Capítulo 19
— Genebra? — O chamado vem acompanhado de duas batidas na porta.
Jogo as pernas para fora da cama, pego o celular embaixo do travesseiro e suspiro ao ver que ainda são seis e meia.
Me arrasto até a porta, sem me importar se estou feia e bagunçada. Claro que me arrependo de não ter nem passado as mãos no cabelo quando dou de cara com meu chefe bonitão.
Ele carrega Alice nos braços, a menininha solta um gritinho animado, jogando seu corpo para mim.
Sorrio, beijando as bochechas gorduchas.
— Bom dia, minha princesa! — Olho para o homem a minha frente. — Bom dia, Chefinho.
— Bom dia! Vá se arrumar.
Ergo as sobrancelhas. Se não segurasse Alice, cruzaria os braços.
— Não começa, Genebra. Só faz o que mandei.
Faço minha melhor cara de deboche.
— Não vai? Tudo bem. Arrume meus filhos, vou levá-los ao Central Park.
Arregalo os olhos.
— Central Park?
Um sorrisinho de lado desenha seus lábios.
— Se interessou? — Volta a fechar a cara. — Então vai trocar de roupa. Você tem trinta minutos para se arrumar.
Tira a filha dos meus braços e sai.
Abro minha mala, conferindo minhas roupas. Trouxe apenas três opções para sair, o vestido que vim e mais três peças.
Confiro no meu celular a previsão do tempo, optando pelo tricô branco e grosso. Sou californiana, estou acostumada com o clima quente e seco de Los Angeles, tenho certeza que os dez graus que estão fazendo hoje vão me fazer congelar.
Combino o tricô branco com uma saia longa plissada, ela é de um tom bem clarinho de amarelo e tem algumas pequenas flores brancas, por baixo coloco uma meia calça preta e grossa, sei bem que a sensação térmica vai estar menor do que a temperatura de fato. Para completar, calço a bota marrom sem salto, único calçado que eu trouxe.
Prendo meu cabelo em um rabo de cavalo despojado e saio.
Meu queixo cai de surpresa quando encontro Matteo e os filhos na sala.
— Você arrumou eles?
— Estão feios?
Olha para os filho, inseguro.
Sorrio.
Isso é adorável.
E sobre os bebês, estão longe de estarem feios.
Alice está parecendo uma bonequinha. Usa um vestido rosa de tecido grosso e mangas longas. Tem três botões perolados de enfeite e uma gola de boneca felpuda e branca. Para completar ela usa uma meia calça branca e um par de sapatilhas rosa com um laço da mesma cor.
Já Levy veste uma calça de moletom preta, uma camisa branca, um casaco puffer também branco com capuz e um par de tênis da mesma cor. Parece um rapazinho.
— Eles estão lindos! Estão realmente lindos.
— Eu tentei colocar isso aqui — ergue uma faixa rosa com laço da mesma cor —, mas ela jogou no chão.
Rio.
— É, agora ela faz isso.
Os volumosos cabelos de Alice estão penteados para o lado, com a franja caindo um pouco na testa. Já os cabelos do seu irmão estão jogados sobre a testa, no melhor estilo Justin Bieber ao quinze anos.
— Não tira, filho. — Se abaixa ao lado do bebê quando ele consegue arrancar o um dos sapatos.
Aproveito para observá-lo.
Está usando uma calça preta, uma blusa de manga longa grafite e um par de tênis preto.
— Como você conseguiu arrumar eles e se arrumar tão rápido? Você não tem experiência com isso.
— Eu já estava arrumado quando fui chamá-la. Dei banho em Alice quando ela acordou e fiz o mesmo com Levy depois, precisei apenas vesti-los. Foi fácil vestir Levy, Alice é que me deu trabalho, a menina não para quieta um segundo.
Rio, entendendo bem sua frustração.
— Vamos demorar a voltar?
— Provavelmente sim.
— Então vou preparar algumas mamadeiras para eles. Aliás, eles já comeram?
Assente, a atenção totalmente voltada para os bebês.
Entro na cozinha com um sorriso no rosto, adorando vê-lo tão envolvido no cuidado com os filhos. Nem de longe parece o homem frio e indiferente que conheci quando cheguei em sua casa.
Preparo a fórmula e amasso algumas frutas, colocando em potes plásticos. Se eu tomar muito cuidado, consigo alimentá-los sem fazer muita sujeira.
Pego as duas mochilas creme com desenho de ursinho. Em uma coloco fraldas descartáveis, fraldas de pano e duas mudas de roupa para cada. Na outra coloco as mamadeiras, as marmitinhas e alguns brinquedos. Além, claro, da chupeta reserva de Levy.
— Ana, vem ver! — O grito animado atrai minha atenção e corro até a sala.
Coloco as mãos na boca quando vejo Alice de joelhos no chão.
— Ela engatinhou?
— Não, mas tá quase.
— Ela já tem idade pra isso?
— Tecnicamente não, mas cada bebê tem seu ritmo e, ao que parece, o ritmo dessa piccola é acelerado.
Continuamos esperando que ela se mova, mas a bebê apenas nos olha um tanto assustada. Quando ela finalmente tenta se mexer, escorrega, mas seu pai está perto e age rápido, impedindo que seu queixo bata no tapete.
— Tudo bem, piccola, tudo ao seu tempo. Você ainda nem fez sete meses, não precisa ter pressa.
Um sorriso muito largo estica minha boca e fico um pouco emocionada por vê-lo consolando a filha. Ela ainda não entende a grandiosidade desse momento, mas eu entendo e preciso me afastar para não chorar igual uma boba.
Antes de sairmos, Matteo veste uma jaqueta puffer preta. Pega a filha no colo e pendura uma das mochilas no ombro livre. Faço o mesmo, pegando Levy e a mochila que sobrou.
— Achei que íamos ao Parque. — Falo quando entramos no elevador e ele aperta o botão da garagem.
— Vamos, mas antes vou comprar nosso café da manhã em uma pequena cafeteria perto do Central Park West. É pequeno e simples, mas adoro a comida, vou lá sempre que estou em Nova York. Podemos comer no local ou no parque.
— Por que não vamos a pé? Ou de táxi. Já ouvi falar que andar de carro em Nova York é bem complicado.
— De fato é complicado, mas é melhor do que ficar entrando e saindo de um carro estranho com dois bebês.
Aponta para o carro preto. Quando paramos ao lado um do outro, nos olhamos.
— Bebê conforto! — Falamos juntos. — Eu busco — uníssono novamente.
Sorrimos um para o outro.
Seus sorrisos para mim estão mais comuns, mas não menos encantadores. Quase sempre tenho que segurar um suspiro bobo.
— Eu busco. — repito. — Eles estão pesadinhos e meus braços magrelos não aguentam segurar os dois por muito tempo, mas você tem músculos suficiente.
Entrego Levy para ele, coloco chupeta na boca do bebê e sigo para o elevador. Poucos minutos depois estou de volta a garagem com os dois bebês conforto.
Me perco no estacionamento? Sim, mas nada que uma ligação para meu chefe impaciente não resolva. E eu ainda tropeço nos meus próprios pés quando estou chegando perto dele.
— Não ria de mim.
— Por que você é tão desastrada?
Dou de ombros, retribuindo seu sorriso.
Colocamos os bebês nos bancos de trás, Matteo assume o volante e sneto entre os bebês.
— Venha para o banco da frente, Genebra, não sou seu motorista.
— Mas...
— Banco da frente — ordena entre os dentes.
A contragosto, assumo meu lugar no banco do carona, mas a cada minuto dou uma olhada para trás, conferindo como estão.
Não demora muito para chegarmos. É uma cafeteria pequena e fica um pouco abaixo do nível da rua. Não é tão charmosa, mas o atendimento é agradável. Peço panquecas com ovos e uma fatia de bolo de chocolate. Meu chefe escolhe uma omelete e um tal de café turco.
Decidimos comer no local. Levy, o dorminhoco, cai no sono, mas Alice fica muito acordada. Ela vem para o meu colo, depois pede o do pai, volta para mim e em seguida para ele.
— Se você faz isso com seis meses, o que fará com um ano hein mocinha? Vai enlouquecer o papà e a tata petulante?
— O que é tata petulante?
— Te chamo assim há meses e você nunca pesquisou? Seu excesso de curiosidade se restringe a minha vida?
— Te encher de perguntas te deixa irritado e eu adoro te ver irritado.
Desvia os olhos para a filha, o micro sorriso esticando seu lábios cheios.
Terminamos o café da manhã e atravessamos a rua para entrar no central park. Entramos próximo ao Strawberry Fields, memorial feito em homenagem ao John Lennon. É comum as pessoas trazerem flores no dia do aniversário dele e também no aniversário de sua morte.
Olho para todos os lado encantada com as árvores alaranjadas e algumas quase sem folhas por causa do final do outono. Andamos bastante e faço Matteo tirar muitas fotos minhas, principalmente na Bow Bridge, ponte famosa que aparece em diversos filmes.
Ele aceita tirar as fotos, mesmo de cara fechada — devo ressaltar que ele é um ótimo fotógrafo —, até convenço ele a tirar algumas fotos com os filhos e uma selfie de nós quatro juntos. Tento mandar algumas fotos para a irmã dele, mas meu celular descarrega bem na hora.
Paramos um pouco para dar o leite para os bebês, depois voltamos a explorar um dos maiores parques urbanos do mundo.
Na hora do almoço ele nos leva ao Carmine’s, um restaurante italiano com comidas deliciosas. Peço uma deliciosa Lasanha Bolonhesa e de sobremesa um negócio chamado Zeppola¹, nunca tinha comido, foi indicação do meu italiano favorito. É gostoso, parece uma rosquinha recheada.
— Já veio a Nova York antes, senhorita Genebra?
Fico surpresa por ser ele a puxar conversa, mas não comento nada.
— Na verdade sim. No último ano do ensino médio, minha irmã convenceu nossos pais a nos trazer para passar a virada do ano aqui, seu argumento foi que talvez demorássemos para passar essa data juntos de novo por causa da universidade.
— Você foi para universidade?
— Por que a surpresa?
Ri.
— Você tem cara de alguém que ganharia dinheiro vendendo artesanato em festivais hippie.
Abro a boca chocada.
— Por quê?
— Suas roupas hippies, para não dizer feias.
— Ei, pare de ofender minhas roupas. E eu fui pra universidade sim. Fui para a UT Austin², estava cursando o bacharelado em Educação Bilíngue abrangendo as turmas da primeira infância até o sexto ano.
— Educação Bilíngue?
Dou de ombros.
— Moramos em uma cidade com nome espanhol em um país de Língua inglesa, pareceu adequado. E também era uma maneira de tentar desbloquear meu espanhol.
— Você fala espanhol?
— Não mais. — acaricio os cabelos de Levy. — Vamos voltar para o apartamento? — mudo de assunto.
— Não tem mais nenhum lugar que queira conhecer?
— Não sei, qual seu lugar favorito?
— Os únicos locais que conheço em aqui são os restaurantes.
— Claro que sim, homem de gelo. Que tal a gente ir para o Empire State building?
— Veio a Nova York e não visitou um dos pontos mais famosos?
— Você não pode me julgar, só vem a trabalho e não conhece nada além de locais para comer.
E, sim, eu fui ao Empire, mas não falo isso para ele, não quero que desista de ir. Estou muito disposta a tirá-lo da casca e farei tudo o que estiver ao meu alcance.
— Vamos?
Assente, paga a conta e saímos.
No Empire State o faço tirar um milhão de fotos minhas e muitas fotos com os filhos.
Em seguida o arrasto para a Estátua da Liberdade e, apesar da cara de quem chupou limão, em momento algum ele reclama. Simplesmente me assiste turistar por Nova York.
Paramos algumas vezes para alimentar e trocar os bebês, mas conseguimos aproveitar todo o dia. Já são quase oito horas da noite quando finalmente entramos no apartamento.
Largo meu corpo exausto no sofá. Meus braços estão doloridos por carregar um bebê de oito quilos de um lado para o outro o dia todo.
Com muito cuidado e delicadeza, Matteo coloca os dois bebês confortos, com os filhos adormecidos, sobre o sofá. Senta ao lado deles, soltando um suspiro cansado.
— Acho que melhor você ir tomar um banho — olha a hora no relógio de pulso —, acho que Levy vai dormir a noite toda, mas Alice daqui a pouco acorda para comer.
Concordo, arrastando meu corpo cansado para o quarto que estou dividindo com os gêmeos. Tomo um longo e relaxante banho quente. Coloco um pijama amarelo e vou para a cozinha, preparar o leite deles.
Matteo faz um barulho esquisito quando chego na sala, parece irritação, ou talvez frustração.
— Tá tudo bem?
— Tudo — resmunga sem olhar para mim.
— Tem certeza?
— Tenho, Genebra! Deixa de ser enxerida.
Grosseiro!
Babaca!
Ogro!
Respiro fundo.
Não vou xingar ele, hoje o levei ao limite com aquele passeio.
— Levou mesmo. E não adianta falar que não vai me xingar, depois de me xingar.
Droga!
— Eu não vou te demitir agora por causa dos meus filhos, mas em Los Angeles teremos uma conversa muito séria a respeito das suas opiniões sobre mim.
Minha vontade é rebatê-lo, mas mordo a língua lembrando que hoje definitivamente não foi um dia fácil para ele. Tirei esse homem de sua zona de conforto de todas as maneiras que pude. E não me arrependo nem um pouco, não quando tenho vídeos adoráveis dele brincando com os filhos e fazendo-os rir.
Ele arranca uma mamadeira da minha mão e alimenta Levy, mesmo que o bebê ainda esteja dormindo.
Alice acorda no momento em que encosto nela, toma todo o leite e fica acordada até quase meia-noite, quando finalmente é vencida pelo cansaço.
Com muito cuidado, coloco a bebê no berço, deixando um beijo em sua cabecinha, faço o mesmo com Levy. Ele acordou quando o pai o deu banho, mas dormiu logo em seguida.
Deito na cama com um sorrisinho na cara, lembrando que ele me chamou de Ana. O cara todo indiferente que vivia me chamando de Senhorita Genebra me chamou de Ana. Na hora estava tão animada por Alice que nem me atentei a esse detalhe.
O sorriso em meu rosto é preocupante de tão largo. Mas ele some quando vejo dezenas de ligações da minha mãe. Tem várias mensagens também, quase tenho um infarto de preocupação, no entanto, meu coração se acalma ao ver que ela está perguntando sobre mim, se estou bem, como passei o dia, se não me isolei no quarto e muitos outras mensagens parecidas.
Junto as sobrancelhas tentando entender seu excesso de preocupação e, só então, lembro que dia é hoje.
É aniversário da morte da minha mãe, o único dia do ano em que a tristeza me consome sem que eu consiga lutar contra ela. É o único dia do ano que afundo no colchão e não saio nem para comer.
Mas hoje não foi assim. Eu conheci lugares novos, comi coisas diferentes, ri muito, turistei muito por Nova York e em momento algum lembrei que dezesseis anos atrás perdi a pessoa mais importante da minha vida de uma maneira muito cruel. A mais antiga e mais dolorosa lembrança que eu tenho.
Meu celular começa a vibrar com uma chamada de vídeo.
— Meu raio de sol, você está bem? Não conseguimos falar com você o dia todo. Fiquei preocupado.
— Estou bem pai. Passei o dia fora hoje e meu celular descarregou.
Analisa meu rosto com cuidado.
— Seus olhos não estão inchados e você parece bem.
— Eu me sinto bem.
É verdade.
Eu estou bem. E graças ao homem que um dia achei não ter coração.
O questionamento que fica é: me distrair foi intencional ou não?
_______________
O clima entre esses dois tá uma delícia, não é?
Aliás, acho que alguém deveria avisar que eles já são um casal, e uma família, só não sabem disso ainda.
Zeppola¹: Parecida com uma rosquinha doce, os zeppole são feitos com massa choux e recheio de creme de confeiteiro. O interessante dessa sobremesa é que ela pode ser frita ou assada, obtendo resultados diferentes de acordo com cada preparo. A tradição de comer esse doce é mais comum no sul da Itália, mas com o passar dos anos a receita se popularizou por todo o país.
UT Austin²: The University of Texas At Austin
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