Capítulo 01
Ah merda!
Esse é meu último pensamento desesperado antes que minha bundinha seca se choque contra o chão.
Atrás de mim, explode a risada escandalosa da minha irmã sem coração. Ainda rindo igual uma hiena, ela para ao meu lado e me ajuda a levantar.
— Tenho pena das crianças que serão cuidadas por você, Ana. Você é um desastre ambulante.
— Ei!
— Tô mentindo? Você acabou de escorregar da escada. Sua sorte é que estava no último degrau, se estivesse lá no topo poderia ter se quebrado toda.
— A culpa não foi minha, foi da escada e... e das meias.
Olha para meus pés e ergue a sobrancelha direita.
— Não está usando meias.
Droga!
Ela não está errada, sou mesmo um desastre ambulante. Quedas e coisas quebradas fazem parte do meu dia-a-dia. É realmente um grande milagre que eu não seja toda remendada.
— Cuida da sua vida, Taylor.
— É sério, Ana, não sei como conseguiu manter as crianças que cuidou vivas. E me preocupa muito saber que está indo para uma entrevista onde a vaga é para cuidar de um bebê recém nascido. Imagina que perigo, Analice Genebra, a própria definição de desastre, cuidando de um bebê de colo.
— Rum. Sua pouca fé em mim me ofende. E acho melhor sair de perto de você, Taylor, sua aura tá meio pesada hoje, cheia de negatividade, não acho uma boa ideia ficar tão próxima de você antes de uma entrevista importante — provoco.
Não entendo nada sobre esse negócio de aura, mas minha mãe vive falando essas coisas e adoro provocar minha irmã com isso.
Ela mostra o dedo do meio e ignoro, entrando na cozinha. Beijo a cabeça careca do meu pai e pergunto como ele está hoje.
— Forte como um touro!
Sorrio e beijo a bochecha da minha mãe, que está distraída lendo o Horóscopo de hoje.
— Olha, filha, aqui diz que hoje terei boas notícias — Sorri me olhando animada — Acho que esse emprego já é seu, estou sentindo boas vibrações a sua volta e sua aura está brilhando.
— Tomara que esteja certo, mãe. Precisamos mesmo que eu consiga esse emprego.
— Já disse pra não ficar se pressionando, meu raio de sol, minhas economias ainda são o suficiente para nos manter por um tempo. Eu preferia de verdade que você voltasse para a faculdade e se dedicasse aos estudos. Sei que é seu sonho ser professora — meu pai comenta um tanto triste.
Suspiro.
— Já falamos sobre isso, pai. Um dia eu realizo esse sonho, no momento precisamos de dinheiro. Quero que sua poupança seja toda voltada para seus remédios e tratamentos. O que eu receber vai ajudar aqui em casa.
Quase dois anos atrás, meu pai foi diagnosticado com câncer de rins em estágio 2 graças a Deus, ele descobriu antes que a doença estivesse muito avançada. Ele começou o tratamento imediatamente, mas é muito caro e eu optei por largar a universidade e voltar para casa. Precisava ajudar nas despesas, não aumenta-las.
Assim, voltei a trabalhar como babá. Consegui trabalho rápido e trabalhei por um ano e meio com a família Garret, no entanto, dois meses atrás Robert aceitou uma proposta de emprego na Georgia e se mudou. Eles queriam me levar junto, até ofereceram aumentar meu salário, mas me recusei. Não podia me mudar para o outro lado do país com meu pai doente.
Então estou há dois meses atrás de um novo emprego, e quase enlouquecendo por passar tanto tempo em casa fazendo nada.
— Concordo, pai — minha irmã entra na conversa —, eu também estou procurando emprego, quero ajudar nas contas daqui sem mexer no dinheiro da faculdade nem nas suas economias.
Sorrio debochada.
— Com o que pretende trabalhar, T? Você nunca fez nada na vida, sua patricinha.
Mostra novamente o dedo do meio e meu pai reclama, pedindo respeito pelo momento sagrado da refeição.
Engulo o último pedaço de bolo e bato palmas, levantando animada. Beijo as cabeças dos meus pais e enfio o dedo no ouvido da minha irmã, antes de correr para a porta sorrindo.
Escorrego no piso muito encerado e por muito pouco não caio de novo, preciso segurar no sofá para me manter de pé.
Definitivamente preciso parar de correr por aí.
Saio de casa saltitante, animada com a possibilidade de conseguir o emprego. Já fui a duas entrevistas, mas sem sucesso. Fiz também alguns trabalhos eventuais durante esse tempo, mas prefiro algo fixo.
Guiada pelo Google Maps, pego o ônibus e desço na parada indicada. A casa onde irei fazer a entrevista fica em um condomínio chique em Bel Air, um dos bairros mais ricos de Los Angeles. Onde moram milionários, bilionários e celebridades.
O ônibus, obviamente, não para muito perto, então preciso andar alguns bons minutos até o bairro. O condomínio não fica muito perto, mas aprecio o percurso observando os condomínios chiques e mansões esplêndidas que vejo no caminho.
Na portaria do condomínio, entrego meu documento de identificação junto com o papel que recebi da agência, nem sei se é necessário, mas trouxe mesmo assim. O porteiro confere no computador e libera minha entrada.
Paro em frente a casa — e quando digo casa quero dizer enorme mansão. Chocada, observo a fachada branca e moderna, com imensas janelas de vidro. A porta é gigante, bem típica dos ricos, mas não acho que que seja de algum famoso, porque não tem nenhum muro nem nada, ao menos não na frente, mas nas laterais existe um muro coberto por trepadeiras. A porta da garagem fica abaixo do nível da casa, o que me faz deduzir que fica na subsolo.
Ainda estou admirando a bela fachada da casa quando a porta se abre. Uma mulher alta e loira, vestindo um macaquinho branco com decote profundo e saltos quinze, sai praticamente desfilando e sorri para mim com simpatia. Sorrio de volta e encaro minha própria roupa, me perguntando se a saia longa vermelha com flores brancas e o cropped de crochê cor de mostarda não é muito exagerado.
Droga! Acho que deveria ter escolhido algo mais discreto. Talvez minhas roupas sejam o motivo de eu continuar desempregada.
Caminho até a porta ansiosa, toco a campainha e me remexo inquieta. A espera não leva um minuto, mas minha ansiedade faz parecer uma hora.
Uma loira abre a porta e sorrio, mas ela não retribui e me olha de cima a baixo com cara de nojo.
— Vim pra entrevista — explico, incomodada com seu jeito de me olhar.
Observo o vestido preto simples, de mangas curtas e comprimento pouco acima dos joelhos. Me pergunto se essa vai ser minha patroa, se for, que Deus me ajude. Já trabalhei para pessoas esnobes e a experiência foi horrível.
Me convida para entrar e ordena — sim, ela ordena — que eu espere no hall e não toque em nada. Desaparece em uma porta á direita e permaneço parada. Observo tudo com curiosidade.
O corredor de entrada não é muito largo e é curto. As paredes são brancas, assim como o piso, porém esse tem detalhes em dourado. O aparador do lado esquerdo também é branco com detalhes dourados e a cima dele tem um espelho redondo de moldura branca.
Faço careta.
Será que toda a casa é tão limitada de cores também? Que sem graça. Tudo bem que branco e dourado formam uma combinação linda, mas um toque de cor nas paredes não faria mal. Até às flores no vaso de cristal sobre o aparador são brancas.
Me distraio observando os detalhes dourados do piso. As linhas se cruzam formando detalhes geométricos. Achei um charme.
— Ei, tô falando com você — solto um gritinho quando uma mão toca meu ombro e a garota dá risada.
— Você me assustou! — falo com a mão no peito e ela balança a cabeça sorrindo.
— Percebi! Desculpa, não foi minha intenção.
— Não, eu é que peço desculpa, estava distraída e me assusto facilmente.
Ainda sorrindo ela estende a mão.
— Prazer, sou Brittany.
— Prazer, me chamo Analice.
Após o aperto de mão, ela me guia pelo pequeno corredor até uma sala próxima e sentamos em sofás opostos, ficando uma de frente para a outra.
Ela pega uns papéis sobre a mesinha de centro e dá uma lida rápida nas informações.
Aproveito para observa-la. Tem olhos castanhos escuros, pele em um tom claro de marrom e cabelos lisos que batem no meio das costas. É alta, porém curvilínea. Usa uma saia preta na metade das coxas e uma blusa de cetim azul claro. E está calçando um salto de no mínimo quinze centímetros, mas ainda assim anda com uma elegância impressionante.
Observando a jovem mulher, me pergunto que ela é. Lembro que na agência informaram que o senhor Di Rienzo é viúvo.
— Sou irmã dele.
— O quê? — pisco, deixando os questionamentos de lado.
— Você se perguntou quem eu sou e eu sou irmã do Matteo e tia dos bebês.
— Droga! Desculpa, eu não quis me enxerir, nem tinha percebido que falei em voz alta. Mas era de se esperar, eu sempre faço isso.
Sorri gentil.
— Eu notei, mas respondi porquê as outras candidatas que vieram também estranharam minha presença, a que saiu antes de você jurava que a entrevista seria com ele. Veio tão produzida que me perguntei se ela queria cuidar dele ou das crianças.
Sorrio.
— É, eu vi ela saindo. Estava vestida pra matar — brinco e ela sorri.
Balança uns papéis e sorri para mim.
— Tenho aqui alguns cartas de recomendações sua. A mais relevante é da Família Garret. Aqui consta que você trabalhou com eles por um ano e oito meses, inclusive eles escreveram uma ótima carta de recomendação falando que você era a única que sabia lidar com a personalidade forte do primogênito.
Humpf!
Personalidade forte? O menino era completamente mimado e mal educado, isso sim! Além de ser um capetinha.
A forma como Brittany me olha que faz perceber que pensei alto novamente. Respiro fundo, desejando um buraco para me enfiar.
— Sempre se refere assim as crianças, senhorita Genebra? — seu tom formal e duro me mostra que, se ela tinha gostado de mim, agora foi tudo por água á baixo.
Parabéns, Analice!
Sua boca grande vai te ferrar outra vez.
— Não me entenda mal, senhorita Di Rienzo, não costumo falar assim de crianças, inclusive eu amo crianças, de verdade, e gostava de cuidar da Betty e seu irmão, Toddy, mas ele era terrível. Nunca consegui achar palavra melhor para defini-lo. O garoto já deu sanduíche com manteiga de amendoim e terra para um coleguinha, já estourou uma bombinha no banheiro da escola e amarrou o cabelo da própria irmã ao pé da mesa de jantar. Me diga, como chamá-lo de anjo? E pesar de ser tão cap... sapeca, sempre consegui lidar com ele — escolho com cuidado cada palavra, mesmo isso sendo algo incomum para mim.
Preciso voltar a trabalhar o quanto antes. Ficar em casa e ociosa está quase me enlouquecendo. Além disso, o salário informado pela agência é quase quatro vezes mais do que o que eu ganhava antes e vai ajudar demais nos medicamentos do meu pai e nas contas de casa.
Ela permanece em silêncio e suspiro pesarosa, lembrando de todas as confusões em que já me meti por não pensar antes de falar.
Levanto desanimada.
— Foi um prazer te conhecer.
Pisca os olhos devagar, visivelmente confusa.
— Você está desistindo da entrevista?
— Você ainda quer continuar a entrevista? Depois de eu chamar uma criança de peste?
— Você chamou de capetinha, na verdade. Mas, sim, ainda tenho interesse em entrevista-la — agita novamente os papéis — Suas cartas de recomendação são muito boas. Os Garret lamentam não terem conseguido te levar com eles e os Patterson, pra quem você trabalhou dois verões seguidos, alegam que era a única que sabia lidar com o humor do filho caçula.
— Humpf! Eu não seria a única se eles soubessem educar aquele mimadinho!
A frase escapa e aperto os olhos amaldiçoando minha falta de filtro.
Eu provavelmente pareço uma pessoa ruim tendo pensamentos assim com pequenos anjos, acontece que a maioria dos ricos para quem trabalhei não davam limites aos seus filhos e de anjos aqueles pestinhas só tinham a cara.
Algumas das crianças eram, de fato, pequenos anjos, como Betty, filha caçula dos Garret e Ray, filho mais velho dos Patterson, e, claro, não posso me esquecer do meu primeiro trabalho como babá, cuidando das gêmeas Darwin, as meninas era verdadeiros anjos, me apeguei tanto aquelas garotas que chorei ao me despedir delas no final do verão.
Mas alguns, como Toddy Garret e Louis Patterson não podem ser chamados de anjos. Já cuidei de algumas outras crianças totalmente sem limites, mas esses dois eram os piores. Principalmente Louis, que era totalmente sem educação e extremamente desrespeitoso com qualquer pessoa, inclusive os próprios pais, totalmente diferente do seu irmão mais velho, Ray, que era um doce de menino.
— Desculpa, aparentemente eu não nasci com o filtro que a maioria das pessoas têm entre o cérebro e a boca, tudo que vem na cabeça eu falo. Acho isso horrível, mas não consigo controlar, quando vejo a tragédia já aconteceu. Já me meti em um monte de enrascada por causa disso. Já tentei mudar mas é tão difícil. Uma vez, tive que rezar cem ave maria porquê, sem querer, chamei um jovem padre de gostoso. Ele era? Era! Mas a madre não gostou de me ouvir falando isso em voz alta, eu nem queria falar em voz alta, jurava que só tinha pensando.
Contrariando todas as minhas expectativas, Brittany ri.
— Como o padre reagiu?
— Mandou a madre rezar mais por mim pois eu estava tão possuída pela luxúria que não respeitava nem o sagrado sacerdote.
Ela novamente dá risada.
— É realmente uma cena interessante de se imaginar. Você estudou em escola católica?
— Não foi interessante vive-la. E estudei, e não era legal, não tinham meninos na escola, era exclusiva para meninas. A única vez que chegávamos perto dos garotos era no recital de natal, mas naquele ano a madre me impediu de ir visitar o colégio católico masculino onde os dois corais se apresentariam juntos. Ficou com medo de que eu ainda estivesse possuída pela luxúria e atacasse um dos meninos.
Dessa vez a risada sai mais alta e não consigo controlar a revirada de olhos.
Taylor também morre de rir quando lembra dessa história, ela estava lá quando aconteceu, mas eu não vejo graça, a madre passou meses sem deixar eu me confessar, estava com medo das perversidades que eu poderia falar para o padre. O que não faz o menor sentido, eu deveria me confessar para ser perdoada das minhas perversidades, não?!
— Voltando a entrevista. Na carta, os Garret fizeram questão de enfatizar que foi uma ótima funcionária e que apenas não foi com eles por causa da sua família. Tem filhos? Ou alguém por quem é responsável?
— Não, sou solteira. Moro com meus pais e minha irmã, mas meu pai está doente há um tempo, por isso preferi não ir para tão longe. Se por acaso eu ficar com a vaga, não terei problema de vir viver aqui. Ao menos não é tão longe de casa — explico, lembrando sobre as informações passadas pela agência.
— Entendo. Olha, seu trabalho seria de Segunda a Sábado, o Domingo é o dia que tiro para passar tempo com meus sobrinhos, então seria seu dia de folga, alguma objeção? — Nego — Ótimo. Meu irmão é empresário e as vezes precisa fazer algumas viagens, eu também faço algumas viagens á trabalho. Então, se acontecer de viajarmos ao mesmo tempo, talvez você precise acompanhar um de nós dois e as crianças juntamente com a outra babá, seria um problema? — Nego, após pensar um pouco — Não precisa pensar muito nisso porquê a possibilidade de viajarmos ao mesmo tempo é pequena, informo apenas para deixá-la ciente.
Balanço a cabeça, demostrando que entendi.
Ela explica sobre a rotina dos bebês, que não é movimentada por serem recém-nascidos. Eu ficarei responsável por cuidar do menino durante o dia e por auxiliá-la nos cuidados dos dois durante a noite, por isso meu salário é tão acima da média. Durante a semana minha vida praticamente toda será voltada para meu trabalho.
Se ela precisar viajar a trabalho vou receber uma bonificação e uma folga extra pelas horas a mais trabalhadas e ficaremos eu e a babá da menina.
Ela pergunta se tenho algo contra a jornada quase dupla mas nego. Passei quase dois anos cuidando de Toddy e sua irmã, e o garotinho valia por dez crianças juntas. Depois de ter sobrevivido a trabalhar com ele me sinto pronta pra cuidar de uma creche sozinha. Além disso, não conseguiria esse salário em nenhum outro lugar.
Ela ainda me faz algumas perguntas, me explica mais algumas coisas e ao final sorri.
— Gostei de você, Analice, mas ainda tenho algumas entrevistas para fazer e preciso conversar com meu irmão, quando tomar alguma decisão informaremos a agência para entrar em contato, seja com uma notícia boa ou ruim.
— Certo!
Levanto e ela me acompanha até a saída. Em um ato impensado, dou um rápido abraço de despedida nela, mas logo me arrependo.
Pelo amor de Deus Ana, se tudo der certo ela será sua patroa, se controla!
— Desculpa, é força do hábito.
Sorri largamente.
— Tudo bem.
— Até logo. Espero.
Dou as costas e saio, mas viro quando ouço ela me chamar.
— Tô torcendo por você! — Confessa sorrindo.
Retribuo o sorriso e saio, sentindo as boas vibrações aumentarem.
Que mentira, eu nem entendo nada de vibração, quem fica falando essas coisas é minha mãe. Mas estou animada.
Realmente muito animada!
________________________
Olá, espero que gostem de conhecer Analice e Matteo. Minha jornada com eles é antiga, já dura cinco anos, e finalmente chegamos em um ponto que acho que eles estão prontos para contarem sua história para outras pessoas além de mim.
Espero que conquistem o coração de vocês.
Bjsss e boa leitura! 😘
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro