Capítulo 43
A porta do meu escritório é aberta com certa brusquidão e levanto sorrindo ao ver minha irmã, mas ela não retribui, apenas corre e se joga em meus braços. Brinco falando que também senti sua falta, mas ela soluça alto e percebo que está chorando.
— Britt, o que houve? Tudo isso é saudades?
Ela não responde, apenas me aperta mais em seus braços.
— Tudo bem, sorellina, também senti sua falta, e os gêmeos mais ainda.
Afasto-a do meu corpo apenas o suficiente para ver seu rosto, limpo suas lágrimas com um pequeno sorriso nos lábios e pergunto quando ficou tão chorona.
— Oh, Matt... — volta a enfiar o rosto no meu peito, me apertando com mais força.
Seu tom sofrido e as lágrimas abundantes começam a me preocupar e tudo só piora quando um pensamento apavorante passa por mim, arrastando um arrepio gelado pela minha coluna.
Sentindo uma mistura intensa de emoções e com medo da resposta afasto minha irmã um pouco, segurando seu rosto entre as mãos, pergunto:
— Ele não te fez nada, não é, Brittany? Por favor me diga que aquele desgraçado não encostou em você ou eu juro, por tudo que mais amo, que mando ele para o quinto dos infernos, nem que seja a última coisa que eu faça — minhas palavras carregam uma mistura de ódio e pavor.
O choro se intensifica e sinto um baque, cada célula do meu corpo sendo rapidamente envolvida por um ódio mortal.
— Eu vou mandar aquele desgraçado para o inferno!
Aperto-a com força, olhando rapidamente seus braços para ver se tem alguma marca externa, mas não encontro nada. Ao menos não a vista, mas eu sei bem que as marcas que aquele desgraçado deixa não podem ser vistas a olho nu pois são profundas demais.
— O problema... — fala entre um soluço e outro — não é o que ele fez comigo, Matt... — afasta um pouco o corpo, fixando os olhos nos meus — o problema foi o que ele fez com você.
Meu corpo inteiro congela.
— Ele não me tocou, mas tocou em você, não foi? Ele te destruiu, transformou você nesse homem sofrido e fechado.
— Como...
— Eu vi a mensagem que ele mandou para Ana, também encontrei alguns vídeos caseiros.
O mundo parece parar de girar. Minha cabeça começa a latejar de um jeito estranho e uma forte ânsia de vômito embrulha meu estômago. Um suor gelado brota na minha testa enquanto aperto o peito e tento puxar minha respiração.
— Matt? — Suas mãos me amparam quando meus joelhos cedem. — Matt? O que está acontecendo?
— Não — Sussurro tentando respirar. — Não pode ter visto aquilo. Não...
Dou algumas batidinhas em meu peito, tentando desesperadamente levar oxigênio para os meus pulmões.
Não.
Ela não pode ter visto aquilo.
— Matt? — Uma nova voz fala comigo, mas não consigo reconhecer. Está distante. Minha visão parece cada vez mais embaçada enquanto sigo lutando para absorver o oxigênio, sem sucesso.
— Matt? Pelo amor de Deus, fala comigo — mãos pequenas e familiares seguram meu rosto. — Mi amor, estou aqui com você.
É a última coisa que ouço antes de tudo ficar escuro.
— Ele está acordando.
Pisco os olhos e tento cobri-los com a mão, por causa da luz que vem das janelas, mas ela está presa a uma bem menor que a minha.
— Mi amor? Não se mexa, o médico falou que não é bom.
Movo um pouco a cabeça, meio confuso, não deixando de notar que ainda estou no chão do meu escritório. Analice está do meu lado direito, segurando firmemente minha mão, minha irmã está do lado esquerdo, com o rosto banhado em lágrimas.
— Como está, fratello?
Sorrio de canto.
Gosto de ouvi-la falar italiano, no entanto, ela não o faz com frequência.
— Bem. Acho. Por quanto tempo apaguei?
— Cerca de cinco minutos — Analice responde.
— Os cinco minutos mais infernais da nossa vida — minha irmã complementa. — Queríamos te levar para o hospital, mas Tim não deixou, falou que você odeio hospitais porque estava com a mammina quando ela sofreu a última parada cardíaca e não voltou. Eu não fazia ideia disso, agora entendo o porquê você relutou tanto em ir visitar os gêmeos quando nasceram. Por que nunca me contou?
— Você não precisa saber de tudo sobre a minha vida — sou grosso sem planejar, me arrependendo no minuto seguinte, quando seus olhos voltam a transbordar de lágrimas.
— Matt, o que conversamos sobre essa grosseria gratuita em momentos de estresse? — Minha garota repreende e a ignoro, tentando sentar. — Vai com calma — repreende, me ajudando.
Brittany tenta me ajudar mas dispenso, ignorando a mágoa no seu olhar e a voz embargada quando diz que vai atrás do namorado, que está cuidando dos meus filhos.
— Você é um imbecil, sabia? — Resmunga, sentando ao meu lado no pequeno sofá.
Jogo a cabeça para trás, apoiando-a no encosto do sofá. Ainda me sinto meio fraco e nauseado.
— É, eu sei.
— Por que fez isso? Por que tratou sua irmã assim?
Meu estômago embrulha apenas de lembrar que ela viu os malditos vídeos.
— Bill te mandou mensagem? — Questiono, ignorando sua pergunta.
Arregala os olhos.
— C-como... Como você sabe?
— O que ele mandou?
— Um vídeo.
Respiro fundo, tentando conter a bile que parece querer subir pela minha garganta.
— Você...?
— Não. Não assisti, não ousaria. Nem teria estômago para isso, pelo teor do texto que ele mandou eu já imaginei o que era, então só bloqueei ele e apaguei a conversa — os olhos marrons e expressivos reafirmam suas palavras.
— Mas como sabe das mensagens? Ele entrou em contato com você também?
— Não recentemente. Bloqueei o número dele uns dois meses atrás, quando ele entrou em contato comigo e mandou um dos vídeos alegando que seria questão de tempo até conseguir entrar em contato com você. Aquele desgraçado.
— Foi por isso que você trocou o número pessoal?
Confirmo, massageando meu peito quando o coração começa a acelerar.
— Está tendo uma nova crise?
Nego.
— Por que não me contou sobre as mensagens?
— Não achei necessário, principalmente porque você havia tido aquele ataque de pânico poucas horas antes, contar só pioraria seu psicológico.
— Se ele voltar a entrar em contato, me conte.
— Não, não conto. Ele já ferrou demais sua cabeça, não vou permitir que continue fazendo isso — afirma com o rosto vermelho de raiva.
Abro um pequeno sorriso.
— Já falei como amo te ver irritada?
Em questão de segundos, a raiva se esvai, sendo substituída por amor, puro e simples.
— O que é que você não ama em mim, Matt? — Pergunta, convencida.
— Sua petulância.
— Não seja mentiroso, foi por causa dela que você se apaixonou por mim.
Rio, incapaz de negar, e puxo ela para mim, sua cabeça repousando contra meu peito.
— Matt?
— Oi.
— Eu não quero te pressionar, mas suas crises parecem estar piorando, talvez esteja na hora de procurar a doutora Wheeler.
Fico em silêncio.
Duas semanas atrás, na minha última crise, decidi que iria entrar em contato com a psicóloga de Analice para iniciar um tratamento, mas não tive coragem. Eu quero, mas ainda é muito assustadora a ideia de me abrir com alguém. Todas as vezes em que peguei o celular para mandar mensagem, entrei em conflito comigo mesmo e acabei desistindo covardemente.
Mas, talvez Ana esteja certa. Preciso mesmo ir atrás de tratamento o quanto antes pois, essa situação que antes fazia de mim o maior afetado, agora também respinga nela.
Durante boa parte da vida enfrentei as crises sozinho, às vezes tinha ajuda de Tim mas quase sempre lidei com tudo sozinho. No entanto, agora ela está sempre comigo, mesmo quando não quero, me ajudando a passar por cada uma desses momentos, e percebo que fica afetada por todas eles.
— Tudo bem. Hoje mesmo entrarei em contato com a doutora Wheeler.
Seu sorriso brilhante me confirma que estou tomando a melhor decisão. É hora de exorcizar alguns demônios.
— Sério?
— Sim. Preciso me cuidar para ser o que vocês precisarem.
— E para ter uma vida mais leve sem todo esse peso.
— É, isso também.
Me abraça apertado, depois deixa um selinho em meus lábios e deita a cabeça em meu peito, onde meu coração bate levemente acelerado por sua causa.
Aperto um pouco mais meus braços a sua volta, apreciando o contato.
— Obrigado por me amar.
Levanta os olhos, sorrindo.
— Obrigado por me deixar te amar.
Ergue um pouco a cabeça, trazendo os lábios para os meus. O beijo é calmo, carregado de amor e cuidado.
Suspiro, deleitando-me com o ato.
Sorri sem afastar nossos lábios.
— Adoro quando você faz isso — comenta, sem afastar sua boca da minha.
— Isso o quê?
— Suspira entre o beijo. Adoro quando faz isso. É como se amasse muito me beijar e ficasse muito feliz e satisfeito em fazer isso.
— Mas eu amo muito te beijar e fico muito satisfeito em fazer isso — enfio minha mão por entre seus cabelos, trazendo seu rosto de volta para mim e aprofundando o beijo.
Ficamos assim por alguns minutos, apenas namorando, até o inconveniente que chamo de amigo invadir o escritório.
— Desculpa atrapalhar os pombinhos, mas queria saber como esse stronzo está.
— Estava melhor antes de você entrar.
Ri olhando para Ana em meus braços.
— Imagino que sim. — Fita a loira — Conseguiu convencer ele a ir ao hospital?
— Nem tentei. Esse homem é mais teimoso que uma mula e tem coisa que nem eu consigo obriga-lo a fazer.
— Não preciso de hospital. Foi só uma crise de ansiedade.
— Uma que te fez desmaiar — rebate, bravo.
— Eu te dou uma boa notícia se você prometer não me encher o saco — ergue a sobrancelha esquerda e olha para Analice, ela assente, como se confirmasse que de fato é algo bom.
— Estou ouvindo.
— Irei procurar uma psicóloga para iniciar a terapia.
Abre a boca, incrédulo.
— Sério?
— Sim.
— Graças a Deus! — Praticamente grita e vem até nós, se jogando sobre Analice e eu.
— Sem excesso de contato, Tim — reclamo, tentando empurra-lo. Consigo afasta-lo um pouco e Ana, a traidorazinha menor e mais magra, consegue escapar rindo, enquanto eu continuo preso no abraço de urso.
Percebendo que não vou conseguir escapar, pois ele é tão alto e tão forte quanto eu, desisto, permitindo que me abrace até que se dê por satisfeito e se afaste.
— Estou feliz, irmão.
— É, eu percebi — resmungo, arrumando minha camiseta.
Vai até minha namorada e puxa ela para um abraço.
— Você é mesmo um anjo, garota.
Ela ri.
— Algumas pobres freiras do internato católico discordariam disso.
Ele se afasta, rindo como se soubesse exatamente do que ela está falando.
— Desde quando são próximos?
— Desde que você foi um escroto de merda e abandonou ela lá nos Hamptons. Sua sorte, Matt, é que eu amo sua irmã, senão eu teria roubado essa garota de você.
— E eu não ia reclamar viu, Adônis — as palavras são para ele, mas os olhos com brilho travesso estão voltados para mim.
Cerro os olhos, reconhecendo a provocação e me recusando a cair nela.
— Já que concordamos que não irei ao hospital, vou para o meu quarto, me sinto esgotado.
Essa crise acabou comigo, física e emocionalmente.
— Vou com você — minha namorada se aproxima, os olhos carregados de preocupação.
Não rejeito, a companhia dela sempre é um alento para mim. Subimos juntos e tomo um banho enquanto ela me espera na minha cama. Aproveito o tempo sozinho para refletir sobre os acontecimentos.
Sinto uma forte angústia ao lembrar que minha irmã descobriu sobre meu passado de merda com o monstro do seu pai. Amaldiçoo aquele maldito por ter estragado todo o trabalho que tive por mais de vinte anos para protege-la dessa história cruel. Imagino como a cabeça dela deve estar bagunçada. Fico ainda mais angustiado ao lembrar das lágrimas sofridas, preciso dar um jeito de cessar seu sofrimento, aquele monstro não merece suas lágrimas.
Mesmo distraído, percebo a porta se abrir. Olho para lá, encontrando a cabeça de Analice enfiada na pequena brecha que abriu.
Sorrio de canto.
— Não vou me machucar, Genebra.
Abre um sorrisinho amarelo.
— Precisava garantir que não.
Desligo o chuveiro, me enxugo e enrolo a toalha no meu quadril antes de sair do boxe e me aproximar dela.
— Eu já falei como te amo?
— Já, mas gosto de ouvir.
— Eu te amo, Analice Genebra.
— Também te amo, Matteo Di Rienzo.
Beija meus lábios castamente, no entanto, aprofundo o beijo, sedento.
— Não — se afasta quando tento pegá-la no colo. — Você precisa deitar e descansar.
— Não, preciso de você.
— Vai ficar precisando — tenta me puxar para o closet, mas seguro seu cintura, empurro-a contra a parede e voltando a beijá-la com fome. No primeiro momento, ela retribui, mas logo dá uma jeito de fugir de mim.
— Matt, o que acha de voltar pra o chuveiro e apagar esse fogo?
— Prefiro que você apague.
Revira os olhos, segura minha mão e permito que me arraste até o closet.
— Ain, sexo é super estimado — debocha, relembrando algo que falei meses atrás.
— Eu achava isso porque ainda não tinha encontrando em ninguém a conexão que desenvolvi com você — puxo-a para mim e deixo um selinho em seus lábios. Não tento mais nada porque conheço bem essa garota e sei que ela não vai ceder enquanto achar que não estou bem.
Visto uma cueca e uma calça, ambos pretos, e saio do closet com ela em meu em meu encalço. Meus pés param quando avisto minha irmã sentada na cama com os olhos baixos e ombros caídos. Analice deixa um beijo em minha bochecha, avisando que vai nos deixar conversar.
— Engula sua grosseria e seja paciente — sussurra em meu ouvido antes de sair.
Sento encostado na cabeceira da cama e Brittany se arrasta pelo colchão, sentando ao meu lado.
— Adorei o resultado — quebra o gelo, apontando para as novas paredes do meu quarto.
Quando ficamos juntos, Analice deixou bem claro que não dormiria no meu quarto sombrio pois as paredes pretas faziam ela se sentir triste e oprimida. Eu, por minha vez, não estava disposto a ficar dormindo na cama de solteiro dela, muito menos sem ela, portanto, entrei em contato com os primos West, Nikolas e Josh, que já estavam a frente do projeto de transformar um dos quartos de hóspedes em um cinema particular, e pedi para que dessem prioridade a reforma do meu quarto.
Assim foi feito e, durante as últimas três semanas, fiquei dormindo em um quarto vago que tem do outro lado do corredor — o que Tim costumava usar antes namorar minha irmã.
Agora meu quarto tem paredes amarelas, pois foi a cor que Analice escolheu, pedi que ela o fizesse porque pretendo, em algum momento nos próximos anos, transforma-la na minha esposa e para não passarmos pelo transtorno de uma nova reforma preferi que ficasse logo ao seu gosto — sendo sincero, eu pintaria essas paredes todas as semanas se esse fosse o desejo dela.
Além das paredes amarelas, troquei todos os meus móveis pretos — com exceção da cama — por móveis brancos. No closet agora também impera esta mesma cor. Do chão ao teto, tudo no meu quarto agora tem um toque de cor — e de Analice. Ela está marcando cada mísero centímetro da minha vida e, o mais surpreendente, é que adoro isso.
— Eu amo como aquela garota te tem nas mãos. Ainda mais do que eu.
— O que posso fazer se sou totalmente rendido pelas mulheres da minha vida?
— E por duas pessoinhas de 75cm. Eu tenho certeza que você compra até a lua se um deles dois pedirem.
Sorrio, sabendo que é verdade.
De repente, um silêncio pesado, desconfortável e incomum, recai sobre nós.
— Me desculpa por ter sido grosseiro no escritório — é minha vez de quebrar o gelo.
— Tudo bem. Eu conversei um pouco com Tim e ele contou que você se esforçou muito para me proteger de tudo isso.
— Você não merecia saber que é filha de um monstro.
— Merecia sim. Entendo ter me protegido disso durante a infância mas, durante a adolescência e vida adulta, você poderia ter me contado. Ao invés de brigar comigo para não procurar ele, poderia ter explicado porque o queria distante de nós.
— Acha que é fácil, Brittany? Acha mesmo que é fácil abrir a boca e contar para as pessoas todas as merdas que passei? É penoso de mais conviver com o peso dessa verdade, não queria jogar esse fardo sobre você também.
— Mas deveria. Eu tinha o direito de escolher manter contato ou distância com aquele pedófilo de merda. Eu tinha o direito de saber que sou filha de um monstro... — sua voz se quebra, lágrimas grossas e pesadas molhando sua pele preta. — Eu tinha o direito de escolher manter distância do maldito que me usava para te fazer aceitar os abusos sem relutar... — Soluços profundos e dolorosos rasgam seu peito.
Puxo ela para mim, envolvendo-a em um abraço apertado.
— Viu? Por isso não queria que você soubesse, não queria te ver chorar por causa dele.
— Não choro por causa dele, choro por você. Choro por aquele garoto indefeso que foi quebrado tantas e tantas vezes, pelo garoto que carregou algo tão pesado sozinho, choro pelo meu herói que me protegeu do monstro que nos rodeava. Eu choro porque, mais uma vez, tive certeza que nunca, jamais, conseguirei retribuir todo o amor que você me deu e tudo o que fez por mim.
— Nunca quis nada em troca. Sua segurança e felicidade sempre me bastaram. Você é minha pessoa preferida no mundo, Brittany, a luz que me manteve de pé todas as vezes que quis desistir e colocar um fim em tudo. Você é o motivo de eu ainda estar vivo — me afasto, enxugando suas lágrimas. — Não precisa chorar por minha causa. Olha para mim. Passei pelo inferno, conheci o diabo, mas estou aqui. Não bem e, definitivamente, não inteiro, mas estou aqui. Por sua causa. Porque eu precisa ficar vivo para te proteger, para cuidar de você e garantir que seria feliz. Não se apegue ao fato de que aceitei certas coisas para te proteger, lembre-se apenas de que, se estou vivo hoje, é por você. Entende isso, Brittany? Entende que sua existência salvou minha vida?
Assente, ainda chorando muito, e volta a me abraçar.
— Ti amo, fratello. (Te amo, irmão.)
— Ti amo anch’io, sorellina. (Também te amo, irmãzinha.)
Afago suas costas durante um tempo, até o choro cessar.
— Está mais calma?
Assente, mantendo o silêncio.
— Me perdoa. — Pede após algum tempo.
— Pelo o quê?
— Por ter pedido pra ir morar com ele quando voltamos para Califórnia. Te fiz sair da Sicília e ainda quis ir morar com aquele monstro.
— Não precisa se desculpar, você era apenas uma criança com saudades do pai. E eu não voltei apenas por você, queria manter distância daquela família barulhenta e enxerida.
Ri, baixinho.
— Falando nisso, a Nonna tá exigindo uma visita. Na verdade, até o Nonno andou reclamando da demora em levar os gêmeos para eles conhecerem. E ela andou reclamando mais do fato de você ignorar as ligações dela e quando atende fica monossilábico.
— Não estou ignorando ela, só evitando um pouco porque agora o assunto favorito dela é: Quando é que você vai casar com a Ragazza e me dar mais bisnipoti? Os gêmeos mal completaram um ano e ela já quer mais bisnetos — reclamo, indignado.
— Os gêmeos do Michelle nasceram há seis meses e a mulher dele já está grávida de novo.
Faço careta.
— Falou igual a ela.
Ri.
— É porque ela me deu esse argumento quando falei que os gêmeos eram muito pequenos.
— Se eu não queria ir para Palermo antes, agora, namorando a Analice, quero menos ainda.
— Mas vai ter que ir, porque a Nonna vai ficar muito triste se demorar mais para conhecer os bisnetinhos.
Suspiro.
— Primeiro eu começo a terapia, depois preparo meu psicológico para voltar ao seio da família Di Rienzo.
— Acho que Analice vai amar eles, a energia vibrante e caótica deles combina com ela.
Rio da ironia.
— Fugi tanto daquela família maluca, Deus foi lá e jogou uma garota maluca na minha vida.
— Carma que chama? — Brinca, rindo.
Rio também.
O silêncio volta a cair sobre nós, mas dessa vez não é incômodo.
— Matt?
— Hum?
— Quanto tempo durou?
Não precisa completar para que eu compreenda sobre o que fala.
— Precisa saber disso?
— Não preciso, mas gostaria.
— Tem certeza?
— Sim.
Suspiro, resignado.
— Durou dois anos dez meses e dezessete dias — sim, eu contei cada maldito segundo do primeiro ao último abuso.
Soluça, mais lágrimas molhando suas bochechas.
— Sinto muito que tenha aguentado por tanto tempo.
Não falo nada.
— Eu voltei para a Califórnia há uma semana — afasta o rosto do meu peito e me olha. — Descobri há uma semana e voltei, fiquei no apê de Tim tentando digerir tudo o que vi, também precisando encontrar uma maneira de me desvincular dele. Tim me levou até um advogado especializado no Direito da Família e conversei sobre mudar meu sobrenome. Também vou entrar com um processo para retirar o nome dele da minha certidão de nascimento.
— Britt... Tem certeza disso?
— Sim, prefiro ficar registrada como filha de pai desconhecido do que ter qualquer vinculo com ele. Infelizmente, não é garantido que eu consiga retirar o nome dele, mas vou utilizar o argumento de que ele me abandonou, o que é verdade, posso provar que ele me abandonou aos sete anos e que fui criada por você, também estou providenciando as provas de que todos os poucos contatos que tivemos nos últimos dez anos foram porque eu fui atrás dele. Se tudo der certo, em algumas semanas vou enviar todos os documentos, petições e formulários e, dentro de alguns meses não terei mais nenhuma ligação com ele. Serei Brittany Di Rienzo, filha de Paola Do Rienzo e ninguém mais.
Seu olhar carrega firmeza e determinação, ainda assim me vejo obrigado a perguntar se ela tem certeza.
— Sim, Matt, não quero mais ter vínculos com aquele pedófilo nojento e farei tudo o que estiver ao meu alcance para conseguir isso. Inclusive, sempre serei grata a mamãe por não ter assumido o sobrenome dele quando casaram, vai facilitar a mudança de sobrenome.
Minha mãe não assumiu o sobrenome dele por minha causa, para eu não ser o estranho no ninho da família Hayes.
— Não vai se arrepender quando ele morrer?
— Para mim, William Hayes já morreu e levou Brittany Hayes com ele.
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