber, Chiara havia me dado um presente de despedida.
Foi inevitável me perguntar qual terá sido a reação dela ao perceber meu sumiço. Na certa ficara desesperada. Se ela chegou a ver aquele homem me jogando dentro do carro, àquela hora ela já devia ter feito um escarcéu com a segurança do shopping, e provavelmente estava neste momento fazendo outro na delegacia, e já devia ter dado uns duzentos telefonemas para todo mundo que tivesse qualquer influência para agilizar a investigação. Em circunstâncias normais, Chiara não é o tipo de pessoa que espera pacientemente para ser atendida em algum lugar; numa situação como aquela, em que ela sabe que alguém corre perigo, e que cada minuto perdido preenchendo formulários pode diminuir as chances de sobrevivência, ou mesmo ser um minuto a mais de sofrimento para a vítima, ela é capaz de mover o mundo na direção contrária para ajudar.
Eu me lembro de uma vez em que uma garota entrou em trabalho de parto num supermercado. Chiara estava perto, e levou a moça para o hospital mais próximo, só que ele não pertencia à rede pública, e como a garota não tinha convênio, eles queriam transferi-la para um hospital municipal. Chiara, que nem tinha perguntado o nome da garota até então, ficou possessa, sacou da manga uma lei que eu nem conhecia, sobre os hospitais particulares serem obrigados a prestar socorro, em caso de emergência, mesmo que a pessoa não tenha como pagar na hora, discutiu com meio mundo, e em coisa de vinte minutos, a imprensa já estava na porta do hospital, assegurando que a moça seria atendida e daria à luz ali mesmo.
Se por uma desconhecida ela foi capaz de reunir a imprensa, e transformar um parto em notícia, avalio o que ela deve estar fazendo para agilizar o meu resgate.
Claro que eu não tinha como saber se ela tinha visto alguma coisa, mas conhecendo-a como eu conheço, e considerando todo mundo que ela conhece, e as pessoas que essas pessoas conhecem, àquela hora o próprio secretário de segurança já estaria ouvindo o diabo da Chiara!
Ou, pelo menos, era o que eu esperava...
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