Capítulo 03
É meia noite e cinco e ainda não consegui dormir. Já estou acostumado, a insônia é minha companheira desde a infância. A diferença é que antes eu precisava ficar acordado, mas agora eu apenas não consigo dormir.
Dormir tarde e acordar cedo é algo constante na minha rotina, acordar durante a madrugada após algum pesadelo e não conseguir mais dormir também é algo recorrente.
Inquieto, levanto e decido comer alguma coisa, não jantei hoje, na verdade mal comi, não tive fome. A noite ruim de ontem resultou em um dia de merda hoje.
A casa está parcialmente escura, iluminada apenas pelas arandelas nas paredes. Percebo que a porta do quarto dos meus filhos está entreaberta e entro para ver como estão. Faço isso quase toda a madrugada, atormentado constantemente por pesadelos, sinto essa forte necessidade de confirmar se estão bem.
Passo primeiro pelo berço de Alice, que dorme tranquilamente, uma sensação boa se espalha dentro de mim ao ver seu rostinho angelical ressonar tranquilamente. Me inclino, deixando um beijo suave em sua cabeça, ela se mexe um pouco, mas não acorda.
Sorrio uma última vez para o rostinho adormecido e vou olhar Levy que, para minha surpresa, está acordado sugando a chupeta calmamente e olhando fixamente para o móbile com estrelas, foguetes e um astronauta pendurados.
- Ciao, ragazzone! Está fazendo o que acordado uma hora dessa? - com cuidado, e sem muito jeito, tiro ele do berço aconchegando-o em meu peito nu.
Uma sensação estranha e pouco familiar se espalha por todo meu corpo. O bebê se aconchega mais em meu peito e o sentimento forte que me domina parece espalhar ondas de calor por todo meu corpo.
Nunca senti nada parecido antes deles nascerem. Eu sempre amei a minha irmã mais do que tudo no mundo, mas nem se compara ao que senti quando pus os olhos nos meus filhos pela primeira vez. Nunca serei capaz de descrever a sensação poderosa que me dominou quando meus olhos encontraram aquelas duas coisinhas minúsculas sabendo que eram minhas. Duas pequenas partes de mim.
Quando minha irmã me entregou Alice e a garotinha me olhou com seus olhos azuis, tão iguais aos meus, tive certeza de que, se fosse preciso, iria até às profundezas do inferno para mantê-los bem e protegidos de toda a maldade do mundo.
A existência deles se tornou mais importante do que a minha.
Eles se tornaram a minha vida.
É até irônico lembrar que quando casei com Liana concordamos em não ter filhos. Ela não queria ser mãe e eu nunca pensei em ser pai. Depois que nos separamos a possibilidade se tornou ainda menor.
Poucas coisas na vida me assustam, quando Liana apareceu contando que estava grávida, descobri que paternidade é uma delas. Fiquei apavorado e odiei a novidade. Odiei ainda mais por ter caído em sua conversa e ter tido essa consequência.
Fizemos um acordo, eu pagaria todas as suas despesas durante a gestação e daria uma pensão bem gorda quando as crianças nascessem, mas não queria contato.
Eu não tive um pai e a figura masculina mais presente em minha vida me fodeu de várias maneiras diferentes.
Passei os últimos meses tentando me acostumar a novidade. Presente ou não na vida deles, eu seria pai.
Eu estava apavorado.
Ainda não me acostumei direito com isso. Não me vejo como pai, eu nem sei como ser um. Agora estou nesse papel, mas não faço ideia de como desempenhá-lo.
Mesmo amando-os com toda a minha alma e disposto a sacrificar a mim mesmo por eles, ainda não sei desempenhar o papel mais complexo que já me fora designado.
Levy se mexe, resmungando um pouquinho e me sinto mal de lembrar que não o queria. Me sinto ainda pior ao pensar que jamais serei o pai que ele e a irmã merecem.
O garotinho continua a resmungar e, lembrando os aprendizados de muitos anos atrás, decido checar sua fralda, sei que não está com fome porquê vi Brittany dando mamadeira a ele há menos de uma hora. Assim que abro, encontro um presentinho muito fedido dentro.
- Como pode feder tanto? Você nasceu ontem, cara! - Meio sonolento ele abre um sorrisinho banguela, que retribuo mesmo sabendo que o sorriso dele é apenas um reflexo.
Não sou muito de sorrir, nem lembro a última vez que sorri para qualquer pessoa, mas esse garotinho e sua irmã merecem todos os meus sorrisos.
Termino de trocar a fralda e observo meu trabalho. Até que não ficou tão ruim, levando em consideração que não faço isso há mais de vinte anos.
Pego-o novamente nos braços e sento na poltrona de amamentação, sem pensar muito no que estou fazendo, inclino um pouco para trás e deito ele sobre meu peito, sussurrando uma canção de ninar que minha mãe sempre cantava para mim. Não tenho a voz melodiosa dela, mas acho que tem o mesmo efeito pois, poucos minutos depois, Levy já está dormindo.
Observo seu rostinho delicado e pergunto-me como alguém como eu pode ter feito algo tão lindo e tão puro.
Fico ainda algum tempo observando a preciosidade que é parte mim, mas minha barriga ronca, lembrando-me que não me alimentei bem hoje e a lembrança do motivo escurece novamente meu humor. Coloco o garotinho no berço, confiro se a menina ainda está dormindo, e desço para procurar alguma coisa para comer.
Ao me aproximar da cozinha, percebo que não está totalmente escura e pergunto-me quem mais estaria acordado a essa hora. Surpreendo-me ao encontrar a nova babá cantarolando e mexendo algo em uma panela no fogão, fico em silêncio, sem saber se anuncio minha presença ou apenas dou as costas e volto para o quarto.
No entanto, não tenho tempo de decidir, ela tira a escolha de mim quando vira com a panela na mão, solta um grito escandaloso assim que me vê e deixa a panela cair. Em seguida começa a pular em um pé só, olhando para baixo.
- Você está bem? - questiono, mais por educação do que por preocupação.
A garota me dirige um sorriso petulante.
- Ah, eu tô ótima. Uma panela de leite quente acabou de derramar no meu pé, mas eu não poderia estar melhor!
Irrito-me.
- Você sabe com quem está falando, mocinha?
- Com o responsável pela queimadura no meu lindo pezinho. Aposto que vai ficar vermelho - faz um biquinho infantil analisando o pé.
- Que também é o cara que vai te demitir se continuar sendo tão petulante.
Aumento a luz e me aproximo, apenas o suficiente para olhar seu pé. Destacando-se na pele clara, há uma macha arredondada que pega seus dedos e metade do pé.
A imagem me traz lembranças não muito agradáveis da minha infância, olho para meu próprio peito, lembrando de quando levei queimadura de água quente, e lembro também de como minha mãe tratou.
- Lava com soro fisiológico, tem no banheiro. Ou você pode colocar o pé embaixo do chuveiro, preferencialmente na água gelada. Se fizer logo não vai ficar com bolhas.
Ela finalmente levanta a cabeça para me olhar e arregala levemente os olhos. Observa-me lentamente de cima a baixo algumas vezes e solta:
- Caramba, você é mesmo gostoso!
Maldita seja a Brittany!
Eu disse para ela arrumar uma babá velha!
Irritado ordeno que limpe a bagunça antes de dormir e subo para meu quarto, amaldiçoado minha irmã de mil formas diferentes. Eu disse para ela contratar uma mulher acima dos cinquenta, não quero mais encontrar mulheres nuas na minha cama.
Mas ela me ouviu?
Claro que não!
Veio com aquele discursinho de que quer uma babá duradoura e que tenha pique para as crianças daqui há alguns anos, pois prefere que eles cresçam com uma babá com quem já têm algum vínculo.
Eu disse que eles não precisavam criar vínculos com empregados, mas ela me chamou de babaca grosseiro e saiu batendo os pés.
Bufo.
Se essa ragazza petulante aprontar alguma para o meu lado eu mesmo cuidarei de arranjar a próxima babá, e pedirei que a agência mande apenas idosas sem libido nenhuma.
Deito na cama, irritado demais para conseguir dormir. Passo algum tempo me revirando na cama e, quando finalmente consigo pegar no sono, Alice começa a gritar escandalosamente. Tão alto que parece que está dentro do meu quarto. Fico esperando que ela se cale. Espero, espero e espero mais um pouco, mas isso não acontece.
Então decido checar o motivo. Ao chegar lá vejo que a babá não está por perto, e a porta de ligação ao quarto dela está aberta, caminho até lá, confirmando sua ausência e bufo, a irritação voltando com tudo.
Além de assanhada é imprestável.
- Sinceramente, Alice, tô pensando seriamente em colocar essa sua babá na rua. É petulante e inútil.
A menina se cala, ouvindo atentamente meu desabafo, mas o silêncio dura pouco, pois logo volta a gritar e dessa vez o irmão decide acompanhar. O que me deixa completamente desesperado e sem saber o que fazer. O choro de Levy é mais baixo que o da irmã, mas, ainda assim, é meio enlouquecedor dois bebês gritando em plena madrugada. Não estou acostumado com isso.
Ah, Dio mio! Cadê minha irmã?
Estou com Alice nos braços, tirando seu irmão do berço, quando a imprestável da babá entra correndo no quarto com duas mamadeiras na mão.
- Cheguei meus amores... Ahhhhh! - seu grito agita mais os gêmeos, que passam a gritar ainda mais alto. - Que susto! Tá fazendo o que aqui?
- Aparentemente, fazendo seu trabalho.
- Eu me perdi no caminho, culpa sua que comprou um labirinto, e também tava lavando meu p...
Interrompo irritado.
- Não me importo com o que estava fazendo, e acho bom aprender logo o caminho, a menina está chorando há um bom tempo.
- Até parece que se importa - resmunga desaforada, arrancando Alice dos meus braços.
- Como é? - pergunto sem esconder meu desagrado e ela sorri forçado.
- Er... sua irmã falou que era ela que iria cuidaria deles durante a madrugada, já que o senhor não se im... - pausa um pouco, limpa a garganta e continua - Já que o senhor não é muito ligado a eles.
Ergo a sobrancelha esquerda e ela se afasta, sentando na poltrona de amamentação.
Sua frase me deixa um pouco incomodado.
Realmente não sou um pai muito ativo e presente. Já disse que não sei com ser pai. Mas eu me importo com meus filhos, da minha maneira mas me importo. Não ficar paparicando eles a cada segundo do dia não quer dizer que não me importo, e me incomoda saber que minha irmã pensa assim.
Mas eu sei que não posso culpá-la por pensar assim, ela tem motivos. Muitos motivos.
Não sou alguém que sai por aí demonstrando sentimentos e posso contar nos dedos as pessoas para quem sorri nos últimos anos. Mas eu tenho meus motivos.
Motivos que minha irmã não conhece e prefiro que jamais descubra.
Levy para de chorar e coloco ele no berço, saindo sem falar mais nada.
- Senhorita Genebra, precisamos conversar.
- Precisamos?
Ignoro sua pergunta e sigo para meu escritório, sem me dar ao trabalho de conferir se ela está me seguindo. Sento atrás da minha mesa e abro o notebook. Pelos minutos seguintes me ocupo com alguns relatórios, até que ouço batidas suaves na porta.
- Pode entrar.
Ela entra devagar, olhando-me receosa. Sua consciência já deve ter lhe informado que ela é uma pessoa muito petulante que merece ser demitida.
- Desculpe a demora, tava dando mamadeira a Levy.
Assinto impaciente, pois vi exatamente o que estava fazendo quando fui chamá-la.
- Sente-se - aponto para as cadeiras do outro lado da mesa e ela nega, balançando a cabeça de forma agitada. - Senhorita Genebra, diga-me, o que somos um do outro?
Junta as sobrancelhas confusa e tento ser paciente, prometi a minha irmã que seria.
- Qual nosso tipo de relação? - questiono ríspido.
Obviamente, a tentativa de ser paciente falhou.
- Chefe e funcionária?
- É uma pergunta?
- Não, é uma resposta com interrogação no final - seu afronte faz querer arrasta-la pela casa e joga-la na rua. Ragazza petulante!
Contento-me em dar a volta na mesa, apoiando-me contra ela, com os braços cruzados e os olhos fixos na garota petulante que minha irmã contratou.
Péssima escolha, Brittany!
- Senhorita Genebra, a senhorita trabalha por lazer ou necessidade?
- Quanta formalidade - faz careta.
- Senhorita Genebra! - praticamente rosno. - Eu fiz uma pergunta.
- Por necessidade. Acha que se trabalhasse por lazer estaria aqui lidando com seu humor azedo?
Aproximo-me dela muito irritado, mas ela não se encolhe, nem se afasta. Pelo contrário, ergue o rosto para me encarar de igual para igual. Mas não somos iguais aqui. Ela é minha funcionária e como tal tem que me tratar com o devido respeito.
- Senhorita Genebra, estou á um passo de demiti-la, então, se precisa mesmo deste emprego, ponha-se em seu lugar. Sou seu chefe não seu amigo, então não me trate como se fosse.
Falo tudo com uma frieza planejada que costuma fazer as pessoas se encolherem. Mas, para minha surpresa, não é o que acontece. Analice simplesmente abre um sorriso debochado, faz uma reverência cheia de floreio e aponta para a porta.
- Posso ir, senhor Di Rienzo? - Sua voz sai carregada de deboche ao falar meu sobrenome, e, apesar de ser uma pergunta, ela não espera que eu responda e apenas sai.
Fico olhando para a porta fechada sem acreditar que, mesmo após a repreensão, ela agiu de forma tão afrontosa. E mesmo hoje sendo seu primeiro dia aqui, já sinto-me muito tentado a demiti-la. A garota não tem o mínimo de respeito por mim, a pessoa que paga a droga do seu salário - que é muito melhor do que a maioria, diga-se de passagem.
Eu queria, e pretendia, demiti-la, não gostei da forma como falou comigo de madrugada, e menos ainda da maneira atravessada que me olhou hoje de manhã. Passei o dia todo pensando na sua petulância e cheguei a conclusão de que demiti-la seria o melhor.
Estava certo de minha decisão, mas quando comuniquei a minha irmã ela achou que eu estava pedindo sua opinião e disse que não. Insistiu na permanência dela e argumentou que com certeza fui grosseiro com a garota, que a culpa era minha e que eu deveria dar mais uma chance ela.
Um mês de teste, foi o que me pediu, e se eu ainda quiser demiti-la - e provavelmente quererei - posso assim fazê-lo. Aceitei, mas apenas porquê ela é uma irmã incrível.
Britt tem feito tudo que pode por meus filhos. Ela tomou o controle de tudo quando, há menos de vinte dias, me vi com dois filhos recém-nascidos e nenhuma mãe para me ajudar a criá-los.
Ela conseguiu que o quarto fosse reformado e ficasse pronto em menos de quinze dias para eles dormirem lá. E durante esses quinze dias iniciais eles dormiram no quarto dela. Ela tem cuidado de tudo por mim, com uma grande ajuda de Tim, eu apenas recebo as informações, e os boletos.
Britt ama gastar e gasta sem pena, mas não me importo, foi por ela que me tornei o que sou hoje.
E é apenas por ela que darei mais uma chance para Analice, espero que ela saiba aproveitar.
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Olá, primeiro capítulo do Matteo. Expectativas? Opiniões? O que acharam dele?
O Matteo Di Rienzo é meu cristalzinho, tem uma história delicada, mas um coração de ouro(apesar de ele fingir que é de gelo). Espero que se apaixonem por ele tanto quanto eu.
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